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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2020.13522
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA (EPT): OS DESAFIOS
DA RELAÇÃO TRABALHO-EDUCAÇÃO
1
Professional and Technological Education (PTE): the challenges of the
relationship work - education
LORENZET, Deloíze
2
ANDREOLLA, Felipe
3
PALUDO, Conceição
4
RESUMO
Este artigo tem por objetivo retomar alguns diálogos considerados essenciais acerca da Educação
Profissional e Tecnogica e os desafios que inserem a mesma na relação entre trabalho/educação,
formação/educação do ser humano e qualificação. O estudo utiliza como principais referenciais tricos
Marx, Frigotto, Ramos e Ciavatta. A organização desta pesquisa envolve caractesticas da pesquisa
bibliográfica e de estudo de caso. Didaticamente, es estruturalmente subdividida em dois momentos:
o primeiro momento diz respeito ao resgate da Hisria da Educação Profissional no Brasil, seu
processo de construção e sua atualidade. O segundo momento realiza uma abordagem salientando as
relações que a Educação Profissional e Tecnológica estabelece com os direitos ao trabalho - educação,
a partir de uma pesquisa de campo com alguns estudantes, em um Curso cnico Subsequente, num
Instituto Federal, localizado na região metropolitana de Porto Alegre. Ao retomarmos as principais
conclusões obtidas, pontua-se: 1) recentemente houve uma expano sem precedentes na história da
Educação Profissional e Tecnológica federal na sociedade brasileira; 2) a Educação Profissional e
Tecnológica está diretamente integrada e sofre influências do pado de acumulação, que vem se
modificando ao longo da hisria; 3) os estudantes acreditam na Educação Profissional e Tecnológica
para o avanço nas condições de produção de suas vidas; 4) a Educação Profissional e Tecnogica
deve ser democratizada, num caráter igualitário, irrestrito, e deve seguir com condões dignas para seu
desenvolvimento, com o intuito de oportunizar a emancipão humana.
Palavras-chave: Educação Profissional e Tecnológica. Trabalho. Emancipação.
ABSTRACT
This article aims to resume some dialogues considered essential about Professional and Technological
Education and the challenges that insert it in the relation between work-education, formation/education
of the human being and qualification. The study uses as main theoretical references Marx, Frigotto,
Ramos and Ciavatta. The organization of this research involves characteristics of bibliographic research
1
Este texto é inédito e não contou com financiamento para sua realização. Foi desenvolvido a partir de algumas provocações ocorridas
com leituras e debates ao longo de algumas disciplinas realizadas pertencentes à Linha de Pesquisa: Trabalho, Movimentos Sociais e
Educação (TRAMSE) vinculadas ao Programa de Pós graduação em Educação (PPGEDU) na Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS).
2
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mestra em Educação pelo PPGEDU (Universidade
de Passo Fundo), Graduada em Pedagogia pela UPF, Especialista em Psicopedagogia (UPF). Especialista em Administração, Orientação
e Supervio Escolar (UNIASSELVI). Pedagoga do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. E-mail:
delolorenzet@hotmail.com.
3
Mestre em Educação PPGEDU/UFRGS, Especialista em Geso Estratégica de Instituições da Educação Profissional, Especialista em
Gestão Educacional. Graduado em Administração. Graduado em Formação Pedagógica. Gestor SENAI Garibaldi (RS). E-mail:
felipeandreolla@hotmail.com.
4
Doutora em Educação PPGEDU/UFRGS. Mestra em Educação PPGEDU/UFRGS, Especialista em Educação Psicomotora e
Orientação Educacional. Graduada em Pedagogia. Docente pesquisadora na Linha TRAMSE PPGEDU/UFRGS. E-mail:
c.paludo@terra.com.
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and case study. Didatically, it is structurally subdivided into two moments: the first moment concerns on
the rescue of the History of Professional Education in Brazil, its construction process and its actuality.
The second moment makes an approach emphasizing the relations that the Professional and
Technological Education establishes with the rights to work - education, from a field research with some
students, in a Subsequent Technical Course, in a Federal Institute, located in the metropolitan region of
Porto Alegre. When we return to the main conclusions, we note: 1) there has been an unprecedented
expansion in the history of Federal Professional and Technological Education in Brazilian society; 2)
Professional and Technological Education is directly integrated and influenced by the pattern of
accumulation, which has been changing throughout history; 3) students believe in Professional and
Technological Education for advancement in the production conditions of their lives; 4) Professional and
Technological Education must be democratized, in an equalitarian, unrestricted way, and must continue
with decent conditions for its development, with the aim of promoting human emancipation.
Keywords: Professional and Technological Education. Work. Emancipation.
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Iniciamos estas considerações rememorando que no Brasil, a Constituição da Reblica
Federativa do Brasil de 1988, a Carta Magna, em seu artigo 6º, estabelece entre os
direitos sociais o direito à educação e ao trabalho, e outros ainda, aos quais não nos
dedicaremos neste artigo, como à segurança, à moradia e à saúde como indispensáveis
à vida humana. É essencial salientar que apenas em 1988 é posta a obrigatoriedade de
estar na escola, assegurando o direito à educação e o dever de educar. Porém, é
essencial elucidar que a Carta Magna prevê, mas entre sua formatação e o contexto da
prática há um distanciamento e a necessidade de reivindicação para que sejam
assegurados estes direitos fundamentais.
A mesma Constituição Federal enfatiza em seu artigo 205 que a educação, direito de
todos e dever do Estado e da falia será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Tal preceito constitui a base
de sustentação para definição de Políticas blicas Educacionais Brasileiras, sendo a
educação um bem público que corresponsabiliza o Estado, as falias e a sociedade
para sua efetivação. Ainda, de acordo com este artigo 205, educação, cidadania e
trabalho devem estar articulados.
Outro embasamento legal que trata desta prerrogativa é o Estatuto da Criaa e do
Adolescente, Lei n.º 8.069, de 1990. Neste referencial, no artigo 53 assegura que: A
criança e o adolescente têm o direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de
sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho,
ampliando a garantia para igualdade de condições em se tratando do acesso e da
permanência; garantindo direito de ser respeitado; direito de contestar critérios
avaliativos; garantia de ter o direito de participar da organização em entidades estudantis;
bem como, declara e assegura o acesso à escola pública e gratuita próximo de sua
residência.
No tocante aos textos legais específicos da educação, destaca-se a Lei de Diretrizes e
Bases (LDB n.º 9.394/96), que no artigo 21, estabelece que a educação escolar está
composta por dois níveis: Educação Básica e Educação Superior. Ela também possui
modalidades, como a Educação Profissional e Tecnológica, cujo objetivo é a preparação
e a integração com as dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. Conforme o
artigo 39 da LDB, a educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos
da educão nacional, integra-se aos diferentes veis e modalidades de educação e às
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dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia e conduz ao permanente
desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.
Neste sentido, a Educação Profissional e Tecnológica tem um caráter de verticalização,
podendo atuar desde a Educação Básica, com o Ensino Fundamental, através da
Formação Inicial e Continuada (FIC) ou qualificação profissional; com o Ensino Médio,
por meio da formação Técnica Articulada, (em Cursos Integrados e Concomitantes) e
em Cursos Subsequentes, podendo articular-se com a modalidade da Educação de
Jovens e Adultos (EJA); até a Educação Superior, por meio da graduação com Cursos
Superiores Tecnológicos, Cursos Superiores, e na pós-graduação em Especializações,
Mestrados e Doutorados.
Sendo assim, contextualizamos que o Brasil alcançou recentemente, em 2014, segundo
o Banco Mundial, com base de dados de 2011: a posição como economia mundial,
entretanto, em diferentes indicadores educacionais, a exemplo do Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), o país ocupa as posições mais
inferiores. Trata-se de uma sociedade de contrastes, desigual, e nesta perspectiva ainda
temos muito para melhorar. É preciso reconhecer que a educação e, sobretudo, a
Educação Profissional e Tecnológica precisa ser considerada como uma das alternativas
que conduz ao desenvolvimento, à ascensão social, política e cultural, de fato e de direito,
como possibilidade de diminuir a distância entre ricos e pobres, mandantes e executores,
dominantes e dominados.
Deste modo, este artigo busca esmiuçar os seguintes problemas: qual a trajetória
histórica da Educação Profissional e Tecnológica brasileira? Quais as concepções de
educação e trabalho que são pertinentes para a Educação Profissional e Tecnológica?
Como os estudantes de um Curso Técnico Subsequente em Mecatrônica concebem
esta relão trabalho - educação? Assim, o objetivo deste artigo é retomar alguns
diálogos considerados essenciais acerca da Educação Profissional e Tecnológica,
investigando o fenômeno histórico e social que a compõe no contexto nacional e os
desafios que inserem a mesma na relação entre trabalho-educação, formação do ser
humano e qualificação para a vida produtiva. Didaticamente, este artigo estrutura-se em
duas partes: a primeira diz respeito ao resgate histórico da Educação Profissional no
Brasil e a segunda parte realiza uma abordagem salientando as relações que a
Educação Profissional estabelece com os direitos à educação e ao trabalho, a partir de
uma pesquisa de campo.
1 BREVE PERCURSO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL
A rede federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica foi instituída no Brasil
pela assinatura do Decreto n.º 7.566, pelo então presidente Nilo Peçanha, em 23 de
setembro de 1909 com a criação de 19 Escolas de Aprendizes Artífices (EAA) para os
desfavorecidos da fortuna. Cada escola localizava-se na época em uma capital
brasileira. Apenas não foi construída no estado do Rio Grande do Sul, pois havia sido
inaugurado o Instituto Técnico da Escola de Engenharias de Porto Alegre - Instituto
Parobé, com organização e funcionamento compatível com as demais escolas federais
5
.
5
Este fato foi relevante para que no contexto atual, apenas no estado do Rio Grande do Sul não existe uma reitoria dos Institutos Federais
de Educação, Ciência e Tecnologia instalada em sua capital.
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Este instituto foi incorporado em 1911 como Escola de Aprendizes Artífices do estado do
Rio Grande do Sul.
O objetivo de criação destas respectivas instituições era o ensino de ofícios, de acordo
com as demandas e especificidades industriais naquele contexto de cada estado, uma
vez que o país estava perdendo sua característica central de economia agrário-
exportadora, e estavam surgindo as primeiras instrias, com produção em larga escala,
carentes de profissionais qualificados. É oportuno pontuar que a Educação Profissional
e Tecnológica está diretamente integrada e sofre influências do modo produtivo que vem
se modificando ao longo da história. Além disso a criação destas escolas tinha intenção
de promover aos desprovidos economicamente a aprendizagem de um ofício, uma
profissão para que se tornassem úteis através do trabalho à sociedade industrial.
De acordo com Kunze, (2009), temos a seguinte perspectiva:
O público alvo referido era o considerado desdito da riqueza que, por essa condição, estava
sem horizontes, à margem da sociedade e desvinculado dos setores produtivos,
engrossando um grupo urbano periférico obstaculizador do desenvolvimento do país e
causador de medo (KUNZE, 2009, p. 14-15).
Segundo esta autora, aos olhos dos dirigentes do país, era preciso educar, atender,
profissionalizar os ex-escravos, mendigos, loucos, prostitutas, rebeldes, viciados, órfãos
para que se transformassem em obreiros úteis ao invés de serem rebeldes com a Pátria.
De acordo com Cunha
O ensino profissional para os desvalidos era visto por essas correntes de pensamento como
urna pedagogia tanto preventiva quanto corretiva. Enquanto pedagogia preventiva,
propiciaria o disciplinamento e a qualificação técnica das crianças e dos jovens cujo destino
era "evidentemente" o trabalho manual, de modo a evitar que fossem seduzidos pelo
pecado, pelos vícios, pelos crimes e pela subversão político-ideológica. Adernais, nas
oficinas das escotas correcionais, o trabalho seria o redio adequado para combater
aqueles desvios, caso as crianças e os jovens já tivessem sido vítimas das influencias
nefastas das ruas (CUNHA, 2000, p. 42).
Observamos que historicamente foi instaurada para um público que estava à margem
da sociedade, excluídos e necessitando de uma oportunidade. Ao refletirmos sobre o
trabalho é essencial recordar que ao longo da história da humanidade ele recebeu uma
carga negativa, pois relembrava a escravio, enquanto que para a nobreza o tempo era
ocupado com o ócio, as artes, outras atividades.
Em linhas gerais, o trabalho manual, braçal absorvia um preconceito ainda maior, pois
os trabalhos manufatureiros eram ligados ao regime escravista, enquanto que o trabalho
intelectual deveria ser reservado aos filhos da elite através da Educação Superior. É
notável que já havia uma divisão social do trabalho e uma dualidade estrutural da
educação. Neste sentido, persistem marcas na Educação Profissional indicando que
deve ser destinada para a classe trabalhadora com ocupações mais subservientes,
enquanto que a Educação Superior deve ser destinada para a elite no planejamento e
gestão. Realizar a extinção dessas diferenças, superar este estigma, desmistificar tais
induções e democratizar o acesso e a liberdade para cada cidadão escolher seu
percurso formativo é nosso dever.
Dando continuidade ao percurso histórico, em 1937, as Escolas de Aprendizes Artífices
foram transformadas em Liceus recebendo um sensível aumento nos investimentos da
Educação Profissional. Posteriormente, com a promulgação da Lei Orgânica do Ensino
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Industrial em 1942, os Liceus passaram a ser Escolas Industriais demonstrando uma
grande alteração
6
.
Neste mesmo ano de 1942, foi criado através do decreto-lei n.º 4.048, o Sistema S, por
meio do então presidente Getúlio Vargas
7
. Estas organizações surgiram para atender a
uma necessidade premente: a formação de profissionais qualificados, geralmente
concretizadas pela parceria do sistema público com a sociedade civil e seus entes
privados. , na ocasião, estava claro que sem Educação Profissional não haveria
desenvolvimento para o Ps. Neste sentido, há um debate grande em torno da
colaboração, ou não, desse sistema para a qualificação dos trabalhadores em diferentes
setores, por haver um tensionamento pela disputa de recursos blicos, por um sistema
de organização privada.
Com base na Lei n.º 4.759, de agosto de 1965, as Escolas Industriais foram
transformadas em Escolas Técnicas Industriais, a situação demandava uma ampliação
da demanda, um profissional mais qualificado e especializado, atraindo assim jovens de
todas as camadas sociais. Por meio da Lei n.º 8.948, de 08 de dezembro de 1994,
iniciou-se novo processo de mudança com consolidação de uma nova fase, dada pelo
Decreto de 13 de novembro de 2002, implantando os Centros Federais de Educação
Tecnológica (CEFET), com a chegada dos cursos de Educação Tecnológica de Nível
Superior.
Com esses cursos, um salto histórico ocorre com a Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro
de 2008, ao apresentar ao ps uma nova arquitetura: os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia (IFs). Tais espaços possuem novo arranjo em sua
institucionalidade, contemplando a articulação entre Educação Superior, Educação
Básica e Educação Profissional, em caráter pluricurricular e com múltiplos campi,
comprometidos com a verticalização do ensino, permeado por pesquisa e extensão e
preocupação com o desenvolvimento local e regional. O investimento realizado no
âmbito federal nesta modalidade de ensino e com estas instituições inovadoras é
incomparável e sem precedentes anteriores na história da Educação Profissional e
Tecnológica do ps. Cabe observar que segundo publicão da Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica (SETEC)
8
em praticamente um século, de 1909 até o ano de
2002, havia 140 campi, em 120 municípios brasileiros. De 2003 até 2017, último ano da
gestão presidencial do Partido dos Trabalhadores, havia 644 campi, representando um
crescimento exponencial de unidades, de matrículas nesta modalidade, no número de
servidores e de acesso interiorizado à educação pública, gratuita e federal.
A expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
demonstrou um crescimento exponencial e propiciou maior acesso à Educação
Profissional e Tecnológica pública, demonstrado em amplião do número de
municípios atendidos, matrículas efetivas de estudantes e número de servidores (as).
6
É importante mencionar que a Lei Orgânica do Ensino Industrial (1942) determinava que a candidatura dos concluintes dos cursos cnicos
industriais, agrícolas e comerciais, assim como dos cursos normais, ficava restrita às carreiras diretamente relacionadas com aqueles.
7
O respectivo sistema contempla: o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) criado em 1942, Serviço Social da Indústria
(SESI) criado em 1946, Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (SENAC) criado em 1946, Serviço Social do Comércio (SESC)
criado em 1946, Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP) criado em 1988, Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural (SENAR) criado em 1991, Serviço Social de Transporte (SEST) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte
(SENAT), ambos criados em 1993 e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) criado em 1972.
8
Para maiores esclarecimentos deixamos o endereço eletrônico, a seguir: <http://redefederal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal>. Acesso
em: 20 mai. 2019.
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Deste modo, expressa na obra Concepções e Diretrizes - Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia:
O foco dos Institutos Federais será a justiça social, a equidade, a competitividade econômica
e a geração de novas tecnologias. Responderão, de forma ágil e eficaz, às demandas
crescentes por formação profissional, por difuo de conhecimentos científicos e
tecnológicos e de suporte aos arranjos produtivos locais (BRASIL, 2009, p. 5).
Dando continuidade, a referida obra declara que o Projeto agora em curso, reafirma que
formação humana e cidadã precede à qualificação para o exercício da laboralidade e
pauta-se no compromisso de assegurar aos profissionais formados a capacidade de
manter-se permanentemente em desenvolvimento (BRASIL, 2009, p. 9). Neste
direcionamento, os Institutos Federais atuam com base no tripé: ensino, pesquisa
aplicada e extensão, orientados para a produção do conhecimento, sua disseminação e
disponibilizando os mesmos para a sociedade. Outras características norteadoras
devem ser a inovação e o aprimoramento tecnológico.
2 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E A RELAÇÃO TRABALHO-EDUCAÇÃO
É primordial relembrar que ao longo da história brasileira diversas mudanças ocorreram
em relação aos processos educacionais, diversos modelos emergiram, desde uma
instrução primária, uma instrução para o trabalho, estas geralmente voltadas às camadas
populares, até uma instrução científica e superior direcionadas para camadas superiores
da pirâmide econômica. Deste modo, observamos que no percurso histórico a educação
cumpriu finalidades diferentes. Assim, indagamos, hodiernamente, para que serve a
educação
9
?
Ancorados na perspectiva de Freire (1993), reconhecemos a educação como processo
de tomada de consciência para transformar as situações opressoras, em forma de
libertação e emancipação. A sociedade passa por mudanças no âmbito das tecnologias,
das relações econômicas, sociais, políticas e culturais, e a educação deve viabilizar um
projeto de inclusão, de democratização.
Com base neste entendimento, realizamos uma pesquisa de campo, com auxílio da
ferramenta Google Drive, com questões abertas direcionadas aos estudantes de um
Curso Técnico Subsequente, de um Instituto Federal. O lugar de fala destes estudantes
é no contexto da região metropolitana de Porto Alegre, em sua maioria do gênero
masculino, adultos, com faixas etárias entre 18 e 60 anos, trabalhadores. Uma
quantidade significativa dos mesmos realizou a conclusão do Ensino Fundamental e
Médio, por meio da Educação de Jovens e Adultos e retornaram aos estudos após longo
período de afastamento. A primeira questão foi: Segundo o seu entendimento, para que
serve a educação?
Como respostas que mais chamaram a atenção nesta amostra, obtivemos:
a) A educação serve como base para uma sociedade civilizada” (e.1
10
).
b) Educação é a base de uma sociedade (e.2).
c) Serve para emancipar as pessoas, dar significado à vida (e.3).
9
De acordo com Martins (2005, p. 3), a origem etimológica do termo educar significa trazer à luz a ideia ou filosoficamente fazer a criança
passar da potência ao ato, da virtualidade à realidade.
10
No intuito de preservar a identidade dos estudantes que participaram da amostra, suas opiniões foram descritas sem identificação, apenas
com a inicial e, correspondente a estudante, seguida de algarismo.
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d) Para formar bons profissionais e principalmente bons cidadãos (e.4).
e) Para formar pessoas mais cultas, onde se preocupam mais com o planeta e com
as outras pessoas (e.5).
f) Melhorar nossa vida e o espaço que vivemos (e.6).
g) Para nivelar os rendimentos (e.7).
Por meio destas respostas, observa-se o entendimento da educação como uma forma
de promover o ser humano, ampliando a cultura, o profissionalismo e a cidadania,
melhorando a sociedade e o entorno.
Deste modo, inferimos que os educandos, como sujeitos da aprendizagem, querem
qualificar-se para a realidade do mundo do trabalho, num contexto capitalista, em que os
meios de produção são propriedade privada; enquanto que as camadas populares, os
trabalhadores precisam subeter-se a venda da força de trabalho, com a permanente
ameaça de serem excluídos pelo desemprego. Para Marx (2013), o trabalho é um dos
fundamentos do ser social:
O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em
que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a
natureza. Ele se confronta com a matéria natural como com uma potência natural. A fim de
se apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua própria vida, ele põe em
movimento as forças naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braços e pernas,
cabeça e mãos. Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse
movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. [...] Pressupomos o
trabalho numa forma em que ele diz respeito unicamente ao homem (MARX, 2013, p. 255).
Segundo este autor, o trabalho é realizado na intervenção do ser humano e sua
mediação com a natureza. Entretanto, o sistema capitalista transforma tudo em
mercadoria, inclusive os sujeitos trabalhadores, como produtores da força de trabalho
que a colocam à venda, consolidando um grupo de força de trabalho necessário e outro
grupo como excedente, ameaçados pelo desemprego. Esta realidade também é
caracterizada pela reestruturação produtiva, que aponta para o uso de técnicas e
tecnologias vinculadas à hegemonia do poder econômico, em detrimento, das
perspectivas familiares, culturais, ambientais e sociais.
Marx foi um intelectual do século XIX, entretanto, a ciência produzida pelo velho Marx
permanecerá atual enquanto a sociedade não superar o modo de produção capitalista.
Para Harvey (2015, p. 27),apartar-nos de Marx é cortar nosso nariz investigativo a fim
de satisfazer à face superficial da moda intelectual contemporânea, ou seja, o jovem
Marx foi o pioneiro juntamente com Engels a divulgar o pensamento de que os
trabalhadores do mundo inteiro se unissem, caso quisessem vencer as forças do
capitalismo como um trem desgovernado que, por onde passava, provocava destruição.
Marx e Engels denunciavam que a acumulação do capital em um extremo produzia a
acumulação da miséria em outro polo.
Frente as expectativas dos estudantes e o entendimento de que sem trabalho fica dicil
haver a produção e reprodução da vida, recorremos aos pesquisadores Frigotto e
Ciavatta (2002), que contribuem para a reflexão do momento atual pelo qual atravessa
o Brasil e parte do mundo:
Esta situação de crise do trabalho assalariado reafirma a histórica dualidade dos processos
formativos escolares. Afirma-se a ideia de que as crianças de classes populares devem
preparar-se, desde cedo, para o trabalho remunerado. Como já não há emprego para todos,
ressurge com força a ideologia das competências e da empregabilidade. Com isso, dilui-se
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a concepção de escola básica e unitária como espaço de formação humana, e toma-se o
trabalho na sua dimeno alienada ou reduzido a emprego ou subemprego (FRIGOTTO;
CIAVATTA, 2002, p. 7).
Como os autores explicitam, há uma diferença entre emprego e trabalho. O emprego é
concebido, como uma dimensão de ocupação. Neste caso, o emprego é destinado
majoritariamente para a ocupação das classes populares, em situação de produção da
mais-valia e da submissão aos designíos do capital, cuja teoria considera a própria força
de trabalho como uma mercadoria. A citação de Frigotto e Ciavatta (2002) sinaliza um
sistema educacional dual, com características divergentes para a formação da mão de
obra executante, oriunda das camadas populares e a formação intelectual, mais científica
e erudita dos que alcançaram camadas superiores e têm a pretensão de se manterem
na elite reproduzindo o fenômeno social. Neste sentido, é indispensável recordar que
a escola foi uma invenção burguesa com o intuito de conservar seu sistema de produção,
além de ser produto, é elemento constituinte da sociedade de classes.
Em contrapartida, o trabalho, é necessário para a produção de vida, possui, assim, uma
conotação ontológica. Ou seja, como afirma Thompson (1981), o trabalho está vinculado
à experiência humana e à cultura. É com essa preocupão que Thompson enfatiza
que, através da experiência do trabalho, os seres humanos se constituem em sua própria
humanidade, como pessoas, experimentam suas situões e relações produtivas
determinadas como necessidades e interesses e [...] tratam essa experiência em sua
consciência e sua cultura (THOMPSON, 1981, p.182). Com isso, resgatamos a ideia de
que o trabalho nos constitui, o trabalho é próprio do gênero humano, confirmando que
historicamente o trabalho surge antes da educação, neste caso, é imprescindível
estabelecermos a cronologia destas relões sociais: trabalho - educação.
Nesta perspectiva, a segunda questão encaminhada aos estudantes foi: conforme sua
compreensão, para que serve o trabalho? Como respostas que se destacaram nesta
amostra, obtivemos:
a) Para dignificar as pessoas, quem do trabalho se orgulha, percebe que através
dele pode transformar o mundo (e.1).
b) Essencial, realmente ao trabalhar também aprendemos bastante e nos sentimos
valorizados (e.2).
c) O trabalho serve para termos mais dignidade e pensarmos em um futuro
promissor (e.3).
d) Para tornar as pessoas independentes e lhes dar o sustento de suas famílias
(e.4).
e) Atividade física e intelectual, ou somente sica ou somente intelectual
remunerada (e.5).
f) O trabalho serve para a sobrevivência da humanidade (e.6).
De acordo com o que ficou explícito, o trabalho na concepção destes estudantes possui
um conceito que está relacionado com dignidade, aprendizagem, valorização, sustento,
atividade, remuneração e sobrevivência.
Uma outra questão desafiadora que permanece historicamente é: a educação atua para
a reprodução da ordem social e da manutenção do poder ou a educação busca a
transformação, a emancipação, o progresso coletivo e a redução das desigualdades?
Podemos admitir que há uma tensão, um confronto, uma luta que precisa ser pensada
entre os interesses ecomicos e os direitos humanos. É essencial que as questões
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sociais sejam prioridade, e não estejam submissas às questões econômicas e
ideológicas.
Para contribuir, Gomes (2002) afirma que a sociedade e as pesquisas educativas devem
aprender mais sobre: educação para o trabalho, educão-produção, trabalho como
formador de caráter e princípio do conhecimento. Assim, novamente, refletimos: de que
modo o trabalho é uma condição de cidadania, com possibilidade de crescimento para
as relações sociais? Quais as formas de exploração do emprego que levam à alienação
da vida? Uma vez que é importante repensar as práticas pedagógicas, às vezes
contraditórias, como peças da relação trabalho - educação. Neste sentido, é pertinente
analisar a mediação entre conhecimento operacional, prático, científico, erudito e crítico.
Frente a isso, é pertinente pensar a Educação Profissional e Tecnológica como prinpio
de trabalho técnico somado à formação integral, à ciência e à tecnologia. Uma
articulação política inovadora é a expansão da rede de Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia, contribuindo com a qualificação humana e para o trabalho, como
educação blica, gratuita e de qualidade, atuando em prol das demandas sociais e do
desenvolvimento regional. Entretanto, neste redesenho social, econômico e político há
uma preocupação em relação à sua consolidação e fortalecimento.
Envolvendo a Educação Profissional e Tecnológica, a pesquisa de campo lançou a
seguinte indagação: quais as principais razões de você ter ingressado num curso de
Educação Profissional e Tecnológica? Como respostas que mais chamaram a ateão
nesta amostra obtivemos:
a) Para obter melhor qualificão profissional (e.1).
b) Melhorar o currículo (e.2).
c) Enriquecimento técnico e financeiro (e.3).
d) Melhorar minha qualificação profissional e ter novas oportunidades de emprego
(e.4).
e) Ter competência técnica e utilidade para a sociedade (e.5).
f) Ter possibilidade de aumentar a retribuição e tranquilidade para o futuro (e.6).
g) Melhorar minha capacidade profissional (e.7).
De acordo com tais respostas, observamos que os estudantes ingressaram na
Educação Profissional e Tecnológica com objetivos de buscar qualificação,
possibilitando aprimorar o currículo e acessar novas oportunidades ocupacionais. Outra
finalidade também envolve a situão financeira, alimentando a cadeia de que
trabalhamos para produzir, consumir e sobreviver. Segundo Konder (2000, p. 112),
Toda sociedade vive porque consome; e para consumir depende da produção. Isto é,
do trabalho. Toda a sociedade vive porque cada gerão nela cuida da formação da
geração seguinte e lhe transmite algo da sua experiência, educa-a. Este raciocínio
esclarece que a sociedade é formada pelo gênero humano, em relações sociais que
envolvem a dimensão do trabalho e da cultura perpassando a instância da educação.
Outra pergunta formulada foi: para você, quais os aspectos positivos de ser um
estudante-trabalhador ou trabalhador-estudante? Como respostas que mais chamaram
a atenção nesta amostra, obtivemos:
a) Aplicação da teoria na prática e possibilidade de retornar para a teoria (e.1).
b) Damos mais valor ao tempo de estudo, pois se torna difícil encontrar tempo para
estudar, trabalhar e cuidar da família (e.2).
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c) Manter a cabeça ocupada com coisas boas, estar sempre aprendendo, quem
mais estuda tem mais oportunidades (e.3).
d) É dar valor aos estudos que quando se é jovem e ainda não trabalha ninguém
pensa no futuro (e.4).
e) Ser melhor visto pela empresa onde trabalho (e.5).
f) Minha evolução intelectual, posso dar exemplos do trabalho em sala de aula e no
trabalho posso contribuir com aquilo que estou aprendendo (e.6).
Nestas respostas extraímos a possibilidade de articular teoria e prática, aproveitar o
tempo com formação, procurar uma imagem positiva dentro do espaço de trabalho por
buscar ampliar a escolaridade, buscar o crescimento intelectual, ampliando horizontes
na instituição educacional e no ambiente de trabalho. Sobressai desses depoimentos a
necessidade de manter seu emprego, num cenário de crise do setor produtivo, em que
tal ameaça permite a expropriação ainda maior das forças de trabalho, uma vez que os
indicadores de desemprego estão em elevação
11
. De acordo com o que es expresso,
para os estudantes, a responsabilidade pela situação de emprego X desemprego é
individual, há certa miopia acerca da complexidade instaurada na economia, no modo
de produção e nas relações constitutivas na sociedade. Eles acreditam que ainda há
uma correlação direta entre educação para a manutenção do trabalho, no entanto, nem
sempre a formação é a garantia de emprego, principalmente na atualidade, com a
mudança do padrão de acumulação, o neoliberalismo e suas políticas que
desconstituem direitos, entre eles, o direito ao trabalho digno e a educação pública de
qualidade.
Para auxiliar neste esclarecimento Ramos (2014), destaca:
Enquanto vigorou o projeto nacional-desenvolvimentista e a certeza do pleno emprego,
preparar para o mercado de trabalho foi realmente a principal finalidade da educação
brasileira, ainda que o acesso ao ensino superior fosse facultativo e altamente demandado.
Com a crise dos empregos e mediante um novo pado de sociabilidade capitalista,
caracterizado pela desregulamentação da economia e pela flexibilização das relações e dos
direitos sociais, a possibilidade de desenvolvimento de projetos pessoais integrados a um
projeto de nação e de sociedade tornou-se significativamente frágil. (RAMOS, 2014, p. 115).
Por fim, a última queso realizada foi: para você, quais os aspectos desafiadores de ser
um estudante-trabalhador ou trabalhador-estudante? Como respostas que mais
chamaram a atenção nesta amostra, obtivemos:
a) Ter capacidade de conciliar as duas coisas (estudo e trabalho) (e.1).
b) Horários para os estudos, conciliar falia, trabalho e estudos (e.2).
c) É vencer o cansaço, o sono, a falta de tempo, manter-se sempre motivado (e.3).
d) Dificuldade de articular o que aprendo em meu trabalho (e.4).
e) Foco na área em que se está estudando, deixando de lado momentos de lazer
(e.5).
De acordo com as respostas destes estudantes-trabalhadores, as maiores dificuldades
enfrentadas dizem respeito à falta de tempo, ao cansaço, ao distanciamento entre o
curso realizado e o trabalho executado, quando estes não possuem afinidade. De acordo
11
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicados em abril de 2019,mais de 1,2 milhão de pessoas
entraram para a população desocupada no primeiro trimestre do ano, na comparação com o último trimestre de 2018. Com isso, o total de
pessoas à procura de emprego no país chegou a 13,4 milhões. Para obter mais informações, disponibilizamos o endereço:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/24283-desemprego-sobe-para-12-7-com-13-4-
milhoes-de-pessoas-em-busca-de-trabalho. Acesso em: 22 mai. 2019.
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com suas opiniões, a condição estudante-trabalhador supõe abrir mão de momentos
com a família, de lazer, sobrecarregando suas atividades e minimizando seu tempo-livre.
Marx (2013) esclarece que todas às vezes em que é produzido algo, mas que seu
produtor, não se reconhece na obra, existe ali a alienação ou estranhamento. Deste
modo, aponta para um processo educativo que não pode ser contraditório, mas
integrado na formação intelectual, associada à formação técnica e científica. Marx é um
autor contemporâneo, pois os pressupostos de sua teoria são atuais em sociedades
marcadas pela economia capitalista. Assim, o apontadas contradições, antagonismos
como proprietários e proletários, civilização e embrutecimento, riqueza e
empobrecimento, desenvolvimento e retrocessos, reprodução e revolução.
A educação para o trabalho, de acordo com Cortella (2014, p. 17), precisa superar o
significado original do termo trabalho que é tripalium, tomado como instrumento de três
paus usado para o sacrifício e a tortura, transformando-o em poiésis, como possibilidade
de liberdade, cultura, relações solidárias e mais tempo-livre para desenvolver atividades
criadoras.
Freire (1993) acrescenta que ao educar estamos exercendo um papel político, assim
temas como ética, cidadania, política, trabalho, condições de sobrevivência devem ser
tratados. Estes são referenciais da educação popular que, por meio do diálogo, tenta
recuperar a humanidade, muitas vezes roubada do trabalhador, visto como mercadoria.
Deste modo, a educação precisa atuar na inclusão social dos sujeitos pelo trabalho, e
não favorecer a exploração. Na educação é importante valorizar as experiências, os
conhecimentos prévios, as vivências da realidade, trazendo o trabalho como eixo
articulador do currículo, como analisam Frigotto e Ciavatta (2002), incentivando a
autonomia e não a subordinação.
Por fim, re-enfatizamos que a Educação Profissional e Tecnológica deve buscar a
emancipação, a cidadania, o desenvolvimento com justiça social e não entrar no jogo
apenas de formar/instruir a classe trabalhadora restritamente para o trabalho.
PALAVRAS FINAIS
Em razão das ideias pontuadas neste artigo, comungamos que o pesquisador da
educação precisa estar ciente de que não é um produtor de uma pedagogia dos
resultados, nem seu trabalho poderá apenas fazer uma crítica ultrarradical de
condenação. Uma das tarefas que pode desempenhar como um intelectual da educação
é propor alternativas, compreendendo a educação inserida no contexto histórico e social
como ponto de partida para, através das lutas coletivas, dos movimentos sociais, e de
práticas de resistência, visar a transformação de situações discriminatórias, violentas e
opressoras.
A construção desta pesquisa oportunizou, como conclusões, em primeiro lugar que a
dualidade entre educação das classes populares/trabalhadoras e educação das elites
segue sendo uma realidade no Brasil do século XXI.
Em segundo lugar, foi observado que recentemente houve uma expansão sem
precedentes na história da Educação Profissional e Tecnológica federal na sociedade
brasileira. E, como se analisou anteriormente, este crescimento exponencial propiciou
maior acesso à Educação Profissional e Tecnológica pública, demonstrado em
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ampliação do número de municípios atendidos, matrículas efetivas de estudantes e
número de servidores (as).
Uma terceira conclusão desta pesquisa permite inferir que a Educação Profissional e
Tecnológica está diretamente integrada e sofre influências do padrão de acumulação do
capital, que vem se modificando ao longo da história. Mais recentemente, com o uso de
tecnologias, há mudanças profundas no processo de produção e, com isso, novas
habilidades são exigidas dos trabalhadores. Contraditoriamente, desqualifica-se a
educação pública e se pretende desconstituir a rede de Educão Profissional e
Tecnológica, a qual nos referimos acima; assim como, a educação blica em sua
totalidade. Verifica-se, portanto, um recrudescimento na dualidade apontada em nossa
primeira conclusão.
A partir desta posição, é preciso reconhecer o sistema educativo dual e considerar a
concepção de Fernandes (1989):
Há muitos que pensam na educação para a classe trabalhadora como uma educação
exclusivista. É trabalhador? Então vai ser operário, ele precisa de uma educação técnica,
precisa ser instruído, não educado; ele precisa ser adestrado, não polido, intelectualizado!
[...] Por que os que são proprietários dos meios de produção têm capacidade de comandar,
a arrogância de mandar, etc? Porque eles aprendem nas escolas uma educação de classe
e adquirem uma cultura geral que é uma cultura formativa. Temos de dar ao trabalhador
essa mesma educação. O trabalhador precisa conhecer o mundo, explicar o mundo e, para
isso não basta lhe dar adestramento (FERNANDES, 1989, p. 9).
De acordo com o expresso, a educação não pode ser um sistema dual, um formato para
a elite e outro para as camadas populares/classes populares/classe trabalhadora. A
educação e seu vínculo com o trabalho não pode ser pensada de uma maneira
determinante e limitadora para as massas, para a população em geral e de outra forma
mais científica para as elites. Nem pode apenas favorecer o capital e dar as costas para
a sociedade.
A educação é um bem, um direito público subjetivo, não pode ser uma mercadoria a ser
negociada por interesses particulares, nem deve submissão às regras do mercado. Caso
seja pensada como mercadoria, vira um produto comercializável, entra na lógica das
relações de troca e se transforma em mercadoria, como qualquer outra, servindo a lógica
da acumulação de capital. A educação, como o trabalho, é um direito social, não pode
ser um bem de consumo disponível apenas para quem tem poder aquisitivo de adquiri-
lo. É perceptível, na atualidade, que com o neoliberalismo e a globalização capitalista,
aumentou a mercantilização da educão, a mesma é, cada vez mais, considerada um
negócio, um empreendimento.
Da mesma maneira, como o trabalho, a educação pode ter uma dupla face, como nos
dizem Frigotto e Ciavatta (2002), servindo para a criação ou à destruição da vida. E, nesta
perspectiva, o conhecimento, a ciência não deve apenas ser prática, utilizável e gerar
produtividade para ser eficiente ao capital. A educação neste modelo esquece seu
compromisso social, revela a supremacia dos aspectos econômicos em detrimento dos
princípios sociais. E vimos, nas respostas das pesquisas, como os estudantes acreditam
na importância da educação para a qualificação da vida. Eles, os estudantes, sabem que
a educação impulsiona o crescimento e o desenvolvimento ajudando, inclusive, a
obterem melhores trabalhos. É por essa educação, que emancipa e contribui para a
qualificação da vida, que os movimentos e comunidades devem se engajar em uma luta
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social, para resistir ao desmonte da educação pública e garantir que continue sendo
pública e gratuita.
Diante do que escrevemos, um dos grandes desafios é o de reivindicar e construir um
Estado que veja a educação como um movimento, um processo que auxilia a toda a
população a alcançar a emancipação, a humanização. Não podemos perder as
esperanças, pois este processo é lento, assim como nos diz Harvey (2015), uma
revolução não é um evento, mas acontece por meio de um processo.
Em síntese, a finalidade da educação, na perspectiva libertadora e emancipadora, é a
de buscar contribuir com a transformação da sociedade, através da formação de sujeitos
capazes de refletir criticamente o mundo no qual vivem, e se inserirem nos processos
transformadores, de modo coletivo e intencional, porque sabedores do seu papel. E, por
fim, a Educação Profissional e Tecnológica precisa contemplar a instrumentalização
técnica e política, qualificando para o mundo do trabalho e para a vida, buscando como
princípio maior a construção de uma sociedade justa.
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