Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.77-88 | maio-ago. | 2020
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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2020.14672
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
TRABALHO DOMÉSTICO E CAPITALISMO: A NATURALIZADA SINA
SOCIOAMBIENTAL DAS MULHERES
1

RIBAS, Isadora Fernandes
2
DIAS, Fabio Alves dos Santos
3
RESUMO
Artigo resultante de pesquisa desenvolvida no curso de Especializão em Educação, Sustentabilidade
Social e Ambiental do Programa des-graduação Lato Sensu em Educação do Instituto Federal
Catarinense, Campus Cambor. Tal pesquisa teve por objetivo investigar a naturalização do trabalho
doméstico como tarefa feminina com o intuito de averiguar a contribuição do estudo do trabalho feminino no
debate da Educão Ambiental em uma perspectiva crítica. Adotando a revisão bibliográfica como
metodologia, foi realizado um mapeamento bibliográfico com produções disponíveis online, tendo
principalmente, como palavras chave: mulher, trabalho doméstico, divio social e sexual do trabalho.
Selecionado os materiais, debruçou-se no estudo das condições de vida em relão ao trabalho de
manutenção e reprodão da vida, da mercadoria mais cara do mercado, a força de trabalho, a partir da
abordagem marxista. Com base nesse todo e nas leituras dos textos, observou-se que a naturalizão do
fazer dostico, como função feminina é uma consequência hisrica das relões sociais de prodão e
reprodão da vida humana, de exploração do capital e domínio do patriarcado. Diante disso, esta pesquisa
afirma que o rmino da subjugação feminina em sua totalidade é possível de ser realizada em sua
plenitude com a emancipação universal da humanidade.
Palavras-chave: Mulheres. Trabalho. Relações sociais.
ABSTRACT
Article resulting from research developed in the Specialization course in Education, Social and Environmental
Sustainability of the Lato Sensu Postgraduate Program in Education of the Federal Institute Catarinense,
Campus Cambor. This research aimed to investigate the naturalization of housework as a feminine task with
the purpose of investigating the contribution of the study of the female work in the debate of Environmental
Education in a critical perspective. Adopting the bibliographical revision as methodology, a bibliographic
mapping was carried out with productions available online, having as main key words: woman, housework,
social and sexual division of labor. Selected the materials, it focused on the study of living conditions in relation
to the work of maintenance and reproduction of life, the most expensive commodity on the market, the
workforce, from the marxist approach. Based on this method and the readings of the texts, it was observed
that the naturalization of domestic, as a feminine function is a historical consequence of the social relations of
production and reproduction of human life, of exploitation of capital and domination of patriarchy. In the face of
this, this research affirms that the termination of female subjugation in its entirety is only possible to be realized
in its fullness with the universal emancipation of humanity.
Keywords: Women. Work. Social relations.
1
Artigo resultante de pesquisa realizada para conclusão de cursos de Especialização em Educação na Linha Educação, Sustentabilidade
Social e Ambiental do Programa de Pós-graduação Lato Sensu em Educação do Instituto Federal Catarinense, Campus Camboriú, SC,
em 2018.
2
Licenciada em Pedagogia (2010) e Teatro (2015) pela Universidade Federal de Santa Maria, Especialista em Educação pelo Instituto
Federal Catarinense (2018). Professora de Educação Infantil Rede Pública Municipal de Balneário Camboriú, SC. E-mail:
iza_ribas@yahoo.com.br.
3
Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (2014), Mestre em Ciências Políticas pela Universidade Estadual de Campinas
(2008), Bacharel (2005) e Licenciado (2008) em Ciências Sociais pela Universidade de o Paulo. Professor do Instituto Federal
Catarinense, SC. E-mail: fabio.dias@ifc.edu.br .
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INTRODUÇÃO
Se és uma mulher forte
te protejas das hordas que desejarão
almoçar teu coração.
Elas usam todos os disfarces dos carnavais da terra:
se vestem como culpas, como oportunidades, como preços que se precisa pagar.
Te cutucam a alma; metem o aço de seus olhares ou de seus prantos
até o mais profundo do magma de tua esncia
não para alumbrar-se com teu fogo
senão para apagar a paixão
a erudição de tuas fantasias. (...)
Não percas a compaixão, mas teme tudo que te conduz
a negar-te a palavra, a esconder quem és,
tudo que te obrigue a abrandar-se
e te prometa um reino terrestre em troca
de um sorriso complacente. (...)
CONSELHOS PARA A MULHER FORTE
(Gioconda Belli, Nicarágua, 1948)
Este artigo é resultado da pesquisa desenvolvida como requisito para conclusão do curso
de Especialização Lato Sensu em Educação, no eixo Educação, Sustentabilidade Social
e Ambiental, do Instituto Federal Catarinense, Campus Camboriú. Nasce do desejo de
estudar um tema que me é caro: relação entre mulher e trabalho. Desejo oriundo de
minha própria trajetória enquanto mulher trabalhadora, inserida em um mundo baseado
na propriedade privada e na exploração de uma classe por outra, que conjuga
exploração do capital e patriarcado.
Ao longo deste artigo, procuro investigar a naturalizão do trabalho dostico como
tarefa feminina com o intuito de averiguar a contribuição do estudo do trabalho feminino
no debate da Educação Ambiental em uma perspectiva marxista. Isso porque a crítica
marxista acerca da subjugação da mulher na sociedade burguesa proe apontar as
contradições desse modo de produção e desvelar como ele impossibilita o
desenvolvimento livre e integral das mulheres no conjunto das atuais relações sociais.
Para tanto, foi realizado um mapeamento bibliográfico com produções disponíveis online,
tendo principalmente, como palavras-chave: mulher, trabalho dostico, divisão social e
sexual do trabalho. Como a obra de Helena Hirata (2005, 2007) e Danièle Kergoat (2007)
foi recorrente nos textos com estes enfoques, inseri a obra de referência dessas duas
autoras no artigo.
A fim de inserir a pesquisa na temática da Educação Ambiental, realizei a interlocução
entre as categorias trabalho, trabalho doméstico, mulheres e natureza, abordadas
neste estudo e os artigos de Carlos Frederico Loureiro, uma vez que ele adota uma
abordagem materialista para compreender as relações sociais que formam a base da
estrutura social e a Educação Ambiental na sociedade capitalista. Sua perspectiva crítica
sobre a realidade evidencia que não há leis naturais atemporais, nem verdades
absolutas na sociabilidade humana. Expondo a historicidade das naturalizações das
relações sociais e do modo de produção da vida, o autor afirma que É estritamente
histórico e cultural o modo como nos definimos como natureza e a entendemos a partir
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das relações sociais e do modo de produção e organizão em dado contexto
(LOUREIRO, 2012, p. 44).
Acrescente-se a isso o fato de Loureio, ao seguir por vias da corrente crítica de Educação
Ambientalinsiste, essencialmente, na analise das dinâmicas sociais que se encontram
na base das realidades e problemáticas ambientais (SAU, 2005, p.30), de confronto
com oindividualismo, que implica o questionamento dos lugares-comuns e das
correntes dominantes (2005, p.31), numa perspectiva transgressora de emancipação
humana.
Sendo assim, procuro inserir o debate em torno do trabalho feminino na seara da
Educação Ambiental crítica por ela compreender que problematizar a realidade objetiva
é revelar suas contradições a fim de contribuir para a tortuosa e necessária luta em prol
da emancipação humana. Por isso, é por vias do ponto de vista do proletariado
revolucionário única classe capaz de superar o atual estado de coisas e libertar todo
gênero humano da inumanidade capitalista (ENGELS, MARX, 2011) que traço minhas
trajetórias e por estas vias que este estudo se processa.
MULHERES E O INVISÍVEL EXAURIR DE SEUS CORPOS
O patriarcado
4
, conforme sabemos, é anterior ao capitalismo, mas encontra nele campo
fértil para se proliferar. Com ressalta Datri, Apesar de não ter surgido com o capitalismo,
a opressão das mulheres adquire sob este modo de produção traços particulares,
convertendo o patriarcado em um aliado indispensável para a exploração e manutenção
do status quo (DATRI, 2017, p. 38).
Com o desenvolvimento das forças produtivas e os avanços do modo de produção
capitalista modificam-se as condições e relações sociais, cerceando deliberadamente as
mulheres desde a tenra idade. As diferenças sociais de gênero se manifestam na
inncia, na aprendizagem da socializão com o mundo por meio dos tipos de
brincadeiras, jogos e brinquedos etc. Consolidam-se formas de comportamentos que se
pressupõemnaturais” a mulheres e homens. Ao longo de nossa socialização o
patriarcado nos domina, enquanto o capitalismo nos explora.
Com a divio do trabalho, na qual todas essas contradições estão dadas e que, por sua
vez, se baseia na divio natural do trabalho na família e na separação da sociedade em
diversas famílias opostas umas às outras, estão dadas ao mesmo tempo a distribuição e,
mais precisamente, a distribuição desigual, tanto quantitativamente quanto qualitativamente,
do trabalho e de seus produtos; portanto, está dada a propriedade, que tem seu embrião,
sua primeira forma, na família, onde a mulher e os filhos são escravos do homem. A
escravidão na família, ainda latente e rústica, é a primeira propriedade, que aqui, diga-se de
passagem, corresponde à definição dos economistas. (MARX, ENGELS, 2007, p. 36)
A divio social do trabalho, que constituiu a base geral de toda a produção de
mercadorias (MARX, 2013, p. 425), é decorrente dá divisão da sociedade em dois
grupos antagônicos. Na sociedade capitalista, esse antagonismo se exprime com o
surgimento do proletariado, conjunto de pessoas que transformam a natureza em
mercadorias, mas que não se apropriam livremente destes objetos socialmente úteis e
4
O patriarcado é o sistema de opressão ao qual estamos condicionados e reproduzimos em nossas ações cotidianas. Construído
historicamente sobre o corpo da mulher, mas que afeta a tudo e a todos. Sistema social em que os homens detêm podem, autoridade
moral, liderança política, privilégios sociais e donio da falia.
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um grupo seleto da população, uma minoria, que fica em posse destes objetos
socialmente criados pelos trabalhadores.
Observando a historicidade da humanidade a parti de A ideologia alemã” (Marx e
Engels, 2007) é possível compreender que o advento da propriedade privada se dá
antes de tudo, no seio da família. Onde o marido tem posse privada sobre a esposa,
assim como sobre os filhos. Nesta perspectiva, a subjugação feminina é parte do
movimento da formação da divio de trabalho e da criação da propriedade privada.
A família e as relações estabelecidas neste seio são parte da base da propriedade
privada. A partir da consolidação efetiva da sociedade burguesa no século XIX, o casal
em si, dentro do matrimônio, estabelece uma relação de propriedade, tendo em vista o
contrato assinado em que as partes contratantes se comprometem a desfrutar somente
de seu cônjuge.
A organização familiar típica da sociedade burguesa tem um modelo definido, onde o
patriarcado vigora
5
. Este modelo de falia burguesa é reproduzido também entre o
proletariado, seguindo a premissa de que as ideias dominantes de uma época sempre
foram as ideias da classe dominante (ENGELS, MARX, 2008, p. 40). Aqui, a mulher
torna-se propriedade privada do homem. Por isso, o é casual que seja a mulher aquela
quem reproduz a vida efetiva de si e de todos seus familiares no interior do ambiente
privada do lar por meio do trabalho doméstico.
Neste estudo, definimos como trabalho doméstico:
[...] um conjunto de tarefas tendendo a prestar apoio as pessoas dependentes por motivos
de idade e saúde, mas também a grande maioria dos homens adultos. Tarefas que
compreendem serviços pessoais conectados habitualmente com necessidades diversas
absolutamente indispensáveis para a estabilidadesica e emocional dos membros do lar.
Atividades que incluem a alimentação, o afeto, e, em ocasiões, aspectos pouco agradáveis,
repetitivos e esgotantes, mas absolutamente necesrios para o bem estar das pessoas.
Um trabalho que se realiza dia após dias, os 365 dias do ano, em casa e fora dela.
(CARRASCO, 2001, p. 5)
De modo mais sucinto, podemos afirmar:
Em sua manifestação concreta, o trabalho dostico é um conjunto de tarefas realizadas
no âmbito da esfera privada e que consiste, no geral, em preparar os alimentos, manter
níveis de higiene dostica e cuidado com filhos. (IASI, 2007, p. 126)
Disso se segue que no capitalismo o trabalho dostico executado pela mulher oriunda
de uma família proleria, reproduz a existência do homem, dos familiares e dela própria
como mercadorias. A mulher como mercadoria de seu marido, e o marido (e, muitas
vezes ela própria) como mercadoria a ser empregada para a reprodução da propriedade
privada dos meios de produção.
O trabalhador só existe como trabalhador a partir do momento em que existe como capital
para si mesmo, e só existe como capital quando há um capital para ele. A existência do
capital é a sua existência, a sua vida, já que este, independentemente dele, determina o
conteúdo de sua vida. (MARX, 2002, p. 123-124) .
5
Vale ressaltar que o predonio da família patriarcal na sociedade capitalista não exclui a existência de famílias com outras configurações.
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Não é de hoje que as mulheres ocupam tal função na sociedade, vendendo-se ao capital
como meio de subsistência e garantindo a organizão do espaço reprodutivo da vida:
a casa, a família, onde é gerada e mantida a mercadoria que coloca em movimento todas
as demais mercadorias: a força de trabalho. O capitalismo carregou sobre os ombros da
mulher trabalhadora um fardo que a esmaga; a converteu em operária, sem aliviá-la de
seus cuidados de dona de casa e e. (KOLLONTAI, 2013, p. 24).
Ao reproduzir o trabalho como mercadoria e o trabalhador como aquele que só pode
sobreviver na medida em que se aliena da sua própria atividade vital, o trabalho
doméstico ao invés de humanizar, desumaniza mulheres e homens. O trabalho
doméstico, assim, torna-se atividade de reprodução da própria irracionalidade elencada
pela propriedade privada: a aproprião privada/egoísta dos produtos socialmente
produzidos. Citemos a passagem de Carrasco:
O modelo familiar male breadwinner
6
traduzido ao término do tempo, poderia ser
considerado como uma situação ótima, desde a ideologia patriarcal como do objetivo
capitalista: as mulheres majoritariamente desenvolvem suas atividades em um tempo
(invivel e não reconhecido) que ainda organizado em parte desde a produção mercantil
não está governado por critérios de mercado e dos homens, liberados de obrigações
relacionadas com o cuidado da vida, podem colocar seu tempo (visível e valorado) à
disposição das necessidades da empresa. (CARRASCO, 2001, p.18)
Na falia patriarcal, portanto, a mulher está vinculada ao espaço privado da falia,
enquanto posse/propriedade do marido contribuindo para a manutenção da força de
trabalho masculina e feminina. São as mulheres que desempenham a fuão de mãe,
avó, tia, madrasta, irmã, ou seja, no seio da família pica da sociedade burguesa, as
mulheres não só são responsáveis socialmente por reproduzir biologicamente a espécie,
mas garantir sua sobrevivência, crescimento e procriação.
Desse modo, podemos compreender o trabalho doméstico como uma sina
socioambiental que, no momento presente, encontra-se fortemente enraizado na cultura
de naturalizão de responsabilidade social da mulher frente a este trabalho.
Independentemente de ocupar-se da atuação no espaço produtivo e público da vida, o
modelo patriarcal da organizão familiar impõe que as mulheres arquem com tais
trabalhos. Com base no importante raciocínio de Simone de Beauvoir de queninguém
nasce mulher; torna-se mulher (BEAUVOIR, 1967, p. 9), ou seja, que a mulher é
resultado de uma constrão histórico-social, compreende-se que
o destino das pessoas não é nem a anatomia nem o código genético: é o processo
complicadíssimo pelo qual as criaturas, enfrentando obstáculos, superando dificuldades,
fazendo conceses, vão se tornando aquilo que efetivamente são. (BEAUVOIR, 1967, p.
132).
Apontando as condições históricas e culturais determinantes na constituição dos
indivíduos, seus estudos deram início a uma nova era na reflexão crítica sobre a
condição feminina (NOGUEIRA, 2006, p. 136).
Há poucas tarefas que se aparentem, mais do que as da dona de casa, ao suplício de Sísifo:
dia as dia, é preciso lavar os pratos, espanar os móveis, consertar as roupas, que no dia
seguinte estarão novamente sujos, empoeirados, rasgados. A dona de casa desgasta-se
sem sair do lugar; não faz nada, apenas perpetua o presente; não tem a impressão de
6
Homem arrogante.
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conquistar um Bem positivo e sim de lutar indefinidamente contra o Mal. É uma luta que se
renova todos os dias. (BEAUVOIR, 1967, p. 200).
Aqui, Beauvoir menciona o mito de Sísifo que é condenado pelos deuses ao trabalho
eterno de fazer a mesma coisa incessantemente. Uma metáfora bem adequada aos
constantes afazeres dosticos e familiares que segundo a autora não são suficientes
para a plenitude das mulheres. Não há realização existencial no trabalho doméstico,
principalmente porque este não é uma escolha da vida e sim uma imposição social.
A história humana não é a evolução biológica do Homo sapiens é a história de como as
relações sociais se desenvolveram para, com um esforço cada vez menor, transformar a
natureza naquilo de que se necessita. Esse desenvolvimento é, articuladamente, o
desenvolvimento dos indivíduos e das sociedades. Como não há sociedade sem indivíduos,
nem indivíduos fora de sociedades, também não há desenvolvimento social que não interfira
no desenvolvimento dos indivíduos. E, analogamente, não há desenvolvimento dos
indivíduos que não tenha algum impacto sobre o desenvolvimento social. (LESSA, 2012, p.
15 e 16)
A história das mulheres está coberta por uma herança de silêncio. O protagonismo da
história humana não é feminino, mesmo que constantemente vai se evidenciando que
mulheres de sucesso, empoderadas
7
, donas de si, sempre existiram. Ser uma excão
à regra hegemônica de gênero, em nada é reflexo da emancipação feminina. É
incontestável que houve mudanças ao longo da história das condições de vida das
mulheres e, portanto do modo de produção e das relações sociais, políticas, econômicas
e culturais. Mas seguimos distantes de uma revolução social. E, portanto, de condições
de vida efetivamente dignas e autênticas para todas as mulheres e suas proles.
Ainda que se possa afirmar que o conjunto das mulheres padece em diferentes graus e
formas de discriminações legais, educativas, políticas, econômicas, culturais ect, o certo é
que existe evidentes diferenças de classe entre elas que moldaram em forma variável não
só as vivências subjetivas da opressão, mas também, e fundamentalmente, as
possibilidades objetivas de enfrentamento e superação parcial ou não dessas condições
sociais de descriminação. (DATRI, 2017, p. 35).
Se o movimento de lutas da classe trabalhadora sempre esteve composto por mulheres,
não podemos dizer que estas mesmas mulheres estiveram presente nas reivindicações
dos movimentos feministas de vanguarda, como o movimento sufragista europeu que
pautava o direito ao voto universal, ou seja, para homens e mulheres. O denominado
feminismo burguês pretendia majoritariamente lutar por direitos civis e reformas de bem
estar, sem ter em conta necessidades classistas das mulheres trabalhadoras.
Malgrado tudo isso, a partir da década de 1970 na França - sob o impulso do movimento
feminista houve uma intensificação da conceituação da questão da mulher em
diferentes áreas do conhecimento, como é o caso dos estudos sobre o trabalho
doméstico. Segundo as autoras:
Foi com a tomada de consciência de uma "opressão" específica que teve início o movimento
das mulheres: torna-se então coletivamente "evidente" que uma enorme massa de trabalho
é efetuada gratuitamente pelas mulheres que este trabalho é invisível que é realizado não
7
Terminologia amplamente mencionada e vendida contemporaneamente. Estando relacionado
ao ato de ter poder, e no contexto atual enfatizada no poder de consumo.
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para elas mesmas mas para outros e sempre em nome da natureza do amor e do dever
materno. (HIRATA; KERGOART, 2007, p. 597).
Segundo Claudia Nogueira, trabalho e falia integram o mesmo conjunto já que são
dois polos de nossa vida social, trabalho e reprodução. (NOGUEIRA, 2006, p. 31). A
família é a primeira propriedade que habitamos, afirmou Engels (2006). Propriedade esta
que por mais coletiva que aparente ser, é sempre privada, pois pertence a um ou outro
senhor, que determina a vida dos demais. Este senhor pode ser o pai e/ou marido, mas
para além da figura masculina, tem o capital atuando sobre todos.
Independente de gênero, etnia, estado civil, etc, como já manifestado por Bertolt Brecht,
a bota que nos pisa é sempre a mesma bota. O capital es sempre agindo em todo
trabalhador do mundo para extrair toda sua mais valia
8
, oprimindo-o e explorando a todo
custo, pois só assim sustenta a ínfima parcela da população que compõem a burguesia.
Entender a família como um fenômeno social pressupõe conhecer a historicidade das
instituições humanas e estar atento para a divisão sexual existente no seio desta para as
funções femininas e masculinas, poisAs relações sociais capitalistas legitimaram uma
relação de subordinação das mulheres em relação aos homens, imprimindo uma
conotação considerada natural à mulher, dada pela subordinação (NOGUEIRA, 2006,
p. 26).
Atribuído à uma pretensa natureza da mulher, as tarefas domésticas consomem grande
parte do tempo feminino e caracterizam-se pela simultaneidade, fragmentação,
multiplicidade. Como indica a autora:
Não podemos esquecer, entretanto, que não existe a força de trabalho sem a existência do
trabalhador (a), o (a) qual foi gerado(a) e mantido(a) por uma mulher. Portanto, a venda da
força do trabalho do prolerio(a) é garantida pelas atividades dosticas realizadas, na
grande maioria das vezes, pela mulher, quer ela seja uma trabalhadora produtiva ou não.
(NOGUEIRA, 2006, p. 200).
A condição da mulher hoje pode ser entendida como a própria condição da humanidade,
fragmentada pelo capital. Uma tentativa constante de desarticular os trabalhadores entre
si, desconhecendo-se enquanto classe que tudo produz. Uma boa via para explicar tal
argumento é o cerceamento das mulheres ao mundo privado conforme avançava o
sistema econômico conquistado via revolução burguesa.
A privatizão da vida da mulher vem junto com a instituição da propriedade privada.
Enquanto no período feudal as mulheres estavam mais integradas à comunidade e,
portanto ao espaço público, no sistema capitalista, o movimento é outro. Entendendo
que a A divisão sexual do trabalho é, portanto, um fenômeno histórico, pois se
metamorfoseia de acordo com a sociedade da qual faz parte. (NOGUEIRA, 2010, p.
59).
Com a justificativa de proteção e preservão da mulher, a família passa ser a instituição
de pertencimento das mulheres. Tendo por responsabilidade o cuidado com a
higienização e manutenção do espo doméstico, passa a estar reclusa a este ambiente.
Isso, por certo, o ocorre da noite para dia. Assim como a transformação do sistema, a
8
Terminologia amplamente mencionada e vendida contemporaneamente. Estando relacionado ao ato de ter poder, e no contexto atual
enfatizada no poder de consumo.
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privatização da vida da mulher é produto de um imbricado e contraditório processo de
transformação social em sociabilidade burguesa.
[] a história não caminha para trás. Não é possível uma involução das forças produtivas
de tal modo que voltemos a ter o mesmo padrão de intercâmbio orgânico com a natureza
dos camponeses ou dos indígenas de outrora.
A importância em recordarmos que a humanidade foi diferente está em demonstrar como
o patriarcalismo que acompanha as sociedades de classe não é, nem precisa ser, o único
futuro aberto à humanidade. A falia monogâmica e a propriedade privada não o traços
insuperáveis da vida humana, afinal de contas, já fomos diferentes. E, se fomos diferentes,
poderemos também, no futuro, não ser burgueses. (LESSA, 2012, p. 105).
Segundo estudos divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE,
em março de 2018, sobre Estáticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no
Brasil
9
, no indicador 31 que se refere ao Nível de instrão da população de 25 anos ou
mais, por sexo onde foi calculado o Nível de instrução da população de 25 anos ou mais,
por sexo - a média no Brasil foi de 15,3% da população, tendo
uma porcentagem de 3,4% maior para as mulheres e 16,9% em relação aos homens
13,5% - (Dados da tabela Resumo de Indicadores de Estrutura Econômica) de acordo
com Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua, segundo
trimestre de 2016. O fato de estatisticamente as mulheres dedicarem mais tempo aos
estudos, atingindo consequentemente um nível de escolaridade maior entre em relação
aos homens, não acompanha a remuneração desta parcela da população que
historicamente recebe menos por sua força de trabalho nos diferentes setores e postos
de trabalho, reafirmando o quanto as mulheres são mais exploradas que homens.
Entendemos aqui que a escolarização refere-se à qualificação da força de trabalho.
A questão da competência, e o debate qualificação versus competência, também pode ser
examinado a partir dessa perspectiva de gênero. (...) as competências tais como o
(cuidados completo a outrem), a “relação de serviços não são considerada competências
profissionais, mas atributos naturais das mulheres, e nessa medida não são reconhecidas e
remuneradas. (HIRATA, 2005, p. 118).
Hirata menciona o trabalho não remunerado atrelado à natureza da mulher e analisando
em conjunto com dados do tempo de trabalho na esfera privada da vida, divulgados pelo
IBGE, reafirmamos a desigualdade de gênero existente.
9
O IBGE traz a público, pela primeira vez, os resultados de grande parte desses indicadores para o Brasil, contribuindo, assim, para o
preenchimento de importante lacuna na produção de estatísticas de gênero. As informações estão organizadas segundo os cinco domínios
estabelecidos no CMIG Estruturas econômicas, participação em atividades produtivas e acesso a recursos; Educação; Saúde e serviços
relacionados; Vida pública e tomada de decio; e Direitos humanos das mulheres e meninas e fornecem um panorama, ainda que
sucinto, das desigualdades de gênero no País, com valiosos elementos para reflexão de estudiosos e formuladores de poticas públicas.
Para a construção dos 38 indicadores ora divulgados, foram utilizados dados provenientes do IBGE, como a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios Contínua - PNAD Contínua, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, as Projeções da População por Sexo
e Idade, as Estatísticas do Registro Civil, a Pesquisa Nacional de Saúde - PNS e a Pesquisa de Informações Básicas Estaduais - Estadic,
bem como dados de fontes externas oriundas do Minisrio da Saúde, da Presidência da República, do Congresso Nacional, do Tribunal
Superior Eleitoral - TSE e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP.
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Figura 1- Estatística de gênero: Indicadores sociais das mulheres no Brasil
Fonte IBGE, 2018.
Observando a tabela temos no primeiro indicador a demonstração por sexo do tempo
dedicado aos afazeres doméstico e/ou cuidados de pessoas, sendo que as mulheres
gastam em média de 7,6 a 9,8 horas semanais a mais nestes trabalhos do que os
homens. Ou seja, são as mulheres que desempenham, gerenciam, conciliam ou mesmo
delegam os trabalhos domésticos, a poderosa mão invisível da vida cotidiana
(CARRASCO, 2001, p.4), que alimenta, higieniza, cuida, educa, cria, sustenta...
Esgotantes afazeres atribuídos às mulheres que os carregam nas costas diariamente
por todos os confins deste mundo, pautado na divisão sexual existente no trabalho e na
reprodução (duas dimensões fundamentais do ser social), responsável pela situão de
desigualdade da mulher no decorrer da história. (NOGUEIRA, 2006, p.138)
A remuneração, preço pago ao trabalhador para a manutenção e reprodução de sua
força de trabalho, é o salário
10
. Porém, este não expressa todo o valor por ele produzido,
já que o valor é a quantidade socialmente necessária de trabalho para produzir uma
mercadoria e é medida pelo tempo: horas, minutos e segundos, ou seja, pela jornada de
trabalho. Aos trabalhadores, mulheres e homens que produzem as mercadorias, não é
pago todo o valor de sua jornada de trabalho. Em verdade, da exploração da força de
trabalho para a grande massa dos trabalhadores resulta um ou mais salários mínimos,
o que representa o nimo necessário para sobreviver: comer, beber, morar, vestir. É
desta grande fatia explorada da força de trabalho (porque não remunerada) que os
capitalistas extraem a mais valia, onde reside a real origem da riqueza dos proprietários
dos meios de produção.
O capitalismo, com o desenvolvimento da tecnologia, tornou possível a industrialização e,
portanto, a socialização das tarefas dosticas. Entretanto, se isso não ocorre é
precisamente porque no trabalho dostico não remunerado reside uma parte dos lucros
do capitalista, que assim é eximido de pagar aos trabalhadores e às trabalhadora pelas
tarefas que correspondem à sua ppria reprodução como força de trabalho (alimentação,
roupas, lazer, etc). Alentar e sustentar a cultura patriarcal, segundo a qual os afazeres
domésticos são tarefas “naturais das mulheres, permite que esse “roubo dos capitalistas
seja mascarada e também que o trabalho dostico que recai fundamentalmente sobre as
mulheres e suas filhas se torne invisível. (DATRI, 2017, p. 39.)
10
O preço médio do trabalho assalariado é antes de mais nada a soma dos meios de subsistência necessários para a
reprodução do trabalhador enquanto tal. Por certo, tal como aponta Marx em “O Capital” (2013) tal constatação não exclui
o fato do salário poder atender necessidades outras que não se vinculam diretamente à existência corpórea efetiva do
trabalhador, uma vez que o próprio salário é um produto da historicidade humana, ou seja, resultado da luta de classes.
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Alexandra Kollontai, no texto A Família e o Comunismo de 1917, relata medidas
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da
libertação das mulheres na Rússia pós Império, organizadas e adotadas pelo poder
revolucionário bolchevique, expondo um conjunto de políticas que objetiva a
emancipação plena das mulheres, a autora socialista aborda criticamente o trabalho
doméstico. Segundo ela, esta atividade é inconcevel fora do processo milenar de luta
de classes. Ao longo de todo este período histórico marcado pela dominação de uma
classe sobre as demais, a mulher encontra-se subjugada ao seu marido por ser sua
propriedade. Trabalha para ele tal como trabalha para fábrica, ou seja, trabalha de modo
heterônomo, subjugado.
Diante desse cenário, a autora salienta a importância histórica da revolução socialista
para as mulheres. Na medida em que o socialismo rompe com a propriedade privada
dos meios de produção, ele também destrói os laços inautênticos que uniam casais tão
somente pela dependência econômica e torna o trabalho doméstico uma função pública
e, portanto, do Estado, e não de responsabilidade das mulheres.
Ora, se com o avao do capitalismo o ser humano se torna estranho a si próprio
mediante a alienação do trabalho, com o fim da propriedade privada e, portanto, com a
derrocada do trabalho enquanto atividade alienante, isso se modifica em sua totalidade.
Ou seja, na sociedade onde os seres humanos não são estranhos entre si, a mulher faz
e organiza seu trabalho tão voluntariamente como os homens. Homens e mulheres não
desempenhariam relações de poder entre si porque o Poder teria encontrado seu fim.
Com isso, o que surge nessa sociedade denominada comunista é uma relação
harmoniosa de seres humanos livres para desenvolver suas diferentes personalidades.
Deste reconhecimento das diferenças e não do reconhecimento da reprodução das
desigualdades.
Passado um século após esse texto de Kollontai, sabemos que o trabalho doméstico
individual não desapareceu, nem foi substituído pelo trabalho coletivo (KOLLONTAI,
2013, p. 31). Longe disso, ele ainda segue exaurindo as mulheres trabalhadoras pelo
mundo como uma forma de trabalho pouco ou nada valorizado, encarado como uma
responsabilidade das mulheres, que porinstinto” são portadoras de destrezas e
habilidades na minucia de ser mulher, de arcar com os trabalhos atrelados a esta
condição de ser no mundo, enquanto classe, raça e gênero.
Desse modo, por meio da naturalização de um processo historicamente consolidado, o
capital se apropria das habilidades, treinadas ao longo da vida, das mulheres sem
qualificar estas competências enquanto profissionalização. Na reinventiva lógica
capitalista, o trabalho doméstico segue a ser um apêndice perpétuo nas jornadas
diárias das mulheres.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As lutas pelo fim da desigualdade que ignorarem as estruturas que moldam as relações
da sociedade capitalista, composta por fragmentações hierárquicas, estarão fadadas a
terem suas pautas engolidas pela classe dominante. Portanto, não é possível debater a
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Tais medidas foram revogadas por Josef Stalin quando assumiu a liderança do regime em 1924, após a morte de
Vladimir Lênin e da sua vitória no XIV Congresso do Partido Comunista da URSS contra a tese de Leon Trotski de
“revolução permanente”.
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desigualdade de gênero, desassociadamente do debate classista, do debate em torno
da luta pela emancipação humana.
A naturalização do fazer doméstico, como função feminina é uma consequência histórica
das relações sociais de produção e da reprodão da vida humana. Trabalho incessante
que desumaniza a mulher, por confina-la à vida privada, o trabalho doméstico não é
reconhecido juridicamente pelo capital, mas é essencial para o mesmo, tendo em vista
que a mercadoria força de trabalho necessita ser mantida, cuidada e reproduzida. Diante
da pesquisa realizada é possível afirmar precisamente que o término da subjugão
feminina em sua totalidade só é possível de ser realizada em sua plenitude com
emancipação universal da humanidade. Ou seja, enquanto mantivermos os pilares de
uma sociedade baseada na exploração dos seres humanos por outros seres humanos,
haverá exploração das mulheres enquanto classe e sua opressão como sexo e gênero.
Em outras palavras, a abolição da divisão do trabalho só é realizável com o fim da
propriedade privada.
Em tempos em que parafraseando Bertolt Brecht "é preciso defender o óbvio" falar sobre
trabalho, mulheres, naturalizões sociais, enquanto categoria é posicionar-se
politicamente. Assim como a Educação Ambiental sempre é politica, por
caracteristicamente ser contestadora e transgressora, pretendendo
discutir/problematizar os engembramentos das relações sociais. Tal pesquisa teve como
objetivo investigar a naturalizão do trabalho dostico como tarefa feminina.
Não calar, nem paralisar, contra as armas do Capital e seu Estado, a arma é revelar
aquilo que tentam esconder de nossa classe. Evidenciar a invisibilidade com que é
tratado o trabalho doméstico é fortalecer os argumentos de luta do conjunto dos
trabalhadores.
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Data da submissão: 03/07/2019
Data da aprovação: 14/08/2020