Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.77-88 | maio-ago. | 2020
Não é de hoje que as mulheres ocupam tal função na sociedade, vendendo-se ao capital
como meio de subsistência e garantindo a organização do espaço reprodutivo da vida:
a casa, a família, onde é gerada e mantida a mercadoria que coloca em movimento todas
as demais mercadorias: a força de trabalho. O capitalismo carregou sobre os ombros da
mulher trabalhadora um fardo que a esmaga; a converteu em operária, sem aliviá-la de
seus cuidados de dona de casa e mãe. (KOLLONTAI, 2013, p. 24).
Ao reproduzir o trabalho como mercadoria e o trabalhador como aquele que só pode
sobreviver na medida em que se aliena da sua própria atividade vital, o trabalho
doméstico ao invés de humanizar, desumaniza mulheres e homens. O trabalho
doméstico, assim, torna-se atividade de reprodução da própria irracionalidade elencada
pela propriedade privada: a apropriação privada/egoísta dos produtos socialmente
produzidos. Citemos a passagem de Carrasco:
O modelo familiar “male breadwinner”
traduzido ao término do tempo, poderia ser
considerado como uma situação “ótima”, desde a ideologia patriarcal como do objetivo
capitalista: as mulheres majoritariamente desenvolvem suas atividades em um tempo
(invisível e não reconhecido) – que ainda organizado em parte desde a produção mercantil
– não está governado por critérios de mercado e dos homens, liberados de obrigações
relacionadas com o cuidado da vida, podem colocar seu tempo (visível e valorado) à
disposição das necessidades da empresa. (CARRASCO, 2001, p.18)
Na família patriarcal, portanto, a mulher está vinculada ao espaço privado da família,
enquanto posse/propriedade do marido contribuindo para a manutenção da força de
trabalho masculina e feminina. São as mulheres que desempenham a função de mãe,
avó, tia, madrasta, irmã, ou seja, no seio da família típica da sociedade burguesa, as
mulheres não só são responsáveis socialmente por reproduzir biologicamente a espécie,
mas garantir sua sobrevivência, crescimento e procriação.
Desse modo, podemos compreender o trabalho doméstico como uma sina
socioambiental que, no momento presente, encontra-se fortemente enraizado na cultura
de naturalização de responsabilidade social da mulher frente a este trabalho.
Independentemente de ocupar-se da atuação no espaço produtivo e público da vida, o
modelo patriarcal da organização familiar impõe que as mulheres arquem com tais
trabalhos. Com base no importante raciocínio de Simone de Beauvoir de que “ninguém
nasce mulher; torna-se mulher” (BEAUVOIR, 1967, p. 9), ou seja, que a mulher é
resultado de uma construção histórico-social, compreende-se que
o destino das pessoas não é nem a anatomia nem o código genético: é o processo
complicadíssimo pelo qual as criaturas, enfrentando obstáculos, superando dificuldades,
fazendo concessões, vão se tornando aquilo que efetivamente são. (BEAUVOIR, 1967, p.
132).
Apontando as condições históricas e culturais determinantes na constituição dos
indivíduos, seus estudos deram “início a uma nova era na reflexão crítica sobre a
condição feminina” (NOGUEIRA, 2006, p. 136).
Há poucas tarefas que se aparentem, mais do que as da dona de casa, ao suplício de Sísifo:
dia após dia, é preciso lavar os pratos, espanar os móveis, consertar as roupas, que no dia
seguinte já estarão novamente sujos, empoeirados, rasgados. A dona de casa desgasta-se
sem sair do lugar; não faz nada, apenas perpetua o presente; não tem a impressão de
Homem arrogante.