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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2019.14730
RECONHECIMENTO E TRABALHO
1
Recognition and work
Reconnaissance et travail
Emmanuel Renault
2
RESUMO
Este artigo se propõe comparar a maneira na qual a questão do reconhecimento do trabalho é posta
no modelo de Honneth e na psicodimica do trabalho. Mesmo se a questão do trabalho tenha sido
central em Honneth, ela não ocupou sempre o primeiro lugar de sua reflexão, e esta foi visada segundo
diferentes pontos de vista ao curso de sua evolução intelectual. Este é o encaminhamento que se
proe, num primeiro momento, retrar a fim de fixar os termos de comparação. Mas o modelo de
Honneth igualmente foi utilizado de diferentes maneiras por soclogos do trabalho e, sobre este ponto
também, a confrontação com psicodimica do trabalho mereceria ser desenvolvida, sugerir-se-á como
emprega-la num segundo momento.
Palavras-chave: Habermas. Honneth. Ideologia. Neoliberalismo. Neomanagement. Reconhecimento.
Divio do trabalho.
RÉSUMÉ
Cet article se propose de comparer la manière dont la question de la reconnaissance du travail est posée
dans le modèle de Honneth et dans la psychodynamique de travail. Même si la question du travail a
toujours é centrale chez Honneth, elle n’a pas toujours occupé le premier plan de sa fl exion, et elle
a é envisae selon différents points de vue au cours de son évolution intellectuelle. C’est ce
cheminement qu’on se propose, dans un premier temps, de retracer afin de fi xer les termes de la
comparaison. Mais le mole d’Honneth a également été utili de différentes manière par des
sociologues du travail et, sur ce point aussi, la confrontation avec la psychodynamique du travail
riterait d’être velope, comme on s’emploie à le suggérer dans un second temps.
Mots cs: Habermas. Honneth. Idéologie. Néoliralisme. omanagement. Reconnaissance.
Division du travail.
ABSTRACT
This article intends to compare the question of acknowledgment of work between Honneths model and
psychodynamics of work. However the question of work has always been a central one for Honneth, it
didn’t always take place at the first plan of his reflection, but it has been considered through many points
of view during his intellectual evolution. First, we propose to retrace this progress in order to fix the terms
of comparison. Honneth’s model has also been used through different ways by sociologists of work. At
this point, confrontation with psychodynamics of work should be more developed as we suggest in the
second part of the article.
Keywords: Habermas. Honneth. Ideology. Neoliberalism. Neomanagement. Acknowledgment.
Division of Work.
1
Artigo originalmente publicado em Travailler, 2007/2, n. 18, p. 119-135. Tradução: Antônio José Lopes Alves. Revio técnica: Daisy
Moreira Cunha. Ademais, informa-se ao leitor que o artigo não possui, pelas características do periódico frans em que apareceu
originalmente, uma seção destinada a referências. Com o fito de preservar o formato autorizado pelo autor, resolveu-se publicar a tradução
sem este adendo.
2
Professor do Departamento de Filosofia da Universidade de Paris-Nanterre (França), atua como pesquisador junto ao SOPHIAPOL
Laboratoire de Sociologie, Philosophie et Antropologie Politique, ligado à mesma universidade. E-mail: emmanuel.renault@parisnanterre.fr.
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A questão do trabalho permite apresentar certas motivações centrais da Teoria do
Reconhecimento desenvolvido por Axel Honneth assim como a maneira pela qual
alguns sociólogos alees se apropriaram desta teoria. A teoria do reconhecimento foi
elaborada no quadro de uma crítica à distião habermasiana do sistema e do mundo
da vida, distinção a qual tendia a fazer da economia uma esfera que, contrariamente a
esta, somente poderia ser criticada do ponto de vista da racionalidade instrumental, os
problemas postos pelo trabalho sendo assim reduzidos a problemas técnicos. É a esta
redução que Honneth tenta replicar sublinhando que a esfera da economia e do trabalho
é igualmente atravessada por exigências normativas específicas. De outra parte, a
questão do trabalho permite apresentar algumas ilustrações sociológicas as mais
interessantes da teoria do reconhecimento. Honneth dirige hoje o Instituto de Pesquisa
Social de Frankfurt que reagrupa psicólogos, sociólogos do direito, sociólogos das
desigualdades e sociólogos do trabalho. É no seio deste último grupo que a relação das
pesquisas empíricas com as hipóteses da teoria do reconhecimento ganha maior
amplitude. Esta relação não toma, entretanto, a forma de uma simples aplicão,
porquanto as referências a Honneth são indissociáveis de uma transformação, quiçá de
uma crítica, de algumas de suas teses.
Começaremos por descrever a função que desempenha o conceito de trabalho em
Honneth, antes de apresentar algumas das questões retomadas pela sociologia do
trabalho inspirada pela teoria do reconhecimento. O objetivo não é simplesmente expor
o conteúdo de análises pouco conhecidas na Fraa, mas também confrontar esses
approaches com aqueles da Psicodinâmica do Trabalho com fito de fazer aparecer os
pontos de convergência e as especificidades de umas e outras.
O TRABALHO EM HONNETH
A questão do trabalho ocupa um lugar ambíguo na teoria do reconhecimento
desenvolvida por Honneth. De uma parte, com efeito, um dos motivos fundamentais
desta teoria se relaciona com a necessidade de elaborar uma concepção crítica” do
trabalho. Mas, de uma parte, o conceito de trabalho não ocupa posição decisiva no
dispositivo teórico definitivo.
CONCEPÇÃO CRÍTICA DO TRABALHO E CRÍTICA DA DISTINÇÃO SISTEMA/MUNDO
VIVIDO
Para apresentar o papel que a questão do trabalho desempenha na gênese da teoria do
reconhecimento, dois textos merecem uma atenção particular. O primeiro data de 1980:
um artigo retomado em tradução inglesa no volume The Fragmented World of the Social
(State University Press, Albany, 1995), intituladoWork and Instrumental Action. Onthe
Normative Basis of Critical Theory », mas ausente dos volumes de artigos publicados em
aleo por Honneth (cf.supra no presente dossiê). Neste artigo, ele parte da maneira
pela qual Marx tentou fundar sua teoria e sua crítica da sociedade capitalista sobre uma
análise do trabalho, depois exe certo número de aporias características deste
empreendimento teórico-político, antes de explicar como autores contemporâneos,
dentre os quais Habermas, tentaram resolvê-las. É definitivamente a Marx e a Habermas
que são consagradas as análises as mais substanciais, e é nesta ocasião que Honneth
desenvolve pela primeira vez a crítica da distinção habermasiana entre o sistema e o
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mundo vivido. Ele lembra que se encontra em Habermas uma crítica da tentativa
marxiana visando fundar a emancipação no trabalho, a função emancipadora do
trabalho sendo duplamente recusada: de uma parte, porque o potencial emancipador
está situado num agir comunicativo o qual é estritamente oposto ao agir instrumental; de
outra parte porque o trabalho é remetido à esfera social do sistema, a qual é regida por
normas funcionais do agir instrumental (esferas do dinheiro e da administração), a esfera
do sistema sendo oposta àquela do mundo vivido, ela mesma regida por normas morais
do agir comunicativo. Honneth considera que um tal dispositivo teórico é incapaz de
considerar reivindicões que emergem do trabalho, e sublinha neste contexto a
necessidade da elaborão de uma concepção crítica do trabalho. Ele ilustra este ponto
citando longos extratos de um artigo de Philippe Bernoux, intitulado La résistance
ouvrière à La rationalisation” (Sociologie du Travail,4:78), e lamenta que a sociologia
francesa do trabalho, tal qual se desenvolveu a partir de George Friedmann, não tenha
encontrado eco algum na Alemanha. Eis um primeiro ponto justificando uma
comparação com a maneira pela qual a Psicodinâmica do Trabalho põe o problema do
reconhecimento. A fuão que ela atribui ao reconhecimento está ligada efetivamente às
modalidades da coordenação de atividades irredutíveis ao trabalho prescrito e, por isso
mesmo, à distinção entre trabalho prescrito e trabalho real, a qual pode ser considerada
como uma das teses características da tradição francesa tanto em ergonomia como em
sociologia do trabalho.
A crítica da distinção entre sistema e mundo vivido será desenvolvida de modo mais
aprofundado na obra de 1985 intitulada Kritik der Macht (A Critique of Power, em
tradução inglesa). O acento da crítica se desloca aí ligeiramente, na medida em que não
se trata mais simplesmente de contestar a capacidade crítica da distião sistema-
mundo vivido, mas também da imagem da evolução social que ele associa à Habermas,
a saber a imagem de uma evolução hisrica animada por dois processos impessoais
de racionalização análogos a processos coletivos de aprendizagem: um processo de
racionalizão moral no mundo vivido, e um processo de racionalizão instrumental no
sistema. Honneth se opõe a este modelo sublinhando a importância dos conflitos sociais
para a evolução social, e assinala que os movimentos sociais não são somente
impulsionados por motivações utilitárias, mas igualmente por motivões normativas. É
precisamente esta dimensão normativa, ética e moral, imanente aos conflitos sociais,
que a teoria do reconhecimento terá por meta explicitar, como o atesta o título completo
da obra maior de Honneth: A Luta pelo Reconhecimento. Gratica moral dos conflitos
sociais (1992, CERF, 2000, sem este subtítulo). Encontra-se aqui um segundo ponto de
convergência com a Psicodimica do Trabalho. Contrariamente ao ponto de vista
corrente em sociologia econômica, onde a atividade é explicada pelos quadros
institucionais que a emolduram, a análise parte antes de tudo das expectativas
normativas e da atividade deontológica/deôntica dos indivíduos no trabalho, e a evolução
das instituições econômicas está relacionada aos conflitos sociais tendo o
reconhecimento do trabalho por objeto de disputa.
Na obra de 1985, Honneth se empenha claramente em explicar que as instituições
sociais devem ser consideradas como prodões sociais suscetíveis de ser
transformadas pelos conflitos sociais, e assinala que isto vale também tanto para as
instituições do mundo da vida quanto para as instituições do sistema. Ele examina assim
a imagem global de uma sociedade atravessada por conflitos de legitimidade entre
grupos, e faz repousar assim a efetividade social das instituições sobre acordos
normativos revisáveis. Ele conservará esta visão do social, e nos textos recentes (como
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no debate com Fraser, Redistribution or recognition, Verso, 2004), e precisará como esta
pode aplicar-se às instituições econômicas: o funcionamento econômico aparece então,
em consonância aos temas próximos do institucionalismo econômico onde a teoria das
conveões, como solidária de acordos normativos entre grupos em torno de princípios
institucionalizados permite satisfazer reinvindicões fundamentais de reconhecimento.
Honneth prossegue assim sua polêmica contra a ideia de que as instituições econômicas
podem ser avaliadas tão somente do ponto de vista de sua eficácia, assinalando de uma
parte que elas repousam sobre compromissos normativos e, de outra parte, são o lugar
de interesses normativos fundamentais para os indivíduos. Enquanto a filosofia política
contemporânea tende a desertar a queso do trabalho acompanhando o duplo
movimento de rendição da esquerda social e de uma invisibilização do trabalho levada
ao paroxismo pela questão do emprego, Honneth sublinha que decisivas disputas
normativas se travam no trabalho. Mesmo longe de admitir uma centralidade do trabalho,
faz do trabalho uma forma fundamental da existência social que é caracterizada por um
conjunto de exigências normativas específicas. Ele propõe assim uma imagem do
trabalho que está nos antípodas dos discursos sobre o fim do trabalho e teorias da justiça
e da dominão que fazem abstração das questões específicas ligadas à organização
do trabalho. Neste sentido, ele adota um posicionamento teórico-político do qual as
intenções podem sem dúvida ser comparados àqueles que animam os trabalhos de
Dejours e sua equipe.
O LUGAR AMBÍGUO DO TRABALHO NA TEORIA DO RECONHECIMENTO
A Teoria do Reconhecimento colocou, portanto, certas de suas motivações na exigência
de uma “concepção crítica do trabalho” e tem por objetivo explícito tematizar disputas
normativas imanentes às instituições econômicas. De todo modo, a Teoria do
Reconhecimento não descreve estas disputas normativas verdadeiramente sob a forma
de uma teoria do trabalho, e esta é somente é assumida muito indiretamente como
motivão inicial, aquela de uma concepção crítica do trabalho. Esta não parece
verdadeiramente desempenhar função determinante no dispositivo teórico definitivo.
A Teoria do Reconhecimento repousa sobre dois princípios fundamentais. O primeiro é
que o nexo positivo a si de um indivíduo sendo intersubjetivamente constituído, é
igualmente intersubjetivamente vulnerável, de sorte que a identidade pessoal está
intimamente ligada à necessidade de reconhecimento, no sentido de uma necessidade
de ver reconhecido nosso valor próprio por outrem. O segundo princípio é que existem
três formas diferentes de reconhecimento, que correspondem a diferentes formas de
relação positiva a si e a diferentes tipos de relação a outrem.
A primeira forma de reconhecimento está ligada à constituição e à confirmação do valor
de nossa existência como ser de afetos e necessidades; é o amor em sentido amplo que
permite obter este reconhecimento, forma de reconhecimento que pode ser associada
Formas de
reconhecimento
Relações primárias
Relações jurídicas
(direito)
Comunidade de
valores
Relação
(positiva)
Confiança em si
Respeito de si
Estima de si
Dimensão
pessoal
Afetos e
necessidades
Responsabilidade
moral
Capacidade e
qualidades
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às exigências normativas do care (este misto de disponibilidade, de recursos e de
cuidado, que foi teorizada por certas teorias feministas da justiça
3
).
A segunda forma de reconhecimento está ligada à constituição e à confirmação do valor
de nossa liberdade, ela toma a forma do reconhecimento moral e jurídico e emerge do
domínio tradicional da justiça.
A terceira forma de reconhecimento es ligada ao reconhecimento do valor social de
nossas faculdades ou, mais precisamente, de nossa capacidade de ser útil à sociedade
em seu conjunto ou a grupos sociais particulares. Porquanto esta demanda de
reconhecimento se enderece não mais a um indivíduo particular, como no care, nem a
um conjunto de indivíduos unidos numa sociedade, como nas reivindicões de justiça,
mas à sociedade ou grupo social considerado como o todo ao qual pretendemos ser
úteis, é indissociável de uma reivindicão de solidariedade
4
.
Esta terceira esfera a qual concerne especificamente à economia e ao trabalho, mesmo
admitindo-se que as instituições de intimidade (ou das relações pririas) têm
igualmente o reconhecimento do trabalho por meta, e mesmo se as normas do care do
respeito da liberdade concirnam igualmente às instituições do trabalho
5
.
Em A Luta pelo Reconhecimento, a questão do valor das capacidades e qualidades não
está conectada à questão específica do trabalho, mas àquela da luta entre os grupos
para fazer reconhecer o valor de suas competências e especificidades. Referindo-se a
Bourdieu, Honneth escreve as relações de estima social são, nas sociedades
modernas, o interesse de uma luta permanente, na qual os diferentes grupos se
esforçam sobre o plano simbólico para valorizar as capacidades ligadas a seu mundo de
vida particular e demonstrar sua importância para a vida comum (tradução, p.154). Aqui
é, sobretudo, o conceito de estima social que Honneth tenta explicitar, e se pode admitir
que à primeira vista ao menos, a questão da estima social ultrapasse aquela do trabalho.
Mas parece que a partir do fim dos anos 1990, na sequência de sua posse na função
como diretor do Instituto de Pesquisa Social, em colaboração com as pesquisas dos
psicólogos e sociólogos do Instituto, da participação na elaborão de programas de
pesquisas transversais (como aquele sobre os paradoxos da modernizão capitalista”),
Honneth buscou aprofundar a teoria da terceira esfera sob forma de teoria do trabalho.
Nos textos recentes, ele assinala assim que é antes por interdio do trabalho que
chegamos a valorizar nossas capacidades e a lhes dar uma utilidade social. É neste
sentido que ele sustenta por vezes que a terceira forma de reconhecimento depende da
inserção do indivíduo numa divisão social do trabalho onde o valor das capacidades de
cada um encontra seu reconhecimento no seio da comunidade de valor de seus pares
(veja-se notadamente o debate com Fraser).
O ponto de vista da teoria do trabalho permanece em Honneth aquele da filosofia social,
e ele é, por conseguinte, dicil de confrontar com as análises por vezes sociológicas e
psicológicas propostas pela psicodinâmica do trabalho. Arriscando-se, não obstante, a
esta confrontação, dir-se-á sem dúvida que, do ponto de vista da Psicodinâmica do
Trabalho, o approach de Honneth conduz a silenciar elementos essenciais da queso.
O que é marcante no dispositivo teórico é inicialmente que o trabalho não é
3
Sobre este ponto, ver Razões Práticas, 16: Le souci des autres. Éthique et politique du care (sob a direção de P. Paperman e S.
Laugier), 2005.
4
Para esta articulação do care, da justiça e da solidariedade, ver Honneth, Dezen- trierte Autonomie. Moralphilosophische Konsequenzen
aus der Subjektkritik, in Das Andere der Gerechtigkeit, Suhrkamp, 2000.
5
Sobre este ponto, ver E. Renault, LExpérience de linjustice. Reconnaissance et clinique de linjustice, La Découverte, 2004, p. 193 sq.
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verdadeiramente analisado como uma atividade, mas, sobretudo, como um processo de
valorização das capacidades, cujas condições sociais são deixadas nas sombras: em
quais condições uma atividade pode ela mesma oferecer ao indivíduo uma ocasião de
dar um valor social a suas capacidades? Em que esta valorização depende das
condições de emprego e em que estas dependem das condições de trabalho? Quais
são os tipos de reconhecimento decisivo ao seio das relões de trabalho? Estas
questões permanecem sem resposta. Disso resulta notadamente que a questão do
reconhecimento da realidade e do valor do trabalho não é verdadeiramente posta.
Honneth parece distinguir, de uma parte, um esforço visando a que as capacidades de
um grupo sejam reconhecidas pelo conjunto da sociedade (solidariedade) e, de outra
parte, o reconhecimento das capacidades de um indivíduo graças a sua inserção numa
comunidade de valores; ele parece, afora isso, considerar que a ideia de divisão social
do trabalho permite conectar os dois. O que permanece então inexplorado é o conjunto
dos problemas ligados ao que se poderia chamar de divio técnica do trabalho, isto é a
questão do reconhecimento ao seio da atividade coordenada e cooperativa do próprio
trabalho, questão a prosito da qual Christophe Dejours mobiliza precisamente o
conceito de reconhecimento, laando mão notadamente da distião entre julgamento
de perfeição (reconhecimento da realidade do trabalho pelos colegas) e julgamento de
utilidade (reconhecimento do valor do trabalho pela hierarquia).
Outro debate possível com a Psicodimica do Trabalho concerne à extensão dada ao
conceito de reconhecimento. Considerada do ponto de vista de Honneth, a
Psicodinâmica do Trabalho estuda somente uma das três formas de reconhecimento.
Ela propõe uma teoria parcial, e não global, do reconhecimento. Considerada do ponto
de vista da Psicodinâmica do Trabalho, em Honneth falta a centralidade do trabalho e se
estabelece uma homogeneidade ilusória entre as três formas de reconhecimento: ele
desenvolve o tema da centralidade do reconhecimento lá onde haveria de desenvolver
aquele da centralidade do trabalho. É verdade que existam expectativas de
reconhecimento em esferas outras que aquela do trabalho e, neste sentido, a distinção
entre três formas de reconhecimento pareceria justificar-se. Entretanto, os desejos de
reconhecimento ligados à esfera da intimidade não podem sempre ser distinguidos
daqueles de reconhecimento próprios ao trabalho. Disso testemunha o fato de que as
exigências normativas do care tomam sempre corpo num trabalho de caring
6
.
Quanto às expectativas de reconhecimento claramente independentes do trabalho, elas
fornecem um ponto de vista crítico muito frágil, em razão da variedade e da força dos
investimentos narcísicos dos quais elas são objeto. E contanto que elas não se
concentrem especificamente sobre o fazer, mas no ser dos indivíduos, arriscariam
sempre ligar os indivíduos a formas de reconhecimento alienantes. Sobre este último
ponto, Honneth poderia sem dúvida responder que as exigências de respeito à liberdade
e dignidade, tradicionalmente orientadas ao direito, devem ser consideradas como
expectativas de reconhecimento das quais os teóricos da política devem fazer aparecer
a objetividade. O debate conduziria sem dúvida então a um consenso em torno da ideia
que o reconhecimento nunca pode ser pensado sem luta, que não há sem vida nunca
reconhecimento totalmente satisfatório, e que o ponto de vista crítico deve ser buscado
nas experiências de falta de reconhecimento mais que nas exigências de um
reconhecimento satisfatório. Isto faria parecer, por conseguinte, que as divergências
6
P. Molinier, Le care à l’épreuve du travail”, in Raison pratique, 18, op. cit.
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analíticas remetem a difereas de estratégia política
7
. Conquanto Honneth e Dejours
considerem ambos a injustiça social e a dominação a sério, eles não consignam da
mesma a exigência de autonomia nos seus dispositivos teóricos. Para Honneth, trata-se,
sobretudo, da explicitação do ponto de vista pré-teorético da crítica teórica o que constitui
a lacuna principal, e as experiências de negação de reconhecimento tem precisamente
por interesse identificar as fontes afetivas das dinâmicas práticas e cognitivas de
resistência à dominação e à injustiça. Para Dejours, mais do que a metodologia de uma
teoria crítica da sociedade, é a técnica psicanalítica que define a maneira pela qual uma
teoria pode contribuir com a emancipão, de sorte que são as condições positivas da
emancipão e não mais as condições da crítica da dominação e da injustiça que devêm
determinantes.
Um debate mais fundamental ainda poderia concernir à maneira pela qual Honneth
remete a necessidade de reconhecimento à constituição intersubjetiva da individualidade
e à problemática da relação positiva a si. A ideia de relação positiva a si aparecerá sem
dúvida obscura e enganosa ao psicanalista. Mas, aqui ainda, convergências poderiam
aparecer a partir dos últimos textos
8
, Honneth antecipa que o reconhecimento
intersubjetivo supõe, de uma parte, um tipo de identificação primária a outrem (que é
preciso supor para considerar o fato que olhar, o comportamento e o julgamento de
outrem me concernem de modo diferente que o comportamento animal, por exemplo) e,
de outra parte, um tipo de identificação priria a seus desejos e a seus sentimentos (é
preciso que exista para mim para poder relacioná-los a mim mesmo o julgamento que
outrem faz acerca de mim). Mesmo se esta identificão primária a si seja descrita por
meio de um novo conceito de reconhecimento, Honneth conforma assim um espaço
teórico, onde a relação a si se constitui subsumida à relação intersubjetiva, onde, para,
além disso, a relação consigo mesmo sob a forma do sofrimento e defesas pode ser
levada em conta. Restaria então saber se a questão do reconhecimento deve ser referida
de todo à questão da relação positiva a si, isto é, à identidade e, se tal é o caso, como?
Dejours admite que a importância de expectativas de reconhecimento deriva
notadamente do papel que ele desempenha na constituição da identidade, mas ele
assinalaria talvez novamente que o reconhecimento trazendo uma contribuição positiva
à identidade relacionada aofazer e não sobre oser do indivíduo. Convém, portanto,
desconfiar-se de todas as expectativas (ou efeitos) de reconhecimento relacionadas
diretamente à identidade como tal, a objão poderia ser enderada a Honneth por
associar de modo muito direto reconhecimento e relão positiva a si (sem a tematização
explícita da atividade como lugar de realização possível da identidade e como objeto
específico de uma forma de reconhecimento particular, aquela relativa ao fazer e não ao
ser).
RECONHECIMENTO E SOCIOLOGIA DO TRABALHO
Sem que se pretenda apresentar uma síntese exaustiva de tudo o que foi dito
sobre a relação reconhecimento-trabalho na sociologia alemã contemporânea,
concentrar-nos-emos agora sobre as utilizões frankfurtianas do conceito de
reconhecimento cuja função é descrever a natureza e os efeitos das transformações
7
Sobre este ponto, A. Honneth, «La dynamique sociale du mépris. Doù parle une théorien critique ?», et «Conscience morale et
domination de classe. De quelques difficultés dans lanalyse des potentiels normatifs daction», in La société du mépris. Vers une
nouvellethéorie critique, La Découverte, 2006.
8
A. Honneth, La Réification. Petit traité de théorie critique, Gallimard, 2007.
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organizacionais ligadas à flexibilizão do trabalho e à introdução de novas normas de
gerenciamento. Enquanto Honneth se contenta em seus escritos de filosofia social em
assinalar que a ideia de reconhecimento diz respeito às expectativas de reconhecimento
(reconhecimento de magnitude normativa) e normas sociais de reconhecimento
(reconhecimento como fato social), Voswinkel ET Kocyba
9
, pesquisadores do Instituto
de Pesquisa Social, tentam descrever a construção social das expectativas de
reconhecimento e as transformações das normas sociais de reconhecimento. Seus
textos giram em especial em torno de duas questões. Primeiramente, é preciso
considerar se o néo-management tira algumas de suas especificidades do fato que ele
constitui um gerenciamento do reconhecimento, ou se antes de tudo considerar é ele
simplesmente solidário da substituição de um novo modelo de reconhecimento de um
modelo anterior? Em segundo lugar, como avaliar os efeitos da instrumentalização do
reconhecimento no neomanagement e quais são as consequências que devem ser
tiradas quanto ao valor das próprias demandas de reconhecimento. Apresentaremos a
seguir a maneira pela qual esses autores formulam estes problemas e vejamos como o
próprio Honneth tenta responde-los.
DO FORDISMO AO PÓS-FORDISMO: APRECIAR E ADMIRAR
O ponto de vista de Voswinkel, defendido em sua tese de habilitação e em diferentes
artigos, é que a passagem do fordismo ao pós-fordismo é marcada pela substituição de
um modelo de reconhecimento a outro. O fordismo repousa, em parte ao menos, sobre
a institucionalização de um modo de reconhecimento diferente daquele do s-fordismo.
Um remete ao reconhecimento como admiração (Bewunderung), ao eu admiro o que
você faz ou o que você é, o outro ao reconhecimento como apreciação (rdigung), ao
eu aprecio o que você faz. A apreciação remete ao fato que certos indivíduos são
reconhecedores de outros indivíduos cujos esforços e o engajamento os quais eles
evidenciam em suas ações, quaisquer que sejam as capacidades e o sucesso dessas
ações; ele é fundamentalmente horizontal no sentido em que depende do pertencimento
a comunidades que partilham valores comuns, que permitindo apreciar os esforços de
seus membros. Neste sentido, ele é uma modalidade de intercâmbio social, ou um
aspecto da constituição dos grupos sociais. A admiração, ao contrário, remete ao
presgio vinculado aos recursos, capacidades e ao sucesso; ele brota de uma relação
de reconhecimento que pode chamar-se de vertical, no sentido onde ele coloca
imediatamente o indivíduo cujo valor é reconhecido por sua posição de superioridade em
relação a outros indivíduos. A estima é o modo de reconhecimento que convém ao
trabalho por prescrição e ao emprego de longa duração do fordismo; ela é relativa aos
esforços consentidos para aplicar as prescrições de modo adequado. Ao contrário, a
admiração corresponde ao trabalho por projeto e ao emprego de duração determinada.
Ele diz respeito mais sobre os recursos diversos que os indivíduos podem mobilizar na
condução de projetos, sobre as capacidades as quais os indivíduos evidenciam ao levar
esses projetos a bom termo e sobre os sucessos de suas iniciativas
10
.
9
Veja-se em especial os dois volumes coletivos que eles estimularam e dos quais participaram: U. Holtgrewe, S. Voswinkel, G. Wagner,
Anerkennung und Arbeit, Uvk, Konstanz, 2000; A. Honneth, Befreiung der Mündigkeit. Paradoxien des gegenwärtigen Kapitalismus,
Campus, Frankfurt, 2002.
10
Veja-se S. Voswinkel, «Anerkennung der Arbeit im Wandel. Zwischen rdigung und Bewurderung», in U. Holtgrewe, S. Voswinkel, G.
Wagner, Anerkennung und Arbeit, op. cit. ; voir aussi S. Voswinkel, «Bewunderung ohne Würdigung ? Paradoxien der Anerken- nung
doppelt subjektivierter Arbei, in A. Honneth, Befreiung der Mündigkeit. Parado- xien des gegenwärtigen Kapitalismus, op. cit. ; S.
Voswinkel, Anerkennung und Reputation. Die Dramaturgie industrieler Beziehungen, Uvk, Kontanz, 2001.
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Para apreender os aportes da contribuição de Voswinkel, pode ser útil cotejar este
diagnóstico à maneira pela qual Honneth interpreta a passagem do fordismo ao pós-
fordismo. Para este último, resulta em parte ao menos do desenvolvimento das lutas por
reconhecimento, lutas contra o modelo de normas tayloristas do valor do trabalho. O
pós-taylorismo resultaria, portanto, em parte ao menos, de um sucesso obtido pelos
assalariados na sua luta por serem reconhecidos como algo mais que indivíduos
aplicando prescrições, para serem reconhecidos em sua liberdade e criatividade. Isto se
caracterizaria por uma individualizão dos modos de reconhecimento, uma vez que o
trabalho não deve mais ser avaliado por critérios gerais ligados à organizão técnica do
trabalho, mas sobre a base das contribuições individuais. No esquema honnetiano, o
pós-fordismo é solidário de um progresso porquanto se exprimem nele desmandas de
reconhecimento que não poderiam se exprimir de tal modo no fordismo, o problema
residiria em que se o pós-fordismo libera demandas de reconhecimento, ele se constitui
ao mesmo tempo num obstáculo à satisfação delas
11
.
O diagnóstico de Voswinkel toma o contrapé daquele de Honneth. Voswinkel sustenta
queo se deveria deixar-se levar pela ilusão que com o declínio do fordismo, são os
modelos institucionalizados de reconhecimento que desaparecem para dar lugar a
relações de reconhecimento mais malveis e mais livres. A situão atual é, ao
contrário, caracterizada por um duplo movimento de desinstitucionalização e de
reinstitucionalização do reconhecimento. A individualização das demandas de
reconhecimento não é, por conseguinte, algo a ser concebido como uma liberação das
demandas de reconhecimento, mas como o efeito de um novo tipo de pressão
normativa, a qual conduz os indivíduos a tentar fazer valer a qualidade de seu trabalho
sob um modo individualizado. Voswinkel assinala, além disso, que se nós estamos antes
numa situação de passagem de um modelo de reconhecimento a outro, nas inúmeras
situões de trabalho, essas duas normas de reconhecimento se superpõem
engendrando conflitos normativos.
Entre Voswinkel, o sociólogo do trabalho, e Honneth, o filósofo no qual ele se inspira, um
ponto de desacordo concerne manifestamente na definição da relação entre instituições
e demandas por reconhecimento. Para Honneth, as demandas por reconhecimento são
concebidas como uma fonte de progresso social e como a alavanca da crítica social.
Disso resultam duas conseqncias. De uma parte, a queso da construção institucional
das demandas por reconhecimento não atrai muito sua atenção. De outra parte, a crítica
social volta-se mais sobre os processos sociais que interditam a satisfação das
demandas por reconhecimento que sobre as situações onde as instituições aprisionam
os indivíduos ao dar-lhes satisfação das demandas por reconhecimento que elas
mesmas contribram para constituir. Para Voswinkel, está claro que a satisfação das
demandas por reconhecimento não é sempre positiva, como a instrumentalização do
reconhecimento noomanagement o prova. Esta é uma questão que nos conduz ao
problema daquilo que se pode chamar de reconhecimento como dominação e ideologia,
problema ao qual Kocyba consagrou várias contribuições.
O PREÇO DO RECONHECIMENTO
11
A. Honneth, M. Hartmann, «Paradoxes du capitalisme : un programme de recherche» et A. Honneth, «Capitalisme et réalisation de soi :
les paradoxes de lindividuation» in La Socié du mépris, op. cit.
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Kocyba procede a um exame crítico da ideia segundo a qual o pós-fordismo constituiria
um progresso em matéria de reconhecimento. Conhece-se a noção [idée voulant] de
que o taylorismo seja fundado sobre um desprezo da subjetividade do trabalhador, ela
sendo considerada tão somente como um fator de perturbão em relação à
organizão científica do trabalho. Conhece-se igualmente a noção de que o novo
gerenciamento oferece um reconhecimento mais satisfatório ao indivíduo que trabalha,
uma vez que ele propõe reconhecer o valor da integralidade de sua pessoa no trabalho:
não mais simplesmente do indivíduo como força de trabalho, mais igualmente enquanto
criatividade e responsabilidade. Pode-se contestar que se trata aí de verdadeiros
progressos. O reconhecimento da subjetividade à qual o novo gerenciamento procede
não é sem contrapartida. De uma parte, o assalariado é condenado a uma completa
instabilidade, uma vez que passa de um reconhecimento ex ante, definido pelas
condições a priori da competência ligada à posse de uma qualificação, a um
reconhecimento ex post, que é largamente independente da realidade de seu trabalho,
porquanto dependa principalmente da consecão do projeto, isto é, da maneira pela
qual é avaliado pela hierarquia e pelo mercado
12
. De outra parte, o trabalho, não sendo
mais submetido a prescrições rígidas, identifica sua qualidade ao investimento pessoal
do assalariado na consecão do projeto. Ou seja, uma vez que este engajamento não
é materializável, é necesrio que o assalariado obre ele mesmo para fazer com seja
reconhecido: é necessário que ele apresente sua identidade no trabalho, tanto dando
testemunho de seu engajamento pessoal no projeto quanto de sua capacidade de
mobilizar uma rede de colaboradores competentes e de acompanhar, se não o puder
antecipar, todas as modificações organizacionais requeridas. O assalariado é assim
submetido a coações de auto-apresentação” [contraintes de présentation de soi], as
quais constituem de fato uma nova forma de negação da subjetividade. O
néomanagement pretende que a nova organização do trabalho ofera possibilidades
de realização de si no trabalho, no entanto mais que uma suprassunção da alienação
taylorista, é uma nova fenomenologia da alienação que se desenvolve”
13
O problema que é posto por Kocyba é duplo. É, de um lado, que as demandas por
reconhecimento são instrumentalizadas pelo gerenciamento, e que a promoção do tema
do reconhecimento constitui uma ferramenta destinada a produzir uma organização mais
eficaz ainda que aquela do taylorismo, antes de ser uma resposta às reivindicações
legítimas do trabalho. E, de outro lado, que os ganhos do reconhecimento permanecem
frequentemente obscuros para os próprios agentes (por exemplo, o reconhecimento que
eles declaram buscar, aqueles de seus colegas, não é sempre o que eles buscam
efetivamente, aquele da hierarquia), e que por meio das relações de reconhecimento
passam formas de autocontrole e de relão de poder as quais permanecem por sua
vez tão obscurecidas para os agentes que as relações de trabalho são frequentemente
o lugar de uma discrepância entre reconhecimento esperado e reconhecimento
concedido. Neste contexto, onde as expectativas de reconhecimento são obscuras e
enderadas à hierarquia, em que a instrumentalização do reconhecimento pode
aparecer como um dispositivo de legitimação da dominação e da desigualdade, ou como
uma ideologia. Isto não conduz Kocyba a criticar a teoria do reconhecimento como tal,
12
H. Kocyba, «Der Preiss der Anerkennung», ibid.
13
H. Kocyba, «Der Preiss der Anerkennung », ibid. H. Kocyba, « Die falsche Aufhebung der Entfremdung. Über die normative Subjektivie-
rung der Arbeit im Postfordismus», in M. Hirsch (éd.), Psychoanalyse und Arbeit : Krea- tivität, Leistung, Arbeitstörungen, Vandenhoeck &
Ruprecht, Göttingen, 2000; H. Kocyba, «Selbstverwirklichungszwänge und neue Unterverfungsformen. Paradoxen der Kapilalis- mus Kritik»,
in Arbeitsgruppe SubArO (éd.), Ökonomie der Subjektivität Subjektivität der Ökonomie, Édition Sigma, Berlin, 2005.
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mas antes a tentar denunciar essas formas de reconhecimento falseadas à luz da
exigência de um reconhecimento verdadeiro
14
.
O próprio Honneth tentou considerar este tipo de problema distinguindo formas de
reconhecimento ideológicas e formas de reconhecimento o ideológicas. Há ideologia
do reconhecimento quando uma instituição emite promessas de reconhecimento que ela
não pode satisfazer, e é este tipo de ideologia do reconhecimento que poderia ser
observada na organização atual do trabalho
15
. O problema não estaria, portanto, na
natureza das demandas por reconhecimento que provém dos indivíduos, mas no fato
que estas o são satisfeitas. O neomanagement seria solidário de um progresso frente
ao taylorismo, uma vez que formula promessas de reconhecimento mais satisfatórias
que aquelas do taylorismo, e o desafio hoje lançado à crítica social seria o de contribuir
para certificar-se de que a organização do trabalho e da sociedade permita satisfazê-las.
Pode-se, entretanto, objetar se o problema assinalado pelo conceito de ideologia pode
ser reduzido àquele de promessas não realizáveis. Classicamente, este conceito
designa igualmente a legitimação das dominações e desigualdades. Ou seja, os
problemas sublinhados por Kocyba conduzem à ideia de que as normas de
reconhecimento têm uma função ideológica neste sentido
16
, elas fazem aparecer por
isso mesmo o que de problemático em conceber a passagem do fordismo aos-
fordismo como um progresso.
A sociologia do trabalho inspirada por Honneth se apresenta, por conseguinte, como um
espaço de debate mais que como uma escola homogênea. É, portanto, temerário
esboçar uma confrontação com a Psicodinâmica do Trabalho a qual, igualmente, poderia
ser mobilizada em benefício de diagnósticos sociopolíticos divergentes. Entre as duas
perspectivas, um ponto de desacordo diria respeito sem dúvida o ponto de vista a partir
do qual os diagnósticos são estabelecidos. Partindo do par conceitual expectativa de
reconhecimento e fato social do reconhecimento, os approaches Frankfurt anos tendem
a privilegiar a maneira pela qual as normas de reconhecimento estruturam os discursos
gerenciais e os efeitos de subjetivação que eles induzem. Do ponto de vista da
Psicodinâmica do Trabalho, é a própria atividade de trabalho que constitui o objeto de
análise, de sorte que a questão das técnicas de organização do trabalho é colocada em
primeiro plano, enquanto a questão do discurso gerencial aparece como secundária,
senão como mistificadora. A avaliação individualizada das performances e a démarche
da qualidade total constituem o coração do problema, a segunda implicando um
desconhecimento tendencial da realidade e da utilidade do trabalho, enquanto a primeira
oferece tão somente reconhecimento do trabalho pelos pares. Os discursos gerenciais
certamente não podem ser postos como simples discursos de legitimação exteriores às
atividades, na medida em que os indivíduos devem sempre se referir a eles para
descrever seu trabalho, mas a psicodinâmica do trabalho assinala que a experiência do
trabalho coloca os indivíduos em posição crítica frente às práticas discursivas gerenciais
funcionando como prescrição e promessa.
14
H. Kocyba, «Die falsche Aufhebung der Entfremdung. Über die normative Subjektivie- rung der Arbeit im Postfordismus», in M. Hirsch
(éd.), Psychoanalyse und Arbeit: Krea- tivität, Leistung, Arbeitsrungen, Vandenhoeck & Ruprecht, Göttingen, 2000; H. Kocyba,
«Selbstverwirklichungszwänge und neue Unterverfungsformen. Paradoxen der Kapilalis- mus Kritik», in Arbeitsgruppe SubArO (éd.),
Ökonomie der SubjektivitätSubjektivit der Ökonomie, Édition Sigma, Berlin, 2005.
15
A. Honneth, «La reconnaissance comme idéologie», in La Socié du mépris, op. cit.
16
Poder-se-ia desenvolver esta discussão interrogando-se sobre a função do dispositivo Vae no pós-fordismo, a este respeito, veja-se D.
Laoppe, «Formes et vécus du déni de reconnaissance : retour sur léchec en validation des acquis de lexpérience», et E. Renault,
«Reconnaissance ou validation? La reconnaissance entre critique et idéologie», in F. Neyrat (dir.), La Validation des acquis de lexpérience,
Éditions du Croquant, Broissieux, 2007.
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Uma questão posta explicitamente por Marie Grenier-Pezé no documentário Ele não
morreram todos, mas estão todos feridos (2006) é de saber se o desejo de
reconhecimento não conta entre os fatores explicando a adesão a estas técnicas
organizacionais. Prosseguindo esta interrogação, seríamos sem dúvida reconduzidos a
formular a problemática do reconhecimento como ideologia antecipando que a
contribuição das expectativas de reconhecimento à ideologia passa pela ausência de
solução de continuidade entre reconhecimento da atividade (do fazer) e o
reconhecimento da identidade (do ser). Como se sabe o que está em jogo no trabalho,
não é somente a utilidade para a empresa, mas também a competência a e a utilidade
social, estes últimos elementos definem a identidade profissional ou de ocio. A
identidade pessoal entra diretamente em jogo por intermédio daquela identidade
profissional. Talvez fosse, ademais, fecundo buscar determinar qual pode ser a
contribuição das expectativas de reconhecimento ancoradas na identidade coletiva
atinentes à constituição das ideologias defensivas as quais, em certas condições,
emergem da atividade de trabalho como tal. Sobre a queso da ideologia também, uma
confrontão das problemáticas pós-marxistas de Frankfurt com aquelas da
psicodinâmica do trabalho poderia revelar-se fecunda.
Data da submissão: 11/07/2019
Data da aprovação: 16/07/2019