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DOI: https://doi.org/10.17648/2238-037X-trabedu-v28n3-15366
MUNDIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: NOTAS SOBRE
ECONOMIA, PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO E IMPACTOS NA
SOCIEDADE CIVIL
Globalization of Higher Education: notes about economy, knowledge
production and impacts on civil society
SILVA JÚNIOR, João dos Reis
1
FARGONI, Everton Henrique Eleutério
2
RESUMO
O presente artigo tem como base parte de uma ampla pesquisa realizada entre os anos de 2016 e
2019 sobre políticas de financiamento de pesquisas, produção de conhecimento e o trabalho do
pesquisador no contexto da mundialização da educação superior. A investigação teve por objetivo
verificar os novos paradigmas do trabalho do pesquisador diante do avançado cerio de
comercialização do conhecimento produzido no âmbito global acadêmico. Neste contexto, o objeto de
estudo desdobrou-se em diversos casos situacionais, sendo um deles a potência indutora de
pesquisas e do trabalho cienfico por meio de grandes corporações mundiais enquanto questões
cruciais para o desenvolvimento humano aparecem em segundo plano.
Palavras-chave: Educação Superior. Prodão de Conhecimento. Mundialização do Trabalho.
ABSTRACT
This article is based largely on research conducted between 2016 and 2019 about research funding
policies, knowledge production and the researcher's work in the context of the globalization of higher
education. The research aimed to verify the new paradigms of the researcher's work in the face of the
advanced scenario of commercialization of knowledge produced in the global academic scope. In this
context, the complex object of study unfolded in several situational cases, one of them being the
inducing power of research and scientific work by large world corporations while crucial issues for
human development appear in the background. For such, this text will discuss through occasional
reflections based on the facts obtained, on the international economic order and on the trends of the
globalized work in research.
Keywords: Higher Education. Knowledge Production. Work Globalization.
1
Pós-Doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e University of London. Doutor em História e Filosofia da Educação
pela Ponticia Universidade Católica de São Paulo. Professor Titular do Departamento de Educação da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). E-mail: jr@ufscar.br.
2
Pedagogo e Mestrando em Educação na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: evertonfargoni@gmail.com.
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1 INTRODUÇÃO
A proposta do primeiro artigo da trilogia sobre o neoconservadorismo que graça
impunemente no país consiste na análise do contexto do trabalho científico por meio
dos novos paradigmas mundiais de produção de conhecimento que estão sob
avançada força comercial e, consequentemente, deixando questões cruciais da
sociedade civil em segundo plano.
Avançar o conhecimento científico, inovar e gerar solões parecem termos adotados
para descortinar o mundo a fim de desenvolvê-lo para o bem mútuo humano, porém
são conceitos que mais aparecem nos textos das definições de missões, visões e
valores das numerosas corporões que cada vez mais se aproximam dos centros de
pesquisa acadêmicos na busca de novos produtos. Empresas usam do conhecimento
produzido por graduandos, pós-graduandos, professores-pesquisadores e cientistas
técnicos como raw material knowledge (SLAUGHTER; RHOADES, 2009), que
segundo Silva Júnior (2017, p. 65) em uma tradução livre é o conhecimento como
maria-prima para ser transformado em produtos, processos ou serviços com o
objetivo de aumentar a produtividade econômica. De fato, o denominado
conhecimento matéria-prima é de 4 anos atrás. Esta pesquisa mostrou que nas
universidades, especialmente, agora, com o Programa FUTURE-SE, este tipo de
conhecimento com base epistemológica econômica é o produto da prioridade de áreas
do programa. Estas áreas prioritárias do FUTURE-SE são as que produzem a nova
ciência; a Tecnociência, portanto assumimos que oconhecimento matéria-prima é o
conhecimento mercadoria.
Na complexa conjuntura planetária em que a economia é um dos principais motores do
desenvolvimento social, humano e científico diversas indagações são realizadas na
busca de soluções para os abundantes problemas mundiais que são resultados da
crise estrutural que o capitalismo vem passando desde 2008-2009. As universidades
neste amplo quadro aparecem como espaços de possibilidades e de alta capacidade
de criação para desvendar sdas proveitosas para a sociedade, mas é também no
contexto acadêmico que aparecem muitas desigualdades, isto é, as universidades da
mesma forma que são centros cienficos com grande potencial de produção de valor,
inovação e contribuição societal também fazem parte do profuso cerio de
desequilíbrio econômico e social.
Por meio de análises pontuais com casos exemplares e análogos analisados da
realidade acadêmica mundial e Brasileira, este texto apresenta um recorte de uma
ampla pesquisa realizada entre 2016 e 2019 e usa como base de reflexão o
ordenamento econômico mundial na contemporaneidade e seus impactos na produção
de conhecimento pelo mundo.
2 FINANCEIRIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL
Para entender o movimento econômico que ordena os processos sociais na
contemporaneidade em todo planeta é vital também compreender como a ciência é
produzida num contexto mundialmente díspar face às sociedades em declínio, ora pela
destruição da natureza em seu plano intensificado de produção, ora pela desigualdade
social, ambas acentuadas no século XXI por meio de uma engenharia econômica que
não tem como prioridade o bem-estar social em razão da complexa dinâmica de
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produção que atende muito mais tendências do mercado em vez das necessidades
humanas.
A ciência neste mote econômico mundializado parece estar se modificando para uma
nova forma de produção de conhecimento, uma forma que o interage em primazia
com as necessidades básicas da maior base populacional do planeta, porque fere a
condição de existência do ser humano para criar novos recursos que atendam, por
exemplo, os tech trends, com medidas que mais se aproximam na expansão da ciência
para o entretenimento e alta tecnologia enquanto no mesmo globo milhões de pessoas
padecem na miséria.
Wolfgang Streeck (2017, p. 133) aclara esta conjuntura mundial por expor o
endividamento das nações com omercado”, fazendo com que países virem as costas
para os cidadãos ao reproduzirem um fato comum no século XXI governos que não
respondem aos interesses da população , ou seja, a vida do cidadão comum é
precarizada pelos interesses do capital financeiro. Esta condição se dá em grande
escala na geopolítica mundial com números vergonhosos de desigualdade econômica,
como mostra o relatório da Organização não governamental britânica Oxford
Committee for Famine Relief (Comitê de Oxford de Combate à Fome, OXFAM)
3
,
revelando que oito bilionárias famílias são detentoras de mais riqueza do que a metade
mais pobre da população no mundo em 2018.
Analisando esta realidade de acumulação de riqueza, o ser humano ainda se figura
como um componente estratégico para os grupos financeiros, mas não como o target
de igualdade como dizem alguns empreendedores, o ser humano nesta prática
globalizada vive sob um território hostil em que o lucro vale muito mais do que a vida.
Por exemplo, segundo o relatório sobre o Bem público ou riqueza privada?
apresentado em janeiro de 2019 pela OXFAM
4
, se todo o trabalho não remunerado
realizado por mulheres em todo o mundo fosse realizado por uma empresa somente, o
faturamento anual seria de 10 trilhões de dólares, ou seja, 43 vezes mais do que a
receita anual da Apple, que no ano de 2017 obteve lucro de 229,3 bilhões de dólares.
Esta informação expõe a dimensão da disparidade entre o bem-estar das sociedades e
as políticas sociais que existem pelo mundo.
Segundo Streeck,
No mainstream econômico deve haver um conflito em uma economia de mercado entre
princípios rivais de alocação e só pode ser explicado por uma deplorável falta de educação
econômica dos cidadãos, ou por demagogia por parte de políticos irresponsáveis.
Desordens econômicas como inflação, déficits públicos e excessiva dívida privada ou
pública resultam de um conhecimento insuficiente das leis econômicas que regem o
funcionamento a economia como uma máquina de criação de riqueza, ou de um frívolo
desrespeito com as leis no egoísmo do poder político. Isso é bem diferente nas teorias da
economia política, na medida em que levam ario a política. Tais teorias reconhecem a
alocação de mercado como um regime político-econômico entre outros, governado pelos
interesses especiais daqueles que possuem escassos recursos produtivos que os colocam
em uma forte posição de mercado, enquanto sua alternativa, alocação política, é preferida
3
Public Good or Private Wealth? Universal health, education and other public services reduce the gap between rich and poor, and
between women and men. Fairer taxation of the wealthiest can help pay for them. OXFAM. Cf. em: https://policy-
practice.oxfam.org.uk/publications/an-economy-for-the-99-its-time-to-build-a-human-economy-that-benefits-everyone-620170. Acesso em:
20 jul. 2019.
4
Cf. em: www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/2019_Bem_Publico_ou_Riqueza_Privada_pt-BR.pdf. Acesso em: 20 jul. 2019.
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por aqueles com pouco poder econômico, mas potencialmente alto político. (2011, p. 4,
tradução direta dos autores).
A análise de Streeck nos permite entender que não está no horizonte de preocupões
das grandes corporações mundiais facilitar a entrada de mais representantes populares
no âmbito político internacional por dois fatores: 1) não há uma ampla rede de
educação sobre as teorias econômicas, principalmente nos pses considerados
subdesenvolvidos, estes que são as principais bases da mão de obra barata e 2) o
capitalismo amarga crises cíclicas como a Grande Depreso de 1929, logo faz-se
necessário para os representantes da alta cúpula econômica mundial buscar novas
estragias para manter tal sistema econômico produtivo e rentável, mesmo que seja
por meio da destruição de direitos e da precarização do trabalho.
Neste sistema em que a força indutora da economia tem em sua base o lucro, muitos
impactos negativos incidem nas numerosas esferas que compõem o desenvolvimento
da humanidade. As questões ambientais e sociais são exemplos de pontos que
frequentemente eso ignorados pela motivação do mercado que extrai ao máximo os
recursos naturais e, em muitos casos, são encontrados grupos de produção com
pessoas escravizadas ou agudamente mal pagas trabalhando em ambiente insalubres
por mais de 12 horas por dia em troca de uma arrecadação financeira pífia, como é o
caso de trabalhadoras
5
chinesas que ganham 4 centavos de dólar para cada boneca
que será vendida na Disney pelo preço de 45 dólares.
Gráfico 1 Pirâmide de Riqueza Global 2018.
Fonte: James Davies, Rodrigo Luberas and Anthony Shorrocks, Credit Suisse Global Wealth
Databook, 2018. Adaptação em Português pelos autores.
Os dados do gráfico 1 explicitam a conjuntura mundial de desigualdade. No topo da
pirâmide estão os percentuais de pessoas que detêm mais de um milhão de dólares,
sendo estes apenas 0,8% da populão mundial com riqueza acumulada de 142
trilhões de dólares, 19 vezes mais que os 64% da população global que estão abaixo
da faixa dos 10 mil dólares, mesma faixa que se encontram as pessoas com renda
próxima de zero. São aterradores números que exibem os hodiernos dias que embora
tenham evoluído na criação e aplicão de leis por direitos humanos, perseveram
sinais desumanos de exploração do homem.
5
Chinese women workers make 4 cents for producing $45 Disney dolls. Newsweek. Cf. em: www.newsweek.com/chinese-women-
workers-make-4-cents-producing-45-disney-dolls-1246857. Acesso em 20 julho 2019.
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Em outros dados, a Organizão Internacional do Trabalho (OIT) revelou que em
dezembro 2018 mais de 40 milhões de pessoas ainda são vítimas de trabalho
6
escravo
no mundo. Isto nos mostra que na racionalidade dos fatos sob a lógica organizacional
hierárquica financeira, os detentores da maior parte da concentrão de renda
tornaram-se os reguladores do sistema mercadológico mundial e, por conseguinte,
influenciadores do ordenamento de políticas públicas pelo qual a maior parte da
população do mundo vivencia com esporádicos reparos, por exemplo, por meio de
Ações Afirmativas.
3. SOCIEDADE DO CONHECIMENTO OU DO TRABALHO?
Com o poder hegemonicamente nas mãos dos gigantes financeiros, não só a
humanidade se preserva como refém das decisões dos integrantes do topo da
pirâmide, mas a ciência também fica prisioneira do engodo do mercado. Citando como
caso análogo, as universidades que mais se envolvem com a iniciativa privada estão se
portando nas bases ordenatórias da World Class University, que ao mesmo tempo
produzem conhecimento que são de substancial relevância para a humanidade
trabalham muito mais para atrair novas parcerias no processo de adesão de novos
fundos de financiamento, coincidentemente proveniente das grandes corporações
mundiais que utilizam do trabalho dos professores-pesquisadores como fonte de lucro
por meio da produção de conhecimento mercadoria.
Hazelkorn (2014, p. 17) ao discutir o problema do desequilíbrio social no mundo levanta
a hipótese de que a Educação Superior é um dos melhores caminhos para o
desenvolvimento das nações em vários aspectos, enquanto também expõe que
obstáculos existem na própria conjuntura acadêmica que dificultam o progresso e
reparão das desigualdades para além da ausência de políticas blicas, isto é, o
investimento no ensino superior pode ser um dos mais importantes fatores de
transformação para as sociedades emergentes, porém os Estados-nações em vez de
trabalhar os dados dos rankings globais da Educação Superior atuando nos números
que apontam as falhas ou nas informações com potenciais soluções de questões,
acabam evidenciando mais a competição entre as instituições, gerando a disputa nas
universidades por meio da perspectiva de quem mais produz Tecnociência.
Tal contradição é antiga e permanece vigente conforme explana o Diretor do Centro
Global de Educação Superior (CGHE) Simon Marginson (2012) ao dizer que o ensino
superior em massa passa a ser necessário para um ps se desenvolver em muitos
aspectos e pertencer a uma liga de pses desenvolvidos, mas ao mesmo tempo existe
a importância” de ter certeza que as universidades façam parte também de uma elite
mundial acadêmica.
Outro fator muito importante é como a Educão Superior funciona e funcionará em
países emergentes enquanto a Educação sica segue na mesma linearidade das
desigualdades sociais. Ou seja, uma das principais preocupações das nões que têm
como desafio a superação das desigualdades em suas dispares particularidades
históricas é a formação humana na Educação Básica. Desafio também para países
considerados desenvolvidos, porque enquanto na hierarquia mundial poucas nações
6
Mais de 40 milhões de pessoas ainda são vítimas de trabalho escravo no mundo. Organização das Nações Unidas (ONU). Cf. em
https://nacoesunidas.org/mais-de-40-milhoes-de-pessoas-ainda-sao-vitimas-de-trabalho-escravo-no-mundo/. Acesso em: 24 jul. 2019.
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avançam em questões educacionais, como é o caso de êxito dos pses sociais-
democratas da Escandinávia, muitos outros pses sob intensos problemas políticos
experimentam formas de financeirizão insuficientes para o desenvolvimento
educacional e científico de sua população, enfraquecendo o General Intellect
7
dos
Países.
De acordo com o gráfico 2, a população mais pobre, em termos de renda, vive
desproporcionalmente em relação ao gasto público com o serviço de educação e isto
se repete em outros serviços blicos que segundo relatório da OXFAM,
Além desses serviços prestados gratuitamente, os sistemas de proteção social, como
salário-falia e aposentadorias, costumam representar renda adicional em dinheiro. Eles
também podem ter um forte impacto na redução da desigualdade. Evidências relativas à
Arica Latina mostram que a introdução e expansão da proteção social representaram
um dos principais fatores que impulsionaram a redução da desigualdade na região durante
os anos 2000. (OXFAM, 2019, p. 50).
Gráfico 2 - Gastos públicos no ensino fundamental, comparados com a renda das
famílias mais pobres em diferentes países
Fonte: Cálculos da Oxfam. P. Espinoza Revollo, et al. (2019). Em: Public Good or Private
Wealth? Methodology Note.
A grande concentração de renda não é marginalizada pelo fato de que a maioria das
formas de enriquecimento são viabilizadas por meios lícitos, mas a figuração da
discrencia de renda em países, como o caso da Papua Nova Guiné em que o custo
da água representa 50% da renda diária de uma pessoa pobre, revela que o sistema
financeiro mundial não ignora uma das condições sicas de sobrevivência do cidadão,
pois as políticas públicas de cada país seguem a ordem mundial dos direitos humanos
em zelar pela viva humana.
Entretanto, os gigantes corporativos sempre estão atentos não somente nas
universidades, mas com elas, para descobrir fontes de lucro, mesmo que seja por meio
da aquisição de um bem natural do planeta. Por exemplo, por meio da intenção de
exploração dos aquíferos, a madeira de reservas naturais, combustíveis fosseis entre
7
A natureza não constrói quinas, locomotivas, ferrovias, telégrafos elétricos, mulas auto atuantes etc. Estes são produtos da indústria
humana; material natural transformado em órgãos da vontade humana sobre a natureza ou de participação humana na natureza. Eles
são órgãos do cérebro humano, criados pela mão humana; o poder do conhecimento, objetivado. O desenvolvimento do capital fixo indica
em que grau o conhecimento social geral se tornou uma força direta de produção e em que grau, portanto, as condições do processo da
própria vida social ficaram sob o controle do intelecto geral e foram transformadas de acordo com isso; até que ponto os poderes da
produção social foram produzidos, não apenas na forma de conhecimento, mas também como órgãos imediatos da prática social, do
processo da vida real. (MARX, 1987, p. 229-230)
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outros. Ainda assim, mesmo com o declínio nos níveis de pobreza
8
do mundo, o que
parece prevalecer no planeta são as conexões financeiras internacionais, tendo o
comércio como condutor de quase todos os campos, porque no mercado mundializado
forma política de atuão de um país depende de sua estrutura econômica e como
esta nação se relaciona com outras nações e, não obstante de suas singularidades, a
exploração dos recursos naturais em seu terririo, fortalecendo a economia nacional e,
por conseguinte, a ciência local.
As fontes alternativas de financiamento são provindas de grandes corporões
mundiais, dos quais seus acionistas e proprietários estão no topo da pirâmide da
riqueza global, ou seja, são diretamente e indiretamente norteadores de políticas de
financiamento de pesquisas, induzindo as novas práticas acadêmicas em prodão de
conhecimento e, consequentemente, do consumo no planeta. Tal controle pode ser
medido visualmente por um infográfico mercadológico feito pela OXFAM
9
para o
trabalho informativo Behind the Brands, em que menos de duas dezenas de marcas e
suas indústrias controlam milhares de outras marcas gerando um monopólio não só
mercadológico, mas financeiro, como um princípio político para mantera confiança de
investidores (DOWBOR, 2017, p. 182).
Figura 1- Indústrias internacionais e o controle de submarcas.
Fonte: Infográfico OXFAM
10
, Take Action Behind the Brands, 2017.
Conforme o infográfico, as empresas centralizadas em destaque realizam uma forma
de monolio de vários mercados como: alimentos, produtos estéticos, higiene entre
outros. Isto faz destas indústrias um método de canibalização das concorrências locais
na maior parte do planeta, enfraquecendo os produtores e empresas menores
afetando consequentemente a economia de região. Porém este abalo mercadológico
não se refere ao desaparecimento total da concorrência por meio dos comerciantes e
8
Banco Mundial: menos de 10% da população es abaixo da linha da pobreza. Agência Brasil. Cf. em
http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2015-10/banco-mundial-702-milhoes-de-pessoas-vao-viver-na-pobreza-extrema-em.
Acesso em: 05 ago. 2019.
9
Cf. em https://www.behindthebrands.org/take-action/>. Acesso em: 13 ago. 2019.
10
Cf. em https://www.behindthebrands.org/. Acesso em: 13 ago. 2019.
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produtores de cada país em disputa com as grandes corporações, mas faz das
grandes marcas dominarem a maior parte do comércio em razão do grande
investimento publicitário global.
Como caso ilustrativo, a marca Coca-Cola no circuito mundial de produção de
conhecimento no mesmo tempo que investia
11
em Ciência e Tecnologia na
Universidade de Lausane (Suíça) na busca de um novo produto quequeime calorias
é também uma das instrias que mais poluem os oceanos
12
. De acordo com o
relatório Branded in search of the world´s top corporate plastic polluters do Greenpeace
em parceria da iniciativa Break Free from Plastic, as empresas multinacionais Coca-
Cola, Pepsi e Nestlé são as que mais contribuem para a poluição dos oceanos com lixo
plástico. Neste ranking de destruição ecológica aparecem outras multinacionais como a
Danone, Mondelez, Procter & Gamble, Unilever e Mars Incorporated, mesmas
indústrias centrais do infográfico de monopólio de mercado supra exposto da OXFAM.
Considerando a complexidade da economia e das tangentes que movimentam o
mercado, meio em que inclui as universidades, o que parece existir é o desiquilíbrio
entre o método de produção com fins lucrativos e a organização social dos pses nos
quais são extraídos recursos ou a mão de obra barata. O meio ambiente se encontra
nestes dois polos desarnicos; lucro e estrutura social, porém figura-se mais no
campo lucrativo devido o consumo imprudente por meio da população mundial e a
pouca educação ambiental na maioria dos países, principalmente os subdesenvolvidos
que aparecem sob condições econômicas abaixo de grandes empresas, como os
casos da Bolívia, Paraguai, Honduras e Costa Rica, pses que em 2016 ficaram com
o Produto Interno Bruto (PIB) abaixo dos números da empresa norte-americana Apple
que fechou o ano com lucro de quase 54 bilhões de dólares.
4 EDUCAÇÃO SUPERIOR EM FACE DO CAPITAL IMPRODUTIVO
O poder redistributivo da coleta de impostos e outras formas de arrecadação financeira
nacional é do Estado e as universidades no contexto globalizado estão cada vez mais
distantes do amparo de seus governos no caminho de maior financiamento privado.
Esta simbiose organizacional entre universidade e indústria é uma das consequências
da indão das instituições universitárias no trilho do World Class University, que por
um lado geram patentes rentáveis em razão da alta injeção de recursos por meio da
iniciativa privada e, tais empresas, estão fortemente atentas no mercado de inovão
sendo financistas dos centros cienficos acadêmicos mediando os trabalhos
desenvolvidos pelos pesquisadores com a finalidade de conterem o domínio de novas
tecnologias e, de preferência, os novos conhecimentos científicos produzidos.
Segundo o cientista político e Diretor do Instituto de Ciências Sociais Quantitativas da
Universidade de Havard, Gary King, muitos pesquisadores acadêmicos entram em
empresas e se tornam grandes consultores, possibilitando maior ligação entre grupos
11
A Coca-Cola tentou inovar com produtos de chá que abordavam o problema da obesidade. Introduziu uma marca de chá chamada
Enviga, que deveria queimar de 60 a 100 calorias por três porções de 355 ml, mas essa alegação foi desconsiderada e as vendas do
produto paralisadas. Os boatos estimularam a campanha publicitária dadia, mas a evidência científica veio de um único estudo não
revisado por pares, patrocinado pela Coca-Cola e pela Nestlé, que um pesquisador da Universidade de Lausanne realizou ao lado da
sede da Nestlé na Suíça. O estudo envolveu 32 indivíduos sadios, normais, sem excesso de peso, entre 18 e 33 anos de idade, cujo
gasto de energia foi medido pelo calor metabólico que vinha de seus corpos depois que eles bebiam por placebo. (MARCUS, 2015, p.
230, tradução direta dos autores)
12
Branded in search of the world´s top corporate plastic polluters. Greenpeace, 2018. Cf. em: https://www.breakfreefromplastic.org/wp-
content/uploads/2018/10/BRANDED-Report-2018-FINAL.pdf. Acesso em: 13 ago. 2019.
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de pesquisas das universidades com indústrias e grandes corporações. Isto atrai o
mercado produtivo e financeiro para dentro da universidade colocando-a no âmbito
econômico comercial reproduzindo o BayhDole Act
13
no contexto mundializado.
Para King (2019),
Podemos pensar nesses arranjos de consultoria acadêmica em um continuum: Em uma
extremidade, eles podem ser altamente restritivos, com controle rígido e pré-publicação
aprovação - por exemplo, para assuntos sensíveis próximos aos principais produtos da
empresa. No outro extremo, eles podem ter regulamentação frouxa ou p-forma -
geralmente quando as empresas se beneficiam da abertura, permitem colaborações entre
pesquisadores internos e externos, retêm o direito de patentear antes da publicação e
permitem pesquisas sobre tópicos ortogonais aos produtos essenciais. (KING; PERSILY,
2019, p. 3, tradução direta dos autores).
Em termos mais amplos, esta é uma amostra da preocupação e aproximão da
inciativa privada com novas soluções para o mercado usando a universidade e a
produção de conhecimento nas pesquisas científicas nos campi mundiais. Porém,
persiste no âmbito acadêmico a questão de que se isto é benévolo para o planeta nas
circunstâncias de uma arquitetura socioeconômica díspar em que muitos potenciais
cientistas ficam obsoletos, quiçá nem alcaam notoriedade.
O astrofísico e divulgador científico Neil de Grasse Tyson em entrevista
14
para o jornal
Espanhol EL PAÍS expressa que o próximo Einstein talvez esteja morrendo de fome
na Etiópia, e a gente nunca saberá, tal discurso expõe uma questão importante sobre
a desigualdade econômica no planeta e a dificuldade de produção de conhecimento
em países subdesenvolvidos. A fala de Neil apesar de não estar escrita em um paper
ou livro é uma afirmação muito plausível no contexto da realidade científica e
econômica global, porque mostra com clareza que a condição humana jamais foi o
objetivo da organizão política e ecomica no capitalismo.
Contudo, nunca se tornou tão agudo como deixam evidente as práticas mundiais das
grandes corporões. A educação básica e superior, portanto, o organizadas
segundo a mesma racionalidade. O capitalismo atinge mais uma vez a crise estrutural
que o leva à espolião do trabalho vivo.
Nesta conjuntura, a universidade, assim como uma fábrica, passa a ser provedora de
produtos comercializáveis, fazendo com que o conhecimento gerado pelos intelectuais
acadêmicos se torne parte de um sistema complexo de produção. De acordo com
Cha (1999) esta universidade operacional está voltada para si mesma enquanto
estrutura de gestão e de arbitragem de contratos. Em outras palavras a universidade
está virada para dentro de si mesma, mas (...) isso não significa um retorno a si e sim,
antes, uma perda de si mesma. E complementa,
Essa universidade não forma e não cria pensamento, despoja a linguagem de sentido,
densidade e mistério, destrói a curiosidade e a admiração que levam à descoberta do
novo, anula toda pretensão de transformação histórica como ação consciente dos seres
humanos em condições materiais determinadas. (CHAUÍ, 1999, p. 222).
13
Lei Bayh-Dole ou Lei de Emendas de Patentes e Marcas Registradas (Pub. L. 96-517, 12 de dezembro de 1980) faz parte da legislação
dos Estados Unidos que trata da propriedade intelectual resultante de pesquisa financiada pelo governo federa. Esta Lei surgiu dos
esforços do Congresso para responder ao mal-estar econômico da década de 1970. Um dos esforços do Congresso foi focado em
melhorar a forma de administrar as invenções criadas com mais de US $ 75 bilhões por ano investidos em Pesquisa & Desenvolvimento.
14
Quizás el próximo Einstein se está muriendo de hambre en Etiopía. Nuño Domínguez. EL PAÍS. 30 jun. 2016. Cf. em:
https://elpais.com/elpais/2016/06/30/ciencia/1467281442_280683.html. Acesso em: 13 ago. 2019.
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É neste contexto que é necessário o entendimento da realidade da atualidade como
pressupostos do amanhã, uma vez que o cientista independentemente se é o pós-
graduando, professor-pesquisador ou cientista técnico da iniciativa privada todos
estão sob a lógica de produção na qual não possuem controle e coadjuvam nos
interesses reais da valorização” do produto científico, ou seja, apesar do maior fundo
de financiamento da Educação Superior no contexto mundial ainda ser, em maior
número, de origem estatal, a finalidade do conhecimento produzido na
contemporaneidade tende render mais à inovação e para o lucro em vez de criar um
cenário de emancipação e desenvolvimento que possibilite um novo Einstein
despontar fora dos países mais ricos do planeta.
Gráfico 3 - Investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento, por valor e fonte, para
instituições de ensino superior nos EUA (Em Bilhões de Dólares)
Fonte: NSF, National Center for Science and Engineering Statistics, Higher Education R&D
Series, 2017 AAS.
Nota-se no gráfico 3 que os investimentos para P&D por meio de diversas fontes de
financiamento cresceram desde 1990, com destaque a fonte federal, que em 2011
passou dos 40 bilhões de dólares mesmo após a inflamada crise econômica mundial
de 2008. O dinheiro aplicado na educação superior não foi reduzido revelando o quão
importante é o investimento público em pesquisa e, por conseguinte, na produção de
ciência, porque independentemente da situação econômica a educação em qualquer
nível, da básica a superior, são grandes potenciais de transformação e
desenvolvimento societal.
Em outra situação exemplar, no Brasil isto poderia ter equivalência proporcional se o
fundo público permanecesse sem os impetuosos cortes
15
e menos no radar das
grandes corporações conforme intensificou-se por meio do novo marco de Ciência,
Tecnologia e Inovação. Fato bastante perceptível nas medidas reformadas do artigo 4º
sobre estímulos ao desenvolvimento científico, pesquisa, capacitão científica,
tecnológica e inovação, formando a possibilidade de uma ICT pública.
15
Corte no orçamento de pesquisas coloca futuro do País em risco. Publicado em 28 mar.
2019 no Jornal da USP. Cf. em: https://jornal.usp.br/atualidades/corte-no-orcamento-de-
pesquisas-coloca-futuro-do-pais-em-risco/. Acesso em: 14 ago. 2019.
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Passando de,
Compartilhar seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais
instalações com microempresas e empresas de pequeno porte em atividades voltadas à
inovação tecnológica, para a consecução de atividades de incubação, sem prejuízo de sua
atividade finalística; (BRASIL, 2016, grifos nossos)
Para,
Compartilhar seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais
instalações com ICT ou empresas em ações voltadas à inovação tecnológica para
consecução das atividades de incubação, sem prejuízo de sua atividade finalística;
(BRASIL, 2016ª, grifos nossos)
Esta mudança reflete em um novo sistema de fomento à pesquisa, provocando um
novo paradigma profissional, na qual altera ainda mais o modo de trabalho do professor
que também é pesquisador ao colocá-lo no epicentro do ecossistema mercadológico;
educar e produzir parar gerar lucro. Isto é, as empresas, sem exceção, valem-se de
recursosblicos em alguma fase de seus projetos mais exitosos. Tal fato não parece
ruim pelo ponto de vista de alguns avanços em razão do nível de investimento, porém é
preciso amenizar os riscos e é probo que a sociedade entenda este rateio como
conhecimento ecomico.
5 FUTURE-SE E A AMERICANIZAÇÃO DEPENDENTE DA UNIVERSIDADE
BRASILEIRA
O estreitamento da universidade estatal brasileira com empresas do setor privado não
é novidade na conjuntura econômica contemporânea. Após as ideias neoliberais
provenientes do Consenso de Washington (1989) desdobrarem-se em mais de 60
países, entre eles o Brasil, por meio da Reforma do Aparelho do Estado na década de
1990 as universidades públicas e privadas brasileiras se aproximaram ainda mais da
lógica do mercado produtivo num movimento intensificado de capitalismo acadêmico
(SLAUGHTER; RHOADES, 2009). Tal Reforma iniciou o processo de
americanização da universidade pública do Brasil e o Programa FUTURE-SE tenta
consolidar este transcurso duas décadas depois.
Na década de 1980, nos Estados Unidos a lei Bayh-Dole Act contribuiu na ampliação
da produção de patentes pelas universidades americanas em parceria de empresas.
No Brasil, uma lei muito parecida sancionada por Dilma Rousseff em 2016 nomeada
deMarco da Ciência, Tecnologia e Inovação impulsionou as universidades brasileiras
na mesma razão da lei norte-americana. O texto alterou uma série de ações sobre o
incentivo à pesquisa e pontos cruciais ao desenvolvimento científico e tecnológico
regulamentando a relação dos centros acadêmicos de pesquisa das universidades
estatais com a iniciativa privada. Além disto, ao regulamentar as comparticipões de
longo prazo entre os setores público e privado, aumentou a flexibilidade de atuação às
Instituições Cienficas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) e respectivas organizações
de apoio.
Três anos depois um novo programa de abeiramento das universidades estatais
brasileira com o setor privado é apresentando com prognósticos que extrapolam a
condição objetiva da proposta universidade-empresa. O Programa intitulado de
FUTURE-SE” não só pretende modificar a forma estrutural das universidades estatais
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federais, como tenciona reorganizar as condições de trabalho dos professores e outros
servidores.
Para Leher (2019),
Ao associar as universidades e IFs ao futuro, sem sequer esbar o busílis da questão
universitária brasileira, a ausência de políticas de financiamento, o objetivo do PL parece
ser o de ajuste das instituições ao novo contexto de forte decscimo do financiamento
público resultante da EC 95/2016. Nesse sentido, o PL está em conformidade com a
chamada Ponte para o Futuro que preconizava o fim da vinculação constitucional de
verbas para a educação. Em suma, é um PL de transição para um novo modelo em que o
Estado, à revelia da Constituição Federal, renuncia ao seu dever de prover recursos para
as autarquias e fundações públicas. (LEHER, 2019, p. 195).
Neste contexto, Leher sustenta a racionalidade progressiva da Reforma do Aparelho do
Estado brasileiro que durante 24 anos e cinco presidentes de diferentes frentes
políticas, todos contribram às suas maneiras na reformulação das universidades
estatais rumo ao setor produtivo.
Porém, em 2019, o FUTURE-SE intensifica as ideias neoliberais num porvindouro
incógnito em virtude de a estrutura do programa basear-se em três eixos que
sustentam a forma de trabalho, gestão e produção de conhecimento, por exemplo, da
universidade estadunidense: 1) Gestão, governança e empreendedorismo; 2) Pesquisa
e Inovação e 3) Internacionalização.
Estes eixos provocam diferentes interpretações dada a etimologia de cada item e da
forma como foi apresentado o Programa pelo Ministro da Educação Abraham
Weintraub, posto que ao racionalizar sobre a forma de direção econômica do
Presidente Jair Bolsonaro e, sobretudo, do Ministro da Economia Paulo Roberto Nunes
Guedes, o intento é de acelerar a redão da participação do Estado na Esfera Pública
e, por conseguinte, limitar o investimento na Educação Superior forçando os institutos e
universidades estatais buscarem mais recursos para além do fundo público, o que
induz à autonomia financeira e aumento ou totalização da participação administrativa
de grandes corporações nos departamentos e centros de pesquisa das universidades.
As propostas do Programa FUTURE-SE não alteram somente a forma gerencial da
universidade, as proposições afetam diretamente na produção de conhecimento
reorganizando o trabalho dos docentes pesquisadores e, consequentemente, na
formação dos graduandos e pós-graduandos, pois o FUTURE-SE ao apoiar
competências que, ao operacionalizadas, formam contratos de trabalho com pesquisas
financiadas pelo setor industrial que intensificarão o uso do trabalho dos intelectuais
acadêmicos para gerar novas tecnologias, de modo consequente, patentes que
levarão a logomarca da universidade, mas não seus possíveis lucros.
Este modelo de produção científica já ocorre abundantemente nas universidades
públicas e o estudo Pesquisa no Brasil - Um relatório para a CAPES, realizado pela
empresa norte-americana Clarivate Analytics revela que 99% das pesquisas no Brasil
são feitas pelas universidades públicas, com soberania das universidades federais,
sendo 15 delas entre as 20 que mais produzem conhecimento no País.
E qual é o interesse em acelerar e intensificar as universidades estatais, com foco nas
federais, passando a autonomia e serviços das instituições para a iniciativa privada?
Segundo o documento do Projeto de Lei que quer instituir o Programa Institutos e
Universidades Empreendedoras e Inovadoras (FUTURE-SE) a ideia base é fazer com
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que as universidades públicas brasileiras passem a trabalhar com contratos de geso
com Organizações Sociais (OS).
As OS o precisarão ter aprovação direta do Ministério da Educação (MEC), uma vez
que ao apresentarem um contrato com base financeira sólida permitindo a parceria” de
produção científica e gestão de recursos a longo prazo, reduzindo ou neutralizando o
investimento público, não terão necessidade de realizar chamada pública. Contratos
como este induzem o recrutamento de profissionais sem necessidade de concurso
público, o que afeta a carreira de Professores que também são Pesquisadores ao
propor que servidores que trabalham em regime de dedicação exclusiva podem
exercer atividades remuneradas em pesquisa na OS contratada.
O Programa também constitui em captar recursos por meio da comercialização de
bens e produtos com a marca das instituições, ou seja, aotransformar a universidade
estatal pública em uma universidade estatal privada, a instituição regulada pela OS
comercializa artefatos com o logotipo da universidade como mercadoria em que o lucro
entra no sistema contábil, a fim de colaborar no capital financeiro. Tal congruência pode
ser ampliada na forma venda de serviços ao cobrar matrículas e mensalidades de
cursos de pós-graduação lato sensu e strictu sensu
16
e, consequentemente, tamm
dos cursos de graduação tema bastante abordado no debate sobre políticas
educacionais para Educação Superior.
Esta nova condição e cenário da universidade brasileira pelo FUTURE-SE
supervaloriza a tecnociência sob a ótica do mercado produtivo e reduz subitamente o
fundo público para investimento em desenvolvimento, pesquisa, ciência e tecnologia ao
emular a fórmula internacionalizada da universidade norte-americana, que se inspira
nas ideias do World Class University, mas que as três décadas de execução da lei
de patentes nos EUA sérias consequências são necessárias de serem discutidas na
sociedade civil, porque além de ter posto os professores-pesquisadores mais à serviço
do mercado produtivo, modificou o ethos do trabalho docente e não contribuiu para a
expansão do ensino superior gratuito, mantendo a restrição do acesso à universidade
para alunos oriundos de classes sociais mais altas induzindo jovens de outras classes
buscarem alternativas para pagarem as universidades.
Como grave consequência do FUTURE-SE norte-americano, em 2019, os
estudantes e rem-formados nas universidades dos Estados Unidos passam por um
transtorno que está afetando bruscamente na economia do País. Conforme dados do
Federal Reserve, o banco central americano, a dívida do financiamento dos cursos de
graduação e Pós-graduação das universidades norte-americanas está em 1,5 trilhão
de dólares, valor que superou em junho de 2019 a dívida total do cartão de crédito nos
EUA. Esta realidade que formou e está formando uma geração de jovens endividados
tornou-se pauta corrida eleitoral estadunidense de 2020 e, mesmo assim, as
universidades permanecem na condição de universidades-empresas cobrando altos
valores dos cidaos com foco na produção de conhecimento mercadoria.
Este formato de universidade é o que o FUTURE-SE pretende emular no Brasil. Um
formato que ignora as desigualdades sociais do país, evidencia a tecnociência para o
lucro e desdenha as humanidades ao propor a autonomia financeira das
16
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) publicou em 20 de dezembro de 2019 uma portaria que
regulamenta os programas de pós-graduação stricto sensu na modalidade a distância. Todos os cursos deverão seguir as normas que
são aplicadas aos demais programas de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado. Fundação CAPES. Cf. em:
https://www.capes.gov.br/36-noticias/9279-regulamentacao-de-pos-graduacao-stricto-sensu-a-distancia. Acesso em: 15 ago. 2019.
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universidades estatais deixando-as vulneráveis na busca de recursos nas grandes
corporações. Estas que têm em vista a produção de conhecimento comercializável, o
que reforça a ida das ciências humanas para o ensino superior à distância.
É neste quadro, de precarização da universidade estatal pública, que o Programa
FUTURE-SE se apresenta e não parece resolver o problema da produção de ciência e
da expansão do ensino superior gratuito no Brasil, pelo contrário, ambiciona a
transformação da universidade estatal pública brasileira na universidade americana
modelo que está em crise no ps referência.
O caso brasileiro ilustra grande parte do que está acontecendo na reorganização da
estrutura da Educação Superior no mundo. E todo o peso burocrático deste sistema de
financiamento das instituições e das pesquisas alavanca outro fenômeno o capital
improdutivo, que por meio do controle estatal mínimo permite que grandes corporões
dominem centros acadêmicos gerando inovações com poucas soluções diretas para
desigualdades locais e universais
17
. Quer dizer, as desigualdades educacionais
constituem grave problema da sociedade brasileira e estão relacionadas à estrutura
socioeconômica do país (GARCIA; HILDESHEIM, 2017, p. 133).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No âmbito acadêmico, o trabalho cienfico e, por conseguinte, a prodão e circulação
de conhecimento aparecem em duas novas faces contemporâneas: 1) a tendência de
redão do investimento público em pesquisas, principalmente na área de
humanidades e 2) aumento estratégico de investimento em áreas com grande
potencial de inovação para o mercado consumidor (financeiro). Por exemplo, no caso
Brasileiro, discute-se tal forma como parâmetro para concessão de bolsas
18
na pós-
graduação.
Ultrapassando as simplificões ideológicas no imperativo na qual as nações e suas
políticas nacionais não conseguem mais regular a economia que se globalizou, o
Estado-Não, independentemente da posição financeira no mercado global, se vê
entregue nas propriedades de políticas corporativas e os aparelhos do Estado que
outrora se regulavam por políticas públicas em face das decisões de seus líderes
passaram a serem reféns do movimento mercantil que explora os recursos naturais e a
manufatura ao máximo. Como consequência, nações tornam-se servis de corporações
mundiais e a produção de conhecimento nas universidades, em nível planetário, estão
mais céleres sob a lógica do capital improdutivo.
Portanto, o debate sobre vários temas discutidos neste artigo é de relevância ser
ampliado e muito discutido, dado que pesquisas em diversas universidades em todo
17
Para se ter uma ideia da complexidade deste fenômeno, no relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO) 1,3 bilhão de toneladas de alimentos o desperdiçados anualmente, causando grandes perdas econômicas e um
grande impacto nos recursos naturais do planeta, enquanto no relatório da própria ONU/FAO sobre O Estado da Segurança Alimentar e
Nutrição no Mundo de 2018 mostra que pelo terceiro ano consecutivo houve aumento no número de pessoas em estado de miséria
passando fome no mundo, número que aumentou de 815 milhões de indivíduos, em 2016, para quase 821 milhões em 2017. Food
wastage footprint: Impacts on natural resources. FAO. 2013. Cf. em: http://www.fao.org/docrep/018/i3347e/i3347e.pdf. Acesso em: 16 ago.
2019.
El estado de la seguridad alimentaria y la nutricion en el mundo. FAO/ONU/UNICEF. Cf. em: http://www.fao.org/3/I9553ES/i9553es.pdf.
Acesso em: 13 ago. 2019
18
MEC usará IDH, nota de curso e área prioritária para conceder bolsas de pós. Sistema planejado pela geso Weintraub deve focar em
programas de Saúde e Engenharias, não em Humanas. Cf. em: https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,mec-usara-idh-nota-de-
curso-e-area-prioritaria-para-conceder-bolsas-de-pos,70002971476. Acesso em: 17 ago. 2019.
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mundo e estudos por meio de centros de pesquisa globais alertam constantemente
sobre o que deve ser tratado com prioridade nãogeram lucro rapidamente e acabam
por apenas mostrarem as multifaces da dominação financeira como forma de domínio
da vida humana. Ou seja, a impressão que se tem é que tudo está à venda, mesmo
com o contraste de dessemelhanças sociais explicitado por diversos órgãos de
inteligência que constantemente divulgam falhas das políticas públicas, educacionais e
sociais nas várias margens emergenciais.
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capacitação científica e tecnológica e à inovação. 11 de janeiro de 2016. Disponível em
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Data da submissão: 30/09/2019
Data da aprovação: 20/11/2019