Trabalho & Educação | v.29 | n.1 | p.139-154 | jan-abr | 2020
correta, a classe dominante concentrará em si o controle social. Por esta razão, o
complexo do “direito, nesse caso, demarca exatamente esse objetivo de equivaler
direitos iguais sobre bases desiguais, alcançando, dessa maneira, um reflexo distorcido
da realidade” (TRIGINELLI, 2016, p. 326). Dito de outra forma, o direito limita-se a tratar
os fenômenos, entretanto nunca é capaz de ir além, ou seja, de alcançar, apreender e
compreender a essência. Lukács, se referendando na reprodução teórica marxiana,
demonstra como o direito, na sociedade organizada e mediada pelo Estado e pelas
dimensões política e econômica, cria equivalências de direitos não equivalentes. Diz
Lukács:
Por exemplo, quando um capitalista se vale de trabalho assalariado na produção, ele compra
(como faz qualquer comprador) o valor de uso, nesse caso, o da força de trabalho, de sua
capacidade de produzir mais que o necessário para sua reprodução, exatamente a
propriedade que determina o seu valor de troca. É a execução do trabalho – no quadro do
tempo de trabalho socialmente necessário – que torna possível que os produtos criados por
meio dele (igualmente valores de uso), por sua vez, adquiram um valor de troca, no qual
está contido o produto específico do valor de uso da força de trabalho como mais-valor.
(LUKÁCS, 2013, p. 167).
Contudo, em Lukács, a questão ideológica não está restrita à dimensão política e a seus
processos de dominação social, trata-se de uma questão bem mais ampla, que engloba
outras dimensões da sociabilidade, como a filosofia, a ciência, o direito e a política, entre
outros. “A ideologia é antes de tudo um instrumento para obstruir conflitos surgidos no
interior dos processos históricos do ser social, de forma que o que realmente determina
se dado conjunto de ideias é ou não ideologia é sua função social, não seu caráter de
falsidade”. (VAISMAN E FORTES, 2014, p. 120-121). Desse modo,
a mais pura das verdades objetivas pode ser manejada como meio para dirimir conflitos
sociais, ou seja, como ideologia, já que ser ideologia de modo algum constitui uma
propriedade social fixa das formações espirituais, sendo, muito antes, por sua essência
ontológica, uma função social, não um tipo de ser (LUKÁCS, 2013, p. 564).
E explicita as consequências:
Nem um ponto de vista individualmente verdadeiro ou falso, nem uma hipótese, teoria etc.,
científica verdadeira ou falsa constituem em si e por si só uma ideologia: eles podem vir a
tornar-se uma ideologia, como vimos. Eles podem se converter em ideologia só depois que
tiverem se transformado em veículo teórico ou prático para enfrentar e resolver conflitos
sociais, sejam estes de maior ou menor amplitude, determinantes dos destinos do mundo,
ou episódicos (LUKÁCS, 2013, p. 467).
Ainda de acordo com Vaisman e Fortes (2014, p. 124), a ideologia pode ser entendida
na perspectiva luckasiana como algo que segue uma função social, “como formações
ideais diversas sobre a base das quais os indivíduos organizam suas ações e reações
ao mundo como forma de conscientizar e resolver os conflitos de seu meio social”. Sendo
assim, perde-se o imaginário ou “pré-conceito” de uma ideia da ideologia como conteúdo
estático e imutável, com uma estrutura bem definida da atividade prática humana, “assim
como a ideia da ideologia como atributo específico de elementos fixos da prática social,
pois a ideologia constitui um momento ideal da ação prática dos homens”, (VAISMAN E
FORTES 2014, p. 124), de forma que qualquer reação ou até mesmo as respostas,
sejam elas produzidas pela ciência, filosofia, religião, entre outros, construídas pelos
indivíduos como forma de agir sobre os problemas impostos pelas determinadas
situações do cotidiano, “podem se tornar ideologia, quando fornecem elementos e