Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.133-147 | maio-ago | 2020
Eu entendo que a terra, na verdade, a terra é... ela é tipo assim, nos sustenta, ela dá o
sustento pra nós e ela cria, [...], ela cria, ela cuida, ela ama e ela leva a gente embora
também... mas não é por maldade da terra, é por que precisa chegar outras pessoa pra ela
dar o sustento pra ele também. Acho que essa é as função das terra né. Aí nesse sentido
só tem que cuidar dela né, senti assim que ela, a terra, se nós não cuidar dela ela não dá
condições dela cuidar da gente, cuidar, porque se judio dela, assim agrido ela assim hum...
é cabo com a natureza dela daí, que sustento que ela tem? (Roda de conversa com
Miguelina, 07/06/19).
Ainda, a consciência surge a partir da realidade objetiva da produção material da
existência (MARX, 1977). Kosik (1976, p. 85) já o afirmava: “o homem é antes de tudo
aquilo que o seu mundo é. Este ser que não lhe é próprio determina a sua consciência e
lhe dita o modo de interpretar a sua própria existência”. Deste modo, trabalho e cultura
interagem para constituir uma cultura do trabalho. Trabalhadores e trabalhadoras
produzem cultura e, simultaneamente, o trabalho é condicionado ou determinado por sua
respectiva cultura (TIRIBA, 2006).
Outro ponto relevante ao entendimento da cultura do trabalho é a sua relação à categoria
espacial: o território. Palenzuela (2014, p. 68) expõe seu raciocínio da seguinte forma:
Mediante el trabajo, el hombre transforma el espacio en territorio, en espacio socializado, con
intervenciones antrópicas que modifican su morfología, pero que también, y esto interesa en
nuestro caso de estudio, le otorgan una función identidaria y simbólica, dialeticamente
articulada a su papel como base material de la reproducción social.
O homem e a mulher trabalham em um dado espaço
, o qual é construído
temporalmente e submetido à lógica de controle, contraditório, político e econômico
determinando ou condicionando comportamentos, modalidades de utilização. Além de
estarem localizados geograficamente, transformam, com suas atividades, este espaço.
Antropomorfizam seu espaço de trabalho e de existência.
O espaço é significante? Certamente. De que? Do que é necessário fazer ou não fazer. O
que remete ao poder. Mas a mensagem do poder é confusa, voluntariamente. Ela se
dissimula. O espaço não diz tudo. Ele diz sobretudo o interdito (o inter-dito). Seu modo de
existência, sua 'realidade' prática (incluindo sua forma) difere radicalmente da realidade (do
ser-lá) de um objeto escrito, de um livro (LEFEBVRE, 2000, p. 202-203).
A apropriação do espaço, significando e valorizando-o, estabelece uma representação
cultural ao mesmo, influenciando na vida individual e social. Por conseguinte, estes
mesmos sujeitos, identificam-se localmente: "não sabia o que que era assim é apaixonar
por um espaço comunitário e acho que com esse aqui nós conseguimo ter isso, paixão
por estas terra" (Roda de conversa com Miguelina, 07/06/2019). Contudo, para que isso
ocorra, é preciso que a presença espacial tenha, simultaneamente, uma extensão
temporal.
Os espaços são espaços de produção, de transformação objetiva e subjetiva, de
aprendizado, consumo e ensino. Desta forma que a casa não é somente para moradia,
mas é produtiva, o quintal da mesma maneira, um quintal produtivo. A roça, o pasto e o
“Espaço não tem, portanto, nada de uma 'condição' a priori de instituições e do Estado que as coroa. Relação social? Sim, de certo, mas
inerente às relações de propriedade (a propriedade do solo, da terra, em particular), e de outra parte ligada às forças produtivas (que
parcelam essa terra, esse solo), o espaço social manifesta sua polivalência, sua 1realidade' ao mesmo tempo formal e material. Produto
que se utiliza, que se consome, ele é também meio de produção; redes de trocas, fluxo de matérias-primas e de energias que recortam o
espaço e são por ele determinados” (LEFEBVRE, 2000, p.128).