Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago. | 2020
|197|
DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2020.19618
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
AS CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO INTEGRAL E INTEGRADA EM JOHN
DEWEY
The conceptions of integral and integrated education in John Dewey
FREITAS, Cezar Ricardo de
1
FIGUEIREDO, Ireni Marilene Zago
2
RESUMO
Este estudo tem como objetivo discutir os conceitos de Educação Integral e Educação Integrada em
ts obras de John Dewey (1859-1952): “Liberalismo, Liberdade e Cultura”;Democracia e Educação”
e “Experiência e Educação”, todas da década de 1930. Para apreender os conceitos de Educação
Integral e Integrada, considerou-se a relão com os seguintes conceitos deweyanos: educação e
democracia; educação e contradões sociais; educação moral e formação de bitos morais e
intelectuais; ensino e experiência; educação e liberdade individual; educação e trabalho, entre outros
necesrios à contextualizão da discuso. A Educação Integrada e Integral em Dewey são
indissocveis, porém, pode-se concluir que a Educação Integrada seria aquela que resolvesse os
problemas da sociedade, apontados por Dewey, como a excluo social e a ausência de valores
democticos. Para que a escola desenvolvesse essa dimensão integrada à sociedade, o filósofo norte-
americano desenvolveu, concomitantemente, uma conceão de Educão Integral: uma estragia
educacional pautada no desenvolvimento da liberdade do aluno, e que pressupõe o desenvolvimento
do aspecto intelectual e do corpo, preocupada, inclusive, com a dimensão do trabalho. Embora com
perspectiva diferente, há no filósofo uma preocupação de dialogar com temáticas propostas por
socialistas, como a crise do capitalismo da década de 1930, os problemas gerados pela exclusão social,
e a necessidade de vinculão entre educação e trabalho.
Palavras-chave: John Dewey. Educação Integral. Educação Integrada. Liberalismo.
ABSTRACT
This study aims to discuss the concepts of Integral Education and Integrated Education in three works
by John Dewey (1859-1952): "Liberalism, Freedom and Culture"; “Democracy and Education and
Experience and Education”, all from the 1930s. To understand the concepts of Integral and Integrated
Education, the relationship with the following deweyan concepts was considered: education and
democracy; education and social contradictions; moral education and formation of moral and intellectual
habits; teaching and experience; education and individual freedom; education and work, among others
necessaryfor the contextualization of the discussion. Integrated and Integral Education in Dewey are
inseparable, however, it can be concluded that Integrated Education would be the one that solved the
problems of society pointed out by Dewey, such as social exclusion and the absence of democratic
values. In order for the school to develop this dimension integrated into society, the American philosopher
concomitantly develops a conception of Integral Education: an educational strategy based on the
development of student freedom, and which presupposes the development of the intellectual aspect and
the body, concerned including the dimension of the work. Although with a different perspective, there is
1
Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Maringá UEM. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná Campus de Cascavel PR. Professor da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná UTFPR Campus Toledo PR. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Educação e Educação
Matetica da UTFPR. E-mail: cezarfreitas@utfpr.edu.br
2
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas UNICAMP/SP. Professora do Colegiado do Curso de Pedagogia e do
Mestrado em Educação da UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná Campus de Cascavel PR. Pesquisadora do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social GEPPES. E-mail: irenifigueiredo@hotmail.com
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago | 2020
|198|
in the philosopher a concern to dialogue with themes proposed by socialists, such as the crisis of
capitalism in the 1930s, the problems generated by social exclusion, and the need to link education and
work.
Keywords: John Dewey. Integral Education. Integrated Education. Liberalism.
DE ONDE PARTIMOS?
Este artigo é parte de uma pesquisa
3
que analisou a concepção de Educação Integral e
Integrada em John Dewey (1859-1952) e nos teóricos socialistas da Rússia das três
primeiras décadas do século XX. A hipótese inicial de pesquisa era a de que o
Escolanovismo havia se apropriado do conceito de Educação Integral Socialista
transplantando-os para a Sociedade Capitalista e, com isso, descaracterizando-o,
assumindo a perspectiva de uma Educação Integrada.
Considerando essa hipótese, o entendimento era de que uma proposta de Educão
Integral somente seria possível no Socialismo e o Escolanovismo, no limite, somente
poderia efetivar uma proposta de Educação Integrada. Esse pressuposto não se
sustentou com a continuidade das investigações, uma vez que se identificou uma
apropriação recíproca, mas que, no entanto, existiam elementos que as diferenciavam,
o que exigiu a compreensão do contexto histórico em que tais perspectivas foram
formuladas.
Foi assim que a investigação sobre a origem dos conceitos de Educação Integral e
Integrada reforçou a insustentabilidade da hipótese inicial, na medida em que foi possível
identificar os dois conceitos nas propostas de educação em John Dewey e nos teóricos
da Rússia Soviética. Esse entendimento foi sendo construído na compreensão de que
os conceitos não são universais e que assumem diferentes sentidos ou significações,
bem como respondem a determinadas necessidades, respeitando as particularidades
de cada tempo e lugar (PEIXOTO, 1998); entendendo-os, dessa forma, como produto
das relações complexas e imbricadas das dimensões econômico-social e político-
ideológica de um determinado contexto histórico. Chama a atenção o fato de que é a
educação, como atividade externa ao indivíduo, que tem a tarefa de recompor ou
desenvolver a essência humana, que por motivos históricos e sociais, apresenta-se
dividida ou parcialmente desenvolvida. Os motivos dessa divisão, bem como o
entendimento de qual a perspectiva de integral, variam de acordo com os autores e os
contextos analisados.
Diante dessas questões, neste artigo o recorte é o de analisar as concepções de
Educação Integral e Integrada em John Dewey que, sem dúvida, é um dos principais
teóricos da educação doculo XX e sua obra continua produzindo impactos ainda no
século XXI. Principal referência do chamado movimento da Escola Nova, ou Educação
Progressiva,[...] a grande criação de Dewey, nascida das entranhas de seu desejo de
pensar a educação norte-americana em particular e/ou a educação liberal de modo
geral (JONES, 1989, p. 118), teve representantes em vários países. No caso brasileiro,
Dewey foi assumido pelos educadores liberais e por nossos preceitos legais em
3
Este trabalho é resultado de pesquisa de mestrado em Educação, intitulado O Escolanovismo e a Pedagogia Socialista na União Soviética
no início do século XX e as concepções de Educação Integral e Integrada (FREITAS, 2009). A pesquisa teve apoio da Capes por meio do
Programa de Demanda Social.
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago. | 2020
|199|
educação
4
, mas[...] cuja concretização, ao menos na esfera da formação escolar das
classes trabalhadoras, se tornou mera especulação (JONES, 1989, p. 116).
Reafirma-se, então, que se os conceitos não são universais, numa breve análise histórica
nos permite compreender que a ênfase dada à formação integral do homem está na
origem do conceito grego de Paidéia, de difícil definição, e que expressou o ideal de
formação dos gregos a partir do século V a.C. e influenciou o que os romanos chamaram
de humanistas; sendo retomado, no século XVIII, pelos Iluministas.
Neste sentido, a preocupação com uma Educação Integral tem origem nas chamadas
civilizações clássicas, Grécia e Roma, ambas escravistas, onde alguns filósofos
defendiam uma formação que desenvolvesse o processo de construção pessoal
consciente, permitindo ao indivíduo ser constituído de modo correto e sem falha, nas
mãos, nos pés e no espírito. A Educação Grega, reservada somente para a Aristocracia,
centrava-se na formação integral, corpo e espírito, com ênfase para o preparo militar
ou esportivo ou para o debate intelectual, conforme a época ou o lugar (ARANHA, 2006,
p. 61-63).
Aristóteles (384-322 a.C.), por exemplo, reconhecia a importância de uma Educação
Integral, que exigiria o cultivo de todas as disposições humanas. Sobre a educação
afirmava que Cosas que deben ser objeto de ella: las letras, lagimnástica, la música y el
dibujo (ARISTÓTELES, 2008, p. 06). Afirmava, nesse sentido, que a educação não
deveria voltar-se somente para o necessário, mas também para o belo: Se debe, pues,
reconocer que hay ciertas cosas que es preciso enseñar a los jóvenes, no como cosas
útiles o necesarias, sino como cosas dignas de ocupar a um hombre libre, como cosas
que son bellas. (ARISTÓTELES, 2008, p. 74). Destaque para a preocupação do filósofo
com a educação do homem livre ou cidadão, aquele que participa da política do Estado,
excluindo escravos, estrangeiros e mulheres. Os conhecimentos úteis e necessários
para tornar-se cidadão, excluem, por exemplo, a dimensão do trabalho, manual ou
artesanal, que poderiam prejudicar o desenvolvimento integral do sujeito:
[] la juventud sólo aprenderá, entre las cosas útiles, aquellas que no tiendan a convertir en
artesanos a los que las practiquen. Se llaman ocupaciones propias de artesanos todas
aquellas, pertenezcan al arte o a la ciencia, que son completamente inútiles para preparar el
cuerpo, el alma o el espíritu de un hombre libre para los actos y la práctica de la virtud.
También se da el mismo nombre a todos los oficios que pueden desfigurar el cuerpo y a
todos los trabajos cuya recompensa consiste en un salario, porque unos y otros quitan al
pensamiento toda actividad y toda elevación (ARISTELES, 2008, p. 73).
Considerando a particularidade acima, a Educação Integral, em Aristóteles, achava-se
em íntima relão com um desenvolvimento progressivo: as funções sicas, vegetativas,
instintivas e racionais do homem desenvolvem-se passo a passo, de modo pausado.
Seria preciso desenvolver as disposições corporais e instintivas antes de ocupar-se
intensamente da razão e do caráter. A educação, em outras palavras, deveria
aperfeiçoar a natureza humana, de maneira gradual (LARROYO, 1982, p. 183-184).
4
Souza e Martineli (2009) apontam dois períodos de influência do pensamento deweyano no Brasill: de 1930 a 1950; e depois em 1990.
Os dois períodos o marcados por reformas importantes na educação, mas é o primeiro período que teve maior impacto. Neste, destaca-
se o pensamento pedagógico de Anísio Teixeira (1900-1971), O primeiro e mais destacado autor a mencionar John Dewey nos periódicos
brasileiros (CUNHA, 2001, p. 89). Teixeira, que foi aluno de John Dewey nos EUA, e teve um protagonismo nas reformas educacionais da
década de 1930. Ao analisar as matrizes do pensamento de Teixeira, Sabina Silva (2010) afirma que Anísio Teixeira assume integralmente
o corpus intelectual de Dewey (SILVA, 2010, p. 195).
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago | 2020
|200|
Em relação à Educação Integrada, analisamos no sentido de vinculação entre escola e
sociedade, e entre educação e trabalho, preocupões mais recorrentes a partir da
sociedade industrial e com destaque na perspectiva socialista, com a qual Dewey vai
dialogar. Em Dewey, buscaremos elementos que apontem preocupações de uma
educação que se integre a sociedade, no sentido de contribuir para enfrentar os dilemas
e contradições da sociedade.
Convém ressaltar, também, que
[...] historicamente os ideais e as práticas educacionais reformadoras, reunidos sob a
denominação de Escola Nova, fizeram uso, com variados sentidos, da noção de educação
integral. [...] O movimento reformador, do início do século XX, refletia a necessidade de se
reencontrar a vocação da escola na sociedade urbana de massas, industrializada e
democrática (CAVALIERE, 2002, p. 251. Grifos da autora).
Portanto, para além das várias vertentes do movimento escolanovista, analisamos as
propostas de Educação Integral e Integrada em John Dewey, considerado o maior
expoente do escolanovismo, que influencia ainda hoje, o cenário educacional. A
relevância desta discussão parte da constatação de que essas concepções
frequentemente aparecem no discurso educacional, como inovadoras ou
revolucionárias, sem explicitar quais os seus fundamentos, suas bases hisricas e
epistemológicas, impedindo uma reflexão crítica e uma apropriação para além do
consumo de conceitos prontos. É o caso, por exemplo, da conotação salvacionista que
aparece frequentemente vinculado à discussão sobre a Educação Integral. Este estudo,
portanto, busca contribuir para a análise da Educão Integral, ao identificar os
pressupostos de um de seus principais formuladores, John Dewey. Ao apontar
elementos do diálogo desse autor com as preocupões socialistas, o estudo também
ajuda a situar as diferenças de perspectiva sobre a temática.
A pesquisa foi de cunho bibliográfico, com enfoque em três obras de Dewey da década
de 1930, época em que o seu pensamento se propagou pelo Brasil, consequência, em
boa parte, do movimento escolanovista. A seleção das obras expressa ao mesmo
tempo, a relevância da publicão e a presença da probletica investigada. A obra
Democracia e Educação (DEWEY, 1979a) escrita, originalmente, em 1916, foi
traduzida por Anísio Teixeira, no Brasil, em 1936. Essa obra, segundo Dewey, é um
esforço para penetrar e definir as ideias implícitas em uma sociedade democrática e para
aplicá-las aos problemas da educação (DEWEY, 1979a, p. XXVII. Prefácio da 1ª edição).
A segunda obra Liberalismo, Liberdade e Cultura foi publicada no Brasil, em 1970, e
contempla as obras Liberalismo e Ação Social, de 1935, e Liberdade e Cultura, de
1939. Experiência e Educação (DEWEY, 1979b), escrita em 1938, é a terceira obra.
Nesta última, Dewey apresenta as críticas à escola tradicional, ao mesmo tempo em que
descreve e ilustra um de seus conceitos educacionais fundamentais: o ensino a partir da
experiência (DEWEY, 1979b, p. XII). Também posiciona-se diante do movimento
educacional renovador, criticando alguns de seus desdobramentos, ou mal-entendidos
e reafirmando as suas ideias fundamentais (CUNHA, 1994, p. 86).
O percurso metodológico da investigação das obras foi a de apreender nos conceitos
fundamentais do vasto pensamento de Dewey expressões ou indícios das concepções
de Educação Integral e Integrada. Nesse sentido, problematiza-se, neste texto, a relação
entre os seguintes conceitos: educação e democracia; educação e contradições sociais;
educação moral e formação de bitos morais e intelectuais; ensino e experiência;
educação e liberdade individual; educação e trabalho. A apresentação da discussão a
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago. | 2020
|201|
partir desses pares de conceitos indica o caminho que seguimos para apreender a
perspectiva do Filósofo americano sobre a temática, ao mesmo tempo, sinalizam para o
que ele analisa como obstáculos para uma Educação Integral e Integrada. Outros
elementos foram necesrios à contextualização da discussão, como a crítica à
chamadaescola tradicional e o debate com alguns temas da concepção socialista de
educação, que também buscava uma Educação Integral e Integrada.
Diante disso, o presente texto está organizado em duas seções. Na primeira seção
apresenta-se a ideia de como uma Educão Integrada está presente nas discussões
sobre o papel da educação, realizada por Dewey. Na segunda são discutem-se os
elementos de Educão Integral presentes na Pedagogia desse autor. Pondera-se,
todavia, que esta divio entre Integral e Integrada é apenas didática, pois a Educação
Integral, que diz respeito mais às estratégias formativas constitui-se numa das condições
para resolver a perspectiva de uma Educação Integrada, que se refere à função da
escola na sociedade.
JOHN DEWEY E A CONCEÃO DE EDUCAÇÃO INTEGRADA: UMA EDUCAÇÃO VINCULADA AOS
PROBLEMAS DA SOCIEDADE
O objetivo desta seção é apontar a ideia de uma Educação Integrada expressa nas
preocupações entre a escola e a sociedade, a partir da relação entre os conceitos de
educação e contradições sociais; educação e democracia; educação moral e formação
de hábitos morais e intelectuais.
As elaborações de John Dewey são a expressão, no campo educacional, do Liberalismo
(CUNHA, 1979, p. 49-50). Embora situado na segunda fase do liberalismo,[...]
absorvendo muito das críticas elaboradas contra o liberalismo clássico e suas
extremações (WARDE, 1984, p, 106), as suas reflexões ultrapassaram esse período,
tendo impactos no período do liberalismo multifacetado, após a Segunda Guerra
Mundial. Nesta fase foi introduzido o tema antitotalitarismo e o liberalismo buscou
diferenciar-se, tanto dos regimes fascistas, quanto dos socialistas. Para isso, pensadores
norte-americanos ofereceram o suporte teórico, dentre eles, Dewey (WARDE, 1984).
O filósofo John Dewey viveu na segunda metade do século XIX e na primeira metade do
século XX. O período de análise de Dewey refere-se ao contexto de crise econômico-
política mundial do capitalismo, ao qual o liberalismo buscava responder. Deve-se
mencionar, portanto, que Dewey elaborou um trabalho mais amplo, indicando a
necessidade de reformulação do liberalismo que prenunciava uma crise, diante dos
desafios colocados pelo desenvolvimento da própria sociedade e dos riscos iminentes
em sua época, tanto do Fascismo quanto do Socialismo. A crise do liberalismo, para
Dewey, é decorrente da descrença em seus princípios, na qual ocorre uma inversão da
ideia progressista do liberalismo para uma concepção conjuntural e ultrapassada. A
decorrência prática dessa descrença, não apenas subjetiva, já era sentida no período no
qual o autor escreveu (PEIXOTO, 1998, p. 125-127).
O desenvolvimento de uma crise mundial, na década de 1930, atinge sensivelmente o
pensamento de John Dewey. A tensão das doutrinas totalitárias da época o
Nazifascismo, o Fascismo e o Comunismo de inspiração Stalinista coloca-o diante do
desafio de uma reflexão quanto aos descaminhos do liberalismo; doutrina que sustentou
suas produções (CUNHA, 1994, p. 68). A democracia e sua relão com a educão
torna-se um elemento central de sua prodão. Essa discussão seria a expressão de
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago | 2020
|202|
uma educação integrada aos problemas políticos e sociais do seu tempo. O método da
democracia, para Dewey, se apoia na crea de melhoria da sociedade e de correção
das suas distorções pela via da educação dos indivíduos (WARDE, 1984, p. 62). O
primeiro e mais importante degrau do processo de democratização, para Dewey, seria
universalizar a educação (DORES SOARES, 2000, p. 258)
Dewey reconhecia a dificuldade de a sociedade produzir espontaneamente, a
democracia, isto é, tornar-se aberta. Aponta a tendência, esta sim espontânea, da
educação ser utilizada como um meio de diferenciar os indivíduos, de produzir
iniquidades. Mas, apesar disso, destaca o caminho para a mudança, isto é, para a
utilização da educação como instrumento de equalização (CUNHA, 1979, p. 46). Diante
disso, Dewey retomava e ajudava a consolidar uma das características do liberalismo
educacional: a ideia de uma escola equalizadora da sociedade.
Significa, sim, que devemos criar nas escolas uma projeção do tipo de sociedade que
desejaríamos realizar; e formando os espíritos de acordo com esse tipo, modificar
gradualmente os principais e mais recalcitrantes aspectos da sociedade adulta [...] (DEWEY,
1979a, p. 349-350).
Saviani (1989) aponta que a educação enquanto fator de equalização social será, nessa
perspectiva,
um instrumento de correção da marginalidade na medida em que cumprir a função de
ajustar, de adaptar os indivíduos à sociedade, incutindo neles o sentimento de aceitação dos
demais e pelos demais. Portanto, a educação se um instrumento de correção da
marginalidade na medida em que contribuir para a constituição de uma sociedade cujos
membros, não importam as diferenças de quaisquer tipos, se aceitem mutuamente e se
respeitem na sua individualidade específica (SAVIANI, 1989, p. 20).
A educação para Dewey, portanto, seria fundamental para alcançar a igualdade,
reafirmando o caráter redentor da escola:
Devem assegurar-se as facilidades escolares com tal amplitude e eficia que, de fato, e
não em nome somente, se diminuam os efeitos das desigualdades econômicas e se
outorgue a todos os cidadãos a igualdade de preparo para suas futuras carreiras (DEWEY,
1979a, p. 105).
Para Dewey, se o capitalismo levava à desigualdade social, a educação seria uma via
para conduzir à igualdade. Entre todas as novidades estimuladas pelo capitalismo, a
escola, para Dewey, seria a única que se manteria como possibilidade equalizadora da
sociedade (DORE SOARES, 2000, p. 239). Esse atributo da escola está vinculado ao
entendimento, de Dewey, de que o capitalismo no decurso de seu desenvolvimento
produziu, ao mesmo tempo, riqueza e miséria. Portanto, a dimensão concentradora e
injusta do capitalismo seria menos um problema econômico e mais um problema moral
que se resolveria com uma nova mentalidade humana (BORGES, 2006, p. 54),
portanto, uma tarefa educativa, de uma escola integrada a esses problemas.
Dizer que a questão é um problema moral é dizer que importa, afinal, em escolha e ação
pessoal. De certo ponto de vista, tudo que dissemos resume-se ao laborioso exame de um
lugar-comum: o de que o governo democtico é uma função de opinião pública e de
sentimento público. Mas a identificação de sua formação no sentido e direção democráticos
com a exteno da democracia da moral científica até fazê-la parte do equipamento ordinário
de cada indivíduo comum, indica que o problema é um problema moral (DEWEY, 1970, p.
237).
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago. | 2020
|203|
Essa preocupação com o problema moral expressa a sua concepção de Educação
Integrada. Dewey apontava que os objetivos e os valores desejáveis na educação são
todos eles morais: a disciplina, o desenvolvimento natural, a cultura e a eficiência social.
São os valores que integrariam o indivíduo à sociedade pois, de outra forma, quando não
ocorre a conexão entre os métodos do conhecimento e o desenvolvimento da moral,o
conhecimento não se integra ao viver. Diante do que, uma educação moral é
[...] toda a educação que desenvolve a capacidade de participar-se eficazmente da vida
social. Ela forma um caráter que não somente pratica os atos particulares socialmente
necessários, como também se interessa pela contínua readaptação que é essencial ao
desenvolvimento e ao progresso. O interesse para aprender em todos os contatos com a
vida é o interesse essencialmente moral (DEWEY, 1979a, p. 396. Grifos nosso).
É interessante notar como Dewey retira a discussão sobre a moral do viés puramente
filosófico/especulativo, e traz para a sua perspectiva. Cunha e Cruz (2016) analisam essa
questão e, ao apontar os seus fundamentos, afirmam que Dewey busca nos pensadores
renascentistas a contribuição para superar a visão metafísica. Embora essa meta não foi
plenamente alcaada na época de Dewey, acreditava que aconteceriam mudanças
significativas a partir do momento em que ocorressem [...] profundas mudanças na
atitude dos homens quanto ao valor da experiência, permitindo que a moral seja
comandada pela inteligência, o que trará inegáveis benefícios para toda a sociedade
(CUNHA; CRUZ, 2016, p. 12).
Dewey enfatizava a inadequação dos hábitos morais e intelectuais em relação às novas
condições materiais (WARDE, 1984, p. 124).
Os hábitos industriais foram os que mudaram mais rapidamente [...] enquanto as mudanças
das instituições que dizem mais respeito aos moldes de pensamento e de crença só se
realizaram em proporções mínimas. Este fato define a responsabilidade priria, mas de
modo algum última, de um liberalismo que pretenda ser uma força vital da sociedade. A sua
tarefa é, antes de tudo, a educação no sentido largo do termo. A escola é parte da obra da
educação, mas, em um sentido amplo, educação inclui todas as influências que contribuem
para formar atitudes e disposições (de desejo tanto quanto de crença) que constituem os
hábitos dominantes da mente e do caráter (DEWEY, 1970, p. 62).
Assim, revelava a preocupação com as mudanças ocorridas em seu tempo e o
descompasso com os valores necessários à essas mudanças: O compasso da marcha
foi tão rápido que se tornou praticamente impossível para as tradições e crenças
subjacentes acompanharem o ritmo (DEWEY, 1970, p. 140). Neste sentido, é possível
identificar a preocupação com uma Educação Integrada para responder a esse dilema:
Nenhuma estimativa dos efeitos da cultura sobre os elementos que agora constituem
liberdade será adequada, se não levar em conta as fraturas religiosas e morais que se
encontram em nossa ppria estrutura como pessoas. O problema da criação de genuína
democracia não pode ser tratado com êxito, seja em teoria, ou na ptica, se não
conseguirmos transformar as presentes condições desordenadas em uma integração
intelectual e moral (DEWEY, 1970, p. 140).
A educação, além disso, vincular-se-ia ao que Dewey considerava como uma outra
dificuldade do capitalismo: a ausência de instituições democráticas. A educação
caminharia, então, no sentido de tornar o problema consciente; condição para se
marchar para a sua solução, visto queo problema é, em parte, econômico” e também
um problema de educação” (DEWEY, 1970, p. 235).
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago | 2020
|204|
Dewey destacava, portanto, a importância de mudança real das instituições para a
democratização da sociedade. Para tanto, seria preciso atuar não somente na reforma
das instituições, mas por meio da educaçãoajudar na formação de hábitos da mente e
do caráter, de padrões morais e intelectuais que estejam de algum modo mais concordes
com a atual marcha dos acontecimentos (DEWEY, 1970, p. 64-65). Aeducação não
pode ser realizada trabalhando apenas a mente humana, sem ação que efetue mudança
real nas instituições [...] O campo de batalha é também, consequentemente, aqui
dentro de nós mesmos e de nossas instituições (DEWEY, 1970, p. 65-66). Assim, o uso
da inteligência em ação constituiria o principal método para resolução dos problemas e
deveria [...] guiar todas as ações públicas e, a ação política, em específico (WARDE,
1984 p. 124).
O imperativo da educação com a função de responder aos problemas sociais,
fundamenta-se na tendência filosófica do Pragmatismo, que Dewey traz para a
educação:
Qual então o verdadeiro sentido de preparação no quadro da educação? Em primeiro lugar,
significa poder a pessoa, velha ou moça, extrair de sua experiência presente tudo o que nela
houver para si nesse momento em que a tem. Quando a ideia de preparação se faz o
objetivo dominante da atividade, as potencialidades do presente são sacrificadas a um
imaginário e suposto futuro. E nessa medida, a real oportunidade de preparação para o
futuro vem a se perder. O ideal de usar o presente simplesmente para se preparar para o
futuro contradiz-se a si mesmo (DEWEY, 1979b, p. 43).
A compreensão da obra de Dewey, que não leve em conta a compreensão do
Pragmatismo é limitada e parcial (SOUZA, 2012, p. 228). William James (1842-1910)
foi um dos fundadores do Pragmatismo, primeira corrente filosófica nascida nos Estados
Unidos (SILVA, 2006, p. 100). Ao realizar uma biografia de Dewey, Jane Dewey afirma
queWilliam James é de longe a maior influência individual na mudança de direção do
pensamento filosófico de Dewey. (DEWEY, Jane, apud WARDE, 2013, p. 184). Willian
James considera que, dependendo do ponto de vista de que se parte, pode-se estar
certo ou errado. Propõe, então, um todo pragmático para solucionar as intermináveis
disputas metasicas, concluindo que a função da filosofia deveria ser prática
(experimental) e não teórica (abstrata), pois achava que as doutrinas (conceitos) têm um
valor prático, utilitário (DORE SOARES, 2000, p. 246-247), mas no sentido do interesse
público da sociedade.
Dessa forma, William James e George H. Mead (1863-1931), juntamente com Charles
S. Pierce (1839-1914) e o próprio John Dewey são considerados os fundadores do
movimento filosófico conhecido como Pragmatismo, tido como genuinamente americano
cujos, princípios básicos podem ser assim resumidos: o pensamento e a ação devem
formar um todo indivisível, o que implica tratar qualquer formulação teórica como
hipótese ativa que carece de demonstrão em situação prática de vida; as constantes
transformações sociais fazem com que a realidade não constitua um sistema acabado e
imutável; a inteligência garante ao homem capacidade para alterar as condições de sua
própria experiência (CUNHA, 1994, p. 19).
Pode-se afirmar assim, que em Dewey, a ideia de uma Educação Integrada articula-se
à sua filosofia pragmática:
[...] existe já oportunidade para dar-se uma educação que, tendo em mira, em traços mais
salientes, o trabalho, reconciliará a cultura liberal com a educação socialmente útil, com a
aptidão de compartir, eficientemente e com prazer, ocupações produtivas. E tal educação
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago. | 2020
|205|
tenderá por si mesma a eliminar os males da presente situação econômica [...] Uma
educação que unificasse a atitude mental dos membros da sociedade contribuiria muito para
unificar a ppria sociedade (Dewey, 1979a, p. 286).
A preocupação de Dewey é de acabar, sim, com o isolamento entre as classes, pois isso
prejudicaria o progresso. Para fazer isso, reafirma-se o seu princípio democrático, pois a
forma de vida associada acabaria também com as barreiras entre as classes, pois
integraria os sujeitos (DEWEY, 1979a, p. 93). A escola também assumiria a tarefa de
romper esse isolamento:
A convivência na escola de jovens, de diversas raças e religiões, e de costumes
dessemelhantes, proporciona a todos um meio novo e mais vasto. Os estudos comuns
acostumam a todos, por igual, a um descortino de horizontes mais amplos do que os visíveis
a qualquer grupo, quando este se encontra isolado. [...] A escola tem igualmente a função
de coordenar na vida mental de cada indivíduo, as diversas influências dos vários meios
sociais em que ele vive [...] impõe à escola uma função fortalecedora e integradora [...] A
extensão, no espaço, do número de indivíduos que participam de um mesmo interesse de
tal modo que cada um tenha de pautar suas próprias ações pelasões dos outros e de
considerar as ações alheias para orientar e dirigir as suas próprias, equivale à supressão
daquelas barreiras de classe, raça e território nacional que impedem que o homem perceba
toda a significação e importância de sua atividade (DEWEY, 1979a, p. 23-93. Grifos nosso).
Considerando os desafios decorrentes da nova fase do liberalismo, pode-se observar
como a concepção de Educação/Escola Integrada relaciona-se com a preocupação de
integração social dos indivíduos na sociedade, objetivando harmonizar suas relações:
A crise do liberalismo, como disse no prinpio, decorre do fato de a sociedade se defrontar
com um novo problema [...] o da organização social [...] O surgimento de uma política
nacional que pretende representar a ordem, a disciplina, e a autoridade espiritual, capaz de
contrabalançar a desintegração social, é um trágico comentário do primitivo liberalismo para
lidar com o novo problema, que seu próprio sucesso precipitou (DEWEY, 1970, p. 58).
Pode-se dizer, também, que a preocupação com as artes, a música, o teatro, a pintura,
etc., está comprometida com as bases culturais da democracia, inclusive, como uma
forma de se combater o Totalitarismo, revelando uma perspectiva de integrão social
e, portanto, de sua concepção de Educação Integrada.
Não se formou o hábito de incluir as artes, as belas-artes, como parte importante das
condições sociais que influem nas instituições democráticas e na liberdade pessoal. Mesmo
depois de se haver admitido a influência da situação da indústria e da ciência natural, ainda
tendemos a recusar a ideia de que a literatura, a sica, a pintura, o teatro, a arquitetura tem
qualquer íntima conexão com as bases culturais da democracia [...] O estado das coisas nos
países totalitários pode induzir-nos a rever essa opinião. Pois aí se prova que, não
importando qual seja o caso em relação aos impulsos e forças que levam o artista criador à
realização de sua obra, os trabalhos de arte, uma vez criados, constituem os mais poderosos
dos meios de comunicação, pelos quais as emoçõeso despertadas [...] Começamos a
compreender que emoções e imaginaçãoo mais potentes em moldar o sentimento e a
opinião pública de que a informação e a razão (Dewey, 1970, p. 103).
A defesa de Dewey da utilização das artes, também está vinculada à ideia de produzir o
consentimento das massas ao capitalismo. Para tanto, seria preciso que a educação
integrasse a escola à vida, articulasse às necessidades do novo momento do
desenvolvimento capitalista. Uma educação que respondesse às necessidades da vida
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago | 2020
|206|
social, superando a dimensão meramente contemplativa da escola tradicional
5
,
voltada
para a ideia dereconstrução social, através da formação de novos hábitos e,
consequentemente, de novas instituições.
Pode-se inferir aqui, o contraponto com aqueles que propõem a transformação das
relações sociais de produção capitalistas, os socialistas, que almejavam a construção de
uma sociedade futura, sob outras bases ecomico-sociais. Para Dewey, no entanto,
[...] vivemos sempre no tempo em que estamos e não em um outro tempo (DEWEY,
1979b, p. 44) e, dessa forma, Não poderemos criar, com as nossas imaginações,
alguma coisa que consideremos uma sociedade ideal. Nossa concepção deve basear-
se em sociedades que existam realmente, de modo a obtermos alguma exiquidade de
nosso ideal (Dewey, 1979a, p. 89).
É dessa forma que, para Dewey, o presente deveria ter como parâmetro os valores
universais, os quais seriam fundamentais para a formação do novo” homem, bem como
de uma sociedade pautada no método da democracia. A teoria do método de conhecer,
exposta por Dewey, pautava-se na defesa de que
[...] o conhecimento em seu sentido estrito de alguma coisa possuída consiste em nossos
recursos intelectuais em todos os hábitos que tornam a nossa ação inteligente. Só aquilo
que foi organizado em nossas disposições mentais, de modo a capacitar-nos a adequar o
meio às nossas necessidades e a adaptar nossos objetivos e desejos à situação em que
vivemos, é realmente conhecimento ou saber. O conhecimento não consiste em alguma
coisa de que temos conhecimento atual, mas nas disposições de espírito que
conscientemente adotamos para compreender o que atualmente sucede. O conhecimento,
como ato, traz alguma coisa de nossos estados mentais à consciência com o fim de extinguir
uma incerteza, concebendo a coneo entre nós e o mundo em que vivemos (DEWEY,
1979a, p.377-378).
Neste sentido, o passado não é está em segundo plano, mas relacionado aos problemas
do presente, colocados pela perspectiva do autor da seguinte forma:
Rejeitando o conhecimento do passado com o fim de educação, iremos apenas dar-lhe
maior imporncia como meio de educação. Quando assim procedemos, lançamos um
problema novo no contexto educacional: Como poderá o jovem conhecer e familiarizar-se
com o passado de modo tal que este conhecimento se constitua poderoso fator de sua
apreciação e sentimento do presente vivo e palpitante? (DEWEY, 1979b, p. 11. Grifos do
autor).
Para Dewey não existiria a necessidade de preparar o educando para o futuro. Se no
presente a escola propiciasse experiências duradouras e saudáveis para o
desenvolvimento da criança, esta seria capaz de lidar com qualquer futuro. Dewey
acreditava que o dia de amanhã era uma construção que se iniciava no dia de hoje. Os
cuidados com a vida presente das crianças, com o seu desenvolvimento e as suas
necessidades atuais eram suficientes para a educação do homem do futuro. Assim, o
estudo das antigas formas de organização social e suas realizações deveria ser norteado
pelas dificuldades atuais e deveria ser utilizado para conduzir o movimento da realidade
vivida (CUNHA, 1994, p. 47-51).
5
O termo escola tradicional passou a ser usado como uma forma de crítica à escola existente em fins do século XIX e como argumento
para os defensores do escolanovismo. De forma geral, Dewey caracterizava a escola tradicional pelos fins da educação (preparação passiva
das novas gerações); pelos métodos de instrução (transmissão de informações do professor para os alunos de forma que eles decorem e
depois repitam) e pela disciplina escolar (DEWEY, 1979b, p. 04). Para Dewey o conteúdo da escola tradicional estava divorciado da vida,
seus métodos estavam ultrapassados e a estrutura escolar era elitista (FAVORETO, 2008, p. 49).
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago. | 2020
|207|
Assim, as necessidades imediatas, pelo que se pode compreender, se articulavam com
o passado, mas não se subordinavam às necessidades históricas:
Se o ambiente, na escola ou fora dela, fornecer as condições que ponham adequadamente
em ação as aptidões do imaturo, é certo beneficiar-se com isso o futuro, que é produto do
presente. O erro não está propriamente em cuidar-se da preparação para as futuras
necessidades e sim em tornar essa preparação a mola real do esforço presente (DEWEY,
1979a, p. 60).
É posvel perceber como a Educação para Dewey vai muito além de uma fuão
instrucional. O que é coerente com o próprio Pragmatismo a que Dewey se filiava. Para
o Pragmatismo [...] a filosofia não deve apenas evitar os dualismos: razão/experiência,
ideal/real, teoria/prática, indivíduo/sociedade, mas combatê-los, já que o conhecimento
se dá na continuidade da experiência e não apenas em sua fragmentação” (SOUZA,
2012, p. 230). Há em Dewey uma preocupação latente sobre a contribuição que a
educação deve dar a sociedade, ou como a escola pode responder aos problemas
enfrentados pela sociedade, seja no âmbito político (construção de uma efetiva
democracia); social (diminuindo os efeitos da desigualdade social); ou
filosófico/ideológico (reafirmação dos princípios liberais). A educação com uma filosofia
de pensamento e ação integrados, deve ser integrada às necessidades da sociedade; e
contribuir para a integração entre indivíduos com classes, etnias e culturas diferentes.
Passamos a analisar como, e para que isso se efetivasse, seria preciso uma pedagogia
que apresentasse os elementos de uma Educação Integral.
JOHN DEWEY E OS ELEMENTOS DE UMA EDUCAÇÃO INTEGRAL: OTODO ATIVO, O ENSINO A
PARTIR DE EXPERIÊNCIAS E O TRABALHO COMO ATIVIDADE OU INTELIGÊNCIA EM AÇÃO
O objetivo desta seção é buscar extrair das discussões pedagógicas de Dewey os
elementos de sua perspectiva de Educão Integral. Nesse sentido, apresentam-se os
conceitos de sua proposta de educação a partir da relação entre ensino e experiência,
educação e liberdade individual; e educação e trabalho.
A análise do pensamento de Dewey em relação à democracia e educação articula-se ao
conceito de experiência
6
e contribui para compreender o significado de Educação
Integral. O conceito de experiência é elemento-chave da concepção educacional de
Dewey (WARDE, 1984, p. 128). De acordo com o autor americano [...] demonstra-se
ser unicamente posvel o desenvolvimento efetivo e integral do pensamento quando se
recorre ao método experimental (DEWEY, 1959, p. 107).
Para Dewey a educação é a experiência inteligente, devendo ocorrer em todas as
situações, e a escola seria uma delas (WARDE, 1984, p. 128). Neste sentido, [...] desde
que os fins do liberalismo são a liberdade e a oportunidade dos indivíduos para a plena
realização de suas potencialidades, toda intensidade emocional própria a esses objetivos
transporta-se às ideias e atos necessários a sua efetivação (DEWEY, 1970, p. 57).
Para Dewey, a escola deveria superar a formão decorrente da Escola Tradicional,
fundamentada na imposição, aos alunos, de tradições e valores historicamente
acumulados, para trabalhar o ensino a partir da experiência, visando suscitar a
curiosidade, a iniciativa e os desejos particulares dos indivíduos (DEWEY, 1979b, p. 29).
6
Sobre as implicações filoficas envolvidas no conceito de experiência, ver, por exemplo, Dewey: a filosofia especulativa da experiência,
capítulo da tese de doutorado de Sabina Silva (2010).
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago | 2020
|208|
Dewey apontava que seria preciso que dada experiência conduzisse a campo não
previamente conhecido, caso contrário, não surgiriam problemas e sem eles não
haveriam estímulos para pensar. Distinguia, assim, a educação baseada em experiência
da educação tradicional, pelo fato de que as condições encontradas na experiência atual
do aluno eram utilizadas como fontes de problemas, ao passo que na Escola Tradicional
a fonte dos problemas estaria fora da experiência do aluno (CUNHA, 1994, p. 80).
A vinculação entre a educação e a vida, relaciona-se com a ampliação do conceito de
conteúdo escolar, sobretudo na dirão de considerar as atitudes e os hábitos
7
.
Expressa, também, a estreita vinculação entre educação/escola/sociedade;
evidenciando, ao mesmo tempo, as preocupações de uma Educação Integrada e a
concepção de uma Educação Integral:
[...] define-se educação como a aquisição dos hábitos indispensáveis à adaptação do
indivíduo a seu ambiente. Esta definição se aplica a um aspecto fundamental do
crescimento. Mas é essencial que se entenda tal ajustamento ou adaptação no sentido ativo
de assenhoramento de meios para a realização de fins em vista. [...] Os hábitos dão-nos o
domínio sobre o meio e a capacidade de utilizá-lo para fins humanos [...] Os hábitos ativos
subentendem reflexão, invenção e iniciativa para dirigir as aptidões a novos fins. Eles são o
contrário da rotina, que assinala uma parada no desenvolvimento. Uma vez que este é a
caractestica da vida, educação e desenvolvimento constituem uma coisa (Dewey,
1979a, p. 50-56-57).
A justificativa de Dewey em relação à crítica à Escola Tradicional é porque ela negaria
um dos princípios básicos do liberalismo: a liberdade:
O esquema tradicional é, em esncia, esquema de imposição de cima para baixo e de fora
para dentro. Impõe pades, matérias de estudo e métodos de adultos sobre os que estão
ainda crescendo lentamente para a maturidade (DEWEY, 1979b, p. 5).
Contrapondo a isso, propõe os chamados métodos ativos com uma maior participação
dos alunos na escolha sobre o que estudar; evidenciando, dessa forma, os princípios da
liberdade e do esforço individual. Neste sentido, para Dewey as aprendizagens
colaterais, como as de formação de atitudes permanentes de gosto e desgosto, podem
ser, muitas vezes, mais importantes do que a lição de ortografia, de geografia ou de
história. Essas são as atitudes com as quais irão contar fundamentalmente no futuro. A
mais importante atitude a ser formada é a do desejo de continuar a aprender
8
(DEWEY,
1979b, p. 42).
Nesta dimensão, o rigor e a disciplina da Escola Tradicional foram igualmente
combatidos por Dewey, visto que dificultariam o desenvolvimento tanto da liberdade,
quanto da individualidade.
7
Essa é umas das características da obra de Dewey que es fortemente presente nas Pedagogias contemporâneas. Para uma análise
sobre outros elementos herdados” da Pedagogia de John Dewey, ver dentre outros: BORGES. L. P. F. Democracia e educação: uma
análise crítica às políticas educacionais no Brasil (1995-2002). Tese de Doutorado. Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, 2006.;
DUARTE, Newton. Vigotski e o "aprender a aprender": crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas à teoria vigotskiana. 4. ed.
Campinas: Autores Associados, 2006; SHIROMA, E. O; CAMPOS, R. F. O resgate da Escola Nova pelas reformas educacionais
contemporâneas. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília. Vol. 80, n. 196. Set/dez 1999.
8
Neste debate é posvel identificar como as ideias de Dewey ecoaram” nas reformas educacionais da década de 1990 no Brasil, conforme
apontam Souza e Martineli (2009). Destaca-se neste ponto, a similaridade com a Pedagogia das Competências, ou do aprender a
aprender”, sintetizadas por Newton Duarte (2001) em quatro posicionamentos: 1) aquilo que o indivíduo aprende por si mesmo é superior
àquilo que lhe é transmitido por outra pessoa; 2) o método de construção do conhecimento é mais importante do que o conhecimento já
produzido socialmente; 3) a atividade do aluno deve ser impulsionada pelos seus interesses e necessidades; 4) a educação deve preparar
os indivíduos para um mundo em acelerado processo de mudança, instrumentalizando-os para competirem por postos de trabalho, cada
vez mais escassos.
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago. | 2020
|209|
À imposição de cima para baixo, opõe-se a expreso e cultivo da individualidade; à
disciplina externa, opõe-se a atividade livre; a aprender por livros e professores, aprender por
experiência; à aquisição por exercício e treino de habilidades e técnicas isoladas, a sua
aquisição como meios para atingir fins que respondem a apelos diretos e vitais do aluno; à
preparação para um futuro mais ou menos remoto opõe-se aproveitar ao ximo das
oportunidades do presente; a fins e conhecimentos estáticos opõe-se a tomada de contacto
com um mundo em mudança (DEWEY, 1979b, p. 06-07).
Segundo o autor, é necessário determinado controle dos indivíduos, mas sem a violação
da liberdade para o desenvolvimento das experiências educacionais.
[...] Na escola bem organizada, o controle do indivíduo repousa dominantemente nas
atividades em curso e nas situações criadas para que elas transcorram normal e
frutuosamente. O professor reduz ao nimo as ocasiões que tenha que exercer autoridade
pessoal. Quando se faz necesrio falar e agir firmemente, fá-lo no interesse do grupo e não
como exibição de poder pessoal [...] Quando a educação se funda na experiência e a
experiência educativa é concebida como um processo social, a situação muda radicalmente.
O professor perde a posição de chefe ou ditador, acima e fora do grupo, para se fazer o líder
das atividades do grupo (DEWEY, 1979b, p. 49-55).
Nesse processo, o planejamento também era considerado importante, devendo ser
flexível para oportunizar o livre exercício da experiência individual, proporcionando
condições para uma Educação Integral.
[...] cabe ao educador o dever de instituir o tipo de planejamento mais inteligente e,
consequentemente, muito mais dicil. Deve ele estudar as capacidades e necessidades do
grupo que tiver de educar e, ao mesmo tempo, dispor e ordenar as condições para que a
matéria ou conteúdo das experiências seja tal que satisfaça aquelas necessidades e
desenvolva aquelas capacidades. O planejamento deve ser suficientemente flexível para
permitir o livre exercício da experiência individual e, ainda assim, suficientemente firme para
dar direção ao contínuo desenvolvimento da capacidade do aluno (DEWEY, 1979b, p. 54).
Para Dewey, à proporção que a sociedade se torna democrática, deveria orientar-se
para a utilização daquelas qualidades peculiares e variáveis do indivíduo e não para a
sua estratificação em classes (CUNHA, 1979, p. 46). Dessa forma, a preocupação com
a construção de um ambiente pedagógico democrático, com vistas a transpô-lo para a
sociedade, articula-se, assim, com o ideal de democracia concebido para além da forma
de governo, conforme já mencionado.
É indubitável que uma sociedade para a qual seria fatal a estratificação em classes
separadas, deve procurar fazer que as oportunidades intelectuais sejam acesveis a todos
os indivíduos, com iguais facilidades para os mesmos [...]. Uma sociedade móvel, cheia de
canais distribuidores de todas as mudanças ocorridas em qualquer parte, deve tratar de fazer
que seus membros sejam educados de modo a possuírem iniciativa individual e
adaptabilidade. Se não fizerem assim, eles serão esmagados pelas mudanças em que se
virem envolvidos e cujas associações ou significações eles não percebem (DEWEY, 1979a,
p. 93-94).
Além do objetivo de desenvolver as apties individuais, existia a preocupação com o
desenvolvimento tecnológico do capitalismo e o acompanhamento da escola nesse
processo: A adesão ao todo de ensino a partir das experiências, [...] não só constitui
a via mais direta para compreensão da própria Ciência, como é também o mais seguro
caminho para compreensão dos problemas industriais da sociedade presente (DEWEY,
1979b, p. 82).
Nessa perspectiva, o trabalho aparece como um elemento importante, na perspectiva de
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago | 2020
|210|
uma Educação Integral. A escola deveria oportunizar o contato com experiências que
possibilitariam, inclusive, a integração com o trabalho. Dewey destacava que A única
preparação adequada para as ocupações é feita por meio de ocupações (DEWEY,
1979a, p. 342). Salientava, ainda, que a escola não deveria ser um prolongamento da
empresa, mas era necessário [...] utilizar os fatores da indústria para tornar a vida escolar
mais ativa, mais cheia de significações imediatas, mais associadas à experiência
extraescolar (DEWEY, 1979a, p. 348).
Dewey concebia a escola em correlação com a Revolução Industrial, que mudou
essencialmente o trabalho (FAVORETO, 2008, p. 52). Segundo Dewey, a indústria já
não era mais doméstica e local e, sim, mundial. Deixou de ser um processo empírico,
rotineiro, estabelecido pelo costume, e passou a se fundamentar na tecnologia ou
maquinarias resultantes de descobertas matemáticas, físicas, químicas, etc. As
ocupações industriais, por sua vez, têm um conteúdo intelectual e possibilidades culturais
infinitamente maiores (DEWEY, 1979a, p. 346-347).
Assim, a escola deveria ter a preocupação de exercer a capacidade de readaptação do
indivíduo às condições de vida e de desenvolvê-lo nos aspectos intelectuais (CUNHA,
1979, p. 48). Tendo essa preocupação, a escola provocaria duas repercussões:
exercitaria a capacidade de readaptação às mudanças de condições, de modo que o
futuro trabalhador não se tornasse cegamente submisso ao destino que lhe fosse
imposto, e também faria com que os representantes da classe social mais privilegiada”,
aumentassem a sua simpatia pelo trabalho, criando uma disposição mental favorável
a descobrir elementos culturais em uma atividade útil e aumentar o senso dos seus
deveres sociais (DEWEY, 1979a, p. 352-353).
Evidencia-se aqui, a aproximação com a preocupação socialista em relação ao trabalho,
marca do movimento Escolanovista e que, em Dewey, parte da seguinte inquietação:
“Torna-se imperativa a necessidade de uma educação que familiarize os operários com
os fundamentos e alcance científicos e sociais de sua atividade, porque os que não a
tiverem recebido degradar-se-ão inevitavelmente ao papel de apêndices das máquinas
que trabalham (DEWEY, 1979a, p. 347).
Dewey, no entanto, apontava que a escola era quem poderia evitar essa degradação da
mente do trabalhador, causada pelo trabalho mecânico. A escola alcançaria esse
objetivo a partir do momento em que todos utilizassem os benefícios que a ciência
industrial disponibilizou à humanidade (FAVORETO, 2008, p. 52-53). Para Dewey, a
construção dessa escola seria tarefa dicil, destacando, portanto, as principais
resistências:
Este ideal precisaria batalhar não só contra a inércia das presentes tradições educacionais,
como também contra a hostilidade daqueles que se entrincheiram no domínio da
aparelhagem industrial e que entendem que, caso se tornasse geral semelhante sistema
educativo, ele constituiria uma ameaça à sua faculdade de utilizar dos outros indivíduos para
a realização dos seus pprios fins (DEWEY, 1979a, p. 352).
Os vínculos entre a escola e o trabalho são constatados com grande evidência no final
do século XIX, nos Estados Unidos. Em 1876, ocorreu um evento, na Filadélfia, para
discutir a influência da ciência nos progressos da indústria e as inovações pedagógicas
que estavam mais diretamente associadas à prosperidade industrial. Destaque para a
participação do russo Victor Della Vos, diretor daEscola Técnica Imperial de Moscou,
fundada em 1868, o qual teria aplicado um método de ensino, que complementaria o
trabalho da matemática, da sica e da engenharia, com o treinamento no trabalho
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago. | 2020
|211|
(DORE SOARES, 2000, p. 240).
Ao se preocupar com o trabalho, Dewey também o tomou a partir do princípio de
atividade; expressão da inteligência em ão: Tudo, afinal, se resume na atividade em
que entra a inteligência reagindo ao que lhe é externamente apresentado (DEWEY,
1930, p. 72 apud DORE SOARES, 2000, p. 256).
O trabalho, na perspectiva de Dewey seria, inclusive, uma forma de responder ao dilema
do início do século XX, no âmbito da ciência, da distião entre o sujeito e o objeto. Não
existiria melhor forma para mediar a relação entre sujeito e objeto do que o trabalho
(DEWEY, 1930, p. 106 apud DORE SOARES, 2000, p. 255).
Dewey reconheceu a existência, na sociedade, de uma divisão permanente entre
pessoas capazes deviver a vida da razão e outras capazes apenas de terapetites e
de trabalhar; uma divisão expressa já na Antiguidade Grega, onde a vida humana, em
sua plenitude, era privilégio de poucos, à custa dos resultados do trabalho de uma
maioria. Essa divisão resultou em um sistema de educação dualista: para o primeiro
grupo de pessoas, uma educação que servia para uma vida autossuficiente de lazeres,
dedicados ao saber pelo saber (característica da Escola Erudita, Tradicional); para o
segundo grupo de pessoas, uma educação para a preparação utilitária e prática, voltada
para as ocupações, desprovida de contdo intelectual ou estético. Uma separação
entre a íntima atividade mental e a ação sica externa (DEWEY, 1979a, p. 286). Diante
disso, a proposta de uma Educação Integral em Dewey tamm contemplaria a
integração desses dois aspectos: a cultura e a utilidade, sendo que O problema da
educação em uma sociedade democrática é acabar com esse dualismo e organizar um
curso de estudos que torne a reflexão, para todos, um guia no livre exercício da atividade
prática (DEWEY, 1979a, p. 286-287).
Se a divisão entre aqueles que trabalhavam e aqueles que viviam plenamente havia
resultado numa educação dualista, a tarefa da educação seria de realizar o inverso,
contribuindo, portanto, com a unificação da própria sociedade: Uma educação que
unificasse a atitude mental dos membros da sociedade contribuiria muito para unificar a
própria sociedade (DEWEY, 1979a, p. 286). Evidencia-se mais uma vez, como a
concepção de Educação Integral está vinculada à Educação Integrada.
Dewey criticava, portanto, não somente o ensino destinado aos trabalhadores, mas,
também, o ensino das elites. A unificação da educação de ambos os segmentos sociais
se daria a partir do ensino que incorporasse o trabalho como atividade, que seria distinto
do trabalho econômico e do trabalho como algoárduo” efastidioso. O trabalho como
atividadeé alguma cousa de valor, como meio de troca, ou melhor, é, hoje, a forma de
trabalho que é pago e cujo dinheiro nos habilita a adquirir outras cousas de valor mais
direto. Já no sentido econômico,é uma tarefa, uma obrigação, que envolve desusado
esforço. Fazemo-lo, geralmente, sob a coação de uma necessidade estranha à natureza
do labor (DEWEY, 1930, p. 128-129 apud DORE SOARES, 2000, p. 255-256). O
trabalho manual ou industrial apresentava pouca coisa em que se empreguem os
sentimentos ou a imaginação e são séries de aturados esforços mais ou menos
maquinais (DEWEY, 1979a, p. 225). Não seria esse o trabalho que deveria ser adotado
pela escola. Dewey não contestava a existência do trabalho na indústria, como produto
da divisão de classes, nem tampouco defendia a sua abolição; apenas apontou que a
escola deveria ter outro princípio de trabalho.
O trabalho deveria ser tomado no sentido de uma ação inteligente, não poderia ser
julgado pelo valor do produto que cria e sim do ponto de vista da invenção, do engenho,
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago | 2020
|212|
da observação. O trabalho, portanto, significava,Todas as formas de expressão e de
construção com instrumentos e materiais, todas as formas de atividade manual e artística
(DEWEY, 1930, p. 131 apud DORE SOARES, 2000, p. 256).
Se a educação se daria a partir da experiência, a escola deveria oferecer a maior
diversidade possível das mesmas para serem exploradas pelos alunos; condição que
fundamenta, de certo modo, a concepção de uma Educação Integrada e Integral, bem
como a concepção de trabalho em Dewey.
Excures, jardinagem, cozinhar, costurar, imprimir, encadernar livros, tecer, pintar,
desenhar, cantar, dramatizar, contar histórias, ler e escrever como trabalhos ativos e com
finalidades sociais (e não como simples exercícios para adquirir proficiência que futuramente
seja usada) além de uma inumevel variedade de brinquedos e jogos, constituem algumas
espécies de ocupação. [...] O problema do educador é fazer que os alunos se dediquem de
tal modo a essas atividades que, ao mesmo tempo em que adquiram habilidade manual e
eficiência técnica e encontrem satisfação imediata nesses atos, e juntamente se preparem
para a habilitação ulterior, sejam essas atividades subordinadas à educação isto é, à
obtenção de resultados intelectuais e à formação de tendências sociáveis (DEWEY, 1979a,
p. 216-217).
A utilização de trabalhos manuais na escola seria um meio importante de dirigir a
educação ao abstrato, despertando o interesse pelas questões intelectuais envolvidas
no trabalho (DORE SOARES, 2000, p. 256). Atividades como carpintaria, por exemplo,
deveria despertar o empenho para resolver os problemas de geometria e mecânica. O
trabalho na cozinha da escola, por sua vez, caminharia para a experimentação química,
para a fisiologia, a higiene e o crescimento corporal (DORE SOARES, 2000, p. 257).
Percebe-se, assim, que o trabalho na perspectiva de Dewey assume várias dimensões,
partindo de sua preocupação social, para a sua Pedagogia e chegando à proposição da
reorganização da escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os elementos apresentados sobre as concepções de Educação Integral e Integrada em
Dewey, permitem algumas considerações a partir da relação entre os conceitos que nos
propomos a problematizar neste artigo. Pode-se se dizer que a relação entre os
conceitos de educão e contradições sociais; educão e democracia; educação moral
e formação de hábitos morais e intelectuais, se aproximam mais da concepção de
Educação Integrada. Por sua vez, a relação entre os conceitos de ensino e experiência;
educação e liberdade individual; e educação e trabalho expressam os elementos de uma
Educação Integral.
Sobre a relação educação e contradições sociais, as elaborações de Dewey vinculam-
se as preocupações enfrentadas pelo Liberalismo, desde os fins do século XIX e início
do século XX. Os problemas causados pela divisão de classes, a pobreza, o
desemprego, etc., são atribuídos pelo Liberalismo à falta de igualdade de direitos e de
oportunidades, na sociedade, para que todos, através de sua competência e esforço,
pudessem vencer. Assim, a escola passou a assumir, a partir do início do século XX,
com maior intensidade, a ideia de que proporcionaria essa igualdade de competição e,
para isso, precisaria estar articulada com os ideais liberais; tarefa esta que o movimento
Escolanovista assumiu. O reconhecimento de Dewey dos problemas do capitalismo
indica a concepção de uma educaçãoo apenas vinculada à instrução, mas de uma
proposta de Educação Integrada à sociedade, ou seja, era preciso vincular a tarefa
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago. | 2020
|213|
educativa aos problemas imediatos do capitalismo.
Sobre a relação entre educação e democracia, a ausência da Democracia foi
considerada como uma das causas dos problemas da época. Ao reformar as instituições,
Dewey acreditava que se estaria revolucionando a sociedade. O entendimento de
Dewey sobre o que era Democracia, conceito que extrapola o âmbito da ação política
parlamentar, ao considerá-la como uma forma de vida associada, estava centrada na
tese de que educação é vida” e, portanto, caberia à escola reproduzir o tipo de
sociedade que almejasse construir, a partir de uma educação pautada nos valores
democráticos liberais colocados, por esse autor, como valores universais. Essa ideia está
vinculada a relação entre educão moral e formação debitos morais e intelectuais,
pois em Dewey a preocupação era a de que a nova escola vinculasse os métodos de
conhecimento com o desenvolvimento da nova moral, necessária à sociedade industrial
capitalista, pautada nos princípios liberais.
Neste sentido, a perspectiva de uma Educação Integrada, em Dewey, estava
relacionada a formação do novo homem a partir das artes, da música, do teatro, dos
valores universais do Liberalismo, tendo como referência os problemas da vida, ou seja,
era preciso enfrentar a desintegração social. A escola proposta por Dewey, ao se
integrar a sociedade, integraria, também, os indivíduos excluídos. Assim, à medida que
a escola passaria a produzir indivíduos diferentes, estaria contribuindo para a mudança
na sociedade” (CUNHA, 1979, p. 47). Isso, de certa forma, expressava uma das
questões centrais em relação a sua crítica à Escola Tradicional: de que ela estava
desintegrada da vida, com seus métodos ultrapassados e sua estrutura elitista, conforme
mencionado.
Vinculados a preocupação da integração da escola com sociedade, mediados pelos
valores liberais, Dewey defendia a mudança no modelo de formação da Escola
Tradicional e propõe o ensino a partir da experiência, o que pressupõe uma Educação
Integral do sujeito/aluno. Esta é outra dimensão do já conhecido preceito deweyano
educação é vida, que coloca as experiências do aluno como fonte de aprendizagem.
Os novos hábitos necessários, citados acima, se desenvolveriam na perspectiva da
vivência, experimentação individual ou de envolvimento ativo do aluno na educação.
Isso leva à outra preocupação de Dewey, a relação entre educação e liberdade
individual. O ensino a partir da experiência pressupõe a liberdade do aluno, entendida,
tanto como valor a ser defendido, quanto como prática a ser exercida no interior das
atividades escolares. Revela uma das dimensões de sua proposta de Educação Integral,
onde o aluno deixa de ser apenas sujeito em preparação pela via do conhecimento, mas
sujeito pleno, exercitando sua liberdade enquanto aprende.
A discussão da relação entre educação e trabalho se apresenta como a mais reveladora
da concepção de Educação Integral em Dewey, ao mesmo tempo em que vincula vários
conceitos da concepção pedagógica desse autor. O trabalho incorporado pela escola,
na dimensão do ensino a partir da experiência, revelaria a inteligência em ação, a
integração da escola com a sociedade e a realização dos preceitos liberais. Dewey via
no trabalho da sociedade industrial um conteúdo intelectual e possibilidades culturais,
não na perspectiva de tornar as escolas apêndices da indústria como já apontava a
crítica socialista à escola, mas para tornar a vida escolar mais ativa, mais associada à
experiência extraescolar.
A perspectiva da relação entre educação e trabalho em Dewey também expressa a
concepção de Educação Integral porque reconhece a existência na sociedade de uma
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago | 2020
|214|
divisão entre aqueles que pensam e aqueles que trabalham. Essa separação teria
dado origem ao dualismo na educação, onde uma minoria tem uma educação que serve
a uma vida autossuficiente de lazeres dedicados ao saber pelo saber, enquanto a maioria
tem uma educação voltada para a preparação prática para as ocupações mecânicas,
desprovida de conteúdo intelectual e estético (DEWEY, 1979a, p. 286). Porém, para
inverter essa situação, Dewey defende, numa perspectiva integral, que uma educação
unificada, unificaria a sociedade (DEWEY, 1979a, p. 286).
É nessa perspectiva que Dewey passa a defender a utilização de trabalhos manuais na
escola, o que tamm revela a sua concepção de Educação Integral. Primeiro porque
pela própria definição envolve a educação com uma dimensão além do intelecto, mas a
vinculação deste com o corpo. Segundo porque a presença dos trabalhos manuais
possibilitaria vínculos com os conhecimentos de geometria, química, higiene, entre
outros, conforme apontado.
Enfim, é possível afirmar que em John Dewey, a proposta de Educão Integrada é
indissociável da proposta de Educação Integral. A necessidade de que a escola
desempenhasse uma função mais ampla reconhecendo e enfrentando os problemas
gerados pelo capitalismo tornava imperativo uma educação diferente, integral, que
formasse o indivíduo em todas as dimensões necessárias para a sociedade liberal,
principalmente comprometido como os ideais da Democracia.
REFERÊNCIAS
ARANHA, Lúcia de Arruda. Hisria da educação e da pedagogia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006.
ARISTÓTELES. Política. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto-/bk000426.pdf.
Acesso em: 23 set. 2008.
BORGES, Lílian Faria Porto. Democracia e educação: uma análise crítica às políticas educacionais no
Brasil (1995-2002). Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2006.
CAVALIERE, Ana Maria Villela. Quantidade e Racionalidade do Tempo de Escola: Debates no Brasil e no
Mundo. TEIAS Revista da Faculdade de Educação/UERJ nº 6 dezembro, 2002.
CUNHA, Luis Antonio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: F. Alves, 1979.
CUNHA, Marcus Vinicius da. John Dewey e o pensamento educacional brasileiro: a centralidade da noção
de movimento. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro , n. 17, p. 86-99, Ago. 2001. Disponível
em: https://doi.org/10.1590/S1413-24782001000200007. Acesso em: 13 mai. 2020.
CUNHA, Marcus Vinicius da. Uma filosofia para educadores na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1994.
CUNHA, Marcus Vinicius da; CRUZ, Paulo Fernando Aleixo da. A história da filosofia no discurso de John
Dewey sobre a moral. Perspectiva. Florianópolis, v. 34, n. 1, jan./abr. 2016 Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/2175-795X.2016v34n1p286-/31944 Acesso em:
02 fev. 2017.
DEWEY, John. Como pensamos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.
DEWEY, John. Liberalismo, Liberdade e Cultura. São Paulo: Companhia Editora Nacional. Editora da
Universidade de São Paulo, 1970.
DEWEY, John. Democracia e educação. 4. ed. São Paulo: Editora Nacional. 1979a.
DEWEY, John. Experiência e educação. 3. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1979b.
DORE SOARES, Rosemary. A concepção gramsciana do Estado e o debate sobre a escola. Ijuí:
Editora UNIJUÍ, 2000.
DUARTE, Newton. As pedagogias do aprender a aprender” e algumas ilusões da assim chamada
sociedade do conhecimento. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n. 18, dez. 2001. Disponível
Trabalho & Educação | v.29 | n.2 | p.197-215 | maio-ago. | 2020
|215|
em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782001000300004. Acesso em 13 mai. 2020.
FAVORETO, Aparecida. Marxismo e educação no Brasil (1922-1935): o discurso do PCB e de seus
intelectuais. Curitiba, Tese de Doutorado. Universidade Federal do Paraná, 2008.
FREITAS, Cezar Ricardo de. O Escolanovismo e a Pedagogia Socialista na União Soviética no icio
do século XX e as concepções de Educação Integral e Integrada. Cascavel, Dissertação de Mestrado.
Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE, 2009.
JONES, Elizabeth. E por falar em John Dewey... Perspectiva, Florianópolis, v. 7, n. 13, jan. 1989. Disponível
em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/9020/8400. Acesso em: 02 fev. 2017.
LARROYO, Francisco. História geral da pedagogia. São Paulo: Mestre Jou, 1982.
PEIXOTO, Madalena Guasco. A condição política na pós-modernidade: a questão da democracia. São
Paulo: EDUC, 1998.
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre
educação e política. o Paulo: Cortez,1989.
SILVA, Felipe Carreira. Habermas, Rorty e o Pragmatismo Americano. DADOS Revista de Ciências
Sociais, Rio de Janeiro, v. 49, n. 1, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_-
arttext&pid=S0011-52582006000100005&lng=en&nrm=iso Acesso em: 18 mai. 2017.
SILVA, Sabina Maura. Matrizes filosóficas do pensamento de Anísio Teixeira. Belo Horizonte, Tese de
Doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais, 2010.
SOUZA, Rodrigo Augusto de. Os Fundamentos da Pedagogia de John Dewey: uma reflexão sobre a
epistemologia pragmatista. Revista Contrapontos - Eletrônica, v. 12 - n. 2.mai-ago. 2012. Disponível em:
http://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/2087/2247 Acesso em: 02 fev. 2017.
SOUZA, Rodrigo A.; MARTINELLI, Telma A. Considerações históricas sobre a influência de John Dewey no
pensamento pedagógico brasileiro. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 35, p. 160-162, set.2009.
Disponível em: https://doi.org/10.20396/rho.v9i35.8639620. Acesso em: 13 mai. 2020.
WARDE, Mirian Jorge. Liberalismo e Educação. Tese (Doutorado). PUC, São Paulo, 1984.
WARDE, Mirian Jorge. Notas sobre as fontes de formação de John Dewey com base no próprio autor.
Educar em Revista. abr./jun., n
o
. 48, 2013. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/er/n48/n48a11.pdf
Acesso em: 03 abr. 2016.
Data da submissão: 14/04/2020
Data da aprovação: 19/08/2020