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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2021.19848
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
ESCOLA VIVA: IMPLEMENTAÇÃO DOS INTERESSES DO BLOCO NO
PODER NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
1
Escola Viva: implementation of the interests of the power block in the state of
Espírito Santo
LEAL, Fernando de Oliveira
2
LIMA, Marcelo
3
RESUMO
Este artigo visa analisar como constrão do projeto educacional, denominado “Escola Viva(forma
antecipada de reforma do ensino dio ainda em 2015) de viés privatista e gerencialista se articula com
os interesses etodos de determinadas frões de classe. Para a análise, utilizou-se a abordagem
qualitativa, com pesquisa documental de artigos e dissertões que trazem a tetica e a análise de
discurso de entidades e personalidades envolvidas no processo de implementação de reformas
educacionais. Identificamos na entidade organizada pelo movimento empresarial, denominada “Espírito
Santo em ão, aparelho privado de hegemonia que representa ao mesmo tempo espaço de coesão
e de produção do bloco no poder atuante no estado. Desde os anos 2003 dois governadores (Paulo
Hartung e Renato Casagrande) revezam-se, cada um a seu modo, na liderança da construção de
políticas educacionais que se articulam com este bloco no poder consolidando sua coesão e viabilidade.
Palavras-chave: Escola Viva. Espírito Santo em Ação. Bloco no Poder.
ABSTRACT
This article aims to analyze how the construction of the educational project, calledEscola Viva” (early
form of high school reform still in 2015) with a privatist and managerial bias is articulated with the interests
and methods of certain fractions of class. For the analysis, a qualitative approach was used, with
documentary research of articles and dissertations that bring the theme and discourse analysis of entities
and personalities involved in the process of implementing educational reforms. We identified in the entity
organized by the business movement, called “Espírito Santo em Ação”, a private device of hegemony
that represents both the space of cohesion and the production of the bloc in power in the state. Since
2003, two governors (Paulo Hartung and Renato Casagrande) have taken turns, each in their own way,
in leading the construction of educational policies that articulate with this bloc in power, consolidating
their cohesion and viability.
Keywords: Escola Viva. Espírito Santo em Ação. Block in Power.
1
Artigo original realizado com financiamento da CAPES.
2
Graduado em ciências sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), mestrando em educação pela UFES. Professor de
sociologia na Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo.
3
Doutor em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em educação pela Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES) e graduado em pedagogia pela UFES. Professor Associado I do Departamento de Educação, Política e Sociedade, no Centro de
Educação da UFES, membro do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES.
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INTRODUÇÃO
A educão tem sido palco de lutas e enfrentamentos entre diversas concepções no
Brasil. Após o golpe jurídico-parlamentar contra a presidente Dilma Rousseff, acirrou-se
um processo de ofensiva burguesa na educação ainda no governo Temer, com a
Emenda Constitucional (EC) nº 95/2017, responsável por congelar os gastos primários
nas áreas sociais por 20 anos fiscais, e com a lei nº 13.415/2017, que instituiu a reforma
do ensino médio. A eleição de Jair Messias Bolsonaro para a presidência leva a um
aprofundamento da ofensiva neoconservadora na educação, resultando em mais cortes
na educação e na tentativa de perseguir professores e estudantes que explicitem um
pensamento crítico na educação.
Neste artigo buscamos identificar as frações de classe componentes do bloco no poder que se
moveram para promover a antecipação da reforma do ensino médio no Espírito Santo, pelo
Programa Escola Viva
4
, e os interesses defendidos com tal proposição. Para alcançar esses
objetivos, buscamos o referencial teórico de Nicos Poulantzas, no que diz respeito à sua análise
sobre Estado, classes sociais, luta de classes e hegemonia.
Os dados foram coletados a partir de marias, entrevistas com lideranças políticas e empresariais
e de artigos de opinião veiculados em jornais de grande circulação no estado, assim como em
publicações do Espírito Santo em Ação
5
(ES em Ação), do Programa Escola Viva e de órgãos do
governo. O conteúdo foi ordenado e passou por uma análise de discurso que partiu do contexto
dos escritos para compreender os elementos centrais no texto, conceitos-chave e jargões,
passando a novas interpretações dos fatos ao proceder à análise documental a partir do nosso
referencial teórico (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009). Com isso, buscou-se compreender
o contexto atual de crise do capital em nível mundial e nacional que possibilitou o avanço burguês,
e como o capitalismo atual es organizado, sua crise e como se manifestou nos governos
progressistas da América Latina e sobretudo no Brasil.
Posteriormente, passamos ao debate sobre Estado, luta de classes e hegemonia, sob a
perspectiva de Nicos Poulantzas. Assim, atentaremos para a explicação do Estado como
condensação da relação entre as classes sociais, do bloco no poder e da dinâmica da luta de
classes para a manutenção da hegemonia política, ideológica e econômica. Num outro item,
expomos os pilares da atual reforma do ensino médio (lei nº 13.415/2017) trazendo suas
características e expondo suas conexões com a implementação do Programa Escola Viva no
Espírito Santo. Posteriormente analisamos a relação entre os governos do estado, em especial
das gestões de Paulo Hartung, com o movimento empresarial ES em Ação, além de analisar o
próprio movimento empresarial, a fim de visualizar a conformação do bloco no poder no estado.
Num quarto ponto, analisamos o Programa Escola Viva: processo de implantação, como e por
quem foi elaborado, propostas e pressupostos, vio de mundo e efeitos que beneficiaram o bloco
no poder no Espírito Santo.
O atual modo de acumulação capitalista é protagonizado pelo capital financeiro, que
impõe às outras frações do capital e ao trabalho a lógica da produção de lucros de curto
prazo e que para tanto precisa mercantilizar os vários setores da vida social e que para
4
Programa idealizado pelo governo do Espírito Santo em conjunto com o ICE e com o ES em
Ação, iniciado em 2015, que implementa no ensino médio uma escola em tempo integral baseada
na pedagogia da presença e na escola da escolha, com forte presença e protagonismo
empresarial em sua formulação e implantação.
5
Movimento empresarial capixaba analisado aqui como aparelho privado de hegemonia e
disposto a construir um projeto de poder a longo prazo no estado atuando em conjunto com os
governos estaduais.
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tanto vem radicalizando ampliação dos mercados por meio da privatização do Estado,
intensificação/precarizão do trabalho e redução dos gastos públicos destinados a
suprir o provimento dos direitos sociais em geral. Tal receituário, no entanto, levou os
pses dependentes e periféricos como o Brasil ao agravamento da crise econômica e
social pela ausência de crescimento da produção, dos altos níveis de desemprego e da
exclusão (POCHMANN, 2017). Na América Latina, um ciclo progressista elegeu
governos com pautas consideradas pós-neoliberais, privilegiando reformas econômicas
progressistas com elementos neodesenvolvimentistas, buscando maior distribuição de
renda, soberania e políticas públicas (BERRINGER, 2014; DA SILVA, 2015).
No Brasil houve ênfase em políticas públicas sem alterações estruturais, com mudaas
graduais e intervenção na economia via regulação e novos investimentos, sobretudo
infraestruturais (DA SILVA, 2015), privilegiando o crescimento econômico e a
transferência de renda. Esse período pode ser identificado por um desenvolvimentismo
fraco e com menores taxas de crescimento, industrialização e de embate com os
interesses do capital internacional (BOITO JR., 2012).
Segundo Boito Jr. (2012), devido a conflitos secunrios com o imperialismo, a fração de
classe à frente desse projeto foi a burguesia interna. Tamm presentes na base de
sustentão desse projeto, estiveram o proletariado urbano, interessado na geração de
empregos e em aumentos salariais reais; as classes dias, interessadas em concursos
públicos e valorização do funcionalismo público; o campesinato, interessado nos
investimentos em agricultura familiar e abertura do mercado institucional; e os
desempregados e subcontratados, interessados nas políticas de transferência de renda.
Em 2013, a crise mundial atinge o pro das commodities resultando em forte queda de
preço. Com isso, os países latino-americanos de governo progressista e de economia
dependente, com produção e pauta de exportação primordialmente pririo-
exportadora, entre eles o Brasil, entraram em estagnação e recessão econômica,
facilitando a aparição de crises políticas (POCHMANN, 2017). Aqui, as forças
neoliberais, representadas pelo grande capital internacional e financeiro, juntamente com
a burguesia brasileira subordinada e associada aos interesses imperialistas,
arregimentaram a alta classe dia e setores da burguesia interna e neoconservadores
para derrotar o projeto neodesenvolvimentista (BOITO JR., 2016).
A partir do golpe parlamentar, jurídico e midiático que colocou um governo neoliberal com
Michel Temer à frente, o país se alinha de forma passiva e subordinada à globalização
neoliberal, transitando para uma sociedade de serviços em meio a desindustrialização
com reprimarização das exportações, transformando, aos poucos, o Estado em simples
Estado Gendarme (POCHMANN, 2017).
Como prática, num plano de governo neoliberal ortodoxo, agressivo e excludente, com
medidas regressivas e pesadas sobre as classes populares brasileiras, pode-se ver o
avanço de pautas antipopulares: reforma trabalhista, nova lei de partilha do pré-sal,
diminuição do Bolsa Falia, reedição da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e
a EC nº 95/2016 com graves repercussões para o financiamento dos gastos sociais,
inviabilizando a concretização do atual Plano Nacional de Educão (PNE 2014-2024)
(POCHMANN, 2017).
Com o governo Bolsonaro houve um reajustamento do bloco do poder que passou a ser
liderado por setores ultraconservadores e ainda mais neoliberal que, ao exercer sua
hegemonia caótica, viabilizou perdas ainda mais profundas nos direitos sociais,
restringindo os elementos democráticos de contestação, demonizando as vozes e
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perseguindo os setores não adestrados por meio da guerra hibrida viabilizada pelas
redes sociais e por fake news”.
ESTADO, LUTA DE CLASSES E HEGEMONIA
Com uma orientação baseada em Poulantzas (1985) observamos a luta de classes que
se organiza no interior do Estado tendo em vista seus elementos de condensão que
dão origem a formação dos blocos do poder em cada momento histórico. Esse processo
determina e é determinado por elementos políticos e ideológicos para conduzir a
reprodução e a produção da vida social e sua organização política que ocorre no Estado.
Para Poulantzas (1985), o Estado atua na formão e reprodução das classes sociais,
mas em última instância ele resulta da luta de classes. A conformação, no entanto, desse
antagonismo espraia-se pelas várias frações de classe e situa-se no campo ecomico,
mas também cultural e ideológico. As classes sociais são aqui vistas como um conjunto
de agentes sociais condicionados pelas ações políticas que tomam, pela sua posição
ideológica e, principalmente, pelo lugar que ocupam no processo de produção. Portanto,
a luta de classes é o enfrentamento entre classes sociais com interesses contrários pela
prevalência de seus interesses, sendo a burguesia e o proletariado as duas classes
fundamentais nesse processo (BUGIATO, 2014).
Retomando a visão do Estado como condensação das relações de classes, é preciso
enfatizar que ele atua para manter o isolamento decorrente das relações de produção
entre as classes dominadas e para unificar as classes dominantes como bloco no
poder. Nesse contexto, a democracia representativa apresenta-se como um mecanismo
capaz de limitar minimamente o poder das classes dominantes, mesmo que essas
classes participem do poder político apenas como dominados, de forma subalterna e
sem modificar o núcleo do Estado fato só contornável por transformações radicais. A
utilização desse mecanismo só se tornou possível porque as lutas de massas obrigaram
a burguesia a incluir os despossuídos no jogo democrático, expondo que o poder das
massas e sua luta originam-se fora do Estado, mas por sua natureza política, tendem a
adentrar no aparelho de Estado (CARNOY, 1988).
O bloco no poder é essa unidade contraditória das frações de classe burguesa em favor
do objetivo político comum de manuteão das relações de prodão capitalistas, mas
ao mesmo tempo não exclui os interesses particulares de cada fração. Nesse contexto,
existe um núcleo hegemônico composto por uma ou mais frações de classe dominante,
que conquistam a hegemonia no interior do bloco no poder e têm a capacidade de fazer
prevalecer seus interesses particulares no bloco. Assim, a frão hegemônica não só
lidera a unidade política do Estado burguês, como também orienta as ões estatais
promovendo a constituição e o (re) posicionamento das demais frações de classe no
interior do bloco (BUGIATO, 2014).
A partir dessa formulação podemos compreender a necessidade de analisar aspectos
econômicos, políticos e ideológicos do objeto pesquisado, tendo claro que no centro
dessa análise deve estar a luta entre as classes sociais, motor da história, desenvolvida
através do desenrolar das contradições existentes. Com tal abordagem poderemos, ao
mesmo tempo, fugir de interpretações que supervalorizam a ação de indivíduos isolados
e desorganizados e evitar análises com um estruturalismo determinista, incapaz de ver
potencial de transformação na realidade a partir da luta de classes e da disputa de
espaços democráticos. Tendo isso em vista, indagamos a maneira pela qual as frações
de classe do bloco no poder, no Espírito Santo, vêm condensando seus interesses de
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modo a consolidar sua coesão.
CONSTITUIÇÃO DO BLOCO DO PODER NO ES
No icio dos anos 2000, o presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo
(ALES) e os presidentes de suas principais comissões monopolizavam o andamento dos
processos legislativos e utilizavam isso para barganhar seus anseios pessoais com o
poder executivo estadual. Esse grupo foi acusado de corrupção e envolvimento com o
crime organizado, sendo que o governador do período, José Ignácio, também respondia
a acusações criminais (RAINHA, 2012).
Nesse contexto, alguns empresários elaboraram que era necessário mobilizar forças
sociais e políticas em torno de um projeto político comum para superar tal crise. Para
isso, seria necessário realizar a mudança das lideranças políticas do estado elegendo
um novo governador com uma concepção de gestão pública comprometida com
equilíbrio, planejamento e moralização da administrão blica. A liderança encontrada
para tal foi Paulo Hartung (à época do PSB), eleito em 2002. O grupo de empresários
viria a institucionalizar-se no ano seguinte como um aparelho privado de hegemonia
6
denominado ES em Ação (RAINHA, 2012).
Segundo rainha (2012), os fundadores do ES em Ação buscavam estabilidade
institucional para sustentar um projeto de desenvolvimento. Organizaram-se, segundo
Rainha (2012) com forte influência do modelo pluralista, com autonomia,
autodeterminação, participão voluntária e não hierárquica, tendo como insncias
internas, à época, o conselho deliberativo, o comitê estratégico e os conselhos temáticos.
A primeira instância reunia os membros fundadores e decidia as principais queses, a
segunda era um órgão político de articulação e as terceiras coordenavam os projetos
prioritários.
Assim, o governo encontrou no ES em Ação um forte aliado capaz de influenciar a
opinião pública a seu favor, tanto pela participação de três redes de comunicação na
entidade (Rede Gazeta, TV Vitória e TV Capixaba) quanto por patrocinar ações, estudos
técnicos, workshops e semirios benéficos ao projeto defendido por ambos, o que
mostra a capacidade desses setores burgueses para influenciar a política e defender
seus interesses políticos e econômicos sem depender primordialmente de participar com
membros do aparelho de hegemonia na disputa eleitoral (RAINHA, 2012).
Para o segundo governo de Hartung fora elaborado conjuntamente pelo governo e pela
entidade empresarial um plano estratégico denominado Plano de Desenvolvimento
Espírito Santo 2025, ou simplesmente ES-2025, que contava com metas de curto, médio
e longo prazo para sua implementação até 2025. Tinha 11 estratégias de
desenvolvimento com 18 metas e 93 projetos estruturantes. Era um projeto voltado para
toda a sociedade com um discurso voltado para o bem comum, mas defendendo os
interesses empresariais (RAINHA, 2012).
Para o período de 2010 a 2014 foi eleito, com o aval de Paulo Hartung e do ES em Ação,
Renato Casagrande para o executivo estadual. Porém, o candidato natural para a
6
Para Gramsci (1988), os aparelhos privados de hegemonia são organizações classistas
dispostas a construir consenso para dirigir a sociedade, não abrindo mão da coerção e da
dominação pela sociedade política. São os partidos, movimentos sociais, sindicatos, igrejas e
demais entidades da sociedade civil que disputam a hegemonia.
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substituição de Hartung seria seu vice-governador, Ricardo Ferro. Isso indica uma
fissura do bloco no poder e inflexão no atendimento prioritário de seus interesses.
Casagrande demonstrou maior abertura para diálogo com setores diversos da
população e da administração pública dos municípios, fazendo mais concessões num
ambiente mais democrático. Apesar disso, representou os interesses do ES em Ação e
fez parte da elaboração do novo Plano Estratégico, denominado ES-2030, que ampliava
o plano ES-2025, escrevendo, inclusive, o texto inicial do documento (ESRITO SANTO
EM AÇÃO, 2013).
Com o Plano ES-2030, mudam alguns setores estratégicos e, portanto, alguns comitês
estratégicos, que passam a ser sete: Gestão pública e social, Educação,
Desenvolvimento, Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Energias Renováveis e, por
fim, Inserção Competitiva (ESPÍRITO SANTO EM ÃO, 2018).
A formulão dos planos estratégicos sem a participação popular e baseada
primordialmente nos recursos, estudos e intelectuais demonstram a utilização do
conhecimento para fins estratégicos que isolam ainda mais as classes populares dos
processos decisórios, desautorizados pela falta de acesso aos conhecimentos utilizados
e elaborados, assim como pela falta de capacidade de intervenção, contato direto com
os definidores do programa político e pelo desconhecimento dos caminhos e atalhos
políticos utilizados pelos empresários.
Cabe aqui uma série de questionamentos sobre a formulação do Plano ES-2030. Seria
uma ampliação do projeto de dominação do bloco no poder ou uma readequão de
suas metas diante da conjuntura desfavorável vigente com o desenrolar da crise do
preço das commodities na América Latina, assim como o início de uma crise política no
Brasil? Qual a relação desse processo com o perfil do governo Renato Casagrande? E
qual a relação desses fenômenos com a diminuição da popularidade do governo
Hartung? Independente dos questionamentos, Hartung, o candidato considerado ideal
para o bloco no poder, foi eleito para seu terceiro mandato no executivo estadual no pleito
de 2014, estando à frente do executivo capixaba de 2015 a 2018 pelo atual MDB e com
César Colnago, do PSDB, como vice-governador (GAZETA ONLINE, 2015).
Em seu discurso de posse, realizado em 1º de janeiro de 2015 na ALES, Hartung disse
que o estado teria perdido o rumo e o ritmo de crescimento durante a gestão de Renato
Casagrande
7
(2011 a 2014) e que o grande desafio de sua gestão seria fazer o estado
avançar com prosperidade com a retomada do equilíbrio fiscal, da capacidade de
investimento com recursos próprios e da construção de uma sociedade inclusiva e
sustentável (GAZETA ONLINE, 2015).
Dentro desse período várias lutas populares ocorreram e, em pouco mais de três anos
e meio, o governo realizou 12 (38,71%) de suas 31 promessas de campanha, tendo
cumprido em parte 7 delas (22,58%) e não cumprido outras 12 (38,71%) (G1, 2018). Já
no final de seu mandato, em 09 de julho de 2018, o governador declarou que não
concorreria à reeleição para um quarto mandato e declarou, posteriormente, que já havia
cumprido seu papel como governador do estado e seria hora de passar o bastão,
mesmo não tendo cumprido nem metade de suas promessas de campanha. Destacou
como pontos positivos de seu governo a organizão das contas blicas, a realizão
de projetos inovadores e projeção do estado como referência para o resto do país
7
Renato Casagrande foi eleito como continuador da obra de Paulo Hartung. Porém, os dois
tornaram-se adversários políticos com o desenvolvimento do governo Casagrande.
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(GAZETA ONLINE, 2018).
Desde essa declaração, várias manifestações e especulões sobre sua candidatura
foram publicadas por diversas mídias, sendo que seis partidos de sua base aliada
assinaram manifesto pedindo que ele fosse candidato à reeleição (GAZETA ONLINE,
2018). A partir dessa afirmação, poderemos analisar mais propriamente as ações desses
sujeitos sociais na área educacional, como faremos a seguir.
A REFORMA EDUCACIONAL DO ENSINO MÉDIO IMPLEMENTAÇÃO OU
ANTECIPAÇÃO NO ES
A lei nº 13.415/2017 altera as Diretrizes e Bases da Educão Nacional (LDBEN), o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorizão dos
Profissionais da Educação (Fundeb), a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e o
decreto-lei nº 236/1967, sobre a radiodifusão. Além disso, revoga a lei nº 11.161/2005,
que tornava obrigaria a oferta da língua espanhola, e institui a política de fomento à
implementação de escolas de ensino médio em tempo integral (BRASIL, 2017a). Tendo
o contexto nacional claro, é preciso compreender que a reforma do ensino médio não
surge do nada, mas converge com interesses políticos e econômicos já em marcha que
dão origem a próprio golpe e visavam responder a crise do capital.
O governo local de plantão convergente com as ideias pedagógicas e políticas que
deram origem à reforma do ensino médio, ainda em 2014, já gestava projeto educacional
afinado com os elementos moralistas e privatistas da oferta do ensino médio em tempo
integral. Em 2015, mas sobretudo a partir de 2016, enquanto a medida provisória nº 746
era publicada, um projeto educacional de base empresarial era implementado: o Projeto
de ensino médio em turno único denominado Escola viva. Em 2016, aprovado a toque
de caixa pela assembleia legislativa e sob os protestos de estudantes e trabalhadores da
educação pública capixaba, nos anos seguintes várias escolas que já funcionavam em
três turnos foram transformadas à forceps em unidades de ensino do projeto Escola
Viva, o que excluiu muitos alunos que foram forçados a estudarem em outras unidades
de ensino.
Em 2017, artífice do golpe e autor-condutor da reforma do ensino médio no Brasil,
Mendonça Filho, em 29 de junho de 2017, foi ao estado do Espírito Santo para conhecer
o Programa Escola Viva. Na oportunidade o Ministro da Educação, elogiou muito o
programa ao dizer[...] defendo que projetos como este combatem a evasão, otimizam
recursos e competências. Estou maravilhado com o que vi no Espírito Santo (ESPÍRITO
SANTO EM AÇÃO, 2017, p. 09). Nesta visita oficial noticiou-se o que seria o êxito da
reforma do ensino médio em nível nacional ocorrida antecipadamente no estado por
meio da Escola Viva de São Pedro, em Vitória. Mas tal projeto apesar de ter suas bases
lançadas em Pernambuco (Recife) quando da atuação Instituto de Corresponsabilidade
Educacional, ICE, é gestado no interior da organizão representante do setor
empresarial local, denominada deEs em ação.
Em dezembro de 2017, a Folha de São Paulo dando força ao projeto local entrevistou
Haroldo Rocha, secretário de educação do estado, que destacou os planos de ampliação
do Escola Viva para 300 escolas até 2030, a importância da utilização da metodologia
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do Instituto Unibanco na gestão escolar, a criação do Paes
8
e a parceria com o Instituto
Ayrton Senna para desenvolver as competências socioemocionais (FOLHA, 2017).
A projão nacional da experiência capixaba na educação não ocorre somente pelo fato
de Paulo Hartung, então governador do estado, fazer parte do mesmo partido de Michel
Temer, mas pela enorme coesão interna na implementação desses programas em nível
estadual. Essa coesão, muitas vezes, aparece como sendo de responsabilidade de bons
gestores com capacidade técnica e política para atuarem no serviço público. Seria
somente esse o motivo? Existem diversos fatores que influem e determinam as
possibilidades de execução de um determinado programa, sendo que um dos mais
importantes é a existência de uma base política e ideológica que aceite como legítimas
as propostas educacionais.
A parceria entre o governo do estado e os setores privados é antiga no Espírito Santo,
mas foi se aprofundando com o passar do tempo em todas as áreas. No período de 2002
a 2016 foram dez parcerias para atuão na educação: Programa Entre Jovens,
Multicurso Matemática, Programa Jovens Urbanos, Educadores em Ação, Programa
Educadores em Valores, Programa Coordenadores de Pais, Aceleração da
Aprendizagem, Ações Júnior Achievement, Programa Jovem de Futuro e Programa
Escola Viva. Os dois últimos, iniciados em 2015 com o novo governo de Hartung. Além
disso, o estado foi pioneiro na terceirização do Programa Nacional de Alimentação
Escolar (Pnae), terceirizou os serviços de vigilância e limpeza e atribuiu a uma empresa
privada de recursos humanos a escolha dos diretores (GASPAR, 2016).
Destaca-se, em 2007, durante o segundo governo de Paulo Hartung, a criação do Bolsa
SEDU
9
, proposta do empresariado do ES em Ação, responsável por comprar vagas de
cursos técnicos em escolas particulares para alunos das escolas públicas visando criar
uma massa com qualificação profissional para o mercado de trabalho local. Segundo
Peterle (2016), Este programa esvazia o poder estatal e coloca a educação profissional
como moeda de troca. Cria uma educação atrelada aos interesses privados com
aspectos pedagógicos da Teoria do Capital Humano, não só formando o trabalhador
para o mercado de trabalho, mas, também, culpando-o por sua formação e eventual
fracasso escolar ou na vida profissional, o que exime de culpa e responsabilidade tanto
o Estado quanto os empresários e, mais especificamente, o capitalismo (PETERLE,
2016).
Para Peterle (2016), com o Governo Renato Casagrande, em 2010, coma um
movimento de aproximação com as políticas de educação desenvolvidas em nível
nacional, ampliando o acesso e o investimento nessa área e utilizando a perspectiva da
garantia de direitos, incluindo o incentivo ao ensino médio integrado, mesmo que
privilegiando a iniciativa privada e a Teoria do Capital Humano, que proe uma
educação dual e fragmentada (PETERLE, 2016). A principal ação desse governo foi a
adoção do Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), iniciativa do governo federal que
incentiva práticas inovadoras de currículo no ensino dio e amplia o tempo de
permanência dos alunos na escola.
8
Pacto pela Aprendizagem no Espírito Santo. Política estruturante na educação do governo
Hartung de 2015 a 2018. Atua no apoio à gestão, no fortalecimento da aprendizagem e no
planejamento e suporte, voltada para a melhoria nas avaliações de larga escala, como Ideb e
Prova Brasil.
9
Sigla para Secretaria da Educação.
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Em seu terceiro governo, Paulo Hartung, em 2015, envidou esforços para implementar
suas promessas de campanha, com foco no equilíbrio fiscal e nas políticas educacionais.
Iniciou sua intervenção na educão com o Decreto nº 3.755/15, que determinou a
contenção de gastos, e o Decreto 3.933/16, que determinou a qualificação dos gastos
do executivo estadual. Essa política desembocou no fechamento de turmas, turnos,
escolas e da educação de jovens e adultos e no impedimento de criação de novos cursos
de educação profissional pela SEDU (PETERLE, 2016).
Segundo Peterle (2016), porém, nada disso ocorreu sem resistência, posto que houve
diversas manifestações protagonizadas pelo movimento estudantil e, inclusive, a
ocupação da SEDU por parte de movimentos sociais como o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Movimento de Pequenos Agricultores
(MPA). Essas ações promoveram a reabertura de turmas fechadas após um período de
insistência em que o governo o queria dar ouvidos aos manifestantes (PETERLE,
2016). Além disso, Paulo Hartung cancelou o ProEMI no estado com a justificativa de
não conseguir manter a contrapartida de remuneração dos profissionais envolvidos no
programa federal (GASPAR, 2016). Por outro lado, dobrou o número de bolsas do
programa Bolsa SEDU e criou o Programa Escola Viva (PETERLE, 2016).
Contraditoriamente, junto ao fim de programas e fechamento de turmas justificadas por
supostas questões financeiras, iniciou-se a implementação da principal bandeira de
campanha de seu governo, que seria uma proposta inovadora de educação valorizando
a escola em tempo integral no ensino médio, com largo financiamento estatal para a
garantia de infraestrutura e espaços de vivência (GASPAR, 2016).
Segundo Gaspar (2016), a implementação do Escola Viva ocorreu de forma turbulenta
e apressada, sendo que se não fosse a oposição feita por meio de notas, manifestações
e ocupações pela comunidade escolar, o programa teria sido implantado em caráter de
urgência e sem nenhuma participão da população atendida. A resistência acarretou a
realização de conversas com representantes estudantis e sindicais e a realização de
algumas audiências públicas, que resultaram em concessões no projeto (GASPAR,
2016). Mesmo assim, o programa foi aprovado mediante manobra realizada no interior
da ALES, cem dias após ter sido apresentado como projeto. Vale destacar que a escolha
das escolas em que seria implementado o programa ocorreu, majoritariamente, à revelia
dos interesses daquelas comunidades escolares, resultando em oposição, inclusive com
ocupação de escola e eventuais derrotas do governo (GASPAR, 2016).
Em entrevista publicada no referido relatório de gestão (2017), Hartung admite que a
implantão do programa exigiu esforços do governo, citando a necessidade de realizar
debates com estudantes, professores, deputados e com a sociedade em geral para
aprovar a proposta após 100 dias de tramitação[...] o que ajudou na compreeno das
pessoas sobre o que é o Programa Escola Viva (ESPIRITO SANTO EM AÇÃO, 2017,
p. 03). Ou seja, ignora que no período houve oposição da sociedade à implementão
do programa e à forma autoritária de sua aprovação. Além disso, dá a entender que a
oposição ocorrida foi por mero desconhecimento dos benefícios do projeto. Reconhece,
outrossim, o Programa como sua principal proposta para a educação com o objetivo de
construir uma educão mais atrativa para os jovens.
O currículo do Escola Viva é composto pela Base Nacional Comum, com aulas de
português, arte, educão física, história, geografia, sociologia, filosofia, física, qmica,
biologia, matemática, juntamente com inglês e espanhol, e pela parte diversificada, que
conta com projeto de vida, estudo orientado, aprofundamento de estudos (preparação
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acadêmica/mundo do trabalho) e vivências em protagonismo juvenil, distribuídas em
uma carga horária diária de 9 horas e 30 minutos, sendo 7 horas e 30 minutos de aulas
efetivas. O projeto de vida, parte essencial do currículo, visa elaborar um plano de curto,
médio e longo prazo para que o educando projete seu futuro com o desenvolvimento de
competências cognitivas e socioemocionais, gerando o que chamam de protagonismo
juvenil (ESCOLA VIVA, 2018).
Nesse sentido, o presidente do ICE diz que a proposta do instituto nasceu de uma
pesquisa que identificaria como causa da evasão o fato de a escola atual ser[...] chata
e desconectada com o mundo real (ESPÍRITO SANTO EM ÃO, 2017, p. 05), sendo
necessária uma escola [...] acolhedora, atrativa, que agregasse valor e, sobretudo,
focasse no projeto de vida do estudante […] que atendesse às exigências educacionais,
às habilidade socioemocionais, ao protagonismo” (ESPÍRITO SANTO EM AÇÃO, 2017,
p. 05). Tal metodologia recebeu o nome de Escola da Escolha e visa promover a
responsabilização do jovem na construção do seu projeto de vida. Assim, o site do Escola
Viva reafirma a linha defendida pelo ICE: currículo atrativo, infraestrutura adequada,
espaços de vivência, utilização de salas temáticas, investimento muito superior ao das
escolas regulares
10
e professores trabalhando em regime de 40 horas semanais
(ESCOLA VIVA, 2018).
Segundo Gaspar (2016), o programa tem em si o pressuposto de que o servidor público
é incapaz de gerir a coisa pública, disseminando a ideologia neoliberal ao colocar o
Estado como incapaz de gerir e executar os serviços blicos e ressaltando a qualidade
de gestão da iniciativa privada, promovendo parcerias entre oblico e o privado para
gerir as áreas sociais, transformando direitos em serviços e cidadãos em clientes,
encolhendo o espaço público democrático de direitos em favor da ampliação do espaço
privado. Ademais, coloca como necessária a gestão empresarial de controle e
responsabilização e a escola orientada para o mercado de trabalho, para o capital
(GASPAR, 2016).
Vale destacar que, em matéria veiculada no site do ES em Ação, em 12 de julho de 2018,
a entidade afirma que o Escola Viva pretende[...] estimular a formação de estudantes
dos ensinos fundamental e médio, sempre alinhada às demandas, competências e
valores do mercado” (ESPÍRITO SANTO EM AÇÃO, 2018). Em consonância com o
explicitado, o relatório de gestão (2017) expõe que o núcleo de educão do ES em Ação
desenvolveria o papel de acompanhar e monitorar o programa, garantindo qualidade e
continuidade, tendo realizado em 2017, 80 ciclos de acompanhamento formativo nas
escolas e analisado o desenvolvimento da metodologia do programa. Além disso,
contrataram a Consultoria Integration para otimizar a expansão das unidades e a
Consultoria Falconi para otimizar os gastos do governo em educação, o que teria
resultado na economia e cem milhões de reais por ano.
Esse modelo e essas ações coadunam com a perspectiva dos dirigentes do ICE, que
veem a gestão escolar como a gestão de uma pequena empresa e a de uma rede
escolar como a de uma grande empresa. Daí decorre a aplicação automática de
modelos de gestão empresarial na escola, sem mediação e ignorando que a escola
pública é um espaço que visa à garantia de direitos básicos à população e não ao lucro
de agentes privados. Essa inadequação entre objetivos e modelo de gestão indica que
10
Em 2016, o Escola Viva recebeu por aluno, em média, cinco vezes mais que as demais escolas
que ofertam ensino médio integrado (PETERLE, 2016).
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a escola pública passa a buscar fins privados (PETERLE, 2016).
O modelo de formão é orientado para o mercado de trabalho e para as metas,
desconsiderando a integralidade dos sujeitos e a complexidade social
11
. A ampliação do
tempo na escola privilegia disciplinas que têm papel crucial em avaliações de larga
escala, deixando muito pouco tempo para as demais disciplinas e para ações educativas
diferenciadas (GASPAR, 2016). Ele tamm utiliza a pedagogia da presea para fazer
os jovens aceitarem suas condições de forma positiva, num processo de “docilização”.
Aqueles que não se adequam aos parâmetros são transferidos para escolas regulares.
Nessa proposta pedagógica o sucesso escolar está associado a desempenho, esforço
e competência individual do aluno para adaptar-se às necessidades do capital por meio
do empreendedorismo, da inteligência emocional, da autogestão etc. Ao fim, a intenção
é formar mão de obra barata e com pouca capacidade de reflexão (PETERLE, 2016).
Essa proposta pode ser vista no Projeto de Vida, fundamental para atribuir aos
educandos o projeto de dedicar suas vidas a atender às demandas do capital, e nos
temas das atividades pedagógicas e curriculares do próprio ICE: empregabilidade,
associativismo, empreendedorismo, qualificação profissional (PETERLE, 2016).
Portanto, segundo Gaspar (2016), a grande inteão do Escola Viva é a aplicação de
mecanismos de controle e responsabilização na educação para formar uma geração de
jovens adeptos da ideologia das empresas do ES em ão e aptos ao controle de
qualidade total e outras exigência do mercado de trabalho num período de exacerbação
neoliberal, além de transformar a educação pública em parte da indústria de serviços
educacionais e aumentar os resultados das avaliações de larga escala, o que mostraria
que a escola da escolha só aponta uma oão: servir ao mercado de trabalho. Nesse
sentido, o projeto tem clara intenção de aumentar o poder econômico, político e
ideológico dos proponentes (GASPAR, 2016), coisa exposta em diversos momentos no
relatório de gestão (2017), posto que insistentemente afirmam que o programa não é um
projeto de governo, mas de Estado, deixando claras as pretensões hegemonistas de
longo prazo envolvidas.
CONCLUSÃO
Com o exposto, pretendemos traçar alguns apontamentos como conclusivos para o atual
artigo, mesmo havendo margem para maiores aprofundamentos e questões que não
receberam o devido tratamento no presente texto.
Podemos verificar que a ação estatal auxiliou na organização formal de um aparelho
privado de hegemonia, denominado ES em Ação, que passou a agir como entidade
representativa de importante parcela do bloco no poder, assim como das frações de
classe hegemônicas no interior do bloco. Tal entidade passou a pautar de forma bem
organizada os seus interesses políticos, econômicos e ideológicos junto ao poder público
por meio da influência exercida sobre o executivo estadual, demonstrando sua
capacidade política de ampliar sua hegemonia pelos meios de comunicão, lobby,
11
A escola em tempo integral é aquela em que se estende a permanência dos estudantes na
escola, possibilitando ocupar os estudantes durante todo o dia, ou a maior parte do dia. A
formação integral é aquela que pretende formar o ser em sua integralidade, pensando na ciência,
cultura, trabalho e tecnologia para a construção do ser social capaz de se colocar de forma crítica
no mundo, colaborando para a emancipação social. Assim, não necessariamente a educação
em tempo integral leva a uma formação omnilateral dos educandos (PETERLE, 2016).
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planos estratégicos, estudos, pesquisas, eventos, relões de proximidade com os
poderes executivo e legislativo federal, bem como pelo apoio financeiro para a
implantão e continuação dos programas.
A construção e a implementão dos planos ES-2025 e ES-2030 influenciaram ainda
mais a amplião da hegemonia burguesa no estado, visto que mobilizaram amplos
setores utilizando-os como apoio para sua proposta de desenvolvimento ecomico,
superação do passado inglório e transformação do estado em referência para o país.
Para consolidar a hegemonia, realizaram concessões pela pressão de setores populares
que não participaram da formulão dos planos de governo e das políticas públicas.
Porém, isso não inviabiliza a existência de uma hegemonia econômica, política e
ideológica no Espírito Santo capitaneada pelas empresas partícipes do ES em Ação.
Pelo contrário, indica que o bloco no poder abriu concessões para manter sua
hegemonia e angariar o consenso popular para não abrir espaço para o surgimento de
uma contra hegemonia.
Com isso claro, podemos verificar a atuação desses sujeitos nas políticas educacionais,
sendo notório que, durante todo o período de hegemonia do ES em Ação, as políticas
educacionais estiveram pautadas nas parcerias entre o público e o privado, seja pela
compra de vagas em escolas técnicas e faculdades particulares, gerando lucro direto
para empresários da área educacional, seja pela formão de mão de obra para atuação
nas empresas capixabas ou até pela propagão da visão de mundo dessas empresas,
que remete aos valores do empreendedorismo e da adaptabilidade, próprios do período
neoliberal que vivemos.
No terceiro governo Hartung houve clara intenção de utilizar as políticas educacionais
para a obtenção de vantagens para os proponentes dessas políticas, expandindo sua
hegemonia. O que deixa isso evidente é o peso colocado em políticas realizadas em
parceira com o ES em Ação, tais como o Programa Jovens de Futuro, o aumento do
investimento no Bolsa SEDU e a implantação do Programa Escola Viva, todas iniciativas
empresariais que atendem aos interesses dessas empresas.
A utilização das metodologias da Escola da Escolha e da Pedagogia da Presença,
vinculadas ao aprender a aprender e à Teoria do Capital Humano levaram a ganhos
ideológicos, econômicos e políticos pelos entes partícipes. Ideológico pela formação de
sujeitos identificados com a visão de mundo e a ideologia das empresas; econômico por
formar profissionais preparados para uma atuação profissional que atenda às
necessidades dessas empresas num período de exacerbação do neoliberalismo; e
político por colocar a gestão de espaços públicos sob controle de entidades privadas,
gerando outros dividendos como a imagem das empresas como sendo responsáveis
socialmente. Porém, o maior dividendo político é a consonância entre a reforma aplicada
no estado e sua influência no processo nacional, seja pelo conteúdo da reforma, seja
pelo modus operandi dos governos em sua aplicação.
Podemos, então, fazer uma reflexão sobre a dualidade colocada entre a Escola Viva e
a escola morta, que seria o ensino médio regular, seriamente golpeado pelo governo
em questão com a descontinuação do ProEMI e a política de retirada de investimentos
das escolas públicas regulares, com fechamento de turmas, turnos, escolas etc. Assim,
se considerado morto, o ensino médio regular teria ido a óbito por assassinato por
motivos torpes (ampliar o financiamento, a publicidade e a efetividade das políticas por
eles propostas) e não por causas naturais. Os assassinos têm nome e endereço:
governo Paulo Hartung e ES em ão.
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Os interesses por trás desse assassinato são a formão de trabalhadores que
compactuem com a visão de mundo das empresas e estão adaptados às mudanças e
imprevisibilidades do mercado de trabalho flexível, portanto, menos questionadores e
mais produtivos. Além disso, a geração de lucro direto para os empresários da educão,
via transferência de valores para o setor privado e de isenções fiscais; o aumento da
visão dessas empresas como socialmente responsáveis pela sociedade; e a promão
política dos envolvidos.
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Data da aprovação: 18/08/2021