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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2022.21693
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
O ENSINO DE EMPREENDEDORISMO NOS CURSOS TÉCNICOS DE UM
INSTITUTO FEDERAL: DUALIDADES E OPORTUNIDADES
Teaching entrepreneurship in the technical courses of a Federal Institute:
dualities and opportunities
OLIVEIRA, Normelena Diniz de
1
QUARESMA JUNIOR, Edson Antunes
2
OLIVEIRA, Bruna Mendes
3
RESUMO
No contexto de mudanças atual, a educão profissional e tecnogica é tensionada a ultrapassar um
treinamento operacional e economicista, na direção de saberes práticos fundamentados em
conhecimento científico e tecnogico e em compencias gerais mais consistentes, abarcadoras
também dos elementos humano, social e ecogico. Considerando essa teno existente dentro de
conhecimentos ou disciplinas espeficas, que podem ser tratadas com um vs meramente empresarial
ou com um viés mais amplo, o objetivo principal deste estudo é compreender de que forma o ensino de
empreendedorismo es sendo abordado nos cursos técnicos concomitantes e subsequentes ofertados
presencialmente por um instituto federal da Região Sudeste do Brasil. O presente estudo possui
caractesticas descritivas e foi realizado a partir da alise documental dos projetos pedagicos dos
respectivos cursos técnicos. Como resultado, percebeu-se que, apesar da elevada diversidade quanto
aos eixos tecnológicos, impera a escolha por um formato de curso, e ainda que 75% desses eixos têm
o empreendedorismo presente em 100% de seus correspondentes cursos no IF estudado. Todavia, o
vs presente é exclusivamente empresarial, o qual não observa questões sociais, humanas e
ambientais. Diante da disseminão e tipificão principal utilizada para abordar o empreendedorismo,
acredita-se ser relevante a discussão sobre o tema, visando-se à formão de pessoas social, ecológica
e economicamente mais responveis.
Palavras-chave: Ensino. Empreendedorismo. Educão profissional e tecnogica.
ABSTRACT
Having in mind the changes at the contemporary context, professional and technological education is
strained to go beyond the operational and economic training, towards practical knowledge based on
scientific and technological understanding and more consistent general skills, also encompassing
human, social and ecological elements. Considering that this tension exists within specific knowledge /
disciplines, which can be treated with a purely business or broader bias, the main objective of this study
was to understand how the teaching of entrepreneurship is being addressed in the presential concurrent
/ subsequent technical courses offered by an institute in the southeast region of Brazil. The present study
has descriptive characteristics and was carried out from documental analysis of technical courses
1
Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal do Norte de Minas Gerais IFNMG, campus
Montes Claros, Especialista em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas - FGV, Graduação em Administração
pela FAVAG Faculdade Vale do Gorutuba. Professora no IFNMG, campus Pirapora. E-mail:
normelena.oliveira@ifnmg.edu.br
2
Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Mestre em Educação, Cultura e
Organizações Sociais pela Fundação Educacional de Divinópolis FUNEDI / Universidade do Estado de Minas Gerais -
UEMG, Graduação em Administração pela Unimontes. Professor no Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, campus
Salinas. E-mail: edson.antunes@ifnmg.edu.br
3
Mestra em Educação Tecnológica pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais CEFET-MG,
Graduações em Ciências Biológicas pelo Instituto Federal do Norte de Minas Gerais IFNMG, campus Salinas e em
Pedagogia pela Universidade de Uberaba - UNIUBE. cnica em Assuntos Educacionais no Instituto Federal do Norte de
Minas Gerais - IFNMG. E-mail: bruna.oliveira@ifnmg.edu.br
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pedagogical projects. As a result, was noticed that, despite the great diversity of technological axes, a
choice of course format rules and entrepreneurship is present in 100% of the courses of 75% of the
axes. However, the main approach presents exclusively business, which does not observe social,
human and environmental issues Considering the main dissemination and typification used to approach
entrepreneurship, the discussion of the topic is considered relevant, aiming formation of more
responsible people towards the social, ecological and economic.
Keywords: Teaching. Entrepreneurship. Professional and technological education.
1 INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea tem vivenciado grandes avanços na ciência e na
tecnologia. Com a busca de uma economia crescente e com o mundo da informação
cada vez mais veloz, transformações profundas nos mundos do trabalho e da educação
têm sido exigidas.
Essas mudanças fazem parte do contexto em que a educão profissional e tecnológica
(EPT) é tensionada a ultrapassar um treinamento meramente operacional, em direção a
um desenvolvimento de saberes práticos bem fundamentados no conhecimento
científico e tecnológico, no qual profissões essenciais para o desenvolvimento
socioeconômico também tenham mais consistência organizativa e competências gerais
mais consistentes e bem fundamentadas como pré-requisitos.
A construção desse perfil, adequado às particularidades da contemporaneidade, exige
uma educação profissional que garanta ao cidadão aprender a trabalhar a partir do
acesso efetivo às conquistas científicas e tecnológicas da sociedade, o que implica
promover a compreensão global do processo produtivo, com a apreensão do saber
tecnológico que exige a prática profissional. O novo profissional com as capacidades
que assegurem flexibilidade para enfrentar, de modo competente, o complexo mundo do
trabalho tem nas instituições de ensino e no professor importantes elementos para a
sua formação, necessária ao aprimoramento do potencial humano e ao progresso
pessoal e profissional.
Tomado por essa miríade de mudanças, que não ocorrem sem a necessidade de ruptura
com estruturas antigas, o sistema escolar encontra certa crise. Nesse sentido, é preciso
questionar que tipo de profissionais as escolas de ensino profissional e tecnológico estão
conseguindo formar e para que tipo de trabalho. Um grande desafio para o ensino, nos
dias atuais, é não mais se limitar a ofertar a formação básica, e sim se preocupar com a
preparação do aluno para enfrentar os desafios futuros, tanto no mundo do trabalho
quanto na vida pessoal
4
.
Partindo dessa premissa, várias instituições de ensino têm buscado promover uma
educação que permita uma formação empreendedora. Assim, o empreendedorismo
como tecnologia transmitida por meio da educação seria capaz de levar o indivíduo, tanto
no seu aspecto profissional quanto no pessoal, a reconhecer e aproveitar oportunidades,
formando novas ideias e organizando recursos necessários, instituindo e administrando
4
Contrapõe-se a uma formação aligeirada, ou seja, aquela que é pautada apenas no pragmatismo e que
visa atender às necessidades do mercado, relacionando-se pedagogicamente ao ideário do próprio
mercado, com a pedagogia das competências para a empregabilidade. De acordo com Oliveira (2008), o
conceito de empregabilidade surge para justificar as desigualdades sociais e a inércia do capital e do Estado
em implementarem medidas capazes de garantir um mínimo de condições de sobrevincia para a
população. Dessa forma, deslocam para o indivíduo a responsabilidade pela criação de estratégias
eficientes de inserção ou permanência no mercado de trabalho (OLIVEIRA, 2008, p. 199).
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novos negócios ou projetos, pensando de forma criativa e crítica (LOPES; TEIXEIRA,
2010).
Todavia, ao se abordar o microcosmo da educação empreendedora, como
representante da própria EPT, podem-se perceber tamm uma tensão e alguns limites.
A tensão ocorre entre a formação para o empreendedorismo com viés estritamente
empresarial e focado na conceão operacional da abertura de uma empresa versus
uma formação empreendedora mais ampla, que tenha propensão plural e holística, de
viés social. Já os limites dizem respeito à incapacidade das respostas alcançadas pelo
próprio viés social, tendo em vista a potencialidade da EPT. Todavia, e apesar das
dificuldades apresentadas, acredita-se que, mesmo limitada, essa possibilidade compõe
a ampliação ilimitada da lógica do treinamento apenas operacional e nela interfere.
Dessa forma, o objetivo principal deste estudo foi compreender, a partir da análise dos
projetos pedagógicos de curso (PPCs), de que forma o ensino de empreendedorismo
está sendo abordado nos cursos técnicos concomitantes/subsequentes ofertados na
forma presencial por um instituto federal (IF) da Região Sudeste do Brasil.
Por fim, para alcançar o objetivo proposto, este artigo foi dividido em cinco partes.
Inicialmente é realizada uma discussão sobre a educação profissional no País, sua
expansão e desafios. Posteriormente essa discussão é contextualizada a partir das
dualidades e limites existentes no conhecimento sobre o empreendedorismo. A terceira
parte trata dos aspectos metodológicos utilizados para alcançar os resultados e a
discussão, tendo como base os dados obtidos, agrupados em quadros. Por fim, a última
seção deste trabalho realiza as considerações finais, ilustrando algumas afirmações que
podem ser feitas e uma proposta de discussão.
2. A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL
Embora existam afirmações sobre o início da educação profissional, cienfica e
tecnológica no Brasil ter-se dado a partir de 1809, quando o príncipe regente D. João VI
criou o Colégio das Fábricas, sua história oficial começou em 1909, quando Nilo Peçanha
criou 19 Escolas de Aprendizes Artífices. Estas se tornaram a base dos Centros Federais
de Educação Profissional e Tecnológica (Cefets), posteriormente estabelecidos como
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (BRASIL, 2016b).
Essa trajetória culmina na formação da Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica (RFEPCT), vinculada ao Ministério da Educação e constituída
por: institutos federais de educão, ciência e tecnologia; centros federais de educação
tecnológica; escolas cnicas vinculadas às universidades federais; Universidade
Tecnológica Federal do Paraná e Colégio Pedro II.
Em dimensão paralela, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) passou
a contemplar a educação profissional com mais ateão e, com isso, orientar a sua
ampliação, que pode ser vista em pelo menos três eixos. Em termos de expansão física,
segundo Cordão e Moraes (2017, p. 91), aprincipal e maior rede pública de educação
profissional no Brasil é a rede federal, seguida pela rede estadual paulista [...] e por outras
redes estaduais.
Em relação à expansão da sua abrangência que trata dos níveis, modalidades e
dimensões de sua atuação , a Lei nº 11.741, de 16 de julho de 2008, em seu artigo 1º
(o qual altera a redão do artigo 39 da Lei nº 9.394/1996), destaca que a educação
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profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-
se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da
ciência e da tecnologia (BRASIL, 2008). Objetivando atender à referida lei, a Rede
Federal define como missão qualificar profissionais para os diversos setores da
economia brasileira, realizar pesquisas e desenvolver novos processos, produtos e
serviços em colaboração com o setor produtivo (BRASIL, 2016b).
Uma última ampliação pode ser colocada em relação à própria essência dos objetivos
da EPT. Segundo parecer do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de
Educão Básica (BRASIL, 1999), um caráter assistencialista marcou fortemente o
começo da educão profissional no Brasil. Isso piorou quando a educão profissional
foi associada à necessidade de ajustamento direto às demandas dos postos de trabalho,
como se houvesse congruência automática entre estudos realizados e oportunidades
reais de emprego
5
. Como essa congruência é rara, o assistencialismo perdeu parte de
sua já baixa eficácia para resolver os problemas dos mais necessitados de
oportunidades de trabalho e renda (BRASIL, 1999).
Um parecer complementar afirma que raramente a educação profissional esteve em
pauta na sociedade brasileira como proposta universal, que ela sempre foi influenciada
pela herança escravista e pelos preconceitos dela decorrentes. Em todos os seus níveis
e modalidades, a educação profissional frequentemente teve caráter moralista,
assistencialista ou economicista (BRASIL, 2002).
Nesse contexto, Cordão e Moraes (2017) afirmam que inicialmente as instituições de
educação profissional foram pensadas como instrumentos de política voltados para as
classes desprovidas. Devido às ampliões perceptíveis da Rede Federal, que agora
atua em todo o terririo nacional, a EPT nunca teve antes em sua hisria estrutura o
premente para que todas as pessoas tivessem acesso efetivo às conquistas científicas
e tecnológicas acumuladas pela humanidade. Embora ainda existam repulsas e
controvérsias na hisria da dualidade entre o campo da educação geral e o campo da
educação profissional, atualmente o conceito assistencialista associado à educação
profissional está cada vez mais superado.
Nos dias atuais, a educação profissional é vista muito mais corretamente inserida na
agenda do desenvolvimento socioeconômico e nos objetivos da educação nacional e
integrada aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho,
da ciência e da tecnologia; é vista também muito mais como direito público subjetivo do
que como agenda política e assistencial. A agenda moderna das políticas públicas já
inclui adequadamente a educação geral e a educação profissional como elementos
substanciais das propostas de desenvolvimento socioeconômico. Isso indica que houve
uma mudança positiva no conceito de educação profissional neste último século da
nossa história (embora ainda existam aspectos relevantes a serem superados)
(CORDÃO; MORAES, 2017), ultrapassando-se o assistencialismo e incorporando-se
um caráter integrativo em relação à ciência, à tecnologia e ao trabalho; indica também
5
A essa problemática relaciona-se a teoria do capital humano. De acordo com Frigotto (2008, p. 71), capital
humano é um conceito ou noção ideológica construída para manter intactos os interesses da classe
detentora do capital e esconder a exploração do trabalhador […]”, mascarando “[...] as determinações da
desigualdade entre nações e entre indivíduos e grupos e classes sociais.
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que houve uma movimentação positiva das próprias instituições formadoras, que são
mais amplas, diversificadas e inseridas no desenvolvimento nacional.
A partir dessa expansão, pode-se contextualizar os desafios encontrados pela educação
profissional e tecnológica. Segundo Cordão e Moraes (2017), a educação profissional
requer compreensão mais global do processo produtivo no atual mundo do trabalho, que
é marcado pela renovação contínua e pela complexidade crescente e que exige dos
trabalhadores o desenvolvimento de novos saberes, necessários para oferecer
respostas mais originais e criativas a desafios cada vez mais complexos, incluindo o
desenvolvimento de múltiplas competências pessoais e profissionais. Essas
competências envolvem a realização de contínuas alises e sínteses para se
estabelecerem relões entre o ato de ver e sentir a realidade com perspicácia e o ato
de julgar e avaliar situões-problema para tomar decisões, criar soluções inovadoras,
observar e interpretar dados e situões
6
.
As direções apontadas são iluminadoras, mas não se pode afirmar que o caminho para
essas soluções esteja pavimentado. Ainda existem lacunas no que tange ao
aproveitamento do contexto produtivo local e à especialização dos institutos para a
produção científica (ANDRADE, 2014). Conforme Pacheco (2011, p. 21), constitui-se em
um grande desafio para os IFs a intervenção na realidade, da perspectiva de um ps
soberano e inclusivo, tendo como núcleo para irradiação das ações o desenvolvimento
local e regional. Esse desafio não reverbera apenas na pesquisa, mas tamm no
ensino e na extensão, pois espera-se que os conhecimentos produzidos sejam
colocados a favor dos processos locais e regionais de onde a instituição es inserida.
Pode-se afirmar, inclusive, que uma das principais dificuldades encontradas es no
enfrentamento dos problemas internos às instituições, tais como a construção de uma
identidade e de uma nova institucionalidade (PACHECO, 2011), a formação de
professores para os conteúdos específicos da EPT e para o ensino médio integrado
(MACHADO, 2008; MOURA, 2008), a organização de um currículo que integre os
conhecimentos propedêuticos e os da área técnica (RAMOS, 2012) e, principalmente, o
aprofundamento do conhecimento e o compromisso dos sujeitos institucionais em
relação às características históricas e identitárias dos institutos (OLIVEIRA; BURNIER,
2013).
Uma das argumentações deste trabalho é a de que a análise de áreas específicas de
atuação que congreguem boa parte dos elementos da própria educação profissional,
como a ciência, a tecnologia e o trabalho possa abrir horizontes e ajudar nos desafios.
Acredita-se que o empreendedorismo possa ser uma dessas áreas, por poder agregar
valor e receber contribuições da amplitude, diversificão e inserção no desenvolvimento
nacional atualmente existente e, com isso, contribuir para a mitigação de alguns desafios.
3. EMPREENDEDORISMO: DUALIDADES E LIMITES
6
A noção de compencia aqui mencionada se difere daquela adotada pela pedagogia das competências,
segundo a qual,em vez de se partir de um corpo de conteúdos disciplinares existentes, com base no qual
se efetuam escolhas para cobrir os conhecimentos considerados mais importantes, parte-se de situações
concretas, recorrendo-se às disciplinas na medida das necessidades requeridas por essas situações”
(RAMOS, 2001, p. 221 apud FERRETTI, 2002, p. 301).
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Segundo Lopes e Teixeira (2010), nos últimos anos a educação empreendedora ganhou
destaque nacional e internacional, esteve presente nas discussões políticas,
econômicas, sociais e acadêmicas e tornou-se pauta em debates das Nações Unidas,
sendo reconhecida mundialmente como essencial para o desenvolvimento dos países e
recomendada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco). Todavia, muito ainda deve ser feito para que o conceito de
empreendedorismo utilizado na educação profissional e tecnológica possa ultrapassar
suas concepções mais arraigadas, no sentido do desenvolvimento de saberes que
façam frente aos desafios complexos enfrentados atualmente. De fato, faz-se necessário
pensar uma educação empreendedora que, para fazer jus à expansão sica e à
abrangência conceitual da qual a EPT se aproxima, ultrapasse o seu próprio viés
moralista, assistencialista ou economicista. Essa escolha sequer é contemplada, na
totalidade, pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a qual estabelece as diretrizes
e bases da educão nacional e apresenta, em seus artigos, princípios de uma escola
democrática e participativa, autônoma e responsável, flexível e comprometida,
atualizada e inovadora, humana e holística (BRASIL, 1996).
Colocando-se a transformação da EPT e, paralelamente, a necessidade de mudança do
empreendedorismo, pode-se afirmar que o caráter economicista/empresarial também se
apropriou da ideia de empreendedorismo. Com efeito, é o mais disseminado e
percebido.
Segundo Martinelli (1994), a primeira associão ao termo empreendedorismo ocorreu
ainda no século XVI, a partir de quando o conceito começou a ser aplicado para
referenciar aqueles que arriscavam seus expedientes nas atividades industriais. Numa
fase posterior, os papéis de capitalistas e de empreendedores foram discernidos, pois,
como afirmava Cantillon (1931), o empreendedor é quem assume o risco, já o capitalista
é quem fornece o dinheiro. Uma analogia feita com essa explicação remete-se ao
mercador veneziano Marco Polo, já que, em suas viagens, enquanto o capitalista
assumia risco de forma passiva, o aventureiro empreendedor assumia papel ativo, pois
corria todos os riscos, tanto físicos quanto emocionais (DORNELAS, 2008, p. 19).
Uma movimentação do termo, também importante, deu-se nos séculos XIX e XX,
quando, ao ser impactada pelo sistema de produção fordista, a palavra empreendedor
passou a ser relacionada com a expressão administrador, a estar vinculada à ideia de
inovação e de percepção das oportunidades (DORNELAS, 2008; HISRICH; PETERS;
SHEPHERD, 2014).
Entretanto, a noção mais presente no cotidiano escolar, observada a partir do
desenvolvimento do último conceito, e ainda de viés economicista, seria talvez, como
definem Hisrich, Peters e Shepherd (2014), a recepção de recompensas econômicas e
pessoais para a criação de algo novo e diferente, a partir dos riscos financeiros,
psicológicos e sociais correspondentes assumidos. Em outras palavras,
desenvolvimentos recentes aproximam o empreendedorismo das tentativas de criação
de novos empreendimentos, associando-o também às startups e ao aproveitamento de
oportunidades com o cunho quase que absoluto da crião de novos negócios.
Não é coincidência então, como demonstra Lavieri (2010), que o termo educação
empreendedora advenha do termo em inglês entrepreneurship education, programa
realizado na América do Norte e que possuiu como objetivo promover entendimento e
motivação para a abertura do próprio negócio, enfatizando o desenvolvimento de
habilidades e conhecimentos técnicos orientados para empreendimentos que visem ao
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lucro financeiro. Hengemühle (2014) relata que, historicamente, o empreendedorismo foi
relacionado aos meios de prodão ecomica e que ainda existe resisncia entre os
educadores ao abordarem o tema, visto que muitos acreditam que essa discussão tem
o único fim de explorar a mão de obra para obter o bem-estar financeiro de pequenos
grupos. Mas essa visão tem encontrado contraposição.
Autores como Salim e Silva (2010) percebem no empreendedorismo um fenômeno
social para além da abertura de empresas. Ele seria o catalisador de transformações
estruturais e institucionais da sociedade. Empreendedorismo, dessa forma, é tratado
como recurso, processo e estado de ser por meio do qual pessoas encontram e utilizam
as oportunidades para o desenvolvimento não apenas econômico, mas também social
sustentável. Passa a ser chamado, assim, de empreendedorismo social, possuidor de
uma proposta para amenizar as mazelas sociais e econômicas da sociedade (BRITO,
2014). Guerreiro (2014) destaca que essa noção de empreendedorismo relaciona os
múltiplos donios sociais e produz saídas inovadoras para a promoção da qualidade de
vida da coletividade. O empreendedorismo, de visão meramente econômica, seria então
ressignificado, requalificado moralmente (DEES, 2001).
Para Dornelas, Spinelli e Adams (2014), a principal diferença entre o empreendedorismo
empresarial e o empreendedorismo social é a missão almejada. Os empreendedores
sociais desenvolvem empreendimentos com a missão de resolver um problema social
permanente. No contexto educacional, é importante abordar o tema sob uma óptica em
que a educão possa contribuir sistematicamente para a formação de pessoas social,
ecológica e economicamente responsáveis.
Mas também existem críticas à última abordagem. Ela tem sido acusada de carregar em
si uma resposta retórica à precarização do trabalho e escassez de postos de emprego
formal (CASAQUI, 2014, p. 21), e ao próprio empreendedor social tem sido atribuído o
papel de encarnar um amanhã aceitável diante do desmonte do Estado Social e da crise
identitária associada ao trabalho (DUBAR, 2009). Compreende-se que todas essas
críticas são viáveis e que, de alguma forma, existiria um empecilho à conexão absoluta
do empreendedorismo social com a realização plena da proposta da EPT. Acredita-se,
no entanto, que mesmo o alcance da proposta da EPT ainda tem lacunas e que dar mais
um passo no sentido dos valores humanos, sociais e ambientais significa também
contribuir para o impedimento de retrocesso dos valores mecânicos, da taylorização do
trabalho e também da educão.
O empreendedorismo vem crescendo no mundo inteiro e, mais que isso, cada vez mais é
tratado como uma questão fundamental para a realização das pessoas (vio dos
humanistas) e para o desenvolvimento econômico (vio dos economistas). Dentro dessa
ótica é que o Empreendedorismo vem obtendo maior apoio de governos, universidades e
da sociedade em geral. Tornou-se necesrio avaliar o conjunto de medidas que cada país
adota para difundir o Empreendedorismo e estudar o interesse na sua aplicação, na medida
em que seus resultados sejam positivos (SALIM; SILVA, 2010, p. 18).
Como agente capaz de interferir positivamente na realização das pessoas, para além de
uma recompensa financeira, percebe-se um empreendedorismo que foca nos valores
da formão humana, superando, como trata Paulo Freire (1991), a ideia de que ensinar
é apenas transferir saber e conceitos.
Concordaria Morin (2004), ao abordar a educação, quando destaca que o ensino deve
ser único e global, focado nas circunstâncias e valores humanos. O autor destaca, além
disso, que a era da globalizão proporciona experiências comuns e direciona as
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pessoas, ainda que estejam distantes, ao mesmo objetivo. Assim, apesar da diversidade
cultural peculiar aos seres humanos, estes devem compreender que fazem parte de um
todo.
O Empreendedorismo é visto como uma forma de realização humana em que os sonhos
de cada pessoa podem ser transformados em realidade, caso seja adotada uma atitude
empreendedora e, para isso, é preciso haver a necesria motivação e adequada
instrumentação (SALIM; SILVA, 2010, p. 12).
Acredita-se que o empreendedorismo social tem potencial para dar mais um passo na
direção de valores humanos, solidários e ambientais, além de contribuir com a
instrumentação necessária para tal feito.
4. ASPECTOS METODOLÓGICOS
O presente estudo consiste em uma pesquisa descritiva, a qual, segundo Gil (1999),
busca descrever as características de determinada população ou a determinação de
relações entre suas variáveis, o possuindo o compromisso de explicar os fenômenos
que descreve, e sim de servir de base para tal explicação. Assim, foi realizado um estudo
de caso que buscou caracterizar e analisar as relações entre as abordagens da
educação empreendedora nos cursos técnicos concomitantes e subsequentes ofertados
por um instituto federal da Região Sudeste. Segundo Gil (1999), o estudo de caso tem
relação com a história de um fenômeno, e a coleta das informões é feita a partir de
diversas fontes de evidências, que podem ser arquivos institucionais públicos ou
privados, observações diretas e entrevistas sistêmicas. Ainda de acordo com Gil (2002,
p. 54), o estudo de caso consiste no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos
objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento.
Objetivando fundamentar cientificamente o estudo, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica por meio de materiais já publicados em meios físico e virtual, tais como
artigos, livros, revistas, periódicos, entre outros. A utilizão desses materiais é
fundamental em quaisquer pesquisas acadêmicas, pois são abordagens e estudos feitos
anteriormente, que respaldarão a pesquisa atual. Gil (2008, p. 50) destaca que a
principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a
cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia
pesquisar diretamente.
A coleta dos dados foi feita por meio de análise documental. Fonseca (2002) afirma que
a análise documental é realizada mediante consultas a documentos oficiais (atualizados
ou retrospectivos) que sejam considerados cientificamente verdadeiros; os documentos
poderão ser públicos ou privados. Severino (2003) acrescenta que a pesquisa
documental é crucial para estudos em ciências sociais e humanas, visto que a maior
parte das fontes é, na maioria das vezes, a base do trabalho de investigão. Desse
modo, a análise foi realizada a partir dos projetos pedagógicos dos cursos ofertados pelo
referido IF. Eles foram analisados em sua totalidade, uma vez que a educação
empreendedora pode ser abordada por meio de uma disciplina exclusiva para o ensino
de empreendedorismo, inclusa na ementa e metodologia de outra disciplina relacionada
ao assunto ou, ainda, desenvolvida de forma inter e multidisciplinar.
Quanto à população e à amostra, a pesquisa foi realizada na totalidade dos campi de um
instituto federal brasileiro, correspondendo assim a 11 campi e 29 cursos técnicos da
modalidade presencial, concomitantes/subsequentes, de diferentes áreas de
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conhecimento. Os campi foram numerados de 1 a 11, visando respeitar os princípios
éticos desta pesquisa. Com o mesmo objetivo, os nomes dos cursos não foram
mencionados, mas apenas sua referência quanto ao eixo tecnológico, de acordo com o
Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT) (BRASIL, 2016a). Entre os campi
analisados, o campus 1 não disponibilizava os PPCs no sítio institucional, e o campus 10
não oferecia cursos cnicos nas formas concomitante ou subsequente no momento da
pesquisa. Dessa forma, a unidade de análise foi reduzida para nove campi e 27 PPCs.
A coleta de dados ocorreu durante o mês de outubro de 2018, e os planos foram
analisados, à procura de mudaas, em janeiro de 2019, por meio do portal institucional
do IF investigado. Após a coleta, os PPCs foram analisados para verificar a existência de
indicadores do ensino de empreendedorismo em sua dimensão empresarial, em sua
dimensão social, ou em ambas as dimensões. Também foi observada qual a alternativa
utilizada para abordagem da educação empreendedora: se por meio de uma disciplina
exclusiva; se de forma transversal em uma ou mais disciplinas; se como ponto do PPC,
mas não cristalizada em alguma disciplina; ou se não é abordada de qualquer maneira.
Por fim, os dados foram organizados em planilha de Excel, e, a partir deles, foram
elaborados quadros, possibilitando-se assim a análise e inferência dos resultados.
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Entre os nove campi cujos dados puderam ser coletados, pode-se perceber na maioria
dos cursos (27 no total) a forte atuão nos formatos concomitante e/ou subsequente e
a grande diversidade quanto aos eixos tecnológicos, os quais contemplam os seguintes
meros de cursos: Gestão e Negócios, cinco; Ambiente e Saúde, cinco; Informação e
Comunicação, oito; Produção Industrial, um; Prodão Cultural e Design, um;
Infraestrutura, três; Controle e Processos Industriais, dois; e Segurança, dois. Esses
dados corroboram o fortalecimento da infraestrutura dos diversos campi do IF, como
definem Cordão e Moraes (2017), e também demonstram a cristalização da expansão
em termos da abrangência, em consonância com o que dispõe a Lei nº 11.741/2008
(BRASIL, 2008).
Os campi do IF pesquisado ofertaram em dia três cursos técnicos, sendo que aqueles
que mais ofertaram chegaram a quatro, e nenhum campus ofertou menos do que um.
No que diz respeito à escolha do formato da oferta, pode-se observar que ela se fez
basicamente por cursos concomitantes e subsequentes ao mesmo tempo. Um total de
88,89% dos cursos optou por esse formato, e apenas três cursos tiveram a opção pelo
formato exclusivo do tipo subsequente, totalizando 11,11%; nenhum dos cursos foi
ofertado apenas na forma concomitante.
Pode-se ainda afirmar que a presença do empreendedorismo também confirma a
posição de destaque mencionada por Lopes e Teixeira (2010), já que, como se observa
no Quadro 1, dos nove campi que tinham cursos no IF pesquisado, todos apresentavam
algum elemento relacionado ao tema. Uma característica comum entre os cursos que
não tinham associação com o empreendedorismo foi sua área de concentrão:
prioritariamente a área de ambiente e saúde, com três cursos, e um caso na área de
segurança. A mesma análise quanto a esses cursos pode ser aplicada à forma de oferta,
caracterizada prioritariamente como apenas subsequente (com três casos negativos), e
com um caso definido como concomitante/subsequente.
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Quadro 1 Campi, eixos tecnológicos e forma de oferta dos cursos
Eixo tecnológico
Campus
Forma de oferta
Associação ao
empreendedorism
o
Gestão e Negócios
1
Concomitante/subsequente
Sim
Ambiente e Saúde
1
Subsequente
Não
Gestão e Negócios
2
Concomitante/subsequente
Sim
Ambiente e Saúde
2
Subsequente
Não
Informação e Comunicação
2
Concomitante/subsequente
Sim
Produção Industrial
4
Concomitante/subsequente
Sim
Ambiente e Saúde
4
Concomitante/subsequente
Sim
Informação e Comunicação
4
Concomitante/subsequente
Sim
Produção Cultural e Design
4
Concomitante/subsequente
Sim
Gestão e Negócios
5
Concomitante/subsequente
Sim
Infraestrutura
6
Concomitante/subsequente
Sim
Ambiente e Saúde
6
Subsequente
Não
Informação e Comunicação
6
Concomitante/subsequente
Sim
Informação e Comunicação
6
Concomitante/subsequente
Sim
Controle e Processos
Industriais
7
Concomitante/subsequente
Sim
Segurança
7
Concomitante/subsequente
Não
Infraestrutura
7
Concomitante/subsequente
Sim
Gestão e Negócios
8
Concomitante/subsequente
Sim
Infraestrutura
8
Concomitante/subsequente
Sim
Informação e Comunicação
8
Concomitante/subsequente
Sim
Segurança
8
Concomitante/subsequente
Sim
Informação e Comunicação
9
Concomitante/subsequente
Sim
Controle e Processos
Industriais
9
Concomitante/subsequente
Sim
Gestão e Negócios
11
Concomitante/subsequente
Sim
Informação e Comunicação
11
Concomitante/subsequente
Sim
Informação e Comunicação
11
Concomitante/subsequente
Sim
Ambiente e Saúde
11
Concomitante/subsequente
Sim
Fonte: Elaborado pelos autores (2019).
O impacto do empreendedorismo dá, ainda, cores diferentes à diversidade do eixo
tecnológico, quando observado a partir da intensidade com que se aproxima do tema.
Por serem obrigatórios ou não pelo próprio CNCT, os eixos têm os seguintes índices de
utilização do empreendedorismo: Gestão e Negócios, 100%; Ambiente e Saúde, 40%;
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Informão e Comunicação, 100%; Produção Industrial, 100%; Produção Cultural e
Design, 100%; Infraestrutura, 100%; Controle e Processos Industriais, 100%;
Seguraa, 50%. Dito de outra forma, 75% dos eixos têm o empreendedorismo presente
em 100% de seus correspondentes cursos no IF.
Quadro 2 Campi, eixos tecnológicos e abordagem dos cursos
Fonte: Elaborado pelos autores (2019).
Já a partir dos dados coletados organizados no Quadro 2, podem ser evidenciadas
novas informações. Entre os 27 cursos analisados, 23 tinham a presença do
empreendedorismo, sendo que apenas um curso, no campus 11, não o abordava por
meio de uma disciplina específica, mas sim na construção da conceão de ensino
Campus
Carga
horária da
disciplina
Abordagem
Dimensão
1
80
Disciplina exclusiva
Empresarial
1
Não aborda
Não se aplica
2
40
Disciplina exclusiva
Empresarial
2
Não aborda
Não se aplica
2
80
Disciplina exclusiva
Empresarial
4
40
Disciplina exclusiva
Empresarial
4
40
Disciplina exclusiva
Empresarial
4
40
Disciplina exclusiva
Empresarial
4
40
Disciplina exclusiva
Ambas
5
80
Disciplina exclusiva
Empresarial
6
38
Disciplina exclusiva
Empresarial
6
Não aborda
Não se aplica
6
40
Disciplina exclusiva
Empresarial
6
80
Disciplina exclusiva
Empresarial
7
38
Disciplina exclusiva
Empresarial
7
Não aborda
Não se aplica
7
38
Disciplina exclusiva
Empresarial
8
80
Disciplina exclusiva
Ambas
8
38
Disciplina exclusiva
Empresarial
8
40
Disciplina exclusiva
Ambas
8
38
Disciplina exclusiva
Empresarial
9
40
Disciplina exclusiva
Ambas
9
38
Disciplina exclusiva
Empresarial
11
80
Disciplina exclusiva
Ambas
11
40
Disciplina exclusiva
Empresarial
11
40
Disciplina exclusiva
Empresarial
11
Concepção PPC
Ambas
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trazida no PPC, contemplado no item Orientações Metodológicas. Corroborando a
força do estímulo ao desenvolvimento e à formação de empreendedores que Lopes e
Teixeira (2010) ilustram com o exemplo da ONU, pode-se afirmar que 81,48% dos
cursos contemplam o empreendedorismo por meio de alguma disciplina. E esse valor é
ainda superior ao se levar em conta o acréscimo feito quando se consideram as
menções feitas também fora das disciplinas, chegando a mais de 85% do total.
Todavia, a força e a capacidade de disseminação das noções que embasam o
empreendedorismo esbarram em uma nuance que talvez seja ainda mais importante
que sua própria presença: a dimensão utilizada para a abordagem. A dimensão
empresarial da concepção, como destacado por Lavieri (2010), encontra um modo de
ser no ensino focado no início do próprio negócio e nas habilidades e conhecimentos
técnicos orientados para empreendimentos que visem ao lucro financeiro. Defendido
desde Cantillon (1931), o empreendedorismo foi modificado ao longo dos anos para se
adaptar ao fordismo em suas diversas nuances (DORNELAS, 2008; HISRICH;
PETERS; SHEPHERD, 2014) e, na contemporaneidade, com a criação de negócios
novos, como as startups, e com o aproveitamento de oportunidades empresariais
(HISRICH; PETERS; SHEPHERD, 2014), tendo viés exclusivamente empresarial em 17
dos 27 cursos, ou 63% deles.
Já o aspecto contrário, chamado empreendedorismo social que possui como
proposta a amenização de problemas sociais e ecomicos da sociedade (BRITO,
2014) ou a busca de solões inovadoras para a promão da qualidade de vida da
coletividade (GUERREIRO, 2014) , encontra-se presente em apenas seis dos 27
cursos, totalizando um pouco mais do que 22% deles, e sempre contemplando também
a versão empresarial na ementa do curso.
Poder-se-ia tentar justificar essa vantagem absoluta que o viés empresarial encontra pela
necessidade de maior carga horária, para que empreendedorismos empresarial e social
pudessem habitar uma mesma disciplina, já que, segundo Martinelli (1994), desde o
século XVI o termo esteve associado a atividades industriais, tendo assim maior
capacidade de permear o campo educacional. No entanto, essa justificativa não é
coerente, uma vez que, das oito disciplinas com carga horária de 80 horas/aula, seis têm
viés exclusivamente empresarial. O aumento de carga horária foi utilizado para expandir
o conteúdo empresarial, em vez de qualificar a discussão com um viés mais humanista
e social. O foco maior dado à primeira dimensão também não se justifica por meio de
uma análise que priorizasse os eixos. Em que pese o eixo Produção Cultural e Design
ter apresentado em seu único curso a utilização de ambas as dimenes, em todos os
demais eixos o foco empresarial e financeiro, a ideia de abertura de negócios, impera,
oscilando entre 50% e 100%.
Talvez uma possibilidade de explicação esteja, conforme relata Hengemühle (2014), na
própria resistência dos educadores em abordar o tema, o que poderia levar à negativa
da discussão, ou, ainda, nas críticas ora apontadas (CASAQUI, 2015; DUBAR, 2009).
Dessa forma, o tema embora muitas vezes obrigatório nos cursos e percebido tão
fortemente alicerçado nos eixos tecnológicos, como mostrado nesta pesquisa perde
grande parte do seu potencial de contribuição para a formação de pessoas social,
ecológica e economicamente responsáveis (DORNELAS; SPINELLI; ADAMS, 2014). E,
mais do que isso, ao não se perceber o empreendedorismo como forma de auxiliar na
realização dos sonhos das pessoas (SALIM; SILVA, 2010), permite-se que o tema seja
transmutado em mais um mecanismo para enquadrar os sonhos dos alunos dentro de
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uma lógica de mera criação de negócios, de busca por lucros, de realização financeira.
Por fim, se a construção de uma identidade (OLIVEIRA; BURNIER, 2013; PACHECO,
2011) que seja coerente com a ultrapassagem do economicismo mostra-se desafiadora
e complexa por meio do viés social do empreendedorismo, parece ser totalmente inviável
por meio de seu aporte exclusivamente empresarial.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o objetivo principal de compreender de que forma o ensino de empreendedorismo
está sendo abordado nos cursos técnicos concomitantes e subsequentes ofertados na
modalidade presencial, este estudo analisou os projetos pedagógicos dos cursos de um
IF na Região Sudeste.
Como caracterizão inicial, o estudo demonstrou a diversidade quanto aos eixos
tecnológicos e a opção, feita pela instituição pesquisada, por cursos concomitantes e
subsequentes ao mesmo tempo (aproximadamente 89% deles), em detrimento dos
cursos ou concomitantes ou subsequentes. Perceberam-se características comuns
entre os cursos que não tinham associão com o empreendedorismo, como a escolha
pelo eixo tecnológico Ambiente e Saúde e ainda a forma de oferta, caracterizada
prioritariamente como apenas subsequente (com três casos negativos).
Todavia, mesmo com alguns cursos não tendo conexão com o empreendedorismo, este
impacta a instituição de forma elevada: 75% dos eixos têm o empreendedorismo
presente em 100% de seus respectivos cursos no IF estudado; 85% dos cursos
contemplam o empreendedorismo por meio de alguma disciplina ou por meio de
menções feitas também fora das ementas.
E isso é um indicativo problemático quando se analisa a dimensão do
empreendedorismo abordada. Ele tem um viés exclusivamente empresarial em 63% dos
cursos, enquanto o empreendedorismo social se encontra presente em apenas 22% dos
cursos, sempre contemplando também a versão empresarial em suas ementas. E isso
não encontra justificativa nem na redução de carga horária uma vez que sua
expansão tem sido utilizada para aumentar o conteúdo empresarial nem nas
mudanças de eixos. Fora Produção Cultural e Design, todos os outros eixos apresentam
foco empresarial e financeiro, com a ideia de abertura de negócios, oscilando entre 50%
e 100%.
Dessa forma, acredita-se que é um momento relevante para que os educadores
discutam o tema, em vez de resistir a ele de forma apriorística. É momento de utilizar a
força e a disseminação do empreendedorismo, para a formação de pessoas social,
ecológica e economicamente mais responsáveis. O presente estudo tem o seu foco
(restrito aos planos de curso) como limitação para atender ao objetivo proposto. Sabe-se
que os planos de ensino dependem sobremaneira da autonomia e capacidade do
docente, dos interesses já existentes dos acadêmicos, da realidade das escolas. Os
resultados encontrados em decorrência dessa restrição aos projetos pedagicos de
curso, nesse sentido, abrem muitas possibilidades de continuidade deste estudo, por
exemplo, a realização de pesquisas com docentes e discentes, a fim de compreender
de que forma as aulas e outras partes do cotidiano escolar se relacionam com o tema da
educação empreendedora.
Ademais, a concepção social do empreendedorismo alinha-se a uma formação mais
humana, também pretendida por essas instituições de ensino. Nesse sentido, constitui-
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se em potencial para a consolidação da identidade e da institucionalidade dos IFs, bem
como do seu compromisso com o desenvolvimento local e regional, tendo como mote
currículos que integrem trabalho, ciência, cultura e tecnologia.
Por fim, espera-se que este estudo possa contribuir para a discussão sobre os tipos de
saber que são cristalizados na EPT, em duas frentes: inicialmente, debater as dimensões
do empreendedorismo, que pode ser visto como ferramenta para a mudaa da
realidade, e não apenas como mera reprodução de um sistema; e, em um aspecto
secundário, mas não menos relevante, fomentar os debates sobre a convivência de
dimensões, linhas teóricas ou abordagens epistemológicas capazes de se coadunarem
com a proposta dos institutos federais, a partir das disciplinas específicas do CNCT.
Acredita-se que esta última seja uma discussão de prazo mais longo, embora de impacto
ainda mais profundo.
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Data da submissão: 02/06/2021
Data da aprovação: 22/04/2022