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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2020.21854
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
TELETRABALHO DOCENTE, CULTURA DIGITAL E AS
TRANSFORM AÇÕES NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA
1
Teacher teleworking, digital culture and the changes in labor legislation
OLIVEIRA, Ricardo Nascimento de
2
MILL, Daniel
3
RESUMO
O objetivo deste artigo é analisar o teletrabalho docente no contexto da cultura digital, à luz das recentes
mudanças da legislação trabalhista brasileira e por meio de uma revisão de literatura da área. O
intensivo uso de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicão (TDIC) e de dispositivos veis
de telecomunicação alterou a vida em sociedade, inclusive o exercício laboral. Tal mudança repercutiu
significativamente sobre a jornada de trabalho dos professores, particularmente aqueles que realizam
atividades o presenciais, explorando possibilidades do teletrabalho e da ubiquidade. Baseando-se
em produções científicas da área, resultantes de prévio levantamento bibliogfico, bem como na
legislação brasileira e no digo do Trabalho de Portugal, analisamos o teletrabalho docente, com
atenção especial à diluão das fronteiras entre a vida pessoal e profissional do professor. Em
decorncia do teletrabalho e da ubiquidade, viabilizada pelas TDIC, são observadas algumas
perversidades para o ocio de mestre, para além das muitas promessas e reais vantagens do processo.
Como resultado da refleo, recomendamos a necessidade do direito à desconeo, da
conscientização da classe profissional docente e da alterão da legislação pertinente, em prol de
melhores condições de trabalho para o docente.
Palavras-chave: Teletrabalho docente. Cultura digital. Legislação trabalhista.
ABSTRACT
The aim of this paper is to analyze teaching teleworking in the context of digital culture, considering the
recent changes in Brazilian labor legislation and through a literature review of the area. The use of digital
information and communication technologies (DICT) and mobile telecommunication devices has
changed life in society, including working. This change had a significant impact on teachers' working
hours, particularly those who perform non-present activities, exploring possibilities for telework and
ubiquity. Based on scientific productions of the area, resulting from previous bibliographic survey, as well
as the Brazilian legislation and the Portuguese Labor Code, we analyzed the teaching telework, with
special attention to the blurring of the boundaries between the personal and professional life of the
teacher. As a result of teleworking and ubiquity, made possible by DICT, some perversities for the
teacher are observed, in addition to the many promises and real advantages of the process. As
propositions of this reflection, we recommend the necessity of the right to disconnection, the awareness
of the professional teaching class and the alteration of the relevant legislation, in favor of better working
conditions for the teacher.
Keywords: Teacher teleworking. Digital Culture. Labor Legislation.
1
Texto resultante de análise parcial de dados bibliográficos e documentais levantados para a pesquisa de mestrado (em andamento) do
primeiro autor, sob o título provisórioAnálise do teletrabalho docente na cultura digital. Os dados foram levantados entre 2019 e 2020,
como forma de subsidiar reflexões sobre o panorama do teletrabalho docente no contexto da cultura digital, analisando-se a teoria e a
legislação que aborda esse assunto.
2
Mestrando em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Especialista
em Direito da Seguridade Social. Procurador Municipal de Guará-SP. E-mail: juriscardo@hotmail.com
3
Doutorado e mestrado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, com pós-doutorados nas Universidade de Coimbra e
Universidade Aberta de Portugal. Professor associado da Universidade Federal de São Carlos. Líder do Grupo Horizonte (Grupo de Estudos
e Pesquisas sobre Inovação em Educação, Tecnologias e Linguagens). E-mail: mill@ufscar.br
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INTRODUÇÃO
O presente texto visa contribuir para a discussão em torno do tema do teletrabalho
docente no contexto da sociedade grafocêntrica digital
4
. Um cenário intensamente
estimulado pela conjuntura de isolamento social fomentado pela pandemia da Covid-19.
Em diversos setores da sociedade (incluindo o campo educacional), o teletrabalho e o
home office têm sido induzidos como alternativa às formas tradicionais de trabalho,
evidenciando algumas questões delicadas e perversas ao trabalhador nesses tempos
de cultura digital, configurando processos de trabalho marcados pela intensa mediação
tecnológica. Embora o teletrabalho já não seja um processo novo, cabe uma (re)análise
pela sua imporncia e indução nesse cenário de pandemia, isolamento social e de uso
intensivo de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC): que implicações
ao trabalhador decorrem desse cenário?
Nesse contexto, o uso das TDIC na Educação permitiu o acesso dos seres humanos à
noção de onipresença ou ubiquidade, viabilizando a dobra do espaço e do tempo. A
ubiquidade possibilita às pessoas inúmeras facilidades e vantagens, mas, em
contrapartida, mostra-se perversa em outros aspectos. Por exemplo, já são observados
graves ônus sobre a vida do teletrabalhador inclusive no caso dos professores, com
clara invasão da sua privacidade, por meio da diluição das fronteiras entre a vida pessoal
e profissional. Analisar essa situação tico-jurídica, por meio de revisão de literatura
(PRODANOV e FREITAS, 2013), constitui o intuito desta reflexão. Este trabalho é,
portanto, um ensaio teórico fundamentado em estudos da área atinente e em
documentos oficiais, com particular atenção à Consolidação das Leis do Trabalho
brasileira.
Com esse fim, foi realizado, primeiramente, um mapeamento da bibliografia tocante à
ubiquidade da docência, considerando aspectos do teletrabalho. Posteriormente, foram
consideradas as normas da legislação brasileira, em especial a Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), que tem como vértice de juridicidade a Constituição Federal de 1988
em seus artigos 6º a 11º e 22 (inciso I), em que trata dos direitos sociais, com ênfase
especial no direito social dos trabalhadores, conforme pontuam Mendes e Branco (2011).
Dando sequência, foi realizado um breve cotejamento entre a regulamentação do
teletrabalho realizada pela CLT (Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943), levando-
se em conta as alterações promovidas pela Lei n.º 12.551, de 15 de dezembro de 2011
e, também, a Lei n.º 13.467, de 13 de julho de 2017 (lei da reforma trabalhista).
As consequências positivas e negativas do teletrabalho serão objeto de análise em
seção específica deste texto, na qual são considerados pontos positivos viabilizados
pelas TDIC: como a dobra do tempo e do espaço; a possibilidade de trabalho a distância
(como na Educação a Distância); a redão de tempo, esforço e despesas com
locomoção; a flexibilidade de horários e lugares de execução das atividades etc. Da
mesma forma, foram cotejados aspectos negativos do teletrabalho docente, como a
geração de ansiedade, angústia, sobrecarga de atividades etc. isto é, males que
atingem o trabalhador virtual no contexto da sociedade grafocêntrica digital. Esses
aspectos são discutidos por Veloso e Mill (2020), quando discutem algumas das
implicações do trabalho docente mediado pelas Tecnologias Digitais de Informação e
4
Conforme Mill e Jorge (2018, p. 585), as sociedades grafocêntricas digitais são marcadas pelo uso social da escrita, com uso intensivo
das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), exigindo dos sujeitos significativo grau de domínio do grafismo (leitura e
escrita) em contexto tanto analógico quanto digital, sob pena de participação limitada em atividades sociais típicas da cultura digital.
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Comunicação (TDIC), valendo-se de referencial teórico crítico. Os autores
problematizam o teletrabalho tratando-o, dadas as suas características, como possível
sinônimo de sobretrabalho conceito tratado por Marx (2017), quando analisa das
prorrogações de jornada, realizadas de forma desmedida, colocando em risco a saúde
do trabalhador, ao mero talante da ganância do capital, sobrecarregando a jornada
normal de trabalho. No contexto educacional, o teletrabalho guarda íntima relação com
a modalidade de Educação a Distância (EaD) e/ou na perspectiva da Educação Híbrida
(blended learning). São configurações pedagógicas em que o docente participa do
ensino-aprendizagem de maneira mais flexível e aberta, tendo horários e lugar de
trabalho menos situado do que na educação presencial tradicional. O ocio de mestre,
tanto na EaD quanto na educação híbrida, é intensamente permeado pelas diversas
possibilidades de interação e comunicação típicas da cultura digital. As TDIC fomentaram
diferentes concepções de organicidade didático-pedagógica, de modo a promover a
eficiência do processo de ensino-aprendizagem por meio da adão de recursos como
as metodologias ativas, sala de aula invertida, convergência midiática, transmídia
realidades virtual e aumentada, formação móvel e ubíqua, entre tantas outras
perspectivas pedagógica típicas da sociedade grafocêntrica digital.
Nesse cerio, a docência é exercida com flexibilidade de horários e lugar de trabalho; o
que requer maior disciplina e organização pessoal para realizar as atividades. Esta forma
de realizar o ocio de mestre por meio das TDIC, geralmente em ambientes virtuais de
aprendizagem, é denominada por teletrabalho docente ou teletrabalho pedagógico ou,
ainda, trabalho docente virtual. São, portanto, três expressões geralmente
intercambiáveis na discussão sobre as implicações decorrentes da realização do
trabalho pedagógico pela internet, explorando possibilidades dos dispositivos móveis.
Além dessas três expressões, também vamos nos referir, neste texto, à docência ubíqua,
que é uma determinada forma em particular de realizar a docência por meios virtuais,
explorando a noção de ubiquidade das tecnologias digitais.
Para viabilizar a reflexão, faremos neste artigo alguns apontamentos sobre o surgimento
do teletrabalho docente, na prática pedagógica e na legislação brasileira. Ou seja, nas
próximas sões, detalharemos essa noção de ubiquidade da docência como
teletrabalho, analisando-a a partir das recentes mutações na legislação trabalhista sobre
o tema.
APONTAMENTOS SOBRE A UBIQUIDADE NO CONTEXTO EDUCACIONAL E SOBRE A
DOCÊNCIA UBÍQUA
Para situar a noção de docência ubíqua, apresentamos inicialmente a definição feita por
Cunha e Bianchetti (2018, p. 178). Com base nos estudos de Santaella (2013), os
autores argumentam que a expressão
Docência ubíqua é como tem sido designado o trabalho docente em razão da
condição ou do caráter ubíquo da atividade, decorrente da incorporação de
tecnologias digitais e, sobretudo, de dispositivos móveis ao cotidiano. A docência
ubíqua não está restrita aos processos de trabalho realizados por meio das
tecnologias típicas da modalidade de educação a distância (EaD), mas é
tributária da ubiquidade típica da cultura digital, que permeia processos
comunicacionais, de ensino e aprendizagem e, por conseguinte de trabalho,
visto que a interseção de espaços on-line e off-line constitui uma mistura
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inextrincável que se imiscuiu no tecido do cotidiano (CUNHA e BIANCHETTI, 2018,
p. 178 grifos nossos).
Outrora, na sociedade grafocêntrica tradicional, os professores tinham jornada e horários
de trabalho claramente estabelecidos, conforme registro em livro de ponto, ou mesmo,
por meio de ponto eletrônico; ou simplesmente por estar presente junto aos alunos, que
seriam testemunhas da sua presença e seu trabalho. Todavia, a problemática surge com
a transformação da realidade em que vivemos; isto é, com a emergência da sociedade
grafocêntrica digital e com a crião de condições para o desenvolvimento do trabalho a
distância. Um contexto promovido pelo acesso a equipamentos móveis de
telecomunicação, como smartphones, tablets e notebooks, com acesse à Internet ,
dos quais a maioria das pessoas já dispõem e, quase naturalmente, foram incorporando
ao seu cotidiano. Essa situação tem promovido ou viabilizado às pessoas o processo de
ubiquidade virtual, possibilitando que as pessoas estejam em vários lugares ao mesmo
tempo.
Essas possibilidades típicas da ubiquidade modificam também a noção de local e horário
de trabalho, inclusive no contexto educacional. Observam-se, por exemplo,
transformações na jornada de trabalho dos docentes, que já não se limita aos locais e
horários de trabalho tradicionais, como a escola e a sala de aula; e sem estabelecimento
de horário inicial e final para realizar as atividades. Em geral, o próprio trabalhador quem
determina e controla seu local e horário de trabalho, exigindo grande disciplina e
organização por parte do sujeito. Reside neste aspecto a grande probabilidade de ocorrer
uma perversa invasão da privacidade dos teletrabalhadores, com consequente diluição
das fronteiras entre a sua vida pessoal e a profissional.
Não sendo capaz de controlar e organizar os próprios horários e locais de trabalho, o
trabalhador virtual permanece à disposição do trabalho constantemente, como se
observa, facilmente, na sociedade marcada pelo digital, pela ânsia de muitas pessoas
costumeiramente portarem dispositivos veis (como smartphones), permanecendo
constantemente conectadas à internet e disponíveis ao trabalho. Dessa forma, o trabalho
está consigo sempre que o trabalhador virtual acessar os seus dispositivos móveis de
telecomunicação. Vale destacar que esta é uma noção de trabalho móvel ou
teletrabalho, que se tornou ainda mais perversa na perspectiva da ubiquidade. Em outras
palavras, pela noção de mobilidade é o trabalhador que carrega consigo o trabalho, em
dispositivos veis ou pela Internet (como faria um docente ao levar trabalhos para
corrigir em casa, mesmo em papel); mas a noção de ubiquidade indica outro nível de
relação entre atividades e trabalhador: na docência ubíqua, o trabalho procura pelo
realizador da atividade; seus dispositivos móveis não param de tocar, acusando mais e
mais trabalho.
Nesse sentido, reforçamos que o teletrabalho implica vantagens e desvantagens. Por
isso mesmo, requer do trabalhador virtual muita lucidez e perspicácia na realizão das
suas atividades, sem contar com as delimitações dos horários e locais de trabalho (MILL,
2006; 2018).
Na perspectiva trabalhista da profissão docente, também há aspectos positivos e
perversos, típicos do teletrabalho e da fragmentação do trabalho potencializados
pela cultura digital. Sabemos que a internet possibilitou às pessoas novas relações
com o espaço e o tempo, novas experiências e novas noções em relação ao lugar
e ao horário ou momento de socialização (MILL, 2018, p. 183).
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Dessa forma, percebe-se que os momentos e locais de trabalho e não trabalho estão
conectados pelas TDIC, não havendo mais a nítida separação, em sentido tradicional,
entre os mesmos. Como afirmou Castells (2003, p. 193) as TDIC promoveram o
surgimento de um espaço híbrido, feito de lugares e fluxos: um espaço de lugares
interconectados. Segundo Mill (2018, p. 183), no contexto da cultura digital, a tradicional
configuração do trabalho, em que as pessoas têm locais de trabalho aonde vão
regularmente realizar determinadas atividades, se transforma em algo mais fluido,
fazendo emergir um modelo de organização do trabalho com sujeitos nômades, que
realizam suas atividades em movimento (a partir de casa, carros, trens, aviões,
aeroportos e hotéis, durantes duas férias e à noite).
Portanto, instala-se uma clara diluição das fronteiras entre espos de trabalho e de não
trabalho. Dessa forma, o docente teletrabalhador está sujeito a implicações por estar
continuamente plugado; por permanecer ligado, permanentemente, à sua atividade
laborativa, tendo que despender esforço e tempo para se opor às muitas notificações
lançadas pelos aplicativos de dispositivos móveis. Nesse movimento, parece importante
trazer à baila as considerações de Cunha e Bianchetti (2018) sobre o tema.
(...) estudos sobre a ubiquidade no trabalho docente na pós-graduação stricto
sensu, por exemplo, indicam que o indivíduo está onipresente para o trabalho,
assim como o trabalho está onipresente para o indivíduo, no sentido do
apontado por Marx (1996) ao alertar que o homem que não dispõe de tempo livre,
e cujo tempo está todo ele absorvido pelo trabalho, é menos que uma besta de
carga. Em paralelo, a ubiquidade do trabalho docente permite a realização de
atividades simultâneas em diferentes ambiências, potencializando a condição de
multitarefa do professor (CUNHA e BIANCHETTI, 2018, p. 179 grifos nossos).
Tal situação de trabalho pode constituir-se em algo assaz negativo para o cérebro
humano, podendo gerar fadiga, falta de ateão, ansiedade e angústia, bem como o uso
de soluções repetitivas, pouco criativas, no exercio da profissional. Cunha e Bianchetti
(2018, p.179) argumentam ainda que a condição de ubiquidade, embora frequentemente
associada a características elogiosas no âmbito da cultura digital, ela aparentemente
não traz vantagens para o indivíduo ubíquo, que move sua atenção para diferentes
ambiências simultaneamente (p. 179). Entre os efeitos psíquicos da ubiquidade, os
autores indicam a destruição da atenção ao trabalho:
Estar sempre presente ou ser constantemente interrompido em suas atividades por
meio de dispositivos digitais também repercute na atenção parcial connua (...). A
ubiquidade desloca a atenção profunda para uma atenção dispersa caracterizada
pela rápida mudança de foco entre diversas atividades, fontes informativas e
processos. Ultraconectadas, as pessoas estão fazendo várias coisas
simultaneamente, mas sem profundidade, sem tempo para a contemplação e
reflexão (CUNHA e BIANCHETTI, 2018, p. 179-180).
Verifica-se, assim, que o teletrabalho virtual pode apresentar ao trabalhador
determinados males à sua saúde, além de fomentar baixo rendimento e redução da
qualidade do serviço prestado, especialmente quando se trata de um trabalho intelectual
como é o caso da docência.
Nesse sentido, a ubiquidade paradoxalmente instaura um obstáculo ao
próprio trabalho intelectual dos professores, ao passo que expande as
possibilidades de trânsito simultâneo em espaços distintos. (...) Mas, a despeito das
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inúmeras potencialidades e indagações que a vida ubíqua suscita, ela também é
alcançada pelas relações de produção vigente que coloniza o tempo livre com
obrigações em rede, ampliando os espaços de produção, estendendo
concomitantemente os tempos de produção (CUNHA e BIANCHETTI, 2018, p.
180 grifos nossos).
Esse processo de colonização dos tempos de descanso do trabalhador tem
representado preocupações também da perspectiva trabalhista. Portanto, tende a ser
uma relação de produção perniciosa ao trabalhador, sendo este um princípio capitalista.
APONTAMENTOS SOBRE O TELETRABALHO DOCENTE E AS PERVERSIDADES
TRABALHISTAS DA CULTURA DIGITAL
Ao menos no Brasil, a organização do trabalho na cultura digital também é regida pelo
capitalismo e, portanto, por princípio, trata-se de um processo de colonização perverso
e pernicioso ao trabalhador. Um processo perigoso e muito sutil, pois o teletrabalhador
muitas vezes não percebe que sua autodisponibilidade constante ao trabalho (ou,
mesmo quando o percebe, costuma ver-se refém do sistema de trabalho pico da cultura
digital). Isto é, de modo voluntário ou inconsciente por parte do trabalhador, o processo
de teletrabalho nos dias atuais é costumeiramente explorado quase que exclusivamente
a favor do empregador. Enfim, a invasão da vida privada pelo trabalho costuma ser
autorizada, sem clareza das consequências. Sobre o tema, é importante considerar os
argumentos de Amado (2018):
Com o advento e com o incremento das Tecnologias de Informação e
Comunicação [mais recentes], surgiu um novo e complexo desafio para o Direito
do Trabalho, dado que [elas] possibilitam que o trabalho acompanhe o
trabalhador fora do espaço/tempo profissional, invadindo o seu tempo de
(suposta) autodisponibilidade. São de todos conhecidas as impressionantes
mudanças registradas na nossa forma de viver, de comunicar e de trabalhar,
resultantes da informatização, da internet, do e-mail, das redes sociais, dos
telemóveis [celulares], dos computadores (AMADO, 2018, p. 260 grifos nossos).
É essencial pensar esse desafio posto ao Direito do Trabalho ao analisar a docência
ubíqua e o teletrabalho pedagógico, seja por questões de delimitação das fronteiras entre
vida pessoal e vida profissional; por questões de saúde (adoecimento pela intensificação
do trabalho, por exemplo); ou por questões de controle do trabalho por parte do
empregador (visto que o trabalho virtual é plenamente controlável, em suas minúcias),
entre outros vários motivos. Como argumenta o mesmo autor,
Agora, em muitos casos, o trabalho (e, por via disso, o empregador) pode
facilmente acompanhar o trabalhador, seja quando for e onde quer que este
se encontre. Agora, o modelo é o de um trabalhador conectado e disponível 24
sobre 24 horas, pois a tecnologia permite a conexão por tempo integral
(hiperconexão), potencializando situações de quase escravização do
trabalhador a escravatura, diz-se, do homo connectus, visto amiúde, como
colaborador de quem não se espera outra coisa senão dedicação permanente e
ilimitada (AMADO, 2018, p. 260 grifos nossos).
Esse argumento acima coaduna as considerações de Cunha e Bianchetti (2018, p. 180),
quando argumentam que a onipresença do teletrabalhador representa, frequentemente,
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confusão dos tempos de trabalho e descanso; além de confusão de disponibilidade
ininterrupta para demandas do trabalho. Embora seja uma afirmação forte, podemos
compreender que são confusões que fomentam uma espécie de nova escravidão do
trabalhador.
Ganham novos contornos nas condições do trabalho docente. Estar sempre
presente e ao alcance pode significar também estar o tempo todo disponível para
demandas de trabalho; dilatação do sentido de lugar pode significar a
extensificação de espaços de trabalho, incluindo a invasão de espaços-tempos de
lazer. A ubiquidade também resulta na condição de ser multitarefa, indicativo de
mal-estar (CUNHA e BIANCHETTI, 2018, p. 180).
Assim, a condição ubíqua do trabalho, sua onipresença, importa na deteriorão das
condições laborais do trabalhador, podendo inclusive implicar no fim dos seus momentos
de descanso. Face à realidade do trabalho ubíquo, parece urgente uma nova
regulamentação normativa das relações de trabalho. Essas condições de trabalho
representam uma total inversão de propósitos no uso das tecnologias digitais,
frequentemente promovidas sob a promessa de grandes benesses seja como apoio
ao teletrabalho ou em outras searas da vida em sociedade. Parece-nos evidente a
necessidade de refletirmos sobre vantagens e desvantagens do teletrabalho pedagógico
na cibercultura.
No processo de teletrabalho, cabe ao trabalhador docente delimitar os seus tempos e
espaços de trabalho, de lazer, de família, de descanso e de sonhar (MILL e FIDALGO,
2009, p. 285). Na sociedade capitalista, desde bem antes da emergência das TDIC, os
trabalhadores vendem o seu irrecuperável tempo de vida, sua força de trabalho, sua
vitalidade como seres humanos. Quando consideramos a cultura digital, esse processo
de exploração do trabalho humano ganha novos contornos e ainda mais perversos,
geralmente relacionados aos horários/tempos e locais/espaços de trabalho.
Como mencionamos, o teletrabalhador presencia a rompimento das fronteiras entre a
vida pessoal e vida profissional, especialmente no contexto das TDIC. Por exemplo,
realizar atividades de modo flexibilizado pode ser um desejo de muitas pessoas,
permanecendo na própria residência ou onde desejar, podendo decidir o horário mais
apropriado para dedicar ao trabalho. Todavia, na prática, a separação dos tempos de
trabalho e descanso torna-se tarefa árdua e dicil. Como argumentam Mill e Fidalgo
(2009), o processo de trabalho, no sentido proposto por Marx, considera a categoria
tempo como uma instituição social dividida em tempo de trabalho e tempo livre.
As atividades humanas seriam, então, organizadas em atividades produtivas (ou
de trabalho) e atividades reprodutivas (ou de lazer e ócio). Essa composição leva
alguns pesquisadores à busca de definições e delimitação não apenas de tempo
de trabalho, mas, principalmente, de tempo livre (MILL e FIDALGO, 2009, p. 286).
Essa importante noção de tempo livre do trabalhador se desmancha no teletrabalho
virtual, sendo explorada e colonizada pelos empregadores por meio dos dispositivos
digitais. Conforme Ripa (2018), essa situação é agravada por elementos típicos da
conjuntura vivida atualmente pelo brasileiro: ambiente competitivo capitalista, aumento
do desemprego, a instabilidade nos postos de trabalho, os salários baixos etc. Para a
autora, esses elementos prejudicam o domínio do tempo livre do teletrabalhador
docente, pois constitui uma situação que exige do trabalhador progressiva dedicação ao
seu labor, sem nem mesmo a proporcional contrapartida do aumento da sua
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remuneração. Vivemos um processo de aumento da intensificação, articulada à paralela
extensificação do trabalho: aumento da produtividade pela expansão dos tempos de
dedicação à atividade e pelo ritmo mais acelerado, imposto pelas tecnologias como
meio de produção e/ou estratégia de controle.
Nesse cenário, podemos considerar as tecnologias digitais de informão e
telecomunicação sob o prisma da ubiquidade, da flexibilidade , como causa ou
responsável dessa espécie de neo-escravização do (tele)trabalhador, que acaba tendo
seus períodos de convívio mais privados (social, familiar, lazer etc.) e momentos de
descanso (tempo de reprodução e de ócio) tolhidos pelo labor, pelo empregador. O que
se observa, nesse cenário de trabalho típico da cultura digital, é a expansão da jornada
de trabalho.
[...] sob a falsa promessa de mais tempo livre, o trabalhador é seduzido a exercer
uma dupla jornada: uma no seu tempo de produção e outra, como teletrabalhador,
no seu tempo livre. Como consequência, há, obviamente, uma precarização das
suas condições de trabalho; especialmente porque essa segunda jornada é aceita,
geralmente, como fonte de renda complementar e, por isso, firmada com contratos
de trabalho precário (salário baixo ou sobrecarga de atividades, por exemplo) (MILL
e FIDALGO, 2009, p. 291).
Dessa forma, as TDIC criam condições para que o trabalhador permaneça sempre
conectado ao trabalho, por meio dos seus dispositivos móveis, com frequentes alertas
ou notificações de demanda de mais e mais trabalho, gerando a violação da sua
privacidade. Assim, embora as tecnologias digitais prometam ao docente virtual o milagre
de estar virtualmente em mais de um lugar ao mesmo tempo, evitando deslocamentos
físicos e dando a impressão de mais tempo livre para o descanso, elas têm conseguido
cumprir tal promessa. Não há indícios de aumento do tempo livre do trabalhador docente.
Pelo contrário, verificamos que se trata de um falso tempo livre, como mencionam Lapa
e Mill (2018), pois cada vez mais o trabalhado virtual está dedicando esforço de forma
ininterrupta, 24 horas por dia embora tal situação fática o esteja prevista, na maioria
das vezes, nos contratos de trabalho (sendo, por vezes, até inconstitucional).
APONTAMENTOS SOBRE O TELETRABALHO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E AS
CONTRIBUIÇÕES DO CÓDIGO DO TRABALHO PORTUGUÊS
A legislação trabalhista brasileira emergiu pelas mãos do Presidente Getúlio Vargas, em
1943; uma época ainda desprovida das tecnologias digitais de informão e
comunicação. Somente nas últimas décadas do século XX, com a emergência da cultura
digital ou sociedade grafocêntrica digital, teve início um movimento pela alteração da
CLT, com interesse de incluir o trabalho virtual. Nesse sentido, o advento do teletrabalho
(inclusive no seio educacional) se deu por meio da Lei nº 12.551/2011. Essencialmente,
essa lei alterou o artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, equiparou os efeitos
jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados (leia-se TDIC)
àquela exercida por meios pessoais e diretos (forma tradicional).
Na sequência, sobreveio uma precarizante reforma trabalhista, de índole abertamente
neoliberal, por meio da Lei nº 13.467/2017, que entrou em vigência a partir de 11 de
novembro de 2017. Nunca é demais destacar o retrocesso ao trabalhador que
representa a aprovação desta reforma, pois ela retira vários direitos da classe
trabalhadora, num verdadeiro vilipêndio das conquistas sociais de outrora. Conforme
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Melo (2017a; 2017b) e Lanzarini (2018), essa regulamentação do teletrabalho tem
inspiração no Código do Trabalho português embora, infelizmente, o trabalhador
brasileiro não goze da mesma qualidade ou reconhecimento do diploma lusitano. Desta
maneira, a reforma trabalhista alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para
acrescentar-lhe diversos dispositivos, em especial os artigos 75-A; 75-B; 75-C; 75-D; e
75-E, que tratam do tema em terras brasileiras.
Segundo Mill (2012) e Alves (2014), a primeira regulamentação do teletrabalho no Brasil
se deu por meio da Lei n.º 12.551, de 15 de dezembro de 2011, que alterou o artigo 6º
da CLT e deu a seguinte redação:
Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do
empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a
distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de
emprego. (Redação dada pela Lei nº 12.551, de 2011).
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando,
controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos
meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho
alheio. (Incluído pela Lei nº 12.551, de 2011) (BRASIL, 2011 grifos nossos).
Em 2017, o artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho brasileira sofreu uma
alteração (pela Lei nº 13.467/2017), indicando os trabalhadores que não gozam de
proteção de jornada de trabalho (BRASIL, 2017). Dentre eles, estão aqueles que
prestam serviços em regime de teletrabalho:
Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
I. os empregados que exercem atividade externa incompavel com a fixação de
horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e
Previdência Social e no registro de empregados;
II. os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais
se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de
departamento ou filial; e
III. os empregados em regime de teletrabalho (BRASIL, 2017 grifos nossos).
Assim, o trabalhador docente, em regime de teletrabalho (que já possuía limitassimo
amparo trabalhista), agora ficaria sem nenhuma proteção legal quanto à limitação de
tempo tocante à real jornada de trabalho, entre outros aspectos legais o que
representa um grande retrocesso criado pela reforma trabalhista!
Entretanto, o artigo , inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, norma superior
hierarquicamente, delimitou a jornada de trabalho para todos os trabalhadores da
seguinte forma:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem
à melhoria de sua condição social:
(...)
XIII. duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta
e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada,
mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (BRASIL, 1988 grifos
nossos).
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Como há dificuldades para caracterizar o teletrabalho nessas condições estabelecidos
pela Constituição Federal (como serão controladas as horas semanais? Ou como
garantir que não serão ultrapassadas as 8 horas diárias?), é importante destacar que há
peculiaridades no teletrabalho que merece tratamento especial. Buscando dar maior
objetividade ao processo, Melo (2017a; 2017b) analisa o art. 75-B da CLT e sugere que
o teletrabalho
5
no Brasil deveria ser caracterizado com base nos seguintes elementos:
Elemento espacial: teletrabalhador que esteja fora da empresa e não
constitua trabalho externo;
Elemento instrumental: uso intensivo das TDIC; e
Elemento temporal: habitualidade ou preponderância da atividade
realizada fora da empresa.
Esses elementos facilitam entender o teletrabalho para tratamento trabalhista do tema.
Para auxiliar na reflexão, consultamos alguns aspectos do Código do Trabalho
português, no qual está teletrabalho regulamentado, em seu artigo 165.
Artigo 165.º Noção de teletrabalho
Considera-se teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica,
habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação
e de comunicação (PORTUGAL, 2009 grifos nossos).
Observa-se que essa noção de teletrabalho do Código português é coerente com os
princípios do teletrabalho no Brasil. Outro elemento importante entre o tratamento do
tema no Brasil e em Portugal é que, assim como na nova redação do artigo 6º da CLT
brasileira, o artigo 169º do Código do Trabalho português estabelece a igualdade entre
o teletrabalhador e trabalhador tradicional. Veja-se:
Artigo 169.º
Igualdade de tratamento de trabalhador em regime de teletrabalho
1. O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e
deveres dos demais trabalhadores, nomeadamente no que se refere a
formação e promoção ou carreira profissionais, limites do período normal de
trabalho e outras condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e
reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional.
2. No âmbito da formação profissional, o empregador deve proporcionar ao
trabalhador, em caso de necessidade, formação adequada sobre a utilização
de tecnologias de informação e de comunicação inerentes ao exercício da
respetiva atividade.
3. O empregador deve evitar o isolamento do trabalhador, nomeadamente
através de contactos regulares com a empresa e os demais trabalhadores
(PORTUGAL, 2009 grifos nossos).
Nesta mesma senda, o Código do Trabalho portugs regulamenta também a noção de
período de descanso, embora seja uma definição demasiadamente gerica. Segundo
o seu artigo 199º, entende-se por período de descanso o que não seja tempo de
5
A MP Nº 927, de 22 de março de 2020, editada em razão da pandemia de Covid-19, cuja vigência encerrou-
se em 19 de julho de 2020, tratou da figura do Home Office. A doutrina tem se inclinado no sentido de que
esta figura, com fundamento no artigo 6º da CLT e no artigo 4º da citada MP, diferencia-se do teletrabalho,
pois seria apenas uma alteração no local de prestação de trabalho, devendo segundo (JOÃO e GAGGINI)
ser observadas as normas de controle de jornada aplicáveis ao trabalho presencial.
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trabalho. Assim, conjugando-se as disposições do artigo 165 (igualdade entre todos os
trabalhadores) com esse artigo 199, ambos do diploma lusitano, verifica-se que o período
de descanso será direito de todos os trabalhadores, inclusive os teletrabalhadores
docentes. Nesse sentido, entendemos que ele corresponderá a um tempo livre, de
desconexão das TDIC, momento no qual os professores poderão recuperar suas
energias, sendo entendido como como tempo reprodução e ócio.
Por meio da compatibilização da CLT com a atual Constituição Federal brasileiras,
parece mais plausível que a limitação da jornada de trabalho (8 horas diárias e 44 horas
semanais) deveria abranger também os contratos de trabalho dos cidadãos brasileiros
em regime de teletrabalho, respeitando a supremacia da constituição. Assim,
considerando a preservação da saúde física e mental dos teletrabalhadores, bem como
da própria segurança do trabalho, entendemos que deveria prevalecer, na
regulamentação do teletrabalho, não o inciso III do art. 62 da CLT, mas o inciso XIII do
artigo 7º da Constituição de 1988: duração do trabalho normal não superior a oito horas
diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução
da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (BRASIL, 1988). Enfim,
observa-se que a regulamentação constante do inciso III do art. 62 da CLT implica em
riscos aos teletrabalhadores (incluindo os docentes virtuais), que normalmente laboram
sem controle de jornada, ultrapassando o limite constitucional, estando em contratos de
trabalho inconstitucionais, insalubres e sem segurança. Nesse sentido, recomenda-se
que, no contexto da cultura digital, sejam incluídos na legislação pátria os períodos de
descanso e o direito de desconexão, por meio da alterão da atual legislação brasileira.
De todo modo, conforme argumentam Veloso e Mill (2020), não obstante a sobrecarga
no trabalho, a maior parte dos docentes parece gostar de trabalhar com a EaD,
especialmente porque esses profissionais buscam possíveis benecios (e eles existem)
das experiências pedagógicas com TDIC para sua vida e formação em geral. Para os
autores, esse cenário requer zelo por melhores condições de trabalho docente, seja pela
saúde mental e sica do trabalhador ou pela sua influência na manuteão da qualidade
do processo de ensino-aprendizagem. Como alternativa, a oferta de condições de
trabalho mais dignas ao docente da EaD parece passar, necessária e primeiramente,
pelo processo de institucionalização da modalidade embora essa noção de
teletrabalho ubíquo, por exemplo, está relacionada a tendências e transformações que
transcendem a EaD (VELOSO; MILL, 2020).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta deste texto foi apresentar uma reflexão sobre a relação entre as condições
de (tele)trabalho docente e a noção de ubiquidade no contexto da cultura digital,
considerando aspectos trabalhistas e as fronteiras entre tempos de produção e de
reprodução ou descanso. No âmbito educacional, o teletrabalho se estabelece
especialmente na modalidade de Educação a Distância e/ou na Educão Híbrida, em
que o docente realiza suas atividades pedagógicas em horários e locais mais flexíveis
do que na educação presencial tradicional, num processo intensamente permeado pelas
diversas possibilidades de interação e comunicação típicas da cultura digital. Como
argumentamos no início, embora o teletrabalho já não seja um processo novíssimo, ele
se mostra, agora na cultura digital, com novas roupagens e com maior capacidade de
precarização das condições de trabalho, dentre outras muitas implicações ao
teletrabalhador (inclusive no campo educacional).
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Associada a essa noção de teletrabalho pedagógico, está a questão da ubiquidade, ou
mais especificamente à docência ubíqua, que é uma forma peculiar de realizar a
docência por meios virtuais, explorando o potencial de ubiquidade das tecnologias
digitais de informação e comunicação. Nesse sentido, em que a docência é exercida
com flexibilidade de horários e lugar de trabalho (em função da ubiquidade, do
teletrabalho e das tecnologias digitais), aumenta a exigência sobre o trabalhador em
termos de disciplina e organização pessoal para realizar as atividades. Afinal, se não for
capaz de controlar e organizar os próprios horários e locais de trabalho, estabelecendo
limites inclusive para si mesmo, o trabalhador virtual pode permanecer constantemente
à disposição do empregador.
Nesse sentido, vale diferenciar o trabalho móvel do trabalho ubíquo. Como
mencionamos no texto, observa-se que, pela noção de mobilidade é o trabalhador que
carrega consigo o trabalho, em dispositivos móveis ou pela Internet (como faria um
docente quando levava trabalhos em papel para corrigir em casa, em tempos
analógicos). Todavia, a noção de ubiquidade indica outro nível de relação entre
atividades e trabalhador: na docência ubíqua, por exemplo, o trabalho procura pelo
realizador da atividade; seus dispositivos móveis não param de tocar acusando mais e
mais trabalho.
Por seu turno, no teletrabalho há uma suposta redão do cansaço (por trabalhar em
locais de sua preferência) ou diminuição do estresse (por eliminar os deslocamentos ao
local de trabalho), com aparente ampliação do conforto e otimização do tempo de
trabalho, de modo a sobrar mais tempo para atividades de descanso, lazer e ócio.
Merece ateão, todavia, aos aspectos mais perversos do teletrabalho, especialmente
no contexto da ubiquidade e da reforma trabalhista.
Um singelo, mas importante, aspecto precisa ser ressaltado nesse arremate da reflexão:
eis uma conscientizão que se impõe à toda classe profissional dos professores na
cultura digital. Eis, também, uma alteração legislativa que se sugere para a legislação
brasileira infraconstitucional, que ainda é omissa sobre o assunto. Registramos,
novamente e por fim, o alerta sobre a perversidade dessa situação a que se submete o
teletrabalhador na cultura digital, especialmente considerando o contexto capitalista a
que estamos submetidos no Brasil. Eis, portanto, um grande desafio que nos é posto
nessa conjuntura de teletrabalho, de trabalho remoto, de home office e de isolamento
social induzido pela pandemia de Covid-19!
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Data da submissão: 08/06/2020
Data da aprovação: 04/09/2020