Trabalho & Educação | v.29 | n.3 | p.95-112 | set-dez | 2020
O sofrimento foi conceituado de modo a distingui-lo de “dor” e “adoecimento”, para
evitarmos tomar um pelos outros, patologizando o mal-estar na universidade pública. Ou
seja, tratava-se de evitar o recurso ao diagnóstico (clínico) para algo que foi tomado como
sendo de natureza psicossocial, da ordem da vivência, da experiência vital. O processo
de converter em psicopatologia aquilo que é próprio do humano pode incorrer em
consequências negativas para o sujeito (BRANT; MINAYO-GOMEZ, 2004). Portanto,
para este trabalho, trabalharemos com a definição de sofrimento como uma “reação do
sujeito, uma manifestação da insistência de viver em um ambiente que, na maioria das
vezes, não lhe é favorável” (LEÃO; BRANT, 2015, p.1284). Constitui-se, portanto, como
um mecanismo de defesa, na perspectiva freudiana, já que sinaliza a presença de um
perigo, angústia e alerta, preparando o sujeito para enfrentá-lo (TORRES, 2007).
O sofrimento comporta uma dimensão de positividade, na medida em que comunica algo
importante sobre o sujeito que o vivencia numa trama de relações, impulsionando-o para
o enfrentamento dos seus determinantes (BIRMAN, 2003; DEJOURS, 1994; RICOEUR,
1992). Desta forma, o revelar do sofrimento, qualificá-lo, se torna relevante, na medida
em que articula as esferas individual e coletiva, ou seja, comunica algo do indivíduo, mas,
também, do ambiente em que está inserido, que é compartilhado. Ele é inerente àquilo
que entendemos genericamente como saúde mental e não pode ser excluído da
experiência humana, ainda que não possa ser naturalizado. Pretendia-se ir para além
das dores individuais e dos diagnósticos psiquiátricos e tocar as tensões emergentes do
cotidiano dos docentes, delineando o que é indicado como sofrimento, inclusive
especificamente reconhecido como “mental”.
Consequentemente, as categorias resultantes da análise não foram nem construídas a
priori, nem totalmente a posteriori, resultando, isso sim, de uma mescla das duas
estratégias (COLBARI, 2014). Através do critério semântico, que reúne grupos de
elementos em função das características comuns (núcleo de sentido), as categorias
foram sendo identificadas e sempre relacionadas com os objetivos da pesquisa e o
referencial teórico, visando conciliar teoria e corpus de análise para a proposição de
inferências. Após a participação e gravação das Rodas de Conversas e das entrevistas
com os participantes o material foi transcrito em sua íntegra para ser analisado conforme
o critério semântico. Com o material transcrito, percebemos que o conteúdo que emergia
dos dois momentos empíricos se assemelhava e se complementava, concentrando-se
em torno de três grandes categorias que se desdobraram em alguns temas, a saber:
relacionamento com os pares; o modo de organização do trabalho; e, estratégias de
resistência. Os temas e seus subtemas serão devidamente descritos na apresentação
dos dados, bem como serão apresentados alguns relatos que compuseram cada uma
das categorias identificadas.
A questão da invisibilidade, que pautou toda a pesquisa, a partir da hipótese de
subnotificação, foi particularmente reforçada nas rodas de conversas. Havia um
entendimento de que falar sobre sofrimento mental, em si, não é bem aceito,
diferentemente de se discutir diagnósticos e doenças que, segundo reflexão do grupo,
não comprometeriam o sujeito moralmente: “se você está deprimido é aceito, se fala que
está triste, não”. Desta forma, os professores entendem que há uma intolerância ao
sofrimento e às queixas, uma vez que sugere uma vulnerabilidade. Assim sendo, o
sofrimento mental docente não é facilmente comunicado, permanecendo silenciado na
esfera individual. O sofrimento é visibilizado somente quando já agravado e transformado
em adoecimento agravado, ou seja, só chega ao conhecimento da universidade, pela
via do apelo ao recurso extremo do afastamento, por um período prolongado, quando é