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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2020.24726
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
PRÁTICAS EDUCATIVAS DE EDUCADORAS(ES) DA ESCOLA FAMÍLIA
AGRÍCOLA ZÉ DE DEUS EM COLINAS DO TOCANTINS (TO)
1
DANTAS, Alinne Conceição Alves Silva
2
NAKASHIMA, Rosária Helena Ruiz
3
ALMEIDA, Rejane Cleide Medeiros de
4
RESUMO
O objetivo do artigo é apresentar reflexões sobre as práticas educativas de educadoras/es da Escola
Família Agrícola (EFA) “Zé de Deus, localizada no município de Colinas do Tocantins, no estado de
Tocantins. O percurso metodológico da pesquisa tem como método a História oral, com narrativas de
histórias de vida de seis professores. Como resultados, identificamos que, para se lecionar na EFA foi
necessário lidar com novas propostas escolares e com metodologias de ensino mais adequadas ao
contexto campesino. Os/as professores/as narraram que, ao entrarem em contato com a realidade da
EFA “Zé de Deus”, aprenderam sobre a importância da educação dialógica, como base para a
Pedagogia da Alternância; a construírem suas identidades docentes e seu protagonismo diante dos
desafios e das possibilidades do contexto da EFA.
Palavras-chave: Identidade docente. Educação do campo. Pedagogia da alternância.
ABSTRACT
The article aims to present some thoughts about the educational practices of educators from the Escola
Família Agcola EFA (Agricultural Family School) Zé de Deus, located at Colinas do Tocantins, in
the state of Tocantins (TO). The methodological path adopted in this qualitative research was oral history,
with life narratives from six teachers. As a result, we identified that, in order to teach at EFA, it was
necessary to deal with new schooling proposals and with teaching methodologies that were more
appropriate to the rural context. The teachers narrated that, when they came into contact with the reality
of the EFA “Zé de Deus, they learned about the importance of dialogical education, as a basis for
Alternating Pedagogy, as well as to build their teaching identities and their role in face of the challenges
and possibilities of the EFA context.
Keywords: Teacher identity. Rural education. Pedagogy of alternating.
1
Esta pesquisa foi realizada de acordo com o parecer de aprovação do Comitê de Ética do Hospital de Doenças Tropicais da Universidade
Federal do Tocantins (HDT/Araguaína), processo número 2.919.197, aprovado em 26 de setembro de 2018. Trata-se de resultados de
pesquisa obtidos durante o Mestrado Interdisciplinar em Estudos de Cultura e Terririo.
2
Mestre em Estudos Interdisciplinares de Cultura e Território pela Universidade Federal do Tocantins, Graduação em Letras pela
Universidade Federal do Tocantins. Secretária Executiva na Universidade Federal do Tocantins - Câmpus de Araguaína. E-mail:
alinnezinh@hotmail.com. alinne01@uft.edu.br.
3
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Educação Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Pedagoga. Professora Adjunta do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Docente do Programa
de Pós-Graduação em Estudos de Cultura e Território (UFT). E-mail: rosaria@uft.edu.br.
4
Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás, Mestra em Educação pela Universidade Federal de Goiás, Especialista em
educação e agroecologia pela Universidade Estadual de Goiás, Graduada em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Docente
do Ensino Superior do Departamento de Educação do Campo- Artes e Música, Vice-coordenadora e docente do Programa de pós-
graduação em Estudos de Cultura e Território (PPGCult) da Universidade Federal do Tocantins, Integra o coletivo de pesquisadores do
Sub/7/Rede Universitas-Brasil. Integra a equipe de pesquisadora do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA). Compõe o
coletivo de pesquisadores da Universidade Nacional de Santiago Del Estero (UNSE), no Instituto de Desenvolvimento Social, (INDES),
Santiago Del Estero-Argentina. Membra da IGS GRAMSCI Brasil. E-mail: rejmedeiros@uft.edu.br.
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INTRODUÇÃO
Como prática da liberdade, dialogamos com Freire (2011), ao defender a educação
como ato político, e na sua base revolucionária, em busca da construção de uma
sociedade mais justa. Concordamos, também com a ação cultural para a libertação, cuja
denúncia se faz na perspectiva de uma realidade desumanizante e o anúncio decorre do
compromisso histórico com homens e mulheres, em busca de sua dignidade e
humanização.
Noutra passagem, Freire (2011) adverte que não existe uma prática educativa neutra,
sem compromissos políticos. Por isso, se constitui em [...] práxis, porém, é reflexão e
ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação
da contradição opressor-oprimido (FREIRE, 2011, p. 38). Logo, a partir desses
fundamentos, apresentamos a compreensão sobre a educação do campo, enquanto
prática de emancipação humana. Para contribuir com nossas reflexões Fernandes,
Cerioli e Caldart (2009, p. 25) definem a expressão educação do campo:
[...] Decidimos utilizar a expressão campo e não mais usual meio rural, com o objetivo de
incluir no processo da Conferência uma reflexão sobre o sentido atual do trabalho camponês
e das lutas sobre o sentido atual do trabalho camponês e das lutas sociais e culturais dos
grupos que hoje tentam garantir a sobrevivência deste trabalho. Mas quando discutimos a
educação do campo estamos tratando da educação que se volta ao conjunto dos
trabalhadores e das trabalhadoras do campo, sejam os camponeses [...].
A partir dessas prerrogativas, os autores supracitados nos apresentam a educação do
campo como uma matriz que constrói referências culturais e políticas para a intervenção
das pessoas e dos sujeitos sociais na realidade, visando a uma humanidade mais plena
(FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2009, p. 23).
Ainda sobre as definições de educação do campo, Caldart (2009, p. 38) chama atenção
para a chave metodológica de estudos da matriz de educação campo:
[...] A educação do campo se coloca em luta pelo acesso dos trabalhadores ao
conhecimento produzido na sociedade e ao mesmo tempo problematiza, faz crítica ao modo
de conhecimento dominante e à hierarquização epistemológica própria desta sociedade que
deslegitima os protagonistas originários da educação do campo como produtores de
conhecimento e que resiste a construir referências próprias para solução de problemas de
uma outra lógica de produção e de trabalho que não seja a do trabalho produtivo do capital.
Dessa forma, trataremos do lócus desta pesquisa, a Escola Família Agrícola (EFA)Zé
de Deus, um espaço de ensino voltado ao atendimento da população do campo,
próxima à cidade de Colinas do Tocantins. Inserida nesse contexto, essa EFA nasceu
com o objetivo de educar as/os filhas/os de agricultoras/es e demais pessoas que moram
no campo, ampliando suas perspectivas de permanência em suas comunidades rurais.
As EFAs adotam pedagogias que respeitam os modos de vida dessa populão, mas
que também possibilitam mobilizar nesses jovens uma consciência de mundo, para que
possam ter suas identidades fortalecidas e continuar aprimorando os conhecimentos,
constrdos na EFA, em práticas culturais, sociais, ecomicas e políticas, desenvolvidas
em seus contextos de vida.
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Por meio de entrevistas
5
com as/os educadoras/es da EFAZé de Deus, estruturadas
pelos princípios da História oral, identificamos a pedagogia da alternância, baseada na
especificidade da cultura camponesa, que tem como referência curricular a associação
da prática e da teoria no processo de ensino/aprendizagem de forma a estabelecer um
diálogo com a vida das/os alunas/os; e os conteúdos curriculares do ensino médio. Em
outras palavras, uma organização didática que busca relacionar o cotidiano das/os
camponesas/es e a parte teórica do currículo formal, viabilizando a aproximação da
realidade com os contextos dos estudantes.
A pedagogia da alternância busca, sobretudo, integrar dois espaços e tempos,
entendendo que há saberes diferentes que se completam e que há aprendizagens fora
do ambiente escolar que são fundamentais para o enriquecimento da proposta
pedagógica da EFA. Portanto, também há na construção do ser educador/a certa
alterncia em se fazer docente na prática. Alternância entre os espaços e lugares
formadores; entre passado, presente e futuro, bem como entre culturas partilhadas no
mesmo tempo e espaço.
Com o objetivo de considerar essas subjetividades, a Hisria oral e as narrativas de vida
das/os docentes nos apresentaram contribuições metodológicas importantes para o
desenvolvimento desta pesquisa. Para Alberti (2005), a História oral é um caminho
interessante para se conhecer, registrar múltiplas possibilidades que se manifestam e
dão sentido a formas de vida e escolhas de diferentes grupos sociais, em todas as
camadas da sociedade. Assim, caracterizamos esta investigação como qualitativa, pois,
a partir de observações e entrevistas com as/os docentes da EFA (Quadro 1),
sistematizamos os conhecimentos construídos nas e pelas suas histórias de vidas.
Quadro 1 Perfil dos interlocutores
6
Professores (idade)
Formação
Tempo de atuação
na EFA Zé de Deus
Césio Silva Pinho
(37 anos)
Técnico em Agropecuária e especialização em
Saberes da Terra
7
13 anos
Kelson Fiuca de Souza
(33 anos)
Engenheiro Agrônomo e Especialista em
Georeferenciamento de iveis rurais e urbanos
9 anos
Evane Gentil dos Santos
Barreto (42 anos)
Engenheiro Agrônomo e técnico em magistério
4 anos
Pedro Alves Chaves
(53 anos)
Magistério (nível médio) Letras, Língua Portuguesa e
Língua Inglesa
2 anos
Cirlene Rodrigues da Silva
(39 anos)
Curso Técnico em Enfermagem/Licenciatura em
História e Especialista em Psicopedagogia
1 ano
Dayanne Alves Abreu
(29 anos)
Licenciatura em Ciências Naturais com habilitação
em sica e especialista em Física Geral e Aplicada
1 ano
Fonte: Dados da pesquisa (2018).
Para Sánches Gamboa (2003, p. 394), o método qualitativo prima pela compreensão
dos fenômenos nas suas especificidades históricas e pela interpretação intersubjetiva
dos eventos e acontecimentos”. Logo, para compreendermos a construção da
identidade desses professores, corroboramos com esse autor, ao afirmar que: [...] a
pesquisa começa com a localização dos problemas. Com base nas situações-problema
5
O entrevistador deverá colocar-se na postura de parteiro de lembranças, facilitador do processo que se cria de resgatar
as marcas deixadas pelo passado na memória (MONTENEGRO, 2003, p. 150).
6
Os participantes concordaram com a divulgação de seus nomes na publicação dos resultados desta pesquisa.
7
No ano de 2014 ocorreu o Curso de Aperfeiçoamento em Educação do Campo, Agricultura Familiar e Envolvimento
Social no Tocantins promovido pelo Programa Projovem Campo, Saberes da Terra e Universidade Federal do Tocantins
(UFT).
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se explicitam as dúvidas, as suspeitas, as indagões e as questões. Essas questões
devem ser qualificadas até serem transformadas em perguntas, claras e concretas
(SÁNCHES GAMBOA, 2003, p. 397).
Ainda em relação a metodologia, nas próximas três seções, destacaremos que para se
lecionar em uma EFA é necessário lidar com novas propostas escolares e com
metodologias de ensino mais adequadas ao contexto campesino. Os seis professores
narraram que, ao entrarem em contato com a realidade da EFAZé de Deus,
aprenderam sobre a importância da educão dialógica, como base na pedagogia da
alterncia; a construírem suas identidades docentes e seu protagonismo diante dos
desafios e das possibilidades do contexto da EFA.
EDUCAÇÃO DIALÓGICA NA EFA ZÉ DE DEUS”: BASE PARA UMA PEDAGOGIA DA
ALTERNÂNCIA
A obra pedagogia do oprimido se insere no movimento de educação e cultura popular,
enquanto experiências desenvolvidas nos anos de 1950 e 1960 no Brasil. Os contextos
dessas experiências marcaram um esgotamento do populismo e ocorreram por meio de
grandes manifestações populares, que revelaram a afirmação dos movimentos sociais
como respostas às políticas governamentais da época.
Segundo Arroyo (2012, p. 555), o movimento de educação e cultura popular significa
uma resposta político-pedagógica a essas tensões, que não se limitam ao Brasil, mas
estão expostas nos povos da Arica Latina e nos povos da África, em reação contra o
colonialismo. O autor faz uma advertência sobre o sentido que Freire desenvolveu na
Pedagogia do Oprimido, pois nada tem em promover uma educação para os excluídos
e sim, pauta-se na história vivenciada, esperaada pelos grupos sociais que lutam,
como forma de resistência, em busca de melhores condições de vida, educão, saúde,
trabalho, políticas públicas, enfim, lutam por uma sociedade que aporte transformações
e, por conseguinte, para que haja a emancipação de homens e mulheres. Em relação
ao conceito-concepção dessa obra freireana.
[...] A Pedagogia do Oprimido nos ensina que enquanto as experiências sociais, humanas,
de trabalho, das vivências e resistências não forem reconhecidas e explicitadas como
conformantes dos conceitos, das teorias e dos valores, não encontrarão significados
hisricos, não terão força pedagógica, nem política. (ARROYO, 2012, p. 554).
Dessa forma, a matriz formadora da concepção de educação em Freire (2011), além de
pautar-se no trabalho, como princípio educativo, apresenta reflexões sobre a vivência e
a condição do oprimido de libertar-se da opressão e também de recuperar a humanidade
dos opressores. A partir desses pressupostos teóricos sobre educação, trazemos a
pedagogia da alternância, enquanto síntese cultural, cuja matriz pedagógica é
desenvolvida na EFA Zé de Deus. Salientamos que a pedagogia da alternância está
em construção permanente, sendo delineada através de práticas educativas próprias de
seu contexto, ou seja, um trabalho dinâmico sustentado pelo tripé família, escola e
comunidade.
A pedagogia da alternância não se configura somente pela relação teoria e prática. É,
sobretudo, um sistema educativo que se caracteriza por um projeto político-pedagógico
com finalidades de formação integral; uma visão do educando como sujeito de sua
formação; uma rede de parcerias entre falia, e coletivo de educadores da escola; um
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dispositivo pedagógico enquanto instrumento didático e, uma concepção de educador
como mediador dos processos pedagógicos (ROCHA-ANTUNES; MARTINS, 2012).
Nesse sentido, apresentamos as perspectivas das/os educadores da EFA em relação à
escola, aos discentes e à dinâmica escolar proposta pela pedagogia da alternância. Esta
vem ao encontro do atendimento ao direito de estudar e trabalhar das/os filhas/os de
agricultoras/es, camponesas/es e sujeitos do campo em geral, preservando seus modos
de vida e suas culturas. Esse modelo pedagógico contribuiu para que a EFA Zé de
Deus o representasse apenas um lugar de produção de conhecimento, mas também
um lugar que gera afetividade por parte dos docentes entrevistados.
[...] A Pedagogia da Alternância atribui grande importância à articulação entre momentos de
atividade no meio socioprofissional do jovem e momentos de atividade escolar propriamente
dita, nos quais se focaliza o conhecimento acumulado, considerando sempre as
experiências concretas dos educandos. (TEIXEIRA; BERNARTT; TRINDADE, 2008, p.
229).
Assim, a proximidade com as/os educandas/os, a responsabilidade em colaborar com o
processo de mudaa de perspectivas dos estudantes, oriundos de uma parcela
marginalizada da sociedade, possibilitam essas/es profissionais a se construírem de uma
forma mais senvel ao lugar que estas/es estudantes ocupam na sociedade. Freire
(2011) enfatiza a necessidade de uma educação pelo diálogo entre educadoras/es e
educandas/os:
[...] Na medida em que os homens, simultaneamente refletindo sobre si e sobre o mundo,
vão aumentando o campo de sua percepção, vão também dirigindo sua mirada a
percebidos que, até eno, ainda que presentes ao que Husserl chama de visões de
fundo, não se destacavam,não estavam postos por si. Desta forma, nas suasvisões de
fundo, vão destacando percebidos e voltando sua reflexão sobre eles. (FREIRE, 2011, p.
99).
Na EFA Zé de Deus, ao alternar o tempo escola e o tempo comunidade, há essa
necessidade de reflexão/ação sobre a vivência de mundo do aluno e o ensino recebido
na escola, isto é, o professor é a ponte entre a ação e a reflexão dos jovens, colaborando
para sua formão crítica e consciente. Assim, Caldart (2009, p. 110) destaca alguns
elementos da escola do campo:
[...] Uma escola do campo não é, afinal, um tipo diferente de escola, mas sim é a escola
reconhecendo e ajudando a fortalecer os povos do campo como sujeitos sociais, que
também podem ajudar no processo de humanização do conjunto da sociedade, com suas
lutas, sua história, seu trabalho, seus saberes, sua cultura, seu jeito. Também pelos desafios
da sua relação com o conjunto da sociedade. Se for assim, ajudar a construir escolas do
campo como sujeitos organizados em movimento. Porque não há escolas do campo sem a
formação dos sujeitos sociais do campo, que assumem a luta por esta identidade e por um
projeto de futuro.
A EFA Zé de Deus está inserida na busca de atender o jovem que reside no campo,
em torno da cidade de Colinas do Tocantins, em regime de alternância entendendo que
o curso Técnico em Agropecuária integrado ao Ensino Médio representa uma
oportunidade de profissionalizão para os filhas/os de trabalhadoras/es do campo, que
lhes permitirão continuar lidando com a terra, melhorando as técnicas de produção e
sublimando as estatísticas relativas ao êxodo rural (TOCANTINS, 2017, p. 4).
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Sobre a modalidade pedagógica em alternância, os autores Cordeiro, Reis e Hage
(2011, p. 116) destacam que:
[...] Assumindo o trabalho como princípio educativo, a Pedagogia da Alternância permite aos
jovens do campo a possibilidade de continuar os estudos e de ter acesso aos conhecimentos
científicos e tecnológicos não como algo dado por outrem, mas como conhecimentos
conquistados e construídos a partir da problematização de sua realidade, que passa pela
pesquisa, pelo olhar distanciado do pesquisador sobre o seu cotidiano.
Na concepção de escola do campo é fundamental que o profissional se identifique com
sua profissão e com a pedagogia da alternância, refletindo sobre seu processo de
formação, a partir das experiências, em busca de melhorar suas práticas educativas no
contexto campesino. Assim, a/o educadora/o poderá conhecer novos saberes,
consequentemente, a afirmação de uma identidade que contribuirá bastante para sua
atuão profissional.
As características mais presentes da pedagogia da alternância na EFAZé de Deus é
o regime de funcionamento de semi-internato e, segundo o Plano de curso da EFA:
[...] O Ensino Médio Integrado ao Técnico em Agropecuária da Escola Falia Agrícola Zé
de Deus de Colinas do Tocantins está organizado em seis áreas do conhecimento. São elas:
Planejamento e Projeto, Produção Vegetal e Produção Animal, Produção Agroindustrial,
Gestão e Estudos Ambientais, e Práticas e Estágio. A carga horária total é de 5.310 horas
aulas, operacionalizadas mediante calendário e cronogramas flexíveis de maneira que
possibilite ao aluno acompanhar o ciclo produtivo de determinada cultura ou da pecuária em
diferentes tempos e lugares. Com o auxílio dos instrumentos pedagógicos próprios da
Pedagogia da Alternância, podendo alguns critérios ser adotada pela escola, aliado ao
desenvolvimento das cinco áreas básicas do conhecimento, compreende-se que o
aprender a aprender defendido pela UNESCO torna-se cada vez mais possível para a
população camponesa. (TOCANTINS, 2017, p. 10).
Diante disso, as/os docentes e discentes da EFA Zé de Deus mobilizam seus saberes,
a partir dos seguintes instrumentos (TOCANTINS, 2017):
Plano de Estudo (PE) - Constitui o principal instrumento metodológico. É um todo de
pesquisa participativa, por meio de um questionário; possibilita analisar os vários aspectos
da realidade do estudante, promove uma relação autêntica entre a vida e a escola.
Projeto pessoal do jovem (PPJ) trata-se de um projeto profissional que o jovem irá buscar
desenvolver em sua propriedade. É desenvolvido e orientado por um professor e ao final do
curso esse projeto será defendido pelo estudante, semelhante à defesa de um Trabalho de
Concluo do Curso (TCC).
Colocação em Comum - A avaliação de habilidade/convivência acontece
preferencialmente a cada semestre. Através de um roteiro subsidiado por um tema, o
estudante faz (auto)avaliação, a família o avalia e um colega de classe também faz a
avaliação do estudante, e na escola é feita a colocação em comum com a turma fazendo as
devidas reflexões.
Caderno da Realidade - Registro de conhecimentos sobre a realidade mais próxima da
vivência do estudante.
Coordenadores da Semana - Há uma votação que escolhe dois alunos para coordenar as
equipes de limpeza e organização da escola durante a semana. As equipes lavam as
panelas do almoço, cuidam dos jardins e cuidam dos dormitórios masculino e feminino.
Observadas às orientações da pedagogia da alternância, a escola busca proporcionar
a/o jovem do campo, além das disciplinas comuns à rede regular de ensino, um projeto
de vida e de potencialidade para promover a formação para uma conscientizão
coletiva. Os instrumentos citados acima, além de organizarem os períodos de
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aprendizagem, são a garantia da relação que deve ser bem próxima entre, a escola, a
comunidade e a falia, condição essencial para uma educação familiar agrícola.
Nesse sentido, diante da necessidade de fortalecimento dos sujeitos do campo, por meio
da educação, temos o excerto da entrevista do professor Souza (2018), no qual
percebemos que na EFA Zé de Deus existe uma preocupação com o sucesso do
educando, o que envolve também a identidade do professor, pois este se vê diante da
adoção de uma nova postura profissional para conseguir resultados com os alunos.
Aqui há sim uma preocupação com o aluno se ele vai aprender ou não. Eu já pensei sim de
dá uma aula para aqueles alunos que tem menos interesse e se eles quiserem bem, mas
não tem como, porque o contato é muito grande é eu me tornei mais sensível assim, porque
eu procuro ver o porquê que aquele aluno está mais desinteressado, ver a fonte se há algum
problema familiar. Então, aqui na EFA tem isso. (SOUZA, 2018, n.p.).
Por meio das narrativas, observamos que as identidades docentes e pessoais ganharam
novas configurações e, no processo, podemos notar que a afetividade em relação ao
lugar e aos indivíduos com que entraram em contato consiste em ponto de
convergência entre todos as/os professoras/es entrevistadas/os, como fica nítido nos
relatos de Abreu (2019) e Silva (2018):
Lá na EFA enquanto os alunos estiverem lá no pátio é para está lá todo mundo junto, então
você começa um nível de intimidade melhor com os alunos e isso principalmente para mim
que sou das exatas Física, Matemática e Química. O caso é que às vezes eles não gostam
da matéria, aí eles começam a gostar da professora e depois gostam da disciplina. Todos
começam a se identificar com a matéria depois que começam a gostar da professora. Se o
aluno não gostar de mim, de jeito nenhum, eu não consigo trabalhar com as exatas. Então,
esse tempo de convivência ajuda isso faz você mudar em sala de aula, você cria uma
intimidade maior com os alunos. (ABREU, 2019, n.p.).


disse que quando alguém fala algo ela vai atrás verificar se está falando a verdade para ver
se posso discordar, é assim, é um trabalho de formiguinha, se um ou outro conseguir captar
já vale a pena.[...] Eu acho [...] que é você vestir a camisa e conhecer a realidade de aluno
por aluno, aqui tem alunos com realidades muito diferentes, se eu for analisar o aluno pela
série que ele está não vai, não trabalho.(SILVA, 2018, n.p.).
Nos trechos das narrativas dos professores Souza, Abreu e Silva podemos observar que
as identidades docentes são modificadas de acordo com o perfil de alunos que recebem
na EFA e que o contato que estabelecem com eles os fazem buscar mecanismos para
ficarem mais próximos das necessidades dos educandos, o que favorece a
aprendizagem dos conteúdos. A esse respeito Freire (2018, p.57-58) nos direciona a
pensar que:
[...] O ideal é que, na experiência educativa, educandos, educadoras e educadores, juntos,
convivam’ de tal maneira com este como com os outros saberes de que falarei que eles vão
virando sabedoria. Algo que não nos é estranho a educadoras e educadores. [...] O respeito
à autonomia e à dignidade de cada um é imperativo ético e o um favor que podemos ou
não conceder uns aos outros.
Ainda na obra Pedagogia do Oprimido, Freire (2011) faz uma necessária discussão
sobre o ser humano e sua busca de ser mais; da necessidade ontológica de seres
críticos e conscientes e, a partir disso, transformadores da realidade. Freire (2011)
entende que existe em nossa sociedade uma cultura de opressão predominante e que
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uma mudança de percepção de mundo pelo oprimido pode mudar essa situação, o que
pode acontecer a partir da síntese cultural.
Esse conceito é uma das características do que Freire (2011) denominou comoteoria
da ação dialógica, que visa a superação das contradições entre opressores e oprimidos
pelo diálogo entre culturas, sendo que uma cultura não menospreze a outra. No caso da
EFA Zé de Deus, o fato de as/os docentes não chegarem com a imposição de
conteúdos e de formas de pensar dominantes, já os aproxima de ações dialógicas.
Agir pelo diálogo e, pela colaboração são exemplos de que há na EFA uma busca pela
associação de saberes, que contribui para um ensino pautado no diálogo e na síntese
de culturas que, de acordo com Freire (2011, p. 249), não nega as diferenças entre uma
visão e outra, pelo contrário, se funda nelas. O que ela nega é a invasão
8
de uma pela
outra. O que ela afirma é o indiscutível subsídio que uma dá a outra”. Vejamos a narrativa
do Professor Barreto sobre esses subsídios:
Hoje ouvindo o aluno que eu estava orientando, ele fez no PPJ [Projeto pessoal do jovem]
dele uma experiência que serviu para mim. A experiência dele foi plantar o feijão com o
adubo químico e com o esterco de gado. Segundo ele, o esterco estava disponível lá, no
vizinho e de graça. Segundo ele, a produtividade do feijão foi a mesma. Aí essa eu vi que
deu certo, mas eu vou plantar lá em casa, ver e depois vou trazer para explicar em sala de
aula com os alunos. Ali é um exemplo, que já serviu para mim! (BARRETO, 2018, n.p.).
A base da educação problematizadora de Freire (2011) é o diálogo, em que o/a
educador/a o se reconhece como autoritário e detentor de todo o saber, mas um
profissional da educação com autoridade, seguro do equilíbrio necessário no contexto
pedagógico, fundamentado na síntese de culturas e de ideias entre educandas/os, como
vemos na narrativa de Souza:
Falar a mesma língua. Que os alunos devem ter o conhecimento técnico aqui, mas quando
for transmitir falar a mesma língua. Em termos de materiais, de estrutura, a gente também
valoriza muito! Eu particularmente valorizo muito fazendo as visitas nas propriedades dos
alunos, conhecer, dar importância e valorizar isso, através dessas visitas. Independente de
onde seja, de como é a produtividade daquele local, tentamos valorizar cada vez mais para
que os alunos também valorizem. (SOUZA, 2018, n.p.).
Nas narrativas acima, evidenciamos que os docentes Barreto e Souza têm buscado
valorizar os saberes trazidos pelas/os educandas/os, a partir do contexto que vivem suas
famílias. Em outras palavras, entendemos como um passo importante para a síntese
cultural, pois o professor ao se colocar na condição de aprender é uma atitude que
demonstra que não existe uma cultura soberana, que as culturas são mistas e uma
depende da outra para sobreviver em sociedade.
CONSTRUÇÕES DAS IDENTIDADES DE EDUCADORAS/ES NA EFA ZÉ DE DEUS
Ao tratarmos das reflexões sobre práticas educativas, destacamos anteriormente sobre
a formação integral e emancipatória das/dos educandas/os e a elaboração de síntese
cultural, a partir de práticas educativas, baseadas na pedagogia da alternância enquanto
8
Segundo Paulo Freire (2011, p. 205), a invasão cultural, é uma modalidade da ação antidialógica e consiste na
penetração cultural que os invasores fazem no contexto dos invadidos.
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movimento de formação integral e emancipatória dos sujeitos envolvidos no processo de
ensino e aprendizagem.
É importante lembrar que a interação educativa entre escola, comunidade e família é um
requisito fundamental para o sucesso na aprendizagem dos estudantes. No que diz
respeito aos educandos da EFA, a professora Abreu (2019) também enfatiza que há
necessidade de uma presença maior dos familiares.
[...] Então, nem sempre a família deles está presente. Mas, lá na EFA temos alunos que tem
17 anos e, já toma de conta da vida dele, ele quem sabe o que ele quer porque nem sempre
tem os pais presentes. Mas a EFA é mais acolhedora para os alunos e eles chegam lá na
EFA tristes, muito tristes. Eles chegam falando assim: Tia (ou professora) nunca vi isso! [...].
Ai você se depara com alunos que pensam em desistir, ai você vai se aproximando,
desenvolvendo o conteúdo. Porque tem alunos nossos que trabalham e trabalham muito,
aquela semana que eles vão para casa eles trabalham, até mesmo para pagar o transporte
e vir para a escola para estudar.
A narrativa acima nos mostra que o profissional que atua na EFA Zé de Deus, por
vezes, precisa assumir outras identidades além de a de professor/a, mas também de
amiga/o ou conselheiro para conseguir se aproximar das/os alunas/os que chegam
bastante tímidos e com dificuldades de aprendizagens, ou seja, a construção desse laço
afetivo é fundamental para que eles consigam permanecer na escola e ter um bom
rendimento nos estudos.
Nesse movimento de análise em relação à identidade e ao contexto, Hall (2006, p. 12)
enfatiza que a identidade costura [...] o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos
quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais
unificados e previsíveis. Acreditamos que, a partir do instante que o/a professor/a se
identifica com a dinâmica de funcionamento da EFA, se sente mais pertencente à cultura
da escola, reconhecendo a importância da presença das famílias na escola para
contribuir com seu trabalho de formação do discente.
Morando em Colinas desde seu nascimento, o docente Pinho (2018) se considera um
profissional que busca qualificar a formação das/os educanas/os da EFA. Destacando
que
. Ao trabalhar a/o discente
para que tenham os valores mencionados acima, percebemos que o elo entre a pessoa
e o profissional é tênue, ao passo que nessa fala externam as características pessoais e
o desejo profissional de provocar a mudança em alguns/as educandos que [...] chegam
à EFA sem querer aprender e saem pessoas transformadas e as próprias famílias
reconhecem essa mudança [...]”.
Compreendemos que ao construir sua identidade docente na EFA Zé de Deus, o ser
educador para Pinho (2018) tem se realizado pela seriedade e decência (FREIRE,
2018), em práticas preocupadas com a humanização da/o educanda/o. Além disso,
busca estabelecer com o contexto escolar uma relação de pertencimento com a escola
família agrícola, ou seja, fica evidente, na última narrativa citada acima, que o educador
valoriza o seu lugar de atuação, sentindo-se comprometido com a EFA. Identificar-se,
reconhecer-se como educador leva tempo; um tempo para construir essas imagens,
falamos no plural porque a carreira docente é permeada por imagens que o/a educador/a
tem de si mesmo, como também da imagem feita por outras/os pessoas.
Arroyo (2010, p.13) corrobora com a ideia que [...] o que sabemos fazer e temos de
fazer, no cotidiano do convívio com a infância, adolescência e juventude não cabe em
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imagens simplificadas, nem em um único conceito, professor, docente, mestre,
alfabetizador, supervisor, orientador [...]. Segundo o autor, carregamos diversas
imagens que são construídas dentro de nossas histórias e que muitas vezes carregam
traços comuns ao ofício. Logo, analisando as narrativas de Pinho (2018), observamos o
ser educador como uma imagem elaborada por ele e vista pela sociedade; esta imagem,
assim como sua identidade se faz e se refaz nas relações humanas que ele participou
durante sua trajetória de vida.
Freire (2018) ressalta que somos seres inacabados e que ao percebermos essa
condição de seres inconclusos, agimos e nos confrontamos com as situações que a vida
nos apresenta e, no tocante a vida de professor essa inconclusão leva-o a construção
do ser e estar na profissão:
[...] O melhor ponto de partida para estas reflexões é a inconclusão do ser humano de que
se tornou consciente. Como vimos, aí radica a nossa educabilidade, bem como a nossa
inserção num permanente movimento de busca em que, curiosos e indagadores, não
apenas nos damos conta das coisas, mas também delas podemos ter um conhecimento
cabal. A capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar, mas sobretudo para
transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a, fala de nossa educabilidade a um
nível distinto do nível do adestramento dos outros animais ou do cultivo das plantas.
(FREIRE, 2018, p. 67).
Somos, portanto, seres que buscam a mudaa e o crescimento independente de nossa
função e, sendo educadoras/es ao buscar os aprendizados da prática e ao refletir sobre
nossa prática, estamos, sobretudo, dialogando com a realidade dos educandos e
recriando a nossa própria realidade. Sobre isso, o professor Chaves percebe que há
peculiaridades em relação aos educandos que chegam à EFA Zé de Deus:
Agora o nível de estudo daqui é diferente, porque a gente pega uma clientela de diversos
municípios, de diversas camadas sociais, principalmente aqueles que m de
assentamentos e de origem rural e vêm para dentro de uma escola feito a nossa. E daqui
ele tem uma formação técnica e sai daqui apto a prestar o serviço técnico agrícola para
outras instituições, nós temos alunados que saíram daqui e já estão trabalhando no
Ruraltins. Dos 23 que se formaram o ano passado, oito estão na faculdade, então, isso é
visível que o ensino aqui é bom, tem qualidade e dá resultados (CHAVES, 2018, n.p.).
Analisando essa narrativa de Chaves (2018), a Escola Família Agrícola Zé de Deus
tem contribuído para a melhoria do ensino da região, pelo seu potencial transformador
da vida das/os educandas/os a partir da vivência na EFA. Freire (2011) entende que o
professor consciente de sua função e sabendo-se sujeito da transformação não pode
estar no mundo de forma neutra, ele deve buscar uma educação problematizadora, que
possibilite ao educando aprender de forma simultânea com o mundo a sua volta. De
acordo com Freire (2011, p. 55) [...] num pensar dialético, ação e mundo, mundo e ão,
estão intimamente solidários. Mas a ação só é humana quando, mais que um puro fazer,
é quefazer, isto é, quando também não se dicotomiza da reflexão [...]”.
EFA ZÉ DE DEUS”: PROTAGONISMOS DE EDUCADORAS/ES E EDUCANDAS/OS NA
CONSTRUÇÃO DE EDUCAÇÃO DO/NO CAMPO, NO TOCANTINS
Concordamos com Moita (2013, p. 136) ao afirmar que [...] a profissão é um espaço de
vida que é atravessado por processos de formação que, aparentemente, nada tem a ver
com o mundo intraprofissional [...]. Nesse sentido, compreendemos que a formação de
um professor é cotidiana, isto é, a maneira como abordará a realidade e os conteúdos,
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fazem parte da construção de seu modo de ser professor, o que passa a constituir
vertentes de suas identidades.
Contribuindo para esse debate Paulo Freire (2018) destaca que os saberes são
indispensáveis na formação da identidade do educador. Isso implica em dizer que as
experiências desenvolvidas ao longo da vida ocorrem na troca de saberes entre quem
ensina e quem aprende. Nesse aspecto, define o autor, não há docentes sem discentes
e ambos se explicam e se complementam no processo de construção do ensinar e
aprender, pois, [...] apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição
de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar alguma coisa a alguém [...]
(FREIRE, 2018, p. 25).
Baseados nesses pressupostos e como proposta reflexiva, Freire, continua chamando
ateão sobre o processo de formão da identidade docente no qual salienta que
quanto mais exerce sua capacidade de aprender, mais o/a educador/a desenvolve sua
curiosidade epistemológica. O diferencial dessas premissas é que a educação pode
ser libertadora quando não perde sua capacidade de problematizar, e, sobretudo na
medida em que: [...] servindo à liberdade, se funda na criatividade e estimula a reflexão
e a ação verdadeira dos homens sobre a realidade, [...] como seres que não podem
autenticar-se fora da busca e da transformação criadora (FREIRE, 2011, p 72).
A educação contrária à libertadora pauta-se na educação bancária que é o depósito de
conteúdos, de transmissão de valores e conhecimentos, para os que se encontram na
condição de aprendizes e nunca de quem ensina.
Como parte do processo de construção docente, Abreu (2019) relatou que a primeira
escola onde atuou disponibilizava seu conteúdo em apostilas para que todas/os as/os
professoras/es as seguissem. A partir deste relato nos deparamos com um dos primeiros
desafios apresentados pela educação tradicional: seu aspecto bancário, criticado por
Paulo Freire (2018) por ser antagônico à educação libertadora. Afinal, para Freire (2018),
a educação libertadora e, portanto efetiva, é aquela baseada no exemplo e na relação
dialógica entre educador/a e educandas/os e não em rmulas pré-fabricadas, em forma
de apostilas que ofertam pouca autonomia ao/a professor/a. Logo, o contexto do primeiro
contato de Abreu (2019) com a profissão docente foi diferente daquela com que se
deparou ao iniciar sua atuação na EFAZé de Deus.
Antes a professora Abreu (2019) se via em uma escola particular, onde ela seguia as
apostilas de conteúdos, dava suas aulas e retornava para casa. Atualmente, ela se vê
em uma escola que enfatiza a importância do convívio com os estudantes, do contato
familiar entre educadoras/es e educandas/os. Para, ela [...] EFA é o lugar que eu me
apaixonei! De todas as escolas que eu já trabalhei a EFA despertou uma paixão. [...]
Então, assim eu vejo a EFA como uma família acolhedora (ABREU, 2019, n.p.). Ao
analisar essa narrativa, percebemos que a professora compreende que o formato da
EFA favorece o acolhimento de educadoras/es e de educandas/os, o que contribui para
interação de sua identidade docente com o espaço de atuação, oportunizando a sua
atuão na EFA.
Ao contrário da educação bancária, dialogaremos com as contribuições de Freire (2011)
com sua perspectiva sobre a síntese cultural que, para o autor, é parte do processo de
uma educação dialógica, problematizadora. Consequentemente, ao respeitar o contexto
de vida e a cultura das/os educandas/os, opõe-se à invasão cultural e propõe as/os
educandas/os o uso da cultura como instrumento de libertação. Freire (2011, p. 247)
define que na síntese cultural os atores se integram com os homens do povo, atores
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também, da ação que ambos exercem sobre o mundo. Portanto, para que ocorra uma
síntese de culturas é necessária a participação do/a educador/a e dos educandos, em
união, para compreender o mundo, em sua complexidade e transformar as realidades.
Entendemos que uma educação que forme cidadãos críticos, capazes de atuar sobre
seu contexto; uma educação que busque sintetizar saberes e modos de vida distintos,
só ocorrerá com a mediação de educadoras/es comprometidos com a transformação
social.
Uma dimensão importante que apareceu nas narrativas das/os educadoras/es foi sobre
os sentimentos e os sentidos de atuar na Escola Família Agrícola Zé de Deus.
Possibilitando um diálogo com o que Hall (2014, p.21), nos apresenta:
[...] Em parte, damos sentido às coisas pelo modo com as utilizamos ou as integramos em
nossas práticas cotidianas. É o uso que fazemos de uma pilha de tijolos com argamassa
que faz disso umacasa; e o que sentimos, pensamos ou dizemos a respeito dela é o que
faz dessa casa um lar. Em outra parte ainda, nós concedemos sentidos as coisas pela
maneira como as representamos as palavras que usamos para nos referir a elas, as
hisrias que narramos a seu respeito, as imagens que delas criamos, as emoções que
associamos a elas, as maneiras como as classificamos e conceituamos, enfim, os valores
que nelas embutimos.
Sobre isso, quando perguntamos ao professor Pinho (2018) sobre os sentidos
envolvidos em ser educador na EFA, ele destaca o seu compromisso em dar o máximo
que possibilite a formão dos alunos. Para ele, ser educador não é apenas ensinar
conteúdos, ou seja, preocupar-se apenas com a dimensão técnica-profissional, mas
formar[...] um profissional que tenha a questão moral e ética e da humildade também,

Assim, segundo Hall (2014, p.21), [...] sentido é o que permite cultivar a noção de nossa
própria identidade, de quem somos e a quempertencemos e assim, ele se relaciona
a questões de como a cultura é usada para restringir ou manter a identidade dentro do
grupo [...]. Por isso, observa-se que, ao se preocupar com os valores éticos, Pinho
(2018) revela a sua própria identificação com eles, isto é, constituindo-se parte da sua
constrão identitária docente na EFA Zé de Deus.
A professora Abreu (2019) destaca a importância de incentivar as/os alunas/os da EFA
a buscarem seu lugar no mundo e o sentido que ela atribui a sua prática é de uma
educadora que entende e estimula que as/os educandas/os tornem-se protagonistas no
mundo.
Sim, eu sempre falo para eles essa questão de ir ats. Não se prendam só aqui no que eu
falo para vocês, se eu ensinei uma coisa e você foi lá na sua casa e viu que tem uma coisa
a mais, pesquise, procure e não o assunto da minha disciplina mais do geral, eu sempre
falo para eles que gosto que eles venham com coisas novas que nem eu estava sabendo.
Ó professora aquilo que a senhora falou eu vi que tem mais isso e isso... É o que eu acho
bacana. (ABREU, 2019, n.p.).
Enquanto que o professor Sousa (2018) reconhece que a dinâmica da EFA Zé de Deus
é peculiar, pois como o sistema aqui é de semi-internato mesmo, eles passam a semana
aqui dormem aqui, manhã, tarde e noite, e o contato é maior. Ele congrega dos mesmos
sentidos do ser educador/a narrados por Pinho (2018), ao afirmar características que
passaram a compor sua identidade, a partir das experiências na EFA Zé de Deus: Eu
sinto que eu sou mais carinhoso e não tem como não ser. O professor que vier para cá
achando que irá dar sua aula, executar as atividades, dando aula e só passar o conteúdo
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para o aluno que quiser absorver ou não, esse professor está muito enganado [...]
(SOUZA, 2018, n.p.).
Professora Silva (2018) nos relata como a vivência com as/os educandas/os e a
dinâmica da EFA Zé de Deus repercute na sua identidade; para ela a pessoa torna-se
parte da escola, fazendo do local de trabalho a segunda casa, diante do modo como se
dá o convívio na escola, o que para ela representa uma responsabilidade maior com
as/os educandas/os.
É diferente aqui, nas outras escolas é possível separar o pessoal do profissional, mas aqui
quando você começa a trabalhar no dia a dia se torna uma segunda casa e você nem tem
tempo para respirar e pensar em nossos problemas, pensar nos alunos, porque temos
alunos de várias realidades aqui. Aqui se vo perguntar, alunos que têm família e alunos
que não têm, poucos vivem com a família tradicional, a maioria hoje vive só com a mãe,
alunos criados pelos avós, ou pela madrasta. Aí você vê muita carência nos alunos que
ficam aqui, aqueles que gostam, que se adaptam formam e se tornam alunos de casa e tem
aqueles que não gostam e saem no primeiro ano porque eles querem voltar para outras
escolas que não têm essas regras e querem estudar um período. E nós somos
professores responveis por esses alunos e cada um em sua função, somos responsáveis
por eles (SILVA, 2018, n.p.).
Nesse sentido, as identidades docentes são resultados de vivências pessoais e
profissionais, (re)construídas diariamente no convívio cotidiano com seus pares,
considerando os sentidos sociais de ser educador/a na EFA Zé de Deus. Para Hall
(2006, p.12):
[...] O fato de que projetamos a nós próprios’ nessas identidades culturais, ao mesmo tempo
em que internalizamos seus significados e valores, tornando-os parte de nós’, contribui para
alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo
social e cultural.
Assim, as demandas da EFA Zé de Deus influenciam a percepção de quem as/os
educadoras/es são para eles mesmos e para os outros, bem como o sentimento de
pertença, articulado com os papéis sociais que ocupam, conforme aponta a narrativa do
professor Chaves (2018):
Aqui na escola não, nós temos que fazer o papel completo se o aluno não quer [aprender]
não, nós temos que motivá-los; levar para a sala de aula; levar para o campo; trazê-lo para

na EFA é diferente porque você fica com o aluno 24 horas, ai você acaba tendo de levá-lo
ao hospital, suprir as necessidades dele, porque a escola só não supre 100% das
necessidades do aluno; não supre o emocional, a parte de saúde, porque o aluno e professor
são passivos disso, então, assim minha transformação foi muito notória, porque eu tinha
outra visão de escola, outra visão de aluno. (CHAVES, 2018, n.p.).
Para a professora Silva (2018), o sentido de ser educadora na EFA está relacionado à
dedicação, não só ministrar os conteúdos, mas também conhecer e compreender a
realidades das/os educandas/os para que seja possível um aprendizado efetivo e
contextualizado.
Você aqui tem muitos que se esforçam, que participam, principalmente nós professores de
área temos esse objetivo de trabalho de formiguinha e os de agrárias é o de
profissionalizar.[..] Eu aprendi muito aqui com isso!! Aqui eu tenho que analisar a realidade
que o aluno está vivendo, a pesquisar o aluno que você trabalha de onde ele veio e aí
começar. O público que fundou a escola hoje não é mais o mesmo dos municípios que
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fundaram a escola, só Palmeirante que permanece, então tem que se resgatar essa
ideologia da escola (SILVA, 2018, n.p.).
A nossa interlocutora Silva (2018) relatou ter aprendido bastante com sua atuação na
EFA, obtendo crescimento pessoal e profissional, pois reconhece a importância de seu
trabalho e o percebe como algo que, aos poucos, mostra os resultados. Esse
conhecimento de si e da profissão é também um momento formador de identidade, pois
a profissão se faz também na reflexão permanente sobre a prática docente. Nessa
perspectiva, segundo Freire (2018, p. 40), [...] por isso é que na formação permanente
dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É
pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima
prática.
Nessa perspectiva, é que a educação do campo prevê princípios que valorizam a cultura
das/os educandas/os, articulada à compreensão da economia e da sociedade como um
todo, possibilitando que educando se torne um cidadão crítico e consciente do seu papel
em sua comunidade. De acordo com o Plano de Curso da EFA Zé de Deus:
[...] A educação baseada na Pedagogia da Alternância considera que a formação no meio
rural, para ser completa depende das experiências vividas na escola, na família e na
comunidade. Para tanto estabelece uma relação entre o meio em que vive o aluno e a EFA.
Esse princípio educativo que concilia escola, vida e trabalho, consiste em repartir o tempo
de formação do jovem em período de vivência na EFA e no meio, permitindo o
desenvolvimento da vida pela refleo. Esse ritmo alternado rege toda a estrutura da EFA,
buscando a conciliação entre a escola e o fazer, permitindo que o jovem não se desligue da
sua família e do seu meio (TOCANTINS, 2017, p. 10).
Assim, Schmitt (2017, p. 157) lembra que a EFA surgiu como possibilidade de educação
do campo, uma educação esperada pelas/os trabalhadoras/es rurais que se fixaram em
assentamentos e em pequenas propriedades da região de Colinas do Tocantins. Por
isso, as atividades desenvolvidas na EFA Zé de Deus são pautadas na educação do
campo, cuja finalidade é de atender aos interesses dos povos do campo. Nesse sentido,
há de se formar educadoras/es para [...] ajudar a construir e a fortalecer identidades;
desenhar rostos, formar sujeitos, isto tem a ver com valores, modo de vida, memória,
cultura (MOLINA; JESUS, 2004, p. 26).
Esta também é uma das funções da escola: trabalhar com os processos de percepção e de
formação de identidades, no duplo sentido de ajudar a construir a visão que a pessoa tem
de si mesma (autoconsciência de quem é e com o que ou com quem se identifica), e de
trabalhar os vínculos das pessoas com identidades coletivas, sociais: identidade de
camponês, de trabalhador, de membro de uma comunidade, de participante de um
movimento social, identidade de gênero, de cultura, de povo, de nação. (MOLINA; JESUS,
2004, p. 26).
Logo, é também papel da escola cultivar identidades, no sentido de contribuir para a
percepção que a pessoa tem de si mesmo, do mundo a sua volta, do seu modo de vida
e das diferenças existentes em nossa sociedade. Uma escola com a filosofia de escola
do campo já nasce com essa perspectiva em torno de sua função de fortalecer vínculos
identitários.
Durante as entrevistas, dentre outros fatores, ficaram evidentes os significados que as/os
docentes atribuem às suas práticas pedagógicas. Assim, o que emergiram nas
narrativas nos mostra pontos interessantes que merecem destaque:
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A gente observa o seguinte, que é gratificante ver o profissional que foi formado aqui
exercendo uma função de técnico que ele passou por uma seleção, e que a questão foi o
profissional e a pessoa que esse o amadurecimento da pessoa que teve uma boa formação,
isso é o que a gente ouve falar de nossos alunos que estão atuando aqui.[...] Ele acaba
entrando naquele mercado naquela comunidade como um aluno que está desenvolvendo
o uma atividade e ali ele será um ponto de referência daquela atividade na região dele.
Então, no trabalho e ele acaba sendo uma diferença e a gente trabalha esse profissional
para lá na comunidade ele ser a referência [...] (PINHO, 2018, n.p.).
Em outra narrativa, a vida na universidade contribuiu para que Abreu (2019) mudasse
sua maneira de pensar a educação, de ver que as/os educandas/os são diferentes e
trazem realidades distintas que precisam ser educadas/os de formas diferentes, ao
responder sobre os resultados das/dos educandas/os da EFA Zé de Deus, a professora
destacou seu sentimento:
Eu me sinto muito feliz muito orgulhosa e, eu falo isso para eles quando eu vejo um aluno
que conseguiu. Quando vo vê aquele aluno, aquele que tinha mais dificuldade, aquele
que vo insistia e não conseguia aprender e quando você vê o aluno passou, entrou na
faculdade, conseguiu uma nota boa no ENEM. Então, é esforço deles e nosso como
professor, tem que ter uma cooperação. (ABREU, 2019, n.p.).
A atitude da professora com suas/seus educandas/os revela a importância da
capacidade da/o docente colocar-se em posição de ser humano que faz a diferença no
mundo o que para Freire (2018, p. 20): [...] Quer dizer, mais do que um ser no mundo, o
ser humano se tornou uma presença no mundo, com o mundo e com os outros [...].
A gente ouve o comentário que esse aluno saiu aqui da EFA e que foi indicado até por um
de nós professores é gratificante né? Que este aluno está transmitindo e multiplicando esse
conhecimento. [...] E eles dão continuidade de estar buscando o conhecimento mesmo
depois da formação, a maioria da zona rural vem tirar alguma dúvida e isso para mim é muito
gratificante, eles veem que o conhecimento é importante para mudar a situação. (SOUZA,
2018, n.p.).
As narrativas acima deixam evidente a satisfação dos professores por contribuírem com
o crescimento das/os educandas/os. Ao desempenharem esta função as/os
educadoras/es assumem uma tarefa social na EFA que é oportunizar as/os
educandas/os a desenvolverem uma consciência crítica em relação à sua realidade.
Freire (2011, p. 49) destaca sobre o papel da educação libertadora que está baseada na
reflexão e na ação:
[...] É preciso, enfatizemos que se entreguem a práxis libertadora. A prática libertadora só é
possível a partir de uma educação que dialogue com o indivíduo, com o mundo a sua volta
e que desenvolva neste o senso crítico. À medida que o homem tem consciência de si e se
torna crítico, o sentimento de mudança brota nele.
Nesse sentido, o autor defende uma educação através do diálogo, no qual considera a/o
educanda/o não como um recipiente vazio a ser preenchido, mas como sujeitos que
possuem saberes diversos, e relevantes, no qual devem ser reconhecidos e valorizados
pela escola. Nas narrativas acima, evidenciamos que as/os educadoras/es estão
assumindo identidades docentes da escola do campo, visto que uma preocupação
quanto a formão de educandas/os, sobre o que é a emancipação das/os mesmas/os
a partir dos conhecimentos construídos na EFA.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A dinamização do trabalho escolar na EFA, pautada pela pedagogia da alternância,
destaca a relevância do/a educador/a como elo da cultura escolar com a construção de
saberes que favoreçam a formação das/dos educandas/os do campo.
O que observamos nas falas das/os docentes da EFA Zé de Deus é que o caminho do
diálogo está sendo percorrido e que todos têm consciência do seu inacabamento, ou
seja, sabem que a cada dia estão aprendendo novos conhecimentos, nos diferentes
momentos de interação proporcionados pelo fazer-se educador/a na EFA.
Nas narrativas observou-se a importância das histórias de vida para a constituição do
ser educador/a na EFA, como por exemplo, Souza engenheiro agrônomo desenvolveu
suas habilidades como educador a partir do projeto pedagógico que orienta na EFA.
Barreto, originário do campo tocantinense, também graduado em Agronomia, estudou
na escola pública teve a oportunidade de uma formação acadêmica mais completa,
cursando um mestrado, entretanto, continua trabalhando como educador de escolas do
campo. Chaves, oriundo do ensino público cursou licenciatura e trabalhou em outros
ramos profissionais como financeiro e, atualmente sente que todas as funções que
trabalhou contribuem para sua atividade na EFA.
Por meio desta pesquisa na EFA Zé de Deus, entendemos que o ponto de partida para
se compreender a construção de uma identidade é a cultura, ou melhor, as diferentes
culturas que proporcionam a construção de teias de significados que, ora são individuais,
ora são partilhados entre educadoras/es do campo.
Sobre isso, observamos que as/os docentes demonstraram respeito pelas culturas dos
educandas/os, e que o ensino ministrado pelas/os mesmas/os vem contribuindo com a
formação de jovens críticos. Sem dúvida, o teórico que nos deu a dimensão e a
consciência para valorizar o que aprendemos e buscamos compreender foi Paulo Freire
(2011, 2018) que, com sua epistemologia nos fez perceber que o caminho para uma
educação cidadã, justa, crítica e democrática é longo, cheio de dificuldades, mas que
não podemos desistir, visto que a educação é a base da sociedade e a oferta de
diferentes oportunidades para o ser mais depende do caminho de liberdade e equidade
traçado.
Ouvimos histórias de vida distintas, mas que se encontraram ao compreenderem que a
educação na EFA Zé de Deus deve estar vinculada ao afeto; àsões dialógicas; à
prática libertadora; ao querer bem a/o educanda/o e suas famílias; à responsabilidade de
formar homens e mulheres não só a partir da dimensão técnica, mas também humana,
social, cultural e política.
Alguns achados desta pesquisa podem ser assim resumidos: 1) O lugar de atuação
profissional interfere no modo de ser professor; 2) A entrada na profissão docente nem
sempre é por um desejo inicial, às vezes é por uma desilusão, necessidade ou por
afinidade; 3) A educação é uma ponte para o crescimento humano em vários aspectos;
4) Nenhuma cultura é menor ou maior que outra; assim também é a identidade, que é
constrda a partir de elementos diversos, durante nossas histórias de vida.
Ao finalizar esta pesquisa, pudemos conhecer a EFA Zé de Deus que é, acima de tudo,
uma conquista para a população do campo Tocantinense. Compreendemos que o
importante na relação pessoal e profissional é o autoconhecimento que nos permite
(re)conhecer-se como pessoas e como profissionais. Para compreender como se
construiu a identidade docente na EFAZé de Deus foi fundamental a leitura do plano
de curso da escola e verificar a função da pedagogia da alternância, bem como da
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intenção de profissionalizar educandos, a partir da humanização, sem desvinculá-los de
seu contexto. Observamos que isso perpassa também, pela construção da identidade
docente a fim de conduzir o aprendizado e a construção de conhecimentos, atitudes e
práticas que sejam pertinentes e relevantes à vida dos educandos do campo.
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Trabalho & Educação | v.29 | n.3 | p.113-130 | set-dez | 2020
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Data da submissão: 17/08/2020
Data da aprovação: 12/12/2020