Trabalho & Educação | v.30 | n.1 | p.145-160 | jan-abr | 2021
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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2021.25104
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
TUTORIA NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONTEXTOS DE ATUAÇÃO
NAS REDES PÚBLICAS E PRIVADAS
1
Tutoring in Distance Education Contexts of Performance in Public and Private
Networks
FERREIRA, Andréa de Assis
2
PEREIRA, Érika Abreu
3
COSTA, Lorena Andrade
4
RESUMO
Este artigo tem por objetivo discutir o contexto de atuação dos tutores nos cursos superiores em
Educação a Distância (EaD), desde a implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN), que regulamentou a EaD no cenário brasileiro. Trata-se de uma pesquisa
bibliográfica com alise documental, em que o apresentadas considerações acerca do exercício da
tutoria em instituições públicas e privadas. Os estudos decorrentes de uma revisão da literatura
revelaram que, embora se trate de contextos de atuação diferentes, a tutoria tem sido uma forma de
precarização do trabalho docente. Nota-se que a ausência de legislão que regulamente o trabalho
do tutor como professor favorece a exploração desses tutores, profissionais que exercem um papel de
relevância na EaD.
Palavras-chave: Tutoria. Educação a Disncia. Profissionalização.
ABSTRACT
This article aims to discuss the context of the tutors' performance in higher education courses in distance
education (DE) since the implementation of the Law of Guidelines and Bases of National Education
(LDBEN), which regulated DE in Brazilian scenario. This is a bibliographic research with documentary
analysis, which shows considerations about tutoring in public and private institutions. The studies
resulting from a literature review reveal that, although they address different contexts of practice, tutoring
has been a way of precarious teaching work. It is possible to realize that the lack of legislation regulating
the tutor's work as a teacher promotes the exploitation of these professionals who play a highly relevant
role in distance education.
Keywords: Tutoring. Distance education. Professionalization.
*Todas as autoras contribuíram igualmente para esse trabalho.
1
O texto não foi apresentado ou publicado, anteriormente, em encontros e/ou outros eventos científicos;
2
Doutora em Educação pela UFMG. Mestre em Pós-doutora em Educação (UFMG, 2011). Possui Doutorado em Educação (UFMG/FAE)
e mestrado em Educação Tecnológica pelo CEFET/MG (2004), especialização em Metodologia do Ensino Superior pelo CEPEMG (2002)
e especialização em Educação Tecnológica pelo CEFET/MG (2002). Licenciatura em História pelo Centro Universitário de Belo Horizonte
(2001). Professora efetiva do Centro Pedagógico da UFMG e do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação UFMG.
Coordenadora da linha de pesquisa Mediação das Tecnologias Digitais no ensino e desenvolvimento profissional de professores.
3
Mestre em Educação e Docência pela UFMG. Graduada em Pedagogia e Letras Inglês. Professora da Educação Básica e Tutora na
EaD. Integrante do grupo de pesquisa Mediação das Tecnologias Digitais no Desenvolvimento Profissional de Professores da UFMG. E-
mail: tutoriaeaderika@gmail. com.
4
Mestre em Educação e Docência pela UFMG. Graduada em Geografia. Professora da Educação sica. Integrante do grupo de pesquisa
Mediação das Tecnologias Digitais no Desenvolvimento Profissional de Professores da UFMG. E-mail: logeografia@gmail.com.
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INTRODUÇÃO
A Educação a Distância (EaD) vem ocupando um espaço considerável no cenário
brasileiro nos últimos 20 anos, desde a sua regulamentação na Lei de Diretrizes e Bases
da Educão Nacional LDBEN/96. Por conseguinte, muito se tem discutido sobre o
trabalho da tutoria nos cursos a distância.
Na EaD, o tutor é o profissional responsável pela mediação pedagógica entre os
estudantes e as instituições de ensino, sejam públicas, sejam privadas. Embora cada
instituição possua as suas particularidades e possam criar os seus próprios modelos de
EaD, é comum encontrar o exercício da tutoria virtual e presencial
5
nos cursos a
distância. De modo geral, o tutor presencial é o profissional que costuma ministrar os
encontros presenciais nos polos de apoio ao estudante, ele é responsável por aplicar
avaliões e ministrar aulas, juntamente com o professor formador; enquanto o tutor
virtual atua nas diversas plataformas virtuais, realizando interações com os alunos de
maneira síncrona e assíncrona. Trata-se de um trabalho docente que vem se
estabelecendo no cenário brasileiro em condições pouco favoráveis, uma vez que,
dentre os demais profissionais docentes que atuam na EaD, o tutor é aquele que se
encontra em situação de maior precarização.
O trabalho do tutor não é regulamentado como profiso docente, o que acarreta uma
remuneração inferior desse profissional, além de gerar inconsistências no que diz
respeito às questões relacionadas à profissionalização, como se a trajetória desses
profissionais não se incorporasse à trajetória pela qual a profissão docente vem se
constituindo, através de sua identificão profissional e do seu reconhecimento na
sociedade (PEREIRA, 2020). Nas instituições públicas, o tutor é um bolsista, e, assim
como os demais docentes da EaD, não usufrui dos direitos trabalhistas assegurados aos
profissionais do magistério. Um exemplo concreto é a falta de um plano de carreira, o
qual requer a estabilidade dos profissionais, algo que parece distante, se considerarmos
que a EaD foi implementada no Brasil por meio de programas.
A expansão exorbitante da EaD na rede privada leva-nos a questionar o papel ocupado
por esses profissionais em meio à lucratividade, pois, assim como na rede pública, o tutor
está sujeito a uma remunerão inferior em relação aos demais profissionais docentes,
além do trabalho intensificado em decorrência de alto número de alunos atendidos
(NEVES, 2011). São resguardados pela CLT, porém não são categorizados como
docentes. Aparentemente isso justifica a inserção desses profissionais no contexto
capitalista.
Este artigo se baseia em pesquisa teórico-bibliográfica e documental. Para situar o
trabalho desses profissionais, fizemos um levantamento da legislação brasileira e das
formas nas quais a tutoria na EaD vem sendo exercida nas redes públicas e privadas.
Os marcos regulatórios da EaD no Brasil são relevantes neste estudo, pois nos permitem
traçar um parâmetro dos rumos tomados pela docência na Educão a Distância e assim
consolidar a função de tutoria na mediação pedagógica. É possível, ainda, estabelecer
5
Convém esclarecer que as instituições têm autonomia para implementar os seus modelos de tutoria. Nesse
contexto, é possível encontrar instituições que adotem apenas a tutoria virtual, outras que contam com um
único profissional exercendo a tutoria virtual e presencial ao mesmo tempo, ou seja, o tipo de tutoria adotado
está atrelado ao modelo de EaD adotado pela instituição.
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os rumos tomados pela tutoria nas duas esferas distintas da Educão a Distância: a
rede pública e privada.
1. A TUTORIA NO BRASIL APÓS A REGULAMENTAÇÃO DA EAD
A tutoria é um conceito que vem sendo amplamente utilizado no cenário brasileiro, desde
a implementação e expansão da Educação a Distância
6
. Mais de 20 anos se passaram
desde a aprovação do primeiro marco regulatório da EaD no Brasil, LDBEN/96
7
, e ainda
é incipiente o número de pesquisas sobre a prática de tutoria, nesta modalidade de
ensino, a partir da compreensão da identidade profissional.
Nesse sentido, destacamos os principais documentos legais brasileiros, como a
LDBEN/96, os Referenciais de Qualidade da Educação Superior no Brasil (BRASIL,
2007), Resolução CNE/CES n.º 1, de 11 de março de 2016, dentre outros, que marcam
o trabalho da tutoria, geralmente desenvolvido por um profissional diferente do que
elaborou o conteúdo do curso e que tem como propósito apoiar a aprendizagem a
distância e o aprendizado autônomo dos estudantes.
Assim que a EaD foi reconhecida como modalidade de ensino pela LDBEN/96, vários
decretos e portarias surgiram para normatizar e especificar a regulamentação publicada
em seu artigo 80. Podemos identificar os principais marcos legais, conforme ilustra a
figura 1:
Figura 1- Legislação EaD
Fonte: os autores
O decreto n.º 2.494/98 foi o primeiro a regulamentar o artigo 80 da LDBEN. Suas
especificões, em caráter amplo, apresentam a EaD como forma de ensino que
possibilita a autoaprendizagem, com foco na mediação de recursos didáticos
apresentados em diferentes suportes de informação (BRASIL, 1998). Podemos
observar, nesse decreto, a abertura ao setor privado e uma preocupação com a
Educação Profissional e de Jovens e Adultos. A abordagem, em caráter amplo, resultou
na criação de um novo decreto, em seguida, o decreto n.º 2.561, de 27 de abril de 1998,
que trouxe definições para os artigos 11 e 12 no que diz respeito ao credenciamento das
instituições vinculadas ao sistema federal de ensino e das instituições de educação
profissional em nível tecnológico e de ensino superior dos demais sistemas (BRASIL,
1998). É possível notar que, nesses marcos regularios, a figura docente não é
mencionada.
6
De acordo com o decreto nº 9.057, de maio de 2017,considera-se educação a distância a modalidade
educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com
a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com políticas de
acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, e desenvolva atividades educativas
por estudantes e profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos”.
7
Em seu artigo 80, a LDBEN/96 estabelece que “O Poder Público incentiva o desenvolvimento e a
veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação
continuada”.
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Em 2005, o decreto n.º 5.622 é criado, trazendo maiores especificões quanto ao
credenciamento e à oferta de cursos na modalidade a distância. Nessa legislação, a
função do professor é associada ao desenvolvimento das atividades educativas em
lugares ou tempos diversos. Em seu artigo 26, a palavra tutor, apesar de não ser definida,
aparece pela primeira vez na legislação brasileira, indicando a importância da seleção e
capacitação dos professores e tutores.
Já o decreto n.º 6.303/07 veio especificar o exercício das funções de regulação,
supervisão e avalião de instituições de educação superior e cursos superiores de
graduação e sequenciais no sistema federal de ensino (BRASIL, 2007), mas foi o decreto
n.º 5.622/05 que trouxe maiores especificidades.
A partir desse e de outros contextos que se instauraram no Brasil, em virtude das políticas
neoliberais, é possível notar uma expansão exorbitante dos cursos em EaD,
especialmente na oferta de cursos de licenciatura. No âmbito da rede pública, é instituído
pelo Decreto 5.800, de 8 de junho de 2006, o Sistema Universidade Aberta do
Brasil
8
.
Embora esse decreto tenha sido responsável pela formação de grande número
de professores em nível superior, é na rede particular que se concentra o maior
contingente de ofertas de cursos de graduão na modalidade a distância.
O Censo da Educação Superior (INEP, 2019, p. 16-42) evidencia o crescimento na oferta
de cursos na modalidade a distância, com um aumento de 45% no número de vagas
oferecidas em cursos de graduação, de 2018 para 2019. O total de ingressantes saltou
de 16,1%, em 2009, para 43,8%, em 2019. Já a oferta na modalidade presencial diminuiu
14,3% nos últimos 5 anos. Segundo os dados do censo (INEP, 2019, p. 27), a rede
privada conta com mais de 6,5 milhões de alunos, o que garante uma participação de
75,8% do sistema de educação superior, ou seja, de cada 4 estudantes de graduação,
3 frequentam uma instituição privada.
Merece destaque o lugar das licenciaturas no contexto das instituições públicas e
privadas. A maior oferta dos cursos de licenciatura concentra-se nas instituições
privadas, onde 73,5% dos estudantes estão matriculados em cursos na modalidade a
distância. Esse dado nos leva a concluir que a maioria dos tutores exerce suas atividades
profissionais em cursos de formação de professores.
Após dez anos de vigência, o decreto n 6.303/07 é revogado pelo decreto n.º 9.057/17.
No que diz respeito ao trabalho docente, houve pouca alusão a não ser em seu artigo
19, quando menciona a possibilidade de parceria como pessoa jurídica. Destacamos a
definição de EaD, presente no artigo primeiro:
para os fins deste Decreto, considera-se educação a distância a modalidade educacional na
qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com
a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal
qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre
outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação
que estejam em lugares e tempos diversos (BRASIL, 2017, s/p. Grifo nosso).
Observamos que a palavra professor não mais aparece, diferentemente do decreto n.º
5.622/05. Em seu lugar, deparamos com o termo profissionais, que, em seu caráter
amplo, designa todos os envolvidos nas atividades educativas. Quanto à mediação
didático-pedagógica, os termos pessoal qualificado parecem justificar aquilo que na
8
Segundo a Capes (2020), existem 116.755 alunos matriculados na UAB.
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educação já está consolidado, ou seja, qualquer modalidade de ensino requer a atuação
de profissionais qualificados.
A ausência das palavras professor ou docentes deixa a impressão de que qualquer
profissional pode exercer a mediação didático-pedagógica nos cursos da EaD, desde
que sejam qualificados, como é ilustrado na legislação. Todo esse aparato legal leva-nos
a questionar o papel ocupado pelo tutor na EaD.
Nesse âmbito, reportamos à resolução n.º 1, de 11 de março de 2016, que estabelece
diretrizes e normas nacionais para a oferta de programas e cursos de educão superior
na modalidade a distância. No capítulo destinado aos profissionais da educão, é nítida
a distinção entre tutores e corpo docente:
§ 1º Entende-se como corpo docente da instituição, na modalidade EaD, todo profissional, a
ela vinculado, que atue como: autor de materiais didáticos, coordenador de curso, professor
responsável por disciplina, e outras funções que envolvam o conhecimento de conteúdo,
avaliação, estratégias didáticas, organização metodológica, interação e mediação
pedagógica, junto aos estudantes, descritas no PDI, PPI e PPC.
§ 2º Entende-se por tutor da instituição, na modalidade EaD, todo profissional de nível
superior, a ela vinculado, que atue na área de conhecimento de sua formação, como suporte
às atividades dos docentes e mediação pedagógica, junto a estudantes, na modalidade de
EaD (BRASIL, 2016, p. 4).
O tutor é um dos principais mediadores no processo de ensino e aprendizagem nos
ambientes virtuais, pois atua diretamente com os alunos, seja nas plataformas virtuais,
seja nos polos de apoio presencial. Além de estar inserido em contexto diferenciado de
ensino, ele é responsável por orientar, direcionar e apoiar o aluno. Dessa forma, já que
atua na medião pedagógica, por que não é referenciado como pertencente ao corpo
docente? Sabe-se que na EaD a docência é exercida por mais de um profissional, como
é comprovado nos estudos de Belloni (2015) e Mill (2014) e de tantos outros estudiosos
que entendem que esses profissionais desempenham um papel docente.
Como na própria regulamentação da EaD, os mecanismos de regulação do papel do
tutor ainda são frágeis. Nesse contexto, a não categorização do tutor como docente da
instituição compromete a profissionalização desses profissionais, o que impossibilita que
eles sejam remunerados como os demais docentes, e afeta questões que envolvem a
identidade profissional, pois, para a legislação, a tutoria aparece como suporte das
atividades docentes.
Diante dessas concepções legais, é importante refletir sobre o papel ocupado pelo tutor
na EaD, nas esferas pública e privada, bem como sobre as condições de trabalho a que
são submetidos, e a forma como a profissionalidade docente vem se desenvolvendo na
EaD, por meio da atuação desses profissionais.
1.1 QUEM É O TUTOR NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA?
A educação sofre inflncia do avao das tecnologias, adaptando o processo de ensino
e aprendizagem ao ritmo de estudo e estilo dos estudantes. As inúmeras ferramentas
tecnológicas são elementos mediadores desse processo, facilitando a interação, a
solão cooperativa dos problemas e articulando os diferentes elementos do intercâmbio
e constrão de conhecimento.
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Apesar de a tecnologia ser uma ferramenta essencial para mediar o processo de ensino
e aprendizagem a distância, o professor é um dos profissionais mais importantes para
impulsioná-lo. Reconhecemos, também, a importância da organização das atividades
educacionais, razão pela qual há a valorização do planejamento, a fim de melhorar
significativamente a qualidade do processo de ensino e aprendizagem, e o uso
adequado do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). É necessário, portanto, enfatizar
a importância da tríade professor, estudante e objetos de conhecimento, e o tutor como
protagonista essencial nessa medião.
Na educação a disncia, são diversas as denominações para o profissional que exerce
a função de tutoria, o qual tem por encargo mediar o processo de aprendizagem dos
discentes. As mais usuais são tutor virtual, tutor eletrônico, tutor presencial, tutor de sala
de aula, tutor local (MILL; FIDALGO, 2007), orientador acadêmico (RODRIGUES;
BARCIA, 2009), assessor pedagógico (ALONSO, 2000), professor orientador (MORAN,
2008), professor coletivo (BELLONI, 2015, p. 2) e, mais recentemente, docentes-
tutores virtuais e docentes-tutores presenciais (MILL; VELOSO, 2018, p. 107). As
diversas terminologias podem ser explicadas pela autonomia das instituições em definir
seus próprios sistemas de EaD, bem como de tutoria. Mesmo com a diversidade de
nomenclatura, a tutoria é dividida em duas principais categorias: a distância e a
presencial (MILL, 2006).
Os tutores virtuais ou a distância são os responsáveis pelo acompanhamento dos
estudantes, por meio dos ambientes virtuais de aprendizagem, durante a oferta de uma
disciplina. Esses profissionais, geralmente, são especialistas na área da disciplina ou do
curso que trabalham e, além do conhecimento específico da área, também precisam ter
conhecimento pedagógico e saberes relacionados ao uso didático das tecnologias
digitais (MILL, 2018).
Em decorrência dessa atuação, são considerados teletrabalhadores, pois o seu local de
trabalho é o ambiente virtual de aprendizagem. Desse modo, os tutores virtuais atuam
nos variados tempos e espos, e suas funções são habitualmente realizadas em casa,
o que requer disciplina e controle do tempo, pois pode haver dificuldade em separar os
momentos de trabalho dos de lazer ou descanso.
Segundo os Referenciais de Qualidade para a Educação Superior a Distância, do
Ministério da Educação, as atribuições da tutoria a distância são compreendidas da
seguinte maneira:
Esclarecimento de dúvidas atras de fóruns de discussão pela internet, pelo telefone,
participação em videoconferências, entre outros, de acordo com o projeto pedagógico. Tem
também a responsabilidade de promover espaços de construção coletiva de conhecimento,
selecionar material de apoio e sustentação teórica aos conteúdos. Frequentemente, os
tutores virtuais o responsáveis por acompanhar os estudantes durante a disciplina,
sanando dúvidas nos ambientes virtuais de aprendizagem e, também, avaliando os
processos de aprendizagem dos estudantes juntamente com o professor responsável pela
disciplina (BRASIL, 2007, p.21).
A tutoria virtual, nesse contexto, se estabelece nos diversos ambientes de aprendizagem
não presenciais, utilizando-se dos variados meios de comunicação para aproximação
com o estudante. A atuação do tutor virtual se destaca no AVA, ambiente no qual ocorre
as mediações por meio dos fóruns de discussão dos conteúdos das disciplinas.
Geralmente, o tutor virtual permanece on-line diariamente e esclarece as dúvidas dos
estudantes em até 24 horas.
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O vínculo dos tutores virtuais com as instituições é muito criticado em razão da
precariedade atribuída às atividades desempenhadas por eles, uma vez que são
taxadas como de menor tempo e qualidade de formação, maior jornada de trabalho
(incluindo a obrigação de permanecerem conectados à internet nos finais de semana) e
menores salários (JUNQUEIRA, 2018, p. 113). Por se tratar de uma função não
regulamentada, os tutores são considerados uma categoria inferior da docência, e seu
trabalho é desvalorizado por parte das instituições, embora seja fundamental para a
garantia de uma aprendizagem de qualidade.
Nessa direção, Gomes enfatiza que ainda existe uma desconsideração da natureza
pedagógica (GOMES, 2015, p. 25) em relação às atividades exercidas pelos tutores
virtuais, em razão das estratégias adotadas pelo poder público, especialmente no que
se refere à política de remuneração, financiada por meio da bolsa CAPES, segundo a
qual, o tutor não possui vínculo empregatício com as instituições, ou seja, nessa política
de remunerão por bolsas, o poder público, no caso da UAB, está isento das
responsabilidades previdenciárias, e o tutor, que exerce fuão docente, não tem o
mesmo prestígio do professor e nem os seus direitos trabalhistas assegurados,
conforme destaca Mill: Um dos pontos que tem merecido atenção, e não parece ser um
dilema com solução prevista para breve, é a doncia-tutoria” (MILL, 2016, p. 444).
Ainda sobre a desvalorização dos tutores, Oliveira (2017) destaca que esses
profissionais são excluídos dos processos de planejamento dos cursos e vistos apenas
como executores de proposições, recebendo remuneração inferior em relação aos
outros profissionais da polidocência.
Já os tutores presenciais são os profissionais que atuam nos polos de apoio presenciais
das instituições públicas e privadas. No ensino blico, os tutores presenciais atuam em
cursos da Universidade Aberta do Brasil, atendendo aos estudantes nos polos de apoio
presencial. Nas instituições de Ensino Superior privado, o modelo de tutoria presencial
pode variar de acordo com a proposta pedagógica de cada instituição.
Os tutores presenciais, geralmente, são formados na área dos cursos da modalidade
semipresencial em que atuam, e dão apoio aos outros docentes na execução de
atividades presenciais, como nas aulas, atividades e nas avaliões finais das
disciplinas.
De acordo com os Referenciais de Qualidade para a Educação Superior a Distância, o
tutor presencial deve conhecer o projeto pedagógico, o material didático e o conteúdo
específico do curso sob sua responsabilidade, a fim de auxiliar os estudantes no
desenvolvimento de suas atividades individuais e em grupo, fomentando o hábito da
pesquisa, esclarecendo dúvidas em relão aos conteúdos específicos, bem como ao
uso das tecnologias disponíveis. Deve ainda participar de momentos presenciais
obrigatórios, tais como avaliações, aulas práticas em laboratórios e estágios
supervisionados, quando se aplicam. O tutor presencial deve manter-se em permanente
comunicação, tanto com os estudantes, quanto com a equipe pedagógica do curso
(BRASIL, 2007).
Corroborando as atribuições destacadas nos referenciais supracitados, Mill (2018)
destaca que esses tutores presenciais atendem ainda às dificuldades técnicas do
ambiente virtual e auxiliam os docentes-formadores em atividades presenciais diversas
(avaliativas ou não).
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Valente, Moran e Arantes (2011) destacam que o tutor presencial é um importante
profissional na mediação pedagógica, pois promove o intercâmbio entre os estudantes
e os demais profissionais da EaD, apoia os discentes na organização dos seus estudos
e, muitas vezes, exerce a função docente no que concerne à elucidação de conteúdos
e à criação de circunstâncias que auxiliam o aluno na construção do conhecimento.
Nesse contexto, a tutoria exercida por tutores presenciais, tutores virtuais, ou até mesmo
de forma mista se caracteriza como um fator crucial na EaD, uma vez que esses
profissionais estão mais próximos do aluno. Entretanto, diante dos diversos contextos,
torna-se importante verificar a sua atuão nas duas esferas: na rede blica e privada.
Tal consideração é importante neste artigo, pois trata-se de contextos distintos, mas que
se assemelham no que diz respeito à precarização do trabalho docente.
1.2 A TUTORIA NA REDE PÚBLICA
A atuação do tutor na rede pública brasileira ganha destaque com a criação do Sistema
Universidade Aberta do Brasil (UAB), no ano de 2005, e sua implementação no ano de
2006, por meio do decreto n.º 5.600. O referido programa é voltado para o
desenvolvimento da modalidade de Educação a Distância, com a finalidade de expandir
e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no Ps (BRASIL,
2006). De modo geral, o sistema UAB é estruturado em forma de articulação entre as
instituições públicas de ensino superior e os polos de apoio presenciais, instaurados nos
diversos municípios, conforme demanda e pactuação entre as entidades.
Convém esclarecer que, antes da UAB, ocorreram iniciativas localizadas de
implementação da Educação a Distância, tais como o Projeto Veredas, em Minas Gerais
(2002), o Consórcio Cederj (2000), no Rio de Janeiro, e a Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT), como afirma Arruda (2018, p. 825). Entretanto, no âmbito nacional, a
UAB pode ser considerada o maior programa de educação superior instaurado no Brasil,
tanto pela abrangência como pelo tempo de duração. São mais de dez anos de vigência
no cenário nacional, embora os caminhos trilhados pela UAB sejam questionados,
especialmente por se constituir como política de governo, desprovido de condições
favoráveis para a sua permancia, como indicam os estudos de Arruda (2016; 2018) e
Mill (2016).
Além do Ensino Superior, ressaltamos que o exercício da tutoria na rede blica
brasileira se faz presente tamm na Educão Profissional e Tecnológica, como é o
caso da Rede e-Tec Brasil, que ofertou 346.717 mil vagas entre os anos de 2011 e
2013
9
, já sob a vigência do Pronatec. Os programas ofertados pelo Pronatec, na
modalidade a distância, seguem a mesma logística da UAB, no que concerne à
disponibilização dos polos de apoio presencial e à utilizão da Plataforma Moodle.
Um fator relevante a ser levado em consideração é que, no âmbito das instituições
públicas que ofertam cursos na modalidade a distância, a figura do tutor é vinculada aos
programas existentes, tais como UAB, rede e-Tec Brasil, Profuncionários, os quais
apresentam estruturas frágeis, uma vez que surgem como políticas de governo e não
como política de Estado, podendo ser interrompidos a qualquer momento, o que dificulta
uma política de valorização do profissional docente. Esses profissionais são bolsistas, e
9
Informação disponível no Relatório de Geso 2013 Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
SETEC/MEC.
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não têm assegurados dos direitos conquistados pela categoria docente. Ao se referir aos
dilemas e perspectivas perceptíveis na história recente da EaD no Brasil, Mill aponta que
As atividades dos tutores da Educação a Distância são, geralmente, ignoradas pelas
instituições do ponto de vista trabalhista. São trabalhadores com funções essenciais ao
processo de ensino-aprendizagem, mas sem qualquer vínculo empregatício com a
instituição. Esse é um dilema que ainda merece muita atenção e reflexões, especialmente
por parte de gestores e governos (MILL, 2016, p. 445).
Convém esclarecer que as instituições, isoladamente, pouco podem contribuir para
melhores condições de trabalho dos tutores, uma vez que, ao aderir aos programas de
ensino a distância, são submetidas às condições estabelecidas no âmbito da legislação
nacional. Diante desses aspectos, convém refletir não somente em relação à atuação do
tutor na EaD, mas sobre o próprio sistema que constitui essa modalidade e seus diversos
desdobramentos no cenário brasileiro.
Para vislumbrar melhores condições aos docentes tutores nas instituições públicas, seria
necessário repensar, em caráter nacional, o verdadeiro papel da EaD, cobrir as lacunas
que o ensino presencial o consegue suprir, ou ser encarada como uma educação que
oferece o ensino e aprendizagem sob as novas reconfigurações do tempo e espaço.
Este último aspecto sugere a ruptura com um modelo de EaD marginalizada e incita a
necessidade de que ela seja concebida nos mesmos padrões de financiamento e de
política de estado da educação presencial, obviamente, dentro de suas especificidades.
A falta de vínculo empregacio é uma questão que afeta não só tutores, mas também os
demais docentes dos programas de ensino a distância na rede pública. Esses programas
pressupõem várias lacunas, especialmente, no que diz respeito à adesão de uma política
de estado voltada à carreira docente na EaD. Conforme Arruda,
ocorre que, na maioria dos cursos ofertados no âmbito do sistema UAB, os professores não
são efetivos, mas provisórios, em situação de efemeridade no curso, uma vez que ele
desenvolve atividades pedagógicas estritamente vinculadas ao pagamento de bolsas de
professor formador (conforme portaria CAPES nº 187 de 2016). Ou seja, a situação do
professor é muito parecida à de professoreshoristas de instituições privadas (ARRUDA,
2018, p. 834).
O pagamento de bolsas, típico dos programas em EaD instaurados na rede pública,
revela a falta de bases sólidas dessa modalidade no cenário brasileiro. No caso
específico do sistema UAB, a forma pela qual os professores são vinculados aos
programas os impede de usufruir dos benefícios da categoria.
A fragilidade que se instaura na EaD, como modalidade de ensino, consequentemente
se reflete nos profissionais docentes que nela atuam. Dentre esses profissionais, o tutor
é aquele sobre o qual a precarização do trabalho incide com maior intensidade. Isso é
perceptível na Portaria n.º 183, de 21 de outubro de 2016, que regulamenta o pagamento
de bolsas, em que o tutor não chega a receber um salário mínimo pela sua atuação,
conforme demonstra o quadro1.
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Quadro 1- Pagamentos realizados no âmbito da CAPES
Titulação
mínima
Exercício
mínimo no
magistério
Básico
Exercício mínimo
no magistério
Superior
Valor (R$)
-
Não
3 anos
1.500,00
-
Não
3 anos
1.500,00
-
Não
3 anos
1.400,00
Mestrado
Não
1 ano
1.100,00
-
Não
3 anos
1.300,00
Mestrado
Não
1 ano
1.100,00
Graduação
1 ano
Não
1.100,00
-
Não
3 anos
1.300,00
Mestrado
Não
1 ano
1.100,00
Graduação
1 ano
Não
765,00
-
Não
3 anos
1.300,00
Mestrado
Não
1 ano
1.100,00
Mestrado
Não
1 ano
800,00
Fonte: Portaria nº 183, de 21 de outubro de 2016.
Não temos a pretensão de comparar a remuneração do tutor com a dos demais
profissionais da EaD, pois todos desempenham uma função importante, já que o
trabalho docente, na complexidade da Educação a Distância, exige o envolvimento de
vários profissionais de forma coletiva, cooperativa e organizada, o que Mill (2014)
denomina como polidocência. No caso específico do tutor, é possível observar que a sua
remuneração é de menor valor, embora sejam exigidas experiência no magistério e
formação acadêmica.
No que concerne ao docente, a remuneração do tutor nos demais programas em EaD,
especialmente na Educão Profissional e Tecnológica, é maior. Após a adesão do
PRONATEC à iniciativa Bolsa-Formação, surge uma nova nomenclatura, a de professor
mediador a disncia e de professor mediador presencial, com atribuições idênticas às
da tutoria, no entanto, a condição de bolsista ainda prevalece nos programas em EaD,
ofertados na esfera pública, como é apontado por Pereira (2020).
A bolsa recebida pelos tutores da rede pública, mediante os serviços prestados à
educação brasileira na modalidade a distância, contradiz todas as conquistas do
professorado no decorrer de suas lutas em prol do reconhecimento da categoria.
Podemos citar outros aspectos, decorrentes da falta de vínculos trabalhistas, tais como
a auncia de direito a férias, 13º salário, licença para tratamento de saúde e a carreira
do magisrio.
Além desse grande descompasso, existe a questão da provisoriedade, que está limitada
à oferta dos cursos. Outro ponto de destaque em nossa reflexão diz respeito à condição
de bolsista, que permite que o profissional da rede pública acumule mais de um cargo.
Como a tutoria, condicionada ao recebimento de bolsa, não se constituiu como vínculo
empregatício, muitos profissionais docentes se desdobram em mais de um cargo, o que
gera uma sobrecarga de trabalho, visto que a tutoria, por ser atividade docente, requer
estudos, pesquisa e dedicação de tempo.
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As novas definições de tempo e espo que se estabelecem nos ambientes virtuais
reconfiguram as tarefas docentes, uma vez que o local de trabalho é, em sua maioria, a
residência do profissional, que deve permanecer on-line, conforme sua carga horária de
trabalho, o que requer novos desdobramentos para atender de forma eficiente aos
alunos dos cursos em EaD. O tutor, nesse contexto, é o profissional com maior
proximidade ao aluno e responsável por grande parte dos processos de interação nos
cursos de Educação a Disncia, seja nos polos de apoio presencial, seja nos ambientes
virtuais de aprendizagem da instituição.
Diante desses aspectos, convém repensar os rumos tomados pela profissão docente na
EaD, nos últimos dez anos, uma vez que a própria legislação confirma que, para atuar
nos programas dessa modalidade, como é o caso da UAB, é necessário ter experiência
e formação acamica, como exposto nas diretrizes para pagamento de bolsas:
Tutor: valor de R$ 765,00 (setecentos e sessenta e cinco reais) concedido para
atuação em atividades típicas de tutoria desenvolvidas no âmbito do Sistema UAB,
sendo exigida formação de nível superior e experiência mínima de 1 (um) ano no
magistério do ensino básico ou superior (BRASIL, 2016, Grifo nosso).
Nesse contexto, podemos afirmar que os profissionais que atuam como tutores na UAB
são professores, dadas as exigências legais para o ingresso no encargo. As atividades
típicas de tutoria, mencionadas na portaria, não são especificadas com clareza para que
se identifique a função desses profissionais, no entanto, diante da experiência que vem
se consolidando nos ambientes de aprendizagem, o tutor constrói a sua
profissionalidade, que, a nosso ver, trata-se de uma ão docente. Visto que a
profissionalidade está relacionada ao conjunto de atributos, socialmente constrdos, que
permitem distinguir uma profissão de outros muitos tipos de atividades, igualmente
relevantes e valiosas (ROLDÃO, 2005, p.108).
1.3 A TUTORIA NA REDE PRIVADA
A Universidade Aberta do Brasil (UAB), iniciativa governamental que implantou cursos
de licenciatura a partir de 2005 no país, sofre hoje desmantelamento diante da redução
dos recursos governamentais. Atualmente, também há um cenário de expansão do
ensino a distância nas instituições privadas, as quais detêm parte considerável das
matrículas em licenciatura na modalidade (COSTA, 2020). No Brasil, as instituições
privadas detêm quase a totalidade (90%) da oferta de cursos na modalidade a disncia
(MATTOS; SILVA, 2019).
Para compreender a atuação dos tutores (virtuais e presenciais) nas instituições
privadas, é preciso ter em vista a diversidade de modelos
10
de Educação a Distância que
essas instituições abriga em seus programas de Educação. Entretanto, mesmo com a
diversidade de programas de EaD, as condições de trabalho dos tutores das instituições
privadas não diferem muito das condições da tutoria nas instituições públicas.
Neves (2011) investigou profissionais docentes com vínculo empregatício em instituições
privadas do ensino superior que atuam na Educação a Disncia. Segundo a autora, o
trabalho do profissional docente é precarizado e intensificado, quando os processos de
ensino e aprendizagem passam a ser mediados pela internet (docente virtual). Nas
10
Ver Moran (2009).
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palavras da autora, as tecnologias impõem profundas alterações no processo de
trabalho, e quando se considera a medião tecnológica desse processo, e não há uma
regulamentação definida, decorre a desprofissionalizão (NEVES, 2011, p. 51).
Não há aportes legais que regulamentem os docentes que passam a atuar no ensino a
distância, sendo que os aspectos da lógica mercantil regem a regulação dos contratos
de trabalho dos professores que atuam na Educação a Distância.
Embora esses profissionais sejam resguardados pela CLT, suas funções
equivocadamente estão ligadas aos cargos administrativos. A ausência de legislação
que regulamente o trabalho do professor tutor favorece sua exploração pelos
empregadores das instituições privadas, nas quais o professor tutor (virtual e presencial)
não é considerado um profissional do magistério, portanto, não possui as mesmas
garantias trabalhistas dos professores da modalidade presencial de ensino, embora
exerça função docente.
O que percebemos nas instituições privadas, conforme aponta Costa (2020), é que os
tutores, embora não sejam considerados bolsistas, como ocorre na UAB, têm seus
registros trabalhistas incoerentes com as suas atribuições, uma vez que exercem a
docência, mas são remunerados apenas por funções de cunho burocrático e
administrativo, o sendo, assim, reconhecidos como profissionais da docência.
Os tutores presenciais executam papéis que extrapolam o esclarecimento de dúvidas
dos cursistas sobre questões burocráticas do polo de apoio presencial, exercendo,
assim, a função docente, uma vez que nos encontros presenciais são responsáveis por
levar o conteúdo das disciplinas ao aluno, fazer a correção de atividades, indicar
metodologias alternativas, o que contribui para que os estudantes criem o próprio
conhecimento. Os tutores virtuais também atuam na mediação pedagógica, dentro das
especificidades dos ambientes virtuais. Os profissionais da tutoria presencial não
compreendem inicialmente suas atribuições, em razão da ausência de marcos legais
que regulamentem a função da tutoria, demonstrando, dessa maneira, que a identidade
profissional desses tutores está em constante construção.
Esses profissionais, segundo Costa (2020), inicialmente, quando são contratados, só se
reconhecem como docentes após um tempo de atuação. Isso ocorre em razão das
funções que são destacadas, no documento oficial da instituição, que trata das mesmas
atribuições da tutoria presencial, como não pertencentes à natureza docente. Entretanto,
mesmo com as atribuições determinadas apenas como burocráticas e administrativas,
os tutores exercem atividades oriundas da docência.
O fato de os tutores não serem reconhecidos como docentes afeta a remuneração
desses profissionais, pois são contratados apenas para exercer funções administrativas,
embora, na prática, atuem como professores, conforme aponta Oliveira:
na verdade, ante a ausência de regulamentação, a condição dos tutores situa-se entre o
professor e o funcionário administrativo, de forma convidativa à exploração destes pelas
instituições de ensino, que podem, convenientemente, exigir serviços entre as duas funções
(OLIVEIRA, 2018, p. 25).
Isso acarreta a exploração do profissional docente tutor, que se depara com a
precarização do seu trabalho, advindo da baixa remuneração, e o esvaziamento da sua
identidade profissional. Dessa forma, compreendemos que essas questões atravessam
a atuação dos tutores, tanto nas instituições blicas, quanto nas instituições privadas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, conclmos que mesmo em contextos distintos de Educão a
Distância, tanto nas instituições públicas quanto nas privadas, os tutores (virtuais ou
presenciais) possuem realidades semelhantes no que concerne à ausência de
regulamentação da sua profissão e do não reconhecimento das suas atividades
profissionais como oriundas da docência.
Os tutores, no entanto, exercem atividades que o características da ação docente,
mobilizando conhecimentos, comportamentos e competências específicas do ser
professor. Taisões definem sua profissionalidade. Isso porque, como afirma DÁvila
(2012, p. 22), a profissionalidade é esta capacidade de mobilizar saberes, competências
e valores profissionais no próprio exercício da profissão.
A valorização profissional, no entanto, não ocorre, já que a atividade do tutor não é bem
remunerada e muitas vezes nem reconhecida como atividade docente. Tal fato atinge o
movimento de profissionalização, uma vez que a profissionalização refere-se às
condições ideais que venham a garantir o exercício profissional de qualidade (LIBÂNEO,
2004, p. 75). Segundo Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004, p.50), a profissionalização
implica assumir a reflexão, a crítica, e a pesquisa como atitudes que possibilitam ao
professor participar na constrão de sua profissão e no desenvolvimento da inovão
educativa. A falta de uma formação adequada, que entendemos como um componente
essencial da constituição de sua profissionalização, dificulta uma prática reflexiva e crítica
dos tutores em relão ao trabalho docente que exercem.
A implementação da Educão a Distância trouxe novas possibilidades de ensino e
aprendizagem, em virtude das novas dimensões dos tempos e espaços, mas, no que se
refere à atividade docente, existe ainda uma grande lacuna a ser superada,
especialmente em relação ao trabalho do tutor. Neste artigo, optamos por denominar
esse profissional como professor tutor, em virtude da necessidade de evidenciar o seu
trabalho docente.
Os dois cenários (público e privado) revelam contextos distintos na atuação do tutor, mas
que se assemelham em alguns aspectos, sobretudo no que diz respeito à precarizão
do trabalho docente. De um lado, na rede pública, temos uma EaD que foi implementada
por meio de programas, base nada favorável a uma política de valorização do trabalho
docente. De outro lado, na rede privada, uma EaD que vem apresentando um
crescimento vertiginoso, mas sob a lógica de mercado, fato que coloca os profissionais
da educação alheios às condições estabelecidas pelo capitalismo desenfreado.
Em ambos os contextos, esses profissionais são frequentemente submetidos a
múltiplas tarefas didáticas e administrativas, para as quais não possuem
formação, e aprendem a ser tutor, construindo sua profissionalidade na vivência
da mediação presencial ou online.
Após apresentar e discutir os resultados de uma revisão da literatura, destacamos
pesquisadores que consideram a atuação do tutor como um trabalho docente, em virtude
do papel desempenhado por esses profissionais nos cursos em EaD, ou seja, pela
profissionalidade docente que vem se constituindo nos diversos espaços virtuais de
ensino e aprendizagem.
Contudo, ainda cabe insistir na reflexão e no debate necessários em torno da situação
da tutoria no cenário brasileiro, uma vez que, desde a regulamentação da EaD, notamos
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poucos avanços no que diz respeito à valorização do trabalho docente, bem como de
uma legislão que assegure a profissionalização docente dos tutores. Ao contrário
disso, estamos presenciando um retrocesso, que tende a se agravar, caso não haja
mudanças no paradigma que vem se estabelecendo, e que reforça a precarização do
trabalho docente.
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