algo inerente ao homem, ele não nasce sabendo. O homem precisa, então, aprender a
intervir na natureza; é preciso aprender a trabalhar.
Se a existência humana não é garantida pela natureza, não é uma dádiva natural, mas tem
de ser produzida pelos próprios homens, sendo, pois, um produto do trabalho, isso significa
que o homem não nasce homem. Ele forma-se homem. Ele não nasce sabendo produzir-
se como homem. Ele necessita aprender a ser homem, precisa aprender a produzir sua
própria existência. Portanto, a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do
homem, isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a origem
do homem mesmo. Diríamos, pois, que no ponto de partida a relação entre trabalho e
educação é uma relação de identidade. Os homens aprendiam a produzir sua existência no
próprio ato de produzi-la. Eles aprendiam a trabalhar trabalhando (SAVIANI, 2007, p.154).
Portanto, nas comunidades primitivas, o trabalho e a educação coincidiam. Foi com o
estabelecimento da propriedade privada, e a separação dos homens entre proprietários
e não-proprietários, que a divisão entre trabalho e educação começou. A partir desta
mudança, com o surgimento de um estrato social que vivia do trabalho dos outros – os
proprietários – e tinham, portanto, tempo ocioso, houve a criação de um espaço para a
formação de líderes e dirigentes, com a aprendizagem de atividades intelectuais, da arte
da palavra e dos exercícios físicos de caráter lúdico ou militar: a escola, que em sua raiz
grega significa justamente “lugar de ócio” (SAVIANI, 2007).
Deste momento em diante, a dualidade do ensino e a separação entre trabalho e
educação se intensificaram. No sistema capitalista, com a Revolução Industrial
experimentada pela Europa a partir do final do século XVIII até meados do século XIX,
máquinas passaram a materializar funções intelectuais ao assumir etapas do trabalho
manual. Com o maquinário a cumprir, crescentemente, o trabalho manual de produção,
a exigência de qualificação dos trabalhadores pautava-se nas necessidades de reparos,
ajustes e adaptações necessárias a estes equipamentos, o que demandou a expansão
da educação entre a classe não-proprietária/trabalhadora – mas uma educação em
“doses homeopáticas”, conforme preconizava Adam Smith; uma educação que fosse
apenas o suficiente para que os trabalhadores pudessem operar este novo maquinário.
Por isso, na base da educação primária, houve nova cisão, entre as escolas de formação
geral, destinadas às elites, e as escolas profissionais para os trabalhadores. Este tipo de
dualismo persiste atualmente, e a necessidade de rompê-lo se apresenta frente à
sociedade contemporânea, em que, conforme pontua Kuenzer (1989), “as atividades se
fazem complexas e a teoria se faz operativa” (KUENZER, 1989, p.23), unificando
trabalho e ciência a partir da mediação do processo produtivo:
Assim, já não se sustentam propostas pedagógicas que separam as funções intelectuais
das funções técnicas; pelo contrário, o que se exige do homem moderno é uma formação
que lhe permita captar, compreender e atuar na dinamicidade do real, enquanto sujeito
político e produtivo, que, potencialmente dirigente, tenha conhecimento científico e
consciência de seus direitos e deveres para dominar a natureza e transformar as relações
sociais (KUENZER, 1989, pp.23-24).
O percurso histórico sobre a separação entre trabalho e educação que se desenrola no
sistema capitalista, e as tensões geradas a partir de perspectivas que trazem oposição a
essa cisão que resultou na dualidade do ensino, vem para evidenciar a importância do
resgate do trabalho como princípio educativo, tanto em espaços formais quanto não
formais de ensino. Quem primeiro referencia o trabalho como princípio educativo, nestes
termos, é Gramsci, no segundo volume de seus Cadernos do cárcere: