Trabalho & Educação | v.29 | n.3 | p.195-212 | set-dez | 2020
INTRODUÇÃO
O complexo prisional brasileiro pode ser considerado um sistema em colapso uma vez
que mesmo antes do agravamento da crise sanitária global como consequência direta
do surgimento do novo coronavírus e da própria estrutura do sistema capitalista, o
fenômeno do encarceramento em massa já se manifestava no Brasil enquanto
mecanismo de controle social, exclusão, manutenção e criação de desigualdades, assim
como de opressão e violência somados à questões estruturais de superlotação,
insalubridade, adoecimento e morte.
Sendo assim, neste artigo, parte-se da premissa de que o poder político tem centralidade
nas relações sociais de vida e morte em nossa sociedade, poder este, exercido,
sobretudo, pelo Estado, personificado na violência policial e no sistema de justiça
criminal. Nessa direção reflexiva, pretende-se discutir a situação do sistema penitenciário
brasileiro diante da pandemia do Covid-19, tema que tem sido debatido de maneira
tímida no âmbito acadêmico, bem como por organizações e movimentos sociais. Trata-
se de um esforço de evidenciar a urgência da discussão desta pauta, considerando as
condições insalubres das prisões brasileiras, o potencial de infecção do vírus e o
fenômeno do encarceramento em massa no bojo do sistema capitalista, considerando
sua função no interior deste sistema.
Ancorado na perspectiva da Criminologia Crítica, o artigo em questão se debruça sobre
a crise atual do Capital com seus desdobramentos diante da proliferação do Covid-19,
dando destaque à crise sanitária e humanitária que tem na população carcerária um de
seus sujeitos centrais, haja vista que tal população é constituída majoritariamente por
sujeitos pobres, oprimidos, colocados à margem do sistema produtivo
. Acredita-se que
diante das diversas violações de direitos humanos no sistema prisional, consideradas
pelo Supremo Tribunal Federal como Estado de Coisas Inconstitucional
, a pandemia
do novo coronavírus tende a aprofundar tal quadro. Sendo assim, esta iniciativa pretende
tecer algumas considerações sobre o acirramento da crise carcerária, apresentando
suas relações com o sistema capitalista em sua manifestação mais recente: o
neoliberalismo, e a consequente crise humanitária gerida pelo Estado Brasileiro por meio
do genocídio daqueles à margemdo sistema capitalista. Para tal, faz-se necessário
reconhecer o capitalismo como um sistema complexo que traz em seu interior, outras
dinâmicas complexas, assim como seu perfil metabólico e seus diferentes modos de
opressão, segregação, exclusão e eliminação da vida humana.Neste sentido, a
perspectiva adotada pela Criminologia Crítica nos ajuda na elaboração de um mapa
cognitivo que facilita a compreensão das possíveis relações entre a vigência do
capitalismo contemporâneo, a pandemia do Covid-19 e o acirramento da prática de
encarceramento em massa.
Surgida ainda na primeira metade do século XX
, em um contexto marcado por guerras
e crises econômicas de grandes proporções, a Criminologia Crítica rompe com a
Soma-se ao recorte de classe, o recorte racial e de gênero no que tange ao perfil da população carcerária brasileira,
composta em sua maioria por homens (e, mais recentemente, mulheres) negros (as) de que acordo com as estatísticas
(INFOPEN, 2019). Importante ressaltar que este perfil perdura ao longo do tempo, tendo longevidade histórica.
Estado de coisas inconstitucional: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347 (ADPF 347),
Apesar de surgida ainda na primeira metade do século XX, esta apenas se tornará conhecida entre as décadas de 1960
e 1980 “com as obras de Baratta, Melossi, Quinney, Turk, Briccola, Chambers, Mathiesen (marxista e abolicionista), Taylor,
Walton e Young.” (BATISTA,1955, p. 86).