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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2021.29404
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
DO DOCENTE EFETIVO AO DOCENTE UBERIZADO: A PRECARIZAÇÃO
CONTRATUAL DO PROFESSOR NO BRASIL
From effective teacher to uberized teacher: the contractual precariousness of
brazilian teachers

1

2

3
RESUMO
No contexto da crise estrutural do capital, surge uma nova ordem econômica, o neoliberalismo, que
resgata a regulamentação do mercado, impondo uma profunda reestruturação produtiva, a partir da
década de 1970, trazendo mudaas expressivas ao mundo do trabalho. A partir desse panorama e

emergem no início do culo XXI. Destacamos, como ilustração dessa faceta capitalista atual, a
empresa Uber, que, pela sua especificidade de representão, trouxe um neologismo: a uberização do
trabalho. Na mesma linha, a formação e o trabalho docente m, ao longo das últimas cadas, sendo
arrebatado pelo ideário neoliberal expresso pela influência do Banco Mundial na educação e o
crescimento quantitativo de professores não efetivos na Educação sica da rede pública de ensino no
Brasil. O presente trabalho busca refletir acerca da tenncia à uberização do trabalho do professor
brasileiro. Para o alcance dos objetivos propostos, adotamos como procedimento trico-metodológico
a pesquisa bibliográfica, documental e legal ancorada numa perspectiva ctica. Evidenciamos,
comparativamente, a expansão dos contratos de trabalho temporio e substituto do professor nas
escolas públicas e o cater de uberização do trabalho docente, demonstrando as semelhaas e
diferenças, mediadas por uma precarização evidenciada pela fragilizão contratual dessas
modalidades. Concluímos que as diretrizes impostas pela reestruturação produtiva promovidas pelo
capital em crise ganharam novos contornos com o uso intensivo da tecnologia, imprimindo um cenário
de flexibilização, instabilidade, precarização e pauperização para a classe trabalhadora.
Palavras-chave: Trabalho docente. Uberização. Contrato temporário.
ABSTRACT
A new economic order emerges in the structural crisis of capital, neoliberalism, which resumes
market regulation, imposing a profound restructuring of production from the 1970s onwards,
bringing significant changes to the world of work. New work modalities emerged in the early 21st
century from this setting with the drive of Informational and Communication Technologies (ICT).
As an illustration of this current capitalist facet, we highlight Uber, which brought a neologism
 uberization due to its representative specificity. In the same vein, over the last few
1
Mestra em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Pós-graduão em Gestão Empresarial Estratégica
pela Universidade 7 de Setembro (UNI7), Graduação em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e em
Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: livia_romero@hotmail.com.
2
Doutora em Educão Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestra em Economia Rural pela
Universidade Federal do Ceará (UFC), Graduão em Economia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora
Associada vinculada ao Centro de Educação da Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail:
mariadores.segundo@uece.br.
3
Doutor em Psicologia Social pela Universidad Complutense de Madrid, Mestre em Psicologia pela Universidad
Complutense de Madrid, Mestre em Administração pela Universidade Federal da Paraíba (UFPA). Graduação em
Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e em Administração pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
Professor titular vinculado ao Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail:
brazdeaquino@gmail.com.
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decades, teaching education and work have been swept away by the neoliberal ideology
expressed by the World Bank influence on education and the quantitative growth of non-
permanent teachers in Primary Education in the Brazilian public school system. This paper aims
to reflect on the trend towards the work uberization of Brazilian teachers. We adopted
bibliographical, documental, and legal research as a theoretical-methodological procedure
anchored in a critical perspective to achieve the proposed objectives. We identified,
comparatively, the growth of temporary and substitute work contracts of public-school teachers
and the uberized nature of teaching work, showing the similarities and differences mediated by
precariousness evidenced by the contractual weakness of these modalities. We concluded that
the guidelines imposed by the productive restructuring promoted by the capital crisis gained new
contours with the intensive use of technology, creating a setting of flexibilization, instability,
precariousness, and impoverishment for the working class.
Keywords: Teaching work. Uberization. Temporary Contract.
INTRODUÇÃO
O cerio laboral contemporâneo está intrinsecamente ligado às transformações do
modo de produção capitalista ocorridas nos últimos cinquenta anos, o que desencadeia
a remodelação do papel estatal, novas relões de trabalho e intensificação da
precarização das condições e vínculos trabalhistas. A década de 1970 foi marcada pelo
início do processo de reestruturação produtiva do capital que, na tentativa de recuperar
seu ciclo reprodutivo, alterou o modelo de acumulação taylorista-fordista, caracterizado
por uma sociedade salarial e de proteção social, para um modelo de acumulação flexível
da globalização (AQUINO et al., 2014).
Conforme salienta Monbiot (2016), as ideias neoliberais começaram a ganhar destaque
nos anos 1970, após a corrosão das políticas keynesianas e as crises econômicas
alvejarem os Estados Unidos e a Europa. Mediante o Fundo Monetário Internacional, o
Banco Mundial e o Tratado de Maastrich e a Organização Mundial de Comércio, as
políticas neoliberais, através de amplas reformas institucionais, foram impostas em
grande parte do mundo, com o propósito de restaurar a regulamentação do mercado,
desbancar o Estado do Bem-Estar social ou Keynesianismo, com o intuito de reverter a
queda tendencial das taxas de lucros e, portanto, administrar a crise do capital.
Ainda no século XX, nos anos 1990, o cenário político-econômico demarcado pela
liberalização da economia no Brasil promove significativas mudanças nos processos de
subjetivação intermediados pelo trabalho (NARDI, 2006) e demonstra ser uma base
fundamental para o delineamento do capitalismo atual. É nesse período que Derisso e
Duarte (2017) constatam a intensificão das Reformas do Aparelho do Estado e da
educação brasileira, que desdobra o processo de precarização e descaracterização da
escola pública.
Essas reformas institucionais, impulsionadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI)
e Banco Mundial (BM), articulando-se ao Departamento de Tesouro dos Estados Unidos,

administrativo e econômico sob a lógica do capitalismo neoliberal (MENDES
SEGUNDO; JIMENEZ, 2015), trazendo uma nova significação do direito à educação
como um serviço queo deveria ser exclusivo do Estado, exacerbando privatizações
no âmbito escolar e mercantilizão de produtos e serviços (DA SILVA; DA MOTTA,
2019), ataque aos sindicatos, redução dos gastos blicos na área social, expansão do
sistema financeiro, diminuição da proteção social trabalhista e terceirização dos serviços
públicos mediante Parcerias Público-Privadas (PPP) (DERISSO; DUARTE, 2017).
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No século XXI, acompanhamos a entrada desenfreada de dispositivos tecnológicos que
inauguram novas formas de dominação e modalidades de trabalho (FIRMINO;
CARDOSO; EVANGELISTA, 2019) e a financeirização da economia ocorrida após a
crise de 2008/2009 (DOWBOR, 2018). Esse mosaico culmina no que Antunes (2019) se
refere como a nova expressão do capitalismo: informacional-digital-financeiro.
É nessa conjuntura que surge uma corporação que expressa a nova apancia do
capitalismo, a empresa Uber, que por sua forte manifestação trouxe um neologismo para
o mundo corporativo, a uberizão do trabalho. Tal fenômeno revela uma nova forma de
gerenciamento, controle e organizão do trabalho (ABÍLIO, 2017) e denota uma
enorme possibilidade de expansão para outras categorias. O que se iniciou com
motoristas rapidamente se alastrou para entregadores, atingindo outras categorias
profissionais, como enfermeiros, conforme aponta o estudo elaborado por De Oliveira
Souza (2020), médicos, indicado na investigação de Costa (2020), e professores,
conforme apontam os estudos de Venco (2019), Da Silva (2019) e Previtali e Fagiani
(2020).
No que tange à última categoria, alguns elementos nos levam a crer que a uberizão
do trabalho vai ao encontro de um cenário de desvalorização, precarização das
condições de trabalho e modalidades de contratação de professores mediante aumento
de vínculos débeis temporários, substitutos -, que assolam a educação pública. A
reflexão sobre a articulação do fenômeno da uberizão com o trabalho docente faz-se
  
(PROFESSOR..., 2017) e os diversos aplicativos, como o Professor-e e GetNinjas, já em
pleno funcionamento.
O objetivo desse artigo é, pois, articular a tendência da uberização do trabalho do
professor da educação pública brasileira, uma vez que essa categoria já apresenta
elementos compatíveis com a uberização do trabalho, mais precisamente pela expansão
das modalidades de contratão temporária e substituta, o que denota a eminente
consolidação do docente uberizado.
A EXPANSÃO DO TRABALHO TEMPORÁRIO E SUBSTITUTO DO PROFESSOR NAS
ESCOLAS PÚBLICAS
Dal Rosso (2017), em seu livro O ardil da flexibilidade, destaca uma forte tendência, em
nosso século, de tomar a flexibilidade como reão à jornada fixa ou rígida do trabalho.
O papel do Estado, nesse panorama, é o mínimo quanto às necessidades de bem-estar
social, potencializando a sua atuação em favor do mercado. Desta forma, o trabalho, em
seu formato flexibilizado, possibilita a adaptação às exigências dos negócios do capital
nos horários certos, nas horas exatas, just-in-time, ou seja, no justo tempo da demanda.
Configura-se, portanto, que uma significativa parcela dos trabalhos em horários
flexibilizados, mais curtos e não regulares, acarreta remunerações menores, condições
de trabalho escassas, perspectivas mínimas de carreira profissional, bem como frágil
garantia de saúde e educão. Nos países reconhecidamente periféricos, como é o caso
brasileiro, essa tendência flexível fragiliza mais o trabalhador, pois não experimentou
garantias próprias do modelo salarial com direitos associados de forma destacada à
estabilidade, em que a jornada fixa assume relevo (DAL ROSSO, 2017).
Mesmo sem uma experiência consolidada de Bem-Estar Social, o Brasil tem vivido
recorrentes ataques à classe trabalhadora, principalmente após o golpe parlamentar de
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2016, cujo resultado culminou no processo de impeachment da então presidenta, Dilma
Rousseff (UCHÔA; GOMES, 2017). Em menos de cinco anos, sublinhamos a Lei
13.352, de 27 de outubro de 2016, que viabiliza a criação de um contrato de prestação
de serviços entre profissionais e o salão de beleza, sem criar nculo empregatício; a Lei
13.467/17, sancionada em julho de 2017, mais conhecida como Reforma Trabalhista; e
a Reforma da Previdência, em 2019, que criou idade mínima para aposentadoria e
mudanças no cálculo do benefício e, por pouco, não estabeleceu capitalização por
poupaa individual.
A Reforma Trabalhista, implantada em 2017, trouxe, em termos mais concretos, o
imperativo neoliberal da flexibilizão, da precarizão do trabalho e enfraquecimento
dos sindicatos, sendo, assim, defendida mediante o argumento de aumento de postos
de trabalho e de formalização de vínculos trabalhistas. Nesta dirão, foi introduzido um
pacote de alterações na legislão trabalhista, o qual busca, em sua totalidade, o corte
de custos diretos ou indiretos dos empresários, oriundo da relação com os trabalhadores,
como os relativos à contratão, remuneração, deslocamentos, intervalos, saúde e
segurança, além dos efeitos jurídicos decorrentes do descumprimento legal
(FILGUEIRAS, 2019).
Apesar das promessas utilizadas para a aprovação da referida Lei, Filgueiras (2019)
aponta dois argumentos acerca dessas previsões: primeiro, após dois anos, tal reforma
não expandiu os empregos e a formalização, conforme prometido; segundo, os atributos
estruturais da economia brasileira e do contexto internacional sinalizaram que a redução
de direitos e da renda oriunda do trabalho, no Brasil, não contribuiu e sequer apresenta
sinais de ampliação do emprego.
  
o de geração de emprego, tampouco
de benefícios para a classe trabalhadora, mas somente de corte de direitos. Os
trabalhadores são encurralados em uma arena onde duas posições antagônicas
parecem ser as únicas possíveis: ter emprego ou ter direitos, mesmo reconhecendo o
deterioro desses últimos. Conforme Antunes (2018), um grupo cada vez menor estará
no topo dos assalariados, contudo, diante da instabilidade do mercado, essa posição
pode ruir prontamente.
Ao considerar essa totalidade e a partir da leitura de Dal Rosso (2008), podemos inferir
que os elementos que vêm se solidificando no âmbito laboral, como flexibilidade,
polivalência e concorrência entre trabalhadores decorrentes do trabalho norteado por
metas, não estão ausentes no setor blico. O sistema organizativo que opera no setor
produtivo e de serviços, no âmbito privado, assentado na lógica de acumulação flexível,
é gradativamente incorporado aos serviços de administração pública em razão do
argumento de modernização gerencial em prol de maior eficiência e redução de gastos.
Identifica-se um movimento de assimilação dessas técnicas e tecnologias a
desencadear a exigência de uma intensidade laboral nos servidores públicos, além de
esforço intelectual, em atendimento à demanda do mercado. A exemplo disso, no Estado
do Ceará, ancorados nas Leis Complementares nº 22 e nº 173, as quais regulam a
contratão de professores temporários na Rede Pública de Ensino, atualmente já
consta um total de pouco mais de oito mil professores temporários e doze mil trezentos
e noventa e quatro professores efetivos (SEDUC/CE, 2019), o que demonstra um
avanço considerável dessas modalidades de contratação.
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Na conjuntura de acumulação flexível, o trabalho temporário é evidenciado por Cordeiro
e Mota (2010) ao exercer papel essencial no âmbito socioeconômico como alternativa
de maior viabilidade em razão da demanda, da flexibilidade, do seguimento e rápido
recrutamento de força de trabalho, dentre as diversas modalidades de trabalho atípico.
Para Barros (2019), o trabalho temporário pode, no cenário contemporâneo, ser
substituído pela nova modalidade de trabalho flexível, legalizada na Reforma Trabalhista
de 2017. Anteriormente, o trabalho temporário regulamentado restringia o tempo de
serviço a no máximo 90 dias, sem prorrogação, passando para até 180 dias, podendo
ser prorrogado por 90 dias consecutivos, com recolhimento previdenciário e de imposto
de renda, 13º salário e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço proporcionais ao
período trabalhado.
Seki et al. (2017) alertam para o elevado número de contratação de professores na
modalidade temporária, o qual evidencia a precarizão do trabalho docente no Brasil,
condição a atingir quase um milhão de professores atuantes na Educação Básica. Para
os autores, o aumento dessa modalidade, ao saltar de 37% para 41% no período de
2011 a 2015, representa uma tragédia cotidiana, na qual quase metade dos professores
trabalham sem a garantia de continuidade, impedidos de realizar planejamentos em
longo prazo, adequões didático-pedagógicas, destituídos de recursos, materiais e até
mesmo de planejamento. A incerteza inerente a esse tipo de contrato é um elemento
típico da estrutura educacional brasileira.
Na argumentação de Miranda (2006), o professor temporário é um profissional com
contrato de trabalho por tempo determinado, em substituição ao incompleto quadro de
professores efetivos, organizados sob regime CLT. Vieira e Maciel (2011) consideram a
contratão temporária de professor, tamm denominada de substituto, eventual ou
temporário, um tipo de vínculo de trabalho por contrato atípico, marcado pela ausência
ou diminuição de direitos trabalhistas e sem estabilidade, legalizada como necessidade
de atendimento à demanda temporária de excepcional interesse público.
Há evidências das precárias condições de trabalho de professores substitutos, conforme
podemos inferir por meio do estudo exploratório de Da Silva e De Oliveira Silva (2019),
realizado com análise dos Relatórios de Carga Horária de professores substitutos no
Ensino Superior público de docentes efetivos e substitutos da Regional Catalão da
Universidade Federal de Goiás, em 2016, ao obter, dentre outras constatações, que a
carga horária total exercida pelos professores substitutos foi consideravelmente maior se
comparada a dos efetivos, bem como a realização de atividades além de suas
atribuições legais de professor substituto. Ou seja, trabalham mais horas, com atividades
superiores à sua remuneração, com menos direitos trabalhistas e nenhuma garantia
futura.
Os regimes jurídicos adotados pela administração pública de forma a disciplinar as
relações de trabalho são apresentados por Gomes (2019): a) estatutário, aplicado aos
servidores públicos ocupantes de cargos de provimento efetivo ou em comissão,
submetidos às normas estabelecidas pela Administração Pública; b) celetista,
empregados públicos, regidos fundamentalmente pelas normas da CLT. Há, ainda, outra
modalidade de contratação prevista na Constituição Federal ao presumir a contratação
por tempo determinado, de forma a atender à necessidade temporária de excepcional
interesse público, cujo regime jurídico aplicado a esses servidores é conhecido como

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celetista. Assim, não é um cargo nem emprego público. O termo é impreciso e cada ente
federativo edita a lei para disciplinar os seus próprios contratos temporários.
Conforme a autora supracitada, a admissão de professor substituto está entre as
hipóteses do instrumento de contratação temporária, no predomínio de uma natureza de
vínculo nem celetista, nem estatutária, mas jurídico-administrativa. São professores
contratados por tempo determinado em prol do atendimento da necessidade temporária
de excepcional interesse blico, conforme Constituição Federal. Na modalidade de
contratão temporária, de acordo com a Lei nº 8.745/1993, o contrato deve ser feito por
meio de processo seletivo simplificado. Em sua análise, Gomes (2019) nos traz dados
alarmantes a respeito da distribuição percentual entre concursados/efetivos/estáveis e
contratos temporários: 70% contra 30%, respectivamente. Tais dados, coletados
mediante o Censo da Educação Básica, contradizem a recomendação do PNE (Plano
Nacional de Educação), que prevê um mínimo de 90% de provimento efetivo. Há uma
grande variação de contratos temporários nos âmbitos estaduais e municipais. Há
Estados em que a participação de temporários em relação aos docentes da sua
respectiva rede é na faixa de 60% ou mais.
Com vistas à reflexão acerca da incoerência entre o que consta no PNE e os dados
apresentados, Souza (2013) ratifica essa contradição ao denunciar a estratégia do poder
público para lidar com as políticas salariais e de carreira inerentes ao servidor estatutário,
ao estabelecer condições mais desfavoráveis aos não efetivos para, justamente, arcar
com o reconhecimento daqueles. Esses direitos dirimidos também representam
frequentemente uma impossibilidade de carreira no serviço público, uma vez que esses
docentes não são beneficiados com um plano de carreira e, ao se tratar dos contratos
temporários, há uma recorrente recontratação anual, o que impede qualquer vislumbre
de ascensão profissional. Existe uma diversidade de padrões no âmbito federal acerca
dos contratos temporários, sendo, então, arriscado estabelecer parâmetros gerais sem
que haja dados empíricos robustos. Sobre os prazos, por exemplo, o tempo varia de seis
meses a quatro anos, admitida a prorrogação em alguns casos, conforme Lei nº 8.745,
de 1993.
Nesse contexto, evidencia-se a faceta neoliberal e desenvolvimentista operando por
meio do enxugamento de gastos do Estado. Conforme alerta Gomes (2019), ocorre uma
distorção no uso do recurso dos contratos temporários de docentes, corroborada pelos
altos percentuais dessa modalidade de contrato. Na esteira da precarização estrutural
do universo laboral, essa prática desvela profissionais destituídos de direitos, mas que
possuem as mesmas responsabilidades dos docentes efetivos e, sem adentrar a carreira
docente, recebem ínfimos benefícios monetários e limitada participação de ações e
programas de educação continuada.
De acordo com Antunes (2018), o surgimento de um novo proletariado de serviços na
era digital, uma condição de escravidão digital viabilizada pela emergência do maquinário
informacional-digital representado por tecnologias, com destaque para as Tecnologias
  em prol do capital
mediante o aprimoramento da produção, em todo o seu processo, a desencadear o
desemprego, o subemprego e a exploração proletária. Assim, na manutenção do
capitalismo financeirizado, faz-se necessário o desenvolvimento de um mercado de
trabalho regado de relações de emprego flexibilizadas, precarizadas, inseguras e com
perda de direitos trabalhistas em âmbito global.
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É nesse panorama que testemunhamos a pulverização das diversas modalidades de
contratão precarizadas, a exemplo do trabalho temporário e substituto. No século XXI,
o cenário que coma a se delinear na reestruturação produtiva iniciada em 1970 é
incrementado pela liberalização da economia, pela crise de 2008 e pela financeirização

elementos que levam à explosão de um fenômeno: a uberização do trabalho. Assim, o
trabalho docente, não só pelo seu histórico de inserção precária, mas também por todos
os ataques advindos do modelo neoliberal e do contexto laboral resultante das últimas
crises do capital, é arrebatado pela uberização do trabalho, a evidenciar sua pujança nos
diversos aplicativos e plataformas já em pleno funcionamento.
É por meio desse caminho que podemos articular uberização do trabalho e a
precarização do professor não efetivo, visto que compreendemos tal fenômeno mediante
o processo mais amplo de precarização laboral (DE STEFANO, 2017; ANTUNES;
2018). Se a precarizão do trabalho é um projeto neoliberal que avança em uma
velocidade nunca vista, a condição precarizada na qual se encontra a categoria de
docentes só tende a se aprofundar, assim como esgarçar seu ataque feroz para atingir
a maior quantidade de trabalhadores docentes.
O CARÁTER DE UBERIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NA LÓGICA DO MERCADO
Quando utilizamos o termo uberização, partimos, conforme Antunes (2020a), de uma
combinão composta por: 1) neoliberalismo, reestruturação produtiva permanente, com
a potência tecno-informacional-digital e uma hegemonia do capital financeiro; e 2) a
conjuntura de crise estrutural do capital, que demonstra o seu desenvolvimento com
base na destruição, a exemplo das crises da década de 1970 e sua agudização com a
crise de 2008/2009. Os desdobramentos dessas crises são o início de um processo
corrosivo e devastador da legislação social do trabalho, liderado pelos capitais e grandes
corporões em escala global.
Assim, é importante reforçarmos nossa concordância com Abílio (2017) ao afirmar que
a uberizão do trabalho é uma sequência de transformões no universo laboral que
está há décadas em curso. Na atualidade, o aprofundamento uberizão está
relacionada ao aprimoramento das formas de dominação mediante o capitalismo
informacional e digital. Ao contrário da rigidez consolidada nas fábricas automobilísticas
ao longo do século XX, ocorre uma consolidação de uma tríade indissociável composta
por terceirização, informalidade e flexibilidade (ANTUNES, 2018).
A partir de todas essas contingências, a empresa Uber concentrou de maneira
expressiva todas essas características da nova dinâmica do capital no século XXI e,
assim, trouxe ao mundo corporativo um neologismo para adjetivar uma nova modalidade
de exploração do trabalho. Ela evidenciou as novas formas de controle, organizão e
gerenciamento do trabalho, que não se inicia com a empresa Uber e nem se limita a ela.
Na esteira dessa afirmação, a economia digital e o desenvolvimento tecnológico
contribuem para a reorganização do trabalho, mas, ainda assim, somente atualiza o
contexto de reconfiguração do papel estatal, desemprego, perda de formas do trabalho
e mudaas na subjetividade do trabalhador (ALIO, 2017).
Apresentando-se como empresa de tecnologia que cria oportunidades com o intuito de
ajudar parceiros e usuários a se locomover usando uma plataforma integrada de
mobilidade, a Uber foi fundada oficialmente em junho de 2010, na cidade de São
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Francisco (EUA), e atualmente está presente em mais de dez mil cidades ao redor do
mundo (UBER, 2020). De maneira ambiciosa, a empresa, que trazia inicialmente o
slogan status, ampliou suas frentes
e explorou diversas variações de seus serviços de motorista, como carro compartilhado,
veículos de luxo, entrega e logística e o UberX, uma variante que hoje responde pelo
grosso do negócio, apoiando-se em motoristas não licenciados com seus próprios
veículos (SLEE, 2017).
Desse modo, uma característica essencial do modelo de trabalho da Uber é a de que os
trabalhadores arcam com os instrumentos de trabalho, ou seja, os autoveis, as
despesas de seguridade, manuteão, alimentação, limpeza, dentre tantos outros,
enquanto uma empresa reconhecida como aplicativo disfarça o assalariamento sob o
formato de trabalho desregulamentado, apropriando-se do valor gerado pelos motoristas
sem a necessidade de arcar com os deveres trabalhistas (ANTUNES, 2018), atributo
que está de acordo com a lógica do capitalismo globalizado, que é incompatível com
direitos trabalhistas (ABÍLIO, 2017).

(2016) associa o fenômeno ao Projeto de Lei da terceirização no Brasil, na época ainda
em avaliação no Senado Federal, ao denunciar que a atualidade desse projeto se
encontra, em sua ramificação, sob o prisma de generalizão da uberização do trabalho
no início do século XXI. Ele argumenta acerca da maneira de organizão e
remuneração da força de trabalho da empresa Uber, a qual se distancia
vertiginosamente da regularidade do assalariamento formal, geralmente acompanhado
pela garantia dos direitos sociais e trabalhistas. Os direitos sociais passam a ser
associados pelos empregadores como custo, e a contratação direta, destituída dessas
garantias, permite a competição individual entre os próprios trabalhadores, beneficiando
os patrões. Nessa mesma linha, Antunes (2020b) constata que a uberização do trabalho
é um processo no qual as relões de trabalho são sucessivamente individualizadas e
invisibilizadas. Nesse sentido, exibe-  
suprime-se os vínculos de assalariamento e de exploração do trabalho.
Além da eliminação dos direitos, essa dinâmica reduz o trabalhador a um fator de
produção, ou seja, conforme Abílio (2020), a uberização consolida a redão do
trabalhador a um trabalhador just-in-time, utilizado na exata medida da demanda, um
autogerente subordinado, que arca com os riscos e custos referentes à sua própria
produção. E como esse uso na exata medida da demanda não exige predições
contratuais, o trabalhador encontra-se completamente disponível ao trabalho. É um vel
de flexibilidade nunca visto anteriormente, com um sistema extremamente escalovel
de trabalhadores, fornecidos just-in-time e remunerados pay-as-you-go, ou seja, pagos
somente nos momentos em que realmente trabalham para um cliente (DE STEFANO,
2016).
Outro elemento central acerca da uberização do trabalho, proposto por Abílio (2017), é
que esse fenômeno evidencia a progressiva adesão a um trabalho que vai perdendo
suas formas socialmente reguladas e que lhe atribuem uma solidez de ser trabalho, ou
seja, um trabalho amador que, ao mesmo tempo que é trabalho, não lhe confere
identidade profissional, e conforme aponta Van Doorn (2017), ocorre mediante a
inexisncia de uma certificação blica. Nesse sentido, a concepção de trabalho amador
se caracteriza não só pela falta de regulamentação pública, mas pela fluidez de vínculos,
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que permite o envolvimento dos trabalhadores em diversas ocupações em paralelo na
busca de um rendimento mínimo (DE SOUSA; MEINBERG, 2020).
A solidificação do perfil de trabalhador amador é viabilizada por uma multidão de
trabalhadores, um modelo em andamento no início do século XXI e conhecido como
crowdwork, em que aumenta a descentralização e alistamento de milhares de
trabalhadores em nível global, com o requisito da conexão em rede, o que acaba por
desmoronar o limiar entre amadores e profissionais (HOWE, 2006). Nessa lógica, é uma
atividade que quase qualquer pessoa pode desempenhar, sem limitar a quantidade de
trabalhadores (ABÍLIO, 2019) e sem necessidade de formação espefica, sob o
imperativo máximo de dispor das ferramentas de trabalho (FERNANDES; BARBOSA;
VENCO, 2019).
Os contornos do mundo do trabalho vão delineando um novo perfil de trabalhador:
convocado sob demanda, amador, sem proteção trabalhista e, diante desses
imperativos, sem perspectiva de planejamento futuro, visto que a busca do trabalhador
é basicamente a de garantir sua subsistência, que se dá dia a dia, hora a hora, de corrida
em corrida, de entrega em entrega, de serviço em serviço. E, conforme Antunes (2020),
por pior que seja a condição do trabalhador uberizado, a exemplo do motorista do Uber
ou entregador do iFood, estamos lidando com uma tendência geral em âmbito mundial
e, mais especificamente, no setor de serviços. Assim, médicos, enfermeiros, professores,
entre outros, não estão isentos do nefasto fenômeno da uberização. Ao contrário disso,
trabalhos como o docente, que já apresentavam intensa precarização de seu labor,
expressam forte tendência a esse novo formato de trabalho. Conforme alerta Previtali e
Fagiani (2020), a subsunção do trabalho docente ao capital deixa de ser formal e passa
a ser real.
Para demostrar a potência de expansão do modelo de trabalho uberizado, citamos uma
proposta de aplicativo para convocação de professores substitutos, em caráter
temporário, para suprir as ausências na rede municipal de ensino em Ribeirão Preto,


uma hora para chegar à escola e, felizmente, foi rejeitado pelo Conselho Municipal
(PROFESSOR..., 2017). Esse projeto, que se apresentava como uma grande ideia para
sanar a falta de professores efetivos, na análise de Da Silva e Da Motta (2019), se
assemelha muito ao dos professores eventuais, com a diferença somente acerca dos
meios utilizados para a convocão ao trabalho, a ser realizado utilizando novas
tecnologias, ou seja, com ares de modernização.
Esta realidade, que se concretiza, também é impulsionada pelo contexto da Nova
Gestão Pública (NPG), que assume um papel essencial no reordenamento no âmbito
político-jurídico de regulação social em benefício do capital e contra o trabalho por meio
de privatizações diretas de setores públicos e/ou parcerias com o setor privado,
investimento de fundos públicos, perdão e/ou reajustes de multas e impostos de
empresas privadas e desregulamentação das relações de trabalho, propiciando
superexploração do trabalho mediante privatizões, terceirizações e alastramento de
contratos temporários (PREVITALI; FAGIANI, 2020). Exemplo dessa fusão e diminuição
da atuação pública na educação é que, em Fortaleza, capital do Ceará, 38% da rede de
creches municipais é terceirizada (38% DA REDE..., 2020) e, sob a maquiagem de um
novo modelo de gestão, a Prefeitura de Fortaleza lançou um edital esse ano para
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constrão, reforma, manuteão e serviços operacionais das escolas da Rede
Municipal por meio de Parceria Público-Privada (PPPFor) (PAULA, 2020).
Assim, podemos inferir que não há cisão entre a esfera da educação escolar e as
mudanças no cenário global, sujeitando-a à conformação, no plano técnico e ideológico,
da nova classe trabalhadora. Nessa conjuntura, o docente, protagonista do processo
formativo escolar, é transformado, em paralelo, de maneira objetiva e subjetiva, histórica
e dialética, sob as dimensões: a) formão e profissionalização; b) processo de trabalho;
e c) relações de trabalho (PREVITALI; FAGIANI, 2020).
Sob esse último aspecto, e corroborando com o objetivo de nossa reflexão, os autores
supracitados reforçam que as consequências do surgimento das novas formas de
trabalho via aplicativo para os docentes são o aprofundamento da já precarizada carreira.
Sobre essa calamitosa condição, Alves e Pinto (2011) denunciam que os rendimentos
dos professores estão abaixo dos obtidos por profissionais com o nível de formação
equivalente, na contramão do proposto pelo novo PNE (Lei n. 8.035/2010). Tal situão
promove uma realidade comum entre os docentes, a de migrar entre uma escola e outra
na busca de aumentar sua remuneração. Os aplicativos docentes que estão surgindo,
portanto, mostram-se como uma atualização dessa prática, só que ainda mais atroz,
revelando o caráter processual da precarização laboral, que acompanha o contexto
histórico (LIMA; BARROS; AQUINO, 2012).
Nesse cenário, a denúncia acerca da uberização do trabalho docente se prenuncia entre
os pesquisadores brasileiros, a exemplo de Venco (2019) e Da Silva (2019). Ao analisar
o caso da Rede Pública Estadual Paulista, Da Silva (2019), recorre à Constituição
Federal Brasileira de 1988, que determina a contratação de professores mediante
concurso público ou processo seletivo simplificado para atender à demanda temporária
de excepcional interesse público, e nega que essa indicão esteja sendo cumprida ao
afirmar tratar-se da consequência de uma política pública a qual privilegia a contratação
temporária como regra, e não o concurso blico, acarretando em novas formas de
contrato (ou ausência), cuja docência eventual toma destaque.
Para Da Silva (2019), esse professor eventual ainda está aquém do professor
temporário, que já demonstra uma precarização situacional, pois este é admitido por
contrato e recebe minimamente o salário inicial da categoria. A ausência de garantia no
emprego se soma à remunerão insegura e à falta de identidade baseada no trabalho.
Isso acontece porque, uma vez empregados, ocupam cargos destituídos de carreira e,
dessa forma, não se sentem pertencentes a um grupo ocupacional envolto em práticas
estáveis, códigos de ética próprios e normas de comportamento. Essa função docente
tem como objetivo a manuteão das turmas, executando atividades conjecturadas num
plano de substituição para professores eventuais.
pelo Estado, ou seja,

somente quando há trabalho e, ao o ter o conhecimento acerca da quantidade de
aulas, são impossibilitados de saber sua remuneração ao fim do mês, limitando, assim,
o planejamento de custos pessoais por falta de garantias.
Diante de tais pontos apresentados, a história precária de trabalho do professor e as
recentes alterações da legislação trabalhista corroboram para que fique ainda mais
evidente a correlação entre as condições do trabalho docente e a uberização do trabalho
ao indicar o fenômeno como um catalizador no processo de precarização do trabalho
docente, em curso há décadas.
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Conforme Venco (2019), se o aplicativo da empresa Uber dissemina a concepção de
trabalhador on demand   
professor on demand    
disciplina, com contratos precários. Mediante uma pesquisa qualitativa e análise
documental referente às formas de contratação entre 1999 e 2017, com docentes
vinculados às relões de trabalho pelo Governo de São Paulo, a autora apresentou
algumas semelhanças entre a precariedade aguda no setor público paulista e as
características presentes na empresa Uber, como a jornada indefinida, profissionais não
certificados, o cadastro de perfil, avaliação permanente e disponibilidade.
Diante de tais semelhanças, é possível considerar elementos compatíveis nas duas
modalidades de trabalho, os quais possibilitam a afirmação sobre o fato da uberização
em sio ser de todo inovadora. Porém, na atual atmosfera, considerada moderna na
fase da Uber, atualiza-se uma configuração nova na comercializão da força de
trabalho, presente também no setor público (VENCO, 2019). Ao considerarmos o que
está em curso historicamente na desvalorização do trabalho docente, na esteira da
consolidação do neoliberalismo, da diminuição do papel do Estado e das novas
modalidades de trabalho regulamentadas por lei e disseminadas a partir dos aplicativos,
parece ser a ratificação da precarizão do trabalho do professor não efetivo. Essa
categoria, cada vez mais presente nas redes públicas de ensino, corrobora com um
modelo de gestão que busca, acima de tudo, a redução dos custos decorrentes de
proteções trabalhistas.
Além dos elementos compatíveis entre a precarização do trabalho docente, em suas
modalidades não-efetivas, e o fenômeno da uberização, aplicativos inspirados na
empresa Uber estão atuando na educação ao propor a presença confirmada do
professor a partir de aulas simultâneas, on-line, em tempo real e interativas. Dito de outro
modo, estamos falando do Prof-eUber o

-E, 2019). A plataforma iniciou
o cadastro de professores entre dezembro de 2019 até 02 de fevereiro de 2020, tendo
em vista a formação de cadastro de reserva de professor de Ensino Médio e técnico, na
rede pública e privada,
[...] objetivando compor um Banco de Dados Nacional de Professores, para atender as
Unidades Educacionais solicitantes, com aulas presenciais (na cidade de domicílio do
candidato), ou online (em qualquer localidade do país), por streaming, síncronas e em tempo
real. As aulas serão ministradas em caráter de substituição, em todos os Componentes
Curriculares em que o candidato for habilitado, referente ao nível de ensino citado
anteriormente (PROF-E, 2019).
Ainda de acordo com informões da própria plataforma,
[...] os professores aprovados no processo seletivo serão chamados para substituir aulas
presenciais (se for na cidade onde reside) ou online em qualquer cidade do Brasil, com EAD
invertido (alunos na escola e Professor a distância). Todos os candidatos inscritos teo
acesso gratuitamente a um curso de 80 horas de Formação para Docentes em
Metodologias Ativas, Didática, Metodologia do EAD e como gravar e transmitir suas aulas
com seu próprio equipamento (celular ou notebook) (PROF-E, 2019).
Em sua operacionalidade, o gestor do aplicativo se apresenta ao serviço como uma
 Uber   recebem pelas aulas
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ministradas, em caráter presencial ou à distância. Semelhante ao modelo da chamada
da Uber, a unidade escolar, ao se cadastrar na plataforma, solicita a aula na própria
Plataforma Web e o aplicativo convoca os professores cadastrados por meio da seleção,
os quais podem aceitar ou não (FRAGA, 2020). Também semelhante ao modelo Uber,
cujo trabalhador deve investir em recursos próprios para poder trabalhar, no caso do
Prof-e, o docente deve ter seu notebook próprio e pagar uma taxa de inscrição no valor
de R$20,00 para Ensino Fundamental ciclo II, R$30,00 para Ensino Médio e técnico e
R$40,00 para Ensino Superior.
Assim como na empresa Uber e seus derivados, o docente não tem vínculos ou direitos
trabalhistas e, no caso desse aplicativo, receberá o valor que a instituição se dispuser a
pagar. A uberização da contratão docente aprofundará a enorme disparidade salarial
com relação às outras profissões com o mesmo nível de qualificação, condição crítica
em nosso país. Mesmo com a aterrorizante realidade evidenciada nas diversas
modalidades precárias de contratação docente nas redes públicas de ensino, nenhuma
-
A plataforma Prof-e não é a única destinada a disponibilizar esse serviço no mercado, e,
infelizmente, comporá com outras tantas a navegação nesse mar de explorão. A
empresa GetNinjas, ao se apresentar como o maior aplicativo para contratação de
serviços na América Latina e eleita pela Forbes Brasil em 2017 como uma das empresas
brasileiras mais promissoras, atua em todo o território nacional e reúne mais de 200


variam de artes, beleza, bem-estar e dança, concursos, educação especial, ensino
profissionalizante, Ensino Superior, escolares e reforço, idiomas e pré-vestibular. Com
orçamentos disponibilizados em até 60 minutos, a fim de incentivar o cadastro de
professores, a plataforma afirma receber mais de 250 mil pedidos por mês e que pode
ajudar a aumentar a renda do profissional. Na plataforma, também podemos encontrar
um ranking dos professores mais bem avaliados de 2020 e os comentários dos usuários
a respeito do serviço desses profissionais (GETNINJAS, 2020).
Assim, a uberização do trabalho, que possui um enorme potencial de expansão
(ANTUNES, 2018; ALIO, 2017), apresenta compatibilidade com a precarização do
trabalho docente, comprovada pelas modalidades de contratão temporária, eventual
e substituta. No âmbito das redes públicas de ensino, já atinge os docentes estáveis de
maneira objetiva e subjetiva, o que torna seu vínculo empregatício constantemente
ameaçado (DA SILVA; DA MOTTA, 2019).
Para compor a alise da qual nos dispomos nesse trabalho, segue abaixo um quadro
que representa, em ntese, as características do trabalho docente em seu agressivo
processo de precarização do trabalho (docente efetivo, docente temporário e substituto
e docente uberizado), comandado pelo capitalismo neoliberal, nos levando a inferir
acerca das semelhanças entre as três modalidades de vínculos de trabalho nessas
categorias e a uberização como catalizadoras do processo de precarização do trabalho
docente:
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Quadro I - As caractesticas do trabalho dos docentes efetivos, temporário e substituto e docentes
uberizados
Fonte: Elaborado pelos autores.
É possível constatar, mediante essa síntese, a situação de precariedade do trabalho
docente, sobretudo, o temporário, que se aproxima ao docente uberizado. Exemplo
disso é a indefinição da jornada de trabalho, ao mostrar a indistinção entre tempo de
trabalho e tempo de não-trabalho, ao vir perdendo formas e se apresentar
completamente esfacelado mediante o capitalismo global digital e financeirizado. A
disponibilidade para o trabalho, para as categorias temporário e uberizado, é ampla, sem
restrição de horário. O fato é, se consolidado o docente uberizado, a contratação de
profissionais convocados a suprir as demandas irá se materializar por meio do trabalho
on demand, mediado pelas plataformas digitais. Outras semelhanças que nos levam a
inferir sobre o ataque ao trabalhador docente é a inexistência de plano de carreira para
os temporários e uberizados, benefícios de direitos trabalhistas e remuneração acima do
teto salarial, garantido aos professores efetivos. A falta de estabilidade também vem se
concretizando mediante o modelo de contrato temporário e é aprofundada na tenncia
ao trabalho docente uberizado.
Com relação à formão, percebemos que o incentivo constitucional dado à formação
continuada dos docentes efetivos, inclusive com acréscimo salarial, é inexistente nas
condições de trabalho temporário e uberizado, pois requerem somente uma formão
mínima na execução de suas funções, sem melhoria em sua remuneração. Outras
categorias de trabalho uberizadas, a exemplo de motoristas e entregadores, formam um
exército de amadores, os quais, na tentativa de sobreviver, recorrem a ocupões antes
feitas por uma categoria profissionalizada, como motoristas de táxi e motofretistas.
Inferimos, a partir das leituras e acesso às pesquisas realizadas, a evolão da
precarização do trabalho docente nas evidências de alguns elementos de alise, a
exemplo da forma de ingresso para a ocupão da atividade, a qual ocorre por meio de
concurso público, no caso dos docentes efetivos, e por meio de seleção pública com
relação aos docentes temporários, podendo ser realizada sob indicação. O pré-requisito
DOCENTE EFETIVO
DOCENTE
TEMPORÁRIO/SUBSTITUTO
DOCENTE UBERIZADO
Jornada Definida Indefinida Indefinida
Disponibilidade Conforme jornada Total Total
Forma de ingresso Concurso público Seleção pública Cadastro
Planejamento futuro Possibilidade de planejamento Pouca possibilidade Nenhuma possibilidade
Plano de carreira Existente Inexistente Inexistente
Estabilidade Existente Inexistente Inexistente
Direitos trabalhistas
Direitos garantidos enquanto
servidor público
Contam com alguns direitos,
mas inferior aos conferidos aos
efetivos
Nenhum direito trabalhista
Remuneração
Remuneração conforme cargo,
titulação e plano de cargos e
salários
Remuneração inferior ao efetivo
Formação
Incentivo à formação continuada
e remuneração conforme
titulação
Formão mínima para ocupar
cargo temporário
Avaliação
Avaliado permanentemente,
mas sem acarretar alteração
salarial ou desligamento das
atividades
Avaliado permanentemente, mas
sem acarretar alteração salarial
ou desligamento das atividades
Organizão trabalhista
Alto potencial Pouco potencial Pouco potencial
Meios de produção
Meios de produção
disponibilizados pela instituição
de ensino
Meios de produção
disponibilizados pela instituição
de ensino
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único exigido em uma plataforma digital, no cadastrar do professor uberizado, poderá
comprometer a execução de uma atividade primordial para o desenvolvimento do
pensamento crítico dos sujeitos de uma sociedade. Parece não haver comprometimento
com a qualidade da educação. Nessa mesma linha, observamos a diminuição dos
direitos trabalhistas nas três categorias que compõem o quadro, conquistados com muita
luta da classe trabalhadora e que vai perdendo seu potencial por meio da dispersão,
individualização e competição, incitada por essas novas formas de contratação de
trabalhadores.
A remuneração também revela a degradão da valorização do profissional docente,
vindo historicamente a se tornar cada vez menor, dentro das categorias. Nesse sentido,
indica a tentativa de diminuição de custos, postura inerente aos modelos gerencialistas
presentes nas instituições privadas, a invadir o cenário da administração pública,
chegando no seu ápice ao pagar mediante o just-in-time, ou seja, justo no tempo da
entrega do produto ou serviço, ao eliminar os tempos mortos remunerados e
desconsiderar os elementos indissociáveis na execução do trabalho, a exemplo do
tempo de deslocamento, preparação das aulas, planejamento e educação continuada.
Essas questões do modelo gerencialista, são recorrentes na avaliação do desempenho
desses profissionais, realizada nas três categorias, mas que difere nas punições
decorrentes de uma baixa avaliação. Seguindo o modelo de avaliação unilateral de
empresas como Uber e iFood, o docente uberizado pode ser penalizado com bloqueios
e suspensões caso o seja bem avaliado pelos usuários das plataformas.
Quanto aos meios de produção, é inegável que devemos considerar a realidade do
ensino público brasileiro, o qual, muitas vezes, requer do docente uma participação dos
meios de prodão para execução de suas atividades. Contudo, é uma realidade
heterogênea e, na maioria das vezes, os recursos são disponibilizados na execução das
atividades. No caso do docente uberizado, todos os recursos são de sua
responsabilidade, como celular, internet e notebook.
Mediante esse quadro comparativo, inferimos que a precarização do trabalho docente
pode ser evidenciada a partir da comparação entre as diversas categorias desses
profissionais, além da percepção sobre a expansão do trabalho uberizado no caso dos
docentes, os quais vêm sofrendo com esse processo, demonstrando ser um
aprofundamento da precariedade nas condições de trabalho. Certamente, esse modelo
impacta na vida dos profissionais, na qualidade da educação e na forma como a
sociedade organiza as relações de trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na esteira de Istn Mészáros (2011), que elaborou uma profunda alise sobre o capital
em crise estutural, partindo da tese de que o modo sociometabólico do capital enfrenta,
desde a década de 1970, uma crise que demonstra as suas fraturas estruturais e possui
um caráter universal, global, permanente e rastejante, que o pode ser superado dentro
dos próprios limites da sociabilidade atual, atestamos que o capital operaciona, em larga
medida, para reverter a queda tentencial das taxas de lucros, inúmeras estratégias, como
a prodão destrutiva, o desemprego em massa, o subemprego e a precarização do
trabalho, mesmo colocando a humanidade em risco de extinção.
Diante deste cenério de crise estrutural, o capital reestrutura as suas relações de
explorão, com severos desdobramentos em todos os complexos sociais,
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desvalorizando e precarizando, sobremaneira, o trabalho docente, em todos osveis
da educão, principalmente nos países pobres.
Configurado na análise sob a tendência da uberização do trabalho docente na educação
básica, na rede blica de ensino brasileira, o presente artigo avaliou que o processo de
precarização do trabalho docente e dos agentes externos influenciadores, na atual
conjuntura, situa-se na reestruturação produtiva do capital, sob a recomendação da
política do Banco Mundial e da ideologia neoliberal, que influenciam as instituições de
ensino, o trabalho docente e as relações estabelecidas entre esses dois personagens,
inclusive contratuais. Com esse propósito, nos atemos às categorias de professores
efetivos, professores temporários e substitutos, apreendendo as condições, evolução e
crescimento das novas modalidades de trabalho docente.
Constatamos que o trabalho do docente uberizado situa-se na condição mais
precarizada e desvalorizada do professor no mercado de trabalho, com uma jornada
indefinida, na qual este precisará disponibilizar o seu tempo de forma integral, em
cadastro na plataforma, onde estão catalogados em listas de espera. Os docentes
uberizados não têm estabilidade no trabalho e, portanto, inexiste o plano de carreira e os
direitos trabalhistas são praticamente negados. Quanto à sua remuneração, o professor
contratado dependerá das horas trabalhadas, com total imprevisibilidade quanto ao
salário, alargando o abismo de desigualdade em relação aos docentes efetivos, que, por
sua vez, não têm o salário equitativo à sua fuão.
Com uma organizão trabalhista desfavorável ao seu crescimento profissional, estes
docentes uberizados, ao pretenderem se manter com contratos, precisam arcar com a
quase totalidade dos meios de produção fundamentais para sua atividade, tais como
transporte, notebook, internet de qualidade, livros e recursos diticos. Neste contexto
de insegurança, o professor uberizado é constantemente avaliado pelos usuários e, caso
tal avaliação seja inferior às definidas pela plataforma da empresa, terão seus serviços
bloqueados e serão suspensos do aplicativo.
Podemos inferir ser essa a mais nova faceta capitalista: as empresas-plataforma e a
consequente consolidação do fenômeno da uberização do trabalho como catalizador do
processo de precarizão do trabalho docente. Visualizamos sinais desse decurso em
plataformas que surgem e estão em plena expansão no ps, aqui explicitadas, como
ilustração, o Professor-e e GetNinjas.
Outro ponto agravante são os efeitos da pandemia do COVID-19 (iniciada no ano de
2020 e a os dias atuais- final de 2021), que, com a recomendação do isolamento social,
traz desdobramentos expressivos ao trabalho docente, com repercussões no presente
e no fu-
preocupação, nesse cenário, se expressa em dois aspectos: no primeiro, os professores
de instituições públicas e privadas foram coagidos a continuar a exercer suas atividades
docentes por meio de recursos digitais, sem que houvesse qualquer preparação nessa
execução, ao desconsiderar o contexto em que professores e alunos se encontram e
escancarando o caráter produtivista da educação em nossos tempos. Semelhante à
atividade uberizada, muitos professores precisaram arcar com internet ou novos
equipamentos na realização de suas atividades em casa. Assim, a utilização do
chamado ensino remoto pode ser uma base e um catalizador para a expansão, por
exemplo, do Ensino à Distância.
Um segundo ponto é a quantidade de docentes de instituições de ensino da educação
básica e superior que perderam seus empregos ou diminuíram sua carga horária ou
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remuneração, durante a pandemia. Se a tendência da uberização continuar em processo
de expansão, muito em breve pode afetar outros trabalhadores, os quais podem passar
a aderir às plataformas digitais de ensino como meio de sobrevincia ou complemento
de renda. Essas preocupações devem ser elencadas, pois podem comprometer, em
larga medida, a valorização do trabalho docente, a qualidade da educação em nosso
país e a luta para a emancipação da classe trabalhadora.
Por fim, asseveramos que o trabalho docente uberizado é uma realidade que se fará
mais presente no contexto do capitalismo, em meio a uma crise estrutural sem
precedentes na hisria, aprofundada pela pandemia que agoniza o mundo e o Brasil,
durante os anos vigentes de 2020 e 2021, com desdobramento nos anos vidouros.
Concluímos, portanto, que há uma tendência de ampla adesão à uberizão do trabalho
docente, com o aprofundamento da precarização do trabalho do professor, evidenciado
nos contratos temporários e substitutos, nas instituições educacionais públicas e
privadas, sob o viés mercadológico.
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Data da submissão:
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Data da aprovação: