Trabalho & Educação | v.31 | n.1 | p.27-45 | jan-abr | 2022
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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2022.33262
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
TRABALHO INFANTIL NA AGRICULTURA FAMILIAR DE PERÍMETROS
IRRIGADOS DE ITABAIANA/SE E REFLEXOS NA EDUCAÇÃO
Child labor in family agriculture of people from the irrigated perimeters of
Itabaiana / SE and their reflections in education
VASCONCELOS, Carlos Alberto de
1
CARVALHO, Diana Mendonça de
2
SANTOS, Wagner Sena dos
3
RESUMO
O espo geográfico é resultado da ão humana mediante o trabalho sobre a natureza. Nesse
contexto, o trabalho de criaas e adolescentes tamm define espaço, sendo motivado por
condicionantes sociais, econômicos e ideológicos. Na agricultura esse trabalho se ime em parte, na
construção cultural e histórica, do ensinar um ocio aos filhos. Diante disso, o presente trabalho visa
analisar o trabalho infantil nas áreas horticultoras irrigadas de Itabaiana/SE, especialmente nos
povoados Agrovila e Cajaíba II. Esse fora desenvolvido numa perspectiva emrico-anatica, com base
quali e quantitativa, embasada em revisão bibliogfica, trabalho de campo e dlogo com instituões
de gerencias locais. O trabalho envolveu a aplicação de 30 questiorios junto as famílias agricultoras,
que validou a existência de trabalho infantil em Itabaiana, a partir do campo e das gerencias
institucionais, apesar das poticas de combate, retirada e aulio às famílias de baixa renda.
Palavras-chave: Trabalho. Crianças e adolescentes. Geração de renda.
ABSTRACT
Geographic space is the result of human action through work on nature. In this context, the work of
children and adolescents also defines space, being motivated by social, economic and ideological
conditions. In agriculture, this work is imposed, in part, in the cultural and historical construction, of
teaching children a trade. Therefore, the present work aims to analyze child labor in the irrigated
horticultural areas of Itabaiana / SE, especially in the villages Agrovila and Cajaíba II. This had been
developed from an empirical-analytical perspective, with a qualitative and quantitative basis, based on
bibliographic review, fieldwork and dialogue with local management institutions. The work involved the
application of 30 questionnaires to farming families, validated the existence of child labor in Itabaiana,
from the countryside and institutional managements, despite the policies of combating, withdrawing and
helping low-income families.
Keywords: Work. Children and adolescents. Income generation.
1
Professor Associado do Depto de Educação (DED/UFS), campus Prof. Aloísio Campos - São Cristóo/SE. E-mail:
geopedagogia@yahoo.com.br
2
Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Geografia (PPGEO/UFS). E-mail: dianamendoncadecarvalho@gmail.com
3
Graduado em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe. E-mail: wagnersena2013@bol.com.br
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INTRODUÇÃO
O homem é um ser atuante e que estabelece relação com a natureza, a partir da
satisfão de necessidades e interesses, edificando assim, o espaço geográfico. Ao
começar a produzir o espaço, o homem identifica a natureza como uma fonte inesgotável
de possibilidades; amplia a necessidade de se relacionar com outros homens,
desenvolvendo relações sociais; e com isso, impõe disciplina a partir do trabalho,
compondo organizações, que caracterizam o modo de produção.
A partir disso, visualiza-se como o espo rural brasileiro é marcado pelas desigualdades
socioeconômicas e cultural. O pequeno agricultor por não dispor de condições
financeiras para contratar funcionários experientes, sentem-se obrigados a se utilizar do
trabalho infanto-juvenil como fonte de renda. Desde os primórdios da história humana,
as crianças e adolescentes são introduzidos no trabalho agrícola, na condição de
ajudantes de seus pais, como forma de aprendizagem, ou até mesmo, para não ficarem
no ócio do não ter o que fazer.
Diante disso, e a partir das relações de trabalho, é que se definiu o trabalho infantil como
um condicionante a ser analisado nas áreas horticultoras irrigadas de Itabaiana/SE,
especialmente na Agrovila e Cajaíba II, considerando a correlação família, trabalho
infantil e educação; além de avaliar a matrícula escolar e os programas sociais em que
esses jovens se inserem. O município está localizado na área central do estado, em
pleno centro geodésico e faz limites com Frei Paulo, Ribeirópolis e Moita Bonita ao norte;
Campo do Brito e Areia Branca ao sul; Campo do Brito e Macambira a oeste e a leste
com os municípios de Malhador e Areia Branca.
Itabaiana conta com uma população estimada em 86.967 habitantes (IBGE, 2016).
Deste total, 67.709 residem na zona urbana (77,9%), enquanto 19.258 vivem na zona
rural (22,1%), sendo sua densidade demográfica de 259hab./Km2 (IBGE, 2010). O
respectivo território é considerado o mais importante município da microrregião do
Agreste de Itabaiana e um dos mais promissores em desenvolvimento do estado, haja
vista sua atividade comercial e de prestação de serviços (CARVALHO, 2010).
Os povoados Agrovila e Cajaiba II, fazem parte respectivamente, dos perímetros
irrigados do Jacarecica I e Ribeira, no qual o Estado foi provedor, a partir de políticas
públicas como o Projeto Chapéu de Couro, implementado no governo de João Alves
Filho (Figuras 01). Esses projetos foram concebidos com o propósito de aumentar a
oferta de alimentos, criando assim, novos espaços de produção e melhorando a
qualidade de vida do pequeno produtor olerícola (SILVA, 1986).
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Figura 01- Localização da Área de Estudo
Fonte: IBGE, 2010
Elaboração: Lucas Melo Costa, 2018
A agricultura apresenta importante desenvoltura na economia do município de Itabaiana,
tendo se intensificado, sobretudo na cada de 1980, com a implantação desses
perímetros irrigados. Tais projetos foram instalados beneficiando agricultores familiares
com pequenos lotes agropecuários, em que são produzidas variadas hortaliças, que
abastecem todo o estado, assim como são exportados para os estados de Alagoas e
Bahia, sobretudo Salvador. A capital baiana chega a receber semanalmente caminhões
de coentro advindos desses perímetros instalados em Itabaiana (CARVALHO, 2010).
O desenvolvimento desta investigão agregou caráter empírico analítico, com
abordagem qualitativa e quantitativa, considerando-se ainda a pesquisa bibliográfica,
com respeito as áreas dos perímetros irrigados e sobre o trabalho infantil, embasado em
VASCONCELOS (2009); CARVALHO (2010); MACIEL e SILVA (2017); SILVA (2018).
Além disso, considerou-se o levantamento de informações no Estatuto da Criança e
Adolescente (ECA) e na Lei Orgânica de Assistência Social. Por conseguinte, foi
realizado coleta de dados institucionais junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE); Organizão Internacional do Trabalho (OIT); Caixa Econômica
Federal (CEF); Ministério do Desenvolvimento Social (MDS/SNAS); Comissão Nacional
de Erradicação do Trabalho (CONAETI); e, Rede Peteca. Também foram coletados
dados junto aos coordenadores do Programa Bolsa Família, PETI e frequência escolar
do município.
Ainda foi realizado pesquisa de campo, com aplicação de 30 questionários, sendo 15 no
povoado Agrovilla e 15 no povoado Cajaiba II (2018), que referendou o olhar de
agricultores, pais e crianças das comunidades, quanto ao trabalho infantil. A aplicão
dos questionários ocorreu por meio do aulio das unidades escolares Escola Municipal
Dr. João Alves Filho Povoado Agrovila e Escola Municipal Profa. Anailde Santos de
Jesus - povoado Cajaiba II, que juntamente aos pais analisou-se a questão do trabalho
infantil.
Contou-se também com dados recolhidos junto a Secretária de Desenvolvimento Social,
através do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), da Prefeitura Municipal
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de Itabaiana-SE, que aplicou nas áreas estudadas cerca de 400 questionários junto aos
alunos sobre a temática. Além disso, realizou-se entrevistas com representantes
institucionais, isto é, da Secretaria de Assistência Social do referido munícipio, por parte
do programa PETI e do Conselho Tutelar.
Esses encaminhamentos possibilitou a organização dos resultados, os quais ainda
podem ser considerados preliminares, mas que já respaldam muito da realidade do
trabalho infantil, organizados mediante: Trabalho Infantil: Um breve histórico; Políticas de
Erradicação do Trabalho Infantil no Brasil; Retrato do Trabalho Infantil e Resultados e
discussões sobre a realidade vivenciada, além dessa introdução e das considerações
finais.
TRABALHO INFANTIL: BREVE HISTÓRICO
É a partir do trabalho que o indivíduo se situa na sociedade, ou seja, é[...] por meio do
trabalho [que] o homem passa a exercer influências sobre a sociedade ocasionando
mudanças econômicas, políticas e culturais (SILVA, 2018, p. 17). O trabalho não é algo
específico ao indivíduo adulto, desde muito é utilizado também o trabalho infantil, que
data, desde a Revolução Industrial Inglesa em escala ampla e capitalista (Hobsbawn,
1996). Logo, em vista do exposto, e tendo a origem do trabalho infantil atribda a Europa
do século XVIII e que de lá se expandiu para o mundo, especificamente com fins
econômicos e socioculturais, percebe-se que a tradição familiar desponta com forte
acepção econômica contemporânea.
No século XVIII, o interesse do grande capital era a produção de mercadorias em grande
escala e a acumulação de mais valia. Para alcançar tal objetivo fazia-se necesrio o
recrutamento de mão de obra infanto-juvenil, as quais cumpriam jornadas exaustivas de
trabalho, para complementar a renda familiar. A partir disso, as crianças eram obrigadas
a trabalhar desde cedo, em condições desumanas e em espaços fétidos, fragilizando a
saúde e educão, além de subtrair abruptamente sua ingenuidade e seu direito de ser
criança (Silva; Maciel; Silva, 2017).
No Brasil esse tipo de exploração sempre foi observado no percurso da história
econômica do país, sobretudo entre os filhos de escravos e índios (HOLANDA, 1995).
De acordo com Silva (2018, p. 15)A história do trabalho infantil acompanha a trajetória
do nosso ps desde os tempos de Colônia, pois crianças descendentes de escravos
negros e índios eram obrigadas a aumentar a o de obra nas fazendas, na agricultura.
O processo histórico que permeia a formação e construção do meio rural brasileiro
ocorreu de maneira desigual entre as regiões do país, desenvolvendo uma em
detrimento de outras. Nesse quadro, também é perceptível a estrutura bimodal em
termos produtivos, dividida em dois contextos distintos: agricultores empresariais,
altamente tecnificados, com o uso exacerbado de insumos para ampliar a qualidade e
as quantidades de seus produtos, em geral representados pelos médios e grandes
proprietários de terra, que dispõem de trabalhadores assalariados e produzem para o
mercado externo; e agricultores familiares, com pequenos lotes de terra, consumidores
de poucos insumos e com formas tradicionais de força de trabalho.
Grande parte do espaço agrário brasileiro ainda se encontra condicionado a demanda
do mercado externo. Boa parte da área de terra plantada no país atende ao mercado
internacional e supri a agroindústria nacional de matérias-primas, que igualmente
destinada à exportação. Contraditoriamente, o que está na alimentação diária dos
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brasileiros, é majoritariamente produzido pela agricultura familiar, como por exemplo, o
arroz, o feijão, a mandioca, entre outros. Esses alimentos, histórica e politicamente,
ocupam posição secundária nas políticas de desenvolvimento agrário.
Com o espo rural marcado pelas desigualdades peculiares de seu contexto social,
cultural e econômico, o pequeno agricultor, por não dispor de condições financeiras para
contratar funcionários experientes, sente-se obrigado a se utilizar do trabalho infanto-
juvenil de seus filhos como fonte de renda. A utilização do trabalho de crianças e
adolescentes na agricultura é parte de uma construção cultural e histórica do meio rural
brasileiro, até como forma de ensinar um ofício aos filhos.
Assim, O trabalho alienado é notadamente visível nas zonas rurais, ribeirinhas e
litorâneas de várias regiões do Brasil, também sendo bastante comum a participação de
crianças para atender a demanda do sistema capitalista vigente” (SILVA, 2018, p. 17). O
trabalho para criaas e adolescentes faz parte de uma realidade naturalizada, haja vista,
durante seu processo de inserção e interação com o meio social no qual está inserido, o
trabalho infanto-juvenil é legitimado sobre valores tradicionais.
Diante disso, esquece-se o significado de ser criança, que segundo Aurélio (2010), é um
ser humano de pouca idade. A criança é focalizada como um ser menor, alguém a ser
adestrado, a ser moralizado, a ser educado, o que justifica o trabalho infantil. Daí, e mais
adiante, a exploração inicia-se por meio da compressão salarial do trabalhador adulto
masculino e da exploração da mão de obra feminina, uma vez que a remunerão das
meninas caracterizava a dupla discriminação de sexo e idade. (Vasconcelos; Carvalho,
2021
Barros, Clemente e Brito (2016) ao falar sobre infância, na contemporaneidade, induz-se
que a criaa passou a ser um dos alvos centrais dos meios de comunicação social,
persuadindo-as no sentido de querer coisas desnecessárias, mas integradas as ofertas
de mercado, relacionado ao efeito da propaganda indutora. Então, para consumir os
produtos da moda (moto, bonés de marca, tênis e etc.), muitas crianças trabalham, se
deixando levar pelo consumismo mercadológico contemporâneo, que vê nesses jovens
um novo nicho de mercado pujante no cenário global e em especial no Brasil.
Na medida em que as causas ecomicas não é a prerrogativa determinante para a
explorão do trabalho infantil, faz-se necessário salientar que ele também é fruto da
cultura de aceitação existente, que justifica o trabalho infantil para as famílias pobres. No
Brasil rural esse tema está associado a formas tradicionais da agricultura familiar,
especialmente nas áreas de menor desenvolvimento das forças produtivas e exploração
da força de trabalho. Nas cidades grandes, por exemplo, é comum casos de crianças
que perambulam pelos lixões, vendem balas e quinquilharias nos faróis e exercem
atividades domésticas (especialmente as meninas).
Neste sentido, O trabalho infantil é uma mazela que a sociedade está longe de erradicar.
Em todas as regiões do mundo, seja no meio rural seja nos centros urbanos, é comum
ver crianças e adolescentes trabalhando em diversos setores da economia”
(VASCONCELOS, 2009, p. 385). Essa forma de trabalho condenável existe porque o
sistema capitalista utiliza de todas as formas possíveis para a (re)produção do capital.
Mediante este contexto, faz-se necessário distinguir trabalho infantil de trabalho ou auxílio
doméstico em casa. Segundo Costa e Cassol (2008), a tarefa doméstica não afeta a
condição peculiar de desenvolvimento da criança e do adolescente, não muda sua rotina,
não afeta seus estudos, lazer e integridade física. Já a exploração do trabalho infantil se
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configura na violação dos direitos desses jovens, que são privados do direito de
frequentar a escola, de estudar com propriedade e de brincar, porque são obrigadas a
direcionar atenção ao trabalho.
Outro componente a se distinguir é o ideológico, entre o trabalho e a exploração do
trabalho infantil. O trabalho para a criança pobre é colocado como uma referência para a
vida e mantém um peso central no modo como constrói o seu entendimento do mundo
e no lugar ocupado por ela (DINIZ, 1999). Neste quadro, não é desejo de a criança
ingressar no mundo do trabalho. Porém, acabam sendo motivados pela precariedade
econômica, pela sua sobrevivência e de sua família.
Desta feita, o trabalho infantil rouba a infância e compromete a vida futura, já que muitas
dessas crianças deixam de estudar para exercer alguma atividade; ou estudam e
trabalham ao mesmo tempo, não conseguindo render o suficiente, pois chegam à escola
desmotivados, cansados, com sono, mal-humorados e desesperançados. Além disso,
encontram professores que não entendem a sua situão, não querem se envolver ou
até mesmo não veem futuro no ensinar a essas criaas. Logo, as taxas de
escolarização de crianças e adolescentes com história de trabalho precoce é mais baixa
que as taxas dos que não foram obrigados a trabalhar em idade inadequada
(Vasconcelos e Jesus, 2012).
POLÍTICAS DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL
O trabalho infantil pode significar que a criança está se tornando adulta e por isso,
provedora de suas próprias necessidades. Essa concepção é implantada em nossas
cabeças desde antes mesmo de nascermos, pois é algo da nossa sociedade e que até
reproduzimos sem querer. Muitas vezes isso é usado para iludir ou manipular, ou até
mesmo, embelezar o trabalho infantil, tentando fantasiá-lo como algo que vai beneficiar
as crianças ou a família delas. Isso porque o que deveria enobrecer o homem, está
disponível como forma de exploração e por falta de opção e oportunidades, muitas
crianças se sujeitam a fazerem trabalhos não condizentes com as leis em vigor (SILVA,
2018, p. 20).
Segundo Silva, Maciel e Silva (2017), o trabalho infantil se tornou uma condição relevante
na questão social da inncia, a partir das transformões nas relações de trabalho e
das lutas de movimentos sociais e políticos na área dos direitos humanos, que
constataram novas conceões de inncias, em que as crianças e adolescentes são
compreendidas como sujeitos do direito. Por isso, do ponto de vista dos direitos
garantidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o trabalho infantil expressa
uma afronta a condição das crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direitos, pois
ao serem inseridos precocemente no trabalho, inibe-se todas as possibilidades de
desenvolvimento intelectual, cognitivo, biológico, sico, asce</