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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2022.38729
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
TRAJETÓRIAS DE LONGO VÍNCULO DE TRABALHO NO SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE: PRÁTICAS DE GESTÃO DA SUBJETIVIDADE
1
Long-term work trajectories in the Brazilian National Health System:
management practices of the subjectivity
GASPERIN, Carolina
2
WARMLING, Cristine Maria
3
RESUMO
O objetivo do estudo foi analisar as trajerias de trabalhadores da saúde com longo nculo de trabalho
em um hospital blico. Trata-se de um estudo de caso do tipo único holístico, com abordagem
qualitativa. Foram realizadas entrevistas abertas (gravadas em áudio e transcritas) com doze
trabalhadores que atuavam entre 31 e 35 anos na instituição do Sistema Único de Sde analisada. Os
vínculos ao trabalho constrdos nas trajerias dos trabalhadores assumem diferentes sentidos: de
contratuais aos serviços e equipes, passando pelos nculos aos modelos de saúde preconizados. Nas
alises discursivas, o aproveitamento das compencias para o trabalho dos trabalhadores de longo
vínculo ocorre pelo reconhecimento de seus conhecimentos citos. O longo tempo de nculo ao
trabalho produz um agir na saúde coletiva nutrido pelas relações estabelecidas entre trabalho, vida
pessoal e vida coletiva no trabalho. Pticas de gestão da idade com o eixo na Educação Permanente
em Saúde valorizam as subjetividades dos trabalhadores e construções coletivas nas histórias no
trabalho no Sistema Único de Sde.
Palavras-chave: Trabalhadores da Saúde. Aposentadoria. Pessoa Idosa. Gestão. Educação
Continuada.
ABSTRACT
The objective of the study was to analyze the trajectories of health workers with a long-term employment
relationship in a public hospital. This is a unique holistic case study, with a qualitative approach. Open
interviews were conducted (audio-recorded and transcribed) with twelve health workers who worked
between 31 and 35 years in the Unified Health System. In the trajectories of workers at work, links to
work assume different meanings: from contractual to services and teams, through links to the
recommended health models. In the discursive analyses, workers understand the use of skills for work
through the recognition of their tacit knowledge. The long time of working relationship produces an action
in collective health nourished by the relationships established between work, personal life and collective
life at work. Age management practices based on Permanent Education in Health value subjectivities
and collective constructions in work histories in the Unified Health System.
Keywords: Health Personnel. Retirement. Aged. Organization and Administration. Continuing
Education
1
O presente artigo é resultado projeto de pesquisa e passou pela avaliação de Comitê de Ética em Pesquisa.
2
Psicóloga do Grupo Hospitalar Conceão e Mestre pelo Programa de Pós-graduação Avaliação de Tecnologias do SUS do Grupo
Hospitalar Conceição. E-mail: carolgasperino@gmail.com
3
Pós-doutorado CAPES/Brasil/McGill University Montreal-Canadá. Doutorado em Educação pela UFRGS. Mestrado em Saúde Coletiva
pela UFSC. Professora Associada do Departamento de Odontologia Preventiva e Social da Faculdade de Odontologia da UFRGS.
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação Ensino na Saúde Faculdade de Medicina da UFRGS. E-mail: crismwarm@gmail.com
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INTRODUÇÃO
Reconfigurações do trabalho na saúde têm se intensificado diante da ampliação de
processos de flexibilizão e de terceirização do vínculo de emprego (PIRES, 2001). O
panorama do trabalho na saúde, no Brasil, encontra-se marcado pela precarização das
relações de trabalho e pela descontinuidade dos vínculos, contexto acentuado com a
aprovão da reforma trabalhista brasileira, que modificou inúmeros pontos da
Consolidação de Leis do Trabalho (CLT), liberalizou a terceirização e ampliou o contrato
temporário (KREIN, 2018). Diante da pandemia da Covid-19 o cenário se configurou
ainda mais sombrio, com tendências de crescimento das condições precárias de
trabalho e de vida no Brasil (SOUZA, 2021).
O processo de trabalho na saúde, compreendido como uma prática social e não
meramente uma técnica a ser aplicada, realiza-se a partir de dimensões fundamentais:
a atividade em si, o objeto a que se aplica e os instrumentos ou tecnologias (leves ou
duras) usadas como meio para realização da atividade (PEDUZZI; SCHRAIBER, 2009).
A subjetividade do trabalhador, ou o modo como o trabalhador se torna e se compreende
como sujeito trabalhador, possui papel preponderante no processo de trabalho, que não
se remete apenas às questões biológicas do corpo do trabalhador, mas está relacionado
às dimensões sócio-históricas às quais estão sujeitos os trabalhadores (NARDI, 2006;
ARAÚJO, 2012; HELOANI; PIOLLI, 2014). O trabalhador aprende, age e sentido à
atividade que realiza por meio das próprias experiências sociais vivenciadas ao longo da
história no trabalho (ROCHA; AMADOR, 2019).
O trabalho, aqui, não está sendo analisado enquanto a simples execução de tarefas ou
o cumprimento de rotinas pré-estabelecidas em troca de salário, almeja-se pensá-lo
como parte indissociável da vida, caracterizando-o pela permanente criação e recrião
de saberes e práticas por parte do trabalhador. Pois o trabalho, enquanto atividade
humana, se estabelece por meio de um debate permanente entre normas pré-
estabelecidas ou prescritas e o que escapa a essa determinação, no idito do cotidiano
do trabalho e que conduz as invenções ou renormalizações (SCHWARTZ, DURRIVE,
2015).
Os esquemas flexíveis das novas conformações do trabalho requisitam o envolvimento
subjetivo (a subjetivação) do trabalhador, elevando a sua auto-responsabilizão por
resultados e metas (HELOANI; PIOLLI, 2014). A ênfase da conceão mercantil do
trabalho é propícia na gestão do trabalho flexibilizado, que equipara a atividade como um
produto a ser gerenciado para a maior produtividade e lucro (AZEVEDO; SOUZA, 2017).
A subjetividade do trabalhador torna-se, então, alvo do poder por meio de práticas de
gestão, que precisam garantir a adesão do trabalhador na busca de aumento de eficácia
e eficiência enquanto objetivos organizacionais (ARAÚJO, 2012).
O contexto inicial sobre o mundo do trabalho descrito, nos lança a indagações sobre
como esse conjunto de pontos pode estar impactando nos desafios, avanços ou
retrocessos das políticas e processos de trabalho e de gestão no Sistema Único de
Saúde (SUS), que possui fundamentado no seu escopo legal e regulatório, o eixo
norteador de políticas de valorização e participação do trabalhador da saúde?
A instituição de saúde, cenário escolhido para o presente estudo, constitui-se como uma
empresa pública de direito privado vinculada ao Ministério da Saúde e referência
estratégica do SUS. Recentemente credenciou-se no Ministério da Educação (MEC)
também como instituição de ensino. Gerencia uma ampla rede de serviços do SUS, de
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hospitais a unidades básicas de sde. Possui um número grande de trabalhadores
vinculados com contratos de trabalho regidos pela CLT (no ano de 2018,
aproximadamente 8.000) e em torno de 904 trabalhadores com mais de trinta anos de
vínculo institucional, (médias de idade de 44 anos e 14 anos de tempo de vínculo).
A ampla rede de trabalhadores da saúde com longo tempo de vínculo de trabalho no
SUS da instituição despertou problematizações que guiaram o estudo. As experiências
de longo tempo de vínculo no trabalho do SUS configuram organizações e
reorganizações da atividade dos trabalhadores? Como são tecidas as relações entre o
trabalho e a vida dos trabalhadores da saúde e suas competências profissionais para o
agir coletivo no cuidado? A instituição de saúde e em especial as suas políticas e práticas
de gestão de pessoas atuam de forma a contemplar a questão do longo vínculo ao
trabalho?
As problematizações apresentadas orientam o objetivo principal do estudo que é analisar
as trajetórias profissionais de trabalhadores da saúde com longo vínculo de trabalho em
um hospital público. Pretende-se vislumbrar no espaço microssocial de uma rede de
trabalhadores estáveis do SUS os efeitos possíveis de transformações macrossociais.
Parte-se do pressuposto que as experiências do presente coexistem com as do passado
e as expectativas de futuro em um movimento de duração (DELEUZE, 1999). Ao modo
de um historiador do presente, que diagnostica a constituição histórica da atualidade
como um ato que pretende mostrar o que por estar tão presente faz com que não o
percebamos (FOUCAULT, 1978).
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de caso do tipo único, holístico, com ltiplas unidades de análise
e com abordagem qualitativa (YIN, 2010). O caso considera as histórias dos
trabalhadores tão singulares que podem ser consideradas como experiências da vida
em sociedade (HOULE, 2010, p. 326).
Participaram do estudo doze trabalhadores que atuavam na instituição no momento do
estudo (6 médicos, 1 enfermeiro, 2 odontólogos, 1 farmautico-bioquímico, 1 psicólogo
e 1 assistente social), possuíam em média de 31 a 35 anos de vínculo de trabalho, idade
por volta de 60 anos e estavam próximos do momento da aposentadoria (Quadro 1).
Quadro 1 Características dos trabalhadores que participaram do estudo
Sexo
Anos de
trabalho
Idade
Cargo
F
31
58
Odontóloga
M
33
74
Médico
F
32
55
Enfermeira
F
31
60
Farm.bioq.
F
31
69
Médico
F
33
60
Assistente Social
F
33
57
Psicóloga
F
31
60
Médica
F
31
57
Médica
F
33
66
Odontóloga
M
32
60
Médico
F
35
61
Médico
Fonte: Elaborado pelas autoras (GASPERIN, 2019).
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Para a prodão dos dados foram realizadas, entre os meses de junho a setembro de
2018, doze entrevistas abertas com aproximadamente uma hora de duração (gravadas
em áudio e transcritas). Os trabalhadores foram convidados por telefone, três
trabalhadores recusaram-se a participar da pesquisa na ocasião. Os encontros
ocorreram no local de trabalho ou em ambiente à escolha do participante.
O roteiro das entrevistas possibilitou abordar como os trabalhadores entrevistados
construíram as trajetórias de vida no trabalho, a produção e aproveitamento dos
conhecimentos tácitos, assim como as possibilidades de educação permanente e de
futuro no trabalho (Quadro 2).
Quadro 2 - Roteiro da entrevista aberta realizada com os trabalhadores
Histórias das trajetórias no trabalho
Falar sobre como constituiu o percurso de inserção e desenvolvimento no trabalho
Falar sobre as relações que se estabeleceram entre o trabalho e as questões pessoais
Aproveitamento dos conhecimentos tácitos
Falar sobre a produção, aproveitamento e valorização dos conhecimentos produzidos pelo trabalhador.
Abordar sobre as experiências de trabalho considerando o longo vínculo e a história no trabalho.
A Educação Permanente em Saúde e o futuro no trabalho
Estabelecer relações entre o agir profissional e a temporalidade no trabalho.
Projetos/esperanças/desejos de futuro em relação ao trabalho.
Sugestões de como trabalhar a experiência no trabalho e projetos de futuro no trabalho na instituão analisada.
Fonte: Elaborado pelas autoras (GASPERIN, 2019)
A análise foi fundamentada na análise textual discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2006),
que objetiva trabalhar o sentido e não apenas o conteúdo do texto (CAREGNATO;
MUTTI, 2006). As práticas discursivas obtidas nas entrevistas dos trabalhadores são
compreendidas como as relações que os discursos estabelecem e colocam em
funcionamento com o mundo social em que eso submetidos os trabalhadores. O
discurso, nesse caso, não é analisado pelo queestá por trás”, na medida em que eles
são uma produção histórica, política; na medida em que as palavras são também
constrões; na medida em que a linguagem também é constitutiva de práticas
(FISCHER, 2001, p. 199).
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Nossa
Senhora da Conceição (CAAE: 85160218.4.0000.5530) com Número do Parecer:
2.627.046.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
OS SENTIDOS DO VÍNCULO NA HISTÓRIA DO LONGO TEMPO DE TRABALHO NO SUS
A promulgão da Constituição Brasileira, no ano de 1988, considerando o amplo
contexto de redemocratização do país, dentre tantos avanços que produziu, instituiu o
direito à saúde e os fundamentos do SUS, assim como, redefiniu princípios básicos da
administração pública e da regulação de ingresso e critérios para o trabalho no serviço
público. Nesse bojo, encontra-se a recente história da implantação do SUS, como uma
política pública repleta de avanços e desvios em relação aos princípios e diretrizes
organizacionais que fundamentam o modelo de sde preconizado nas leis que
regulamentam o SUS (SANTOS, 2018).
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Nos 30 anos da reforma sanitária e criação do SUS, o campo de políticas de gestão de
trabalho e educação na saúde, de um período inicial (dos anos de 1990 a 2002),
caracterizado pela desmobilização das políticas de recursos humanos, passou por um
fortalecimento (dos anos de 2003 a 2015) dos princípios constitucionais de
responsabilizão pela organização dos trabalho e dos trabalhadores no SUS, porém,
na atualidade vive a perda de direitos dos trabalhadores (MACHADO; XIMENES NETO,
2018), contexto muito agravado com a chegada da pandemia da covid-19. Parte desse
processo histórico pode se verificar inscrito nas experiências de vínculo institucional
vivenciadas pelos trabalhadores participantes do estudo.
Nas práticas discursivas analisadas, a implementação do arcabouço legal e operacional
do SUS promoveu transformões institucionais que ecoaram nas reorganizações do
trabalho dos trabalhadores participantes do estudo e vice-versa.
Em 1988 eu não tenho lembrança de ter discutido sobre o SUS. Eu fui começar a discutir
SUS meados dos anos 1990, que começou a cair a ficha do que que era isso, mas eu me
lembro que tinham coisas que me incomodavam bastante, da questão de ter leito privado
junto com os leitos do SUS, a dificuldade que foi de entender o que era esse sistema, falando
de dentro do hospital [...] a Constituição é de 1988, então essa transformação toda eu peguei
dentro do hospital (P6).
Eu construí o SUS, eu sou de antes de 1988, eu fazia e eu participei das propostas para o
SUS, então assim, a gente viu isso crescer, a gente viu construiu, a gente participou disso
(P1).
Na definição stricto sensu de trabalho, o vínculo empregatício é definido pela relação
contratual estabelecida entre trabalhadores e empregadores (SCHWARTZ; DURRIVE,
2007), mas as experiências de trabalho dos trabalhadores participantes do estudo
iniciaram antes mesmo do estabelecimento de um vínculo formal propriamente dito.
Eu vim para cá [instituição de saúde] com 18 anos, estava no primeiro ano da faculdade [...]
eu tinha um tio que tinha (cargo que equivale hoje a gestor) [...] ele me convidou para vir para
cá, então desde o começo da faculdade [...] eu comecei a acompanhar as atividades dos
residentes [...] e depois eu fui contratada, assim que eu me formei (P12).
Eu entrei em setembro de 1985, como Recibo de Pagamento Autônomo. Naquele momento
não tinha como ser contratado [...] naquela época não existia concurso [...] as pessoas foram
me conhecendo até que eu fui indicada por um cardiologista aqui do [instituição de saúde]
para vir para cá. [...] eu fui chamada para a emergência que era a porta de entrada de todo
ser humano que não tinha alguém que indicasse assim, para alguns serviços mais
espeficos, entrei daquele jeito, fim de semana, de noite, feriadão na emergência do
Conceição (P8).
O modo como aconteceu o ingresso na instituição de sde do SUS e o estabelecimento
do vínculo empregatício dos trabalhadores participantes do estudo, encontra-se
relacionado aos sentidos que o trabalho foi assumindo posteriormente para os
trabalhadores, assim como pelo modo como compartilharam dos projetos do SUS que
se delineavam. A história do ingresso foi sendo ressignificada pela história do SUS.
Quando eu era mais novo eu trabalhava emrios hospitais, sempre trabalhava aqui, ali.
Depois com o tempo eu gostei mais daqui, aqui foi mais, o hospital que mais cresceu, que
mais se modernizou e ficou... então aí aos poucos eu vim vindo para cá, fui também ficando
mais velho, não conseguia mais fazer 3, 4, 5 plantões por semana, essas coisas e aí hoje
eu trabalho só aqui (P11).
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Eu entrei como chefe do serviço a partir de 2003 ou 2004 [...] e depois mudaram algumas
coisas assim, da organização, da gestão [...] nós conseguimos muito desenvolver o serviço,
o hospital, hoje é um hospital moderno, claro, tem muitas carências, mas assim, mudou.
Primeiro que hoje nós somos 12 colegas e nós passamos quase 20 anos com 4 colegas [...]
a gente não tinha psicóloga, não tinha fisioterapeuta, não tinha uma área física decente [...]
foi muito difícil, muito batalhado [...] o pessoal da informática me deu muito apoio, a direção
me deu bastante apoio e era isso que eu dizia, eu quero que esse serviço seja reconhecido
fora daqui. (P12).
Agora quando a nova administração vier, começa tudo de novo aquela história de quem
coordena o quê, quem vai fazer o quê, quem não sei o quê, todas as vezes isso. Aí eu não
tenho nem como fazer nenhum movimento, eu sigo trabalhando... (P8).
O processo democrático de alternância de governos impôs constantes mudanças nos
direcionamentos da gestão institucional, um processo que repercutiu nos projetos de
trabalho dos trabalhadores. No longo tempo de vínculo de trabalho com a instituição, as
transformações institucionais vivenciadas pelos trabalhadores se relacionam com os
percursos da vida, o trabalho está integrado à vida pessoal e familiar dos trabalhadores,
e vice-versa.
Eles [os filhos] me cobram bastante, a gente tem uma menina mais velha [neta] Deus a livre
da medicina porque realmente, teve tempo que eu saía do plantão e não tinha repouso, a
gente tinha que continuar no outro dia trabalhando ali, então era bem pesado (P5).
Esses anos todos juntos [no ambiente de trabalho] cria laços e eventualmente então, eu
conheço histórias de pessoas que trabalham aqui intimamente [...] fazem parte da minha
vida também como um laço de amizade e confiança. [...] aconteceu também com outros
colegas, amigos, que se juntaram aqui dentro com pares. [...] então essas coisas acontecem
e isso também fez parte da minha história (P7).
Não se pode postular a independência da vida de trabalho em relação à vida pessoal, é
um todo indissociável, em que todas as partes se comunicam de maneira permanente”
(SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 49). A história no trabalho é a história do
assujeitamento do trabalhador aos processos de poder, mas como algo construtivo do
tornar-se trabalhador (NARDI, 2006). Processos de subjetivação do trabalhador
conformam seu agir no trabalho, suas necessidades e projetos, suas invenções e modos
de trabalhar, assim como as transgressões e resisncias nos modos de produzir.
As trajetórias de longo vínculo de trabalho dos trabalhadores participantes se constituem-
se na interrelão entre os vínculos formais/contratuais, os vínculos aos modos e
modelos de trabalhar imbricados pelas histórias da gestão do SUS e os vínculos aos
próprios serviços e equipes de saúde nos espos micropolíticos em que atuam.
VALORES SUBJETIVOS NO AGIR DE COLETIVOS DE TRABALHADORES DA SAÚDE
Se na subjetivação do trabalhador, considerando o processo de flexibilização do trabalho
no capitalismo moderno, a individualização se destaca assentada no fato de que o
trabalhador se torna seu próprio capital (AMADOR, 2014), no SUS os trabalhadores
constituem-se eminentemente no trabalho coletivo, em uma dinâmica que aproveita as
sinergias, mas também as incompatibilidades das competências das equipes de
trabalhadores (KAPPAUN; OLIVEIRA; MUNIZ, 2017).
No trabalho como entidade coletiva, o existe o eu/trabalhador sem os outros. O
compartilhamento de um conjunto de valores e responsabilidades constitui as equipes
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de saúde, mesmo que relativamente pertinentes, pois as implicações dos trabalhadores
são delimitadas pela formação profissional e as variações das fronteiras de saberes e
práticas. A constrão do coletivo depende da presea de um mínimo de estabilidade
e de certa permanência na organização, pois a confiança e a cooperação se constroem
com o tempo (SCHERER; PIRES; SCHWARTZ, 2009, p. 723).
Nas práticas discursivas das trajetórias de longo tempo de vínculo dos trabalhadores
participantes do estudo, reconfigurações do trabalho vão sendo tecidas na aproximão
de coletivos de trabalho, no ingresso de novos trabalhadores e na medida em que os
trabalhadores vão compartilhando (ou não) projetos, ideias, opiniões e valores das
equipes.
Eu tive uma relação bem próxima de um grupo de enfermeiras naquele peodo e ficou por
bastante tempo. E isso também abriu espaço para o trabalho dentro das áreas com os
pacientes [...] porque eu acho que eu criei um trabalho lá, uma relação... eu acho que é uma
coisa de confiança, tem funciorios que estão há muitos anos lá e essa coisa de muitos
anos é bom (P7).
Tu reconheces quando o cara é médico assim de longe só tu olhar, não sei se é porque a
gente convive muito e tem uma linguagem própria e problemas que o resto da população
não tem, a gente vive no mundo nosso ali, pensando muito tempo sobre isso, sobre doença,
sobre o acidente, sobre... e a gente encara diferente do leigo, as coisas, eu acho (P11).
A gente, nós éramos um grupo de sonhadores, a gente saiu cada um da residência com a
sua vio de mundo, com isso tudo, e a gente conseguiu realmente construir isso, mas era
um trabalho realmente assim... [...] o que eu consigo fazer [como trabalhadora] é pedir ajuda
e acho que usar a rede é muito bom, rede que eu digo é rede de amigos, rede de colegas,
rede de pessoas que estão fora daqui e eu acho que isso eu aprendi a fazer, dentro da
equipe (P8).
Ultimamente nos concursos tem entrado gente nova e eles também sabem muito para
ensinar para os mais antigos, não é só os antigos que... a gente tem aquela experiência de
anos, tem muita prática, muito conhecimento, mas eles também chegam com muita coisa
nova que eles estudaram, então é uma troca muito boa assim dos mais antigos com os
novos e a gente só tem a ganhar (P4).
O perfil dos trabalhadores é muito diferente hoje do que era 20 anos, o vamos nem há
30, há 30 é óbvio, assim como o perfil dos profissionais, eu também acho que se perdeu um
pouco do amor a camiseta, é isso que eu acho (P8).
As escolhas dos trabalhadores estão demarcadas pelos valores subjetivos que surgem
no debate cotidiano da busca de soluções para os problemas do trabalho, que se
imbricam nas relações dos trabalhadores entre si, entre si e os coletivos de trabalho e/ou
entre si e as pessoas que buscam o cuidado. O trabalho considerado como atividade
constitui-se em um permanente recriar-se e colocar em sinergia especialmente
ingredientes subjetivos que atuam no agir do trabalhador. Debater é um momento
necessário para fazer passar para um mundo comum o trabalho a ser constrdo.
Trabalhar é estar em debate de normas, é negociar com (SCHWARTZ, 2015, p. 85-
86).
Os trabalhadores participantes do estudo expressam, no próprio agir, a história de
vivências no contexto de trabalho e os valores subjetivos que estão colocados no jogo,
compartilham a importância da experiência adquirida ao longo dos anos.
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As relações com as pessoas [é o que motiva para o trabalho], a relação com as pessoas,
não tenho nem dúvida, eu demorei porque eu fiquei pensando, é o salário? O salário é muito
bem-vindo, mas não é isso que me motiva porque eu acho que eu não suportaria isso, se
eu estivesse em um lugar simplesmente porque eu preciso do dinheiro (P8).
Acho que as pessoas que estão aqui gostam do que fazem, então eu acho que isso é uma
coisa que faz com que a gente tenha um brilho pessoal por amar muito o que faz e isso não
é qualquer um que consegue, trabalhar hoje em dia, num planeta como está, com tanta falta
de emprego e de trabalhar numa coisa e ainda gostar. [...] E a outra é querer que esse
trabalho cresça, na verdade a gente tem que querer melhorar o seu trabalho, fazer o seu
trabalho melhor e não ficar no conformismo do estou fazendo há 30 anos então já faço
automaticamente” (P9).
É uma caminhada muito difícil pra quem chega, primeiro emprego, cheio de expectativas da
faculdade. [...] tu vai ficando mais segura no seu trabalho, com o seu desempenho, com a
prática. A gente vai evoluindo e conseguindo reter conhecimento. [...] porque aí quando há
confiança no teu trabalho a gente consegue dividir as coisas e trabalhar mais em equipe e
isso é bom e isso é o tempo e o teu desempenho que vai te dar, teu relacionamento com as
pessoas também (P3).
No agir na saúde coletiva cada trabalhador em atividade coloca em sinergia os protocolos
prescritos com as histórias das realidades de trabalho, dessa sinergia emergem também
valores subjetivos que serão (ou não) compartilhados nas formações coletivas. As
escolhas não se voltam apenas para o que está prescrito, mas elas são direcionadas
nas possibilidades de construção de novas práticas e conhecimentos tácitos. O
compromisso do trabalhador é regido por uma hierarquia de valores de cunhos tanto
individual quanto coletivo.
As reconfigurões do trabalho, produzidas tendo em vista o longo tempo de vínculo ao
trabalho, constituem-se diante das viabilidades e variabilidades do trabalho coletivo na
saúde. A incorporação do histórico de uma situação de trabalho, ou o aproveitamento da
experiência de longo tempo de vínculo no trabalho, é gerado mediante a memória, os
debates internos e os registros no corpo (SCHWARTZ, 2010). Poderia ser questionado:
mas quanto tempo? Tudo dependerá das situações e das pessoas (SCHWARTZ;
DURRIVE, 2007, p. 211).
As preocupações dos trabalhadores de longo vínculo participantes do estudo em
manterem-se atualizados são marcadas, especialmente, com relação a acompanhar as
inovações dos protocolos de atenção e o modo como a instituição se organizou para dar
resposta para estas demandas promovendo acesso à informão e formação na saúde
coletiva
Eu sou obrigado a dar aula, obrigado não, eu dou aula porque eu quero, mas para dar aula
eu sou obrigado a me manter atualizado, preparar aula, então o hospital sob o ponto de vista
docente-assistencial é um excelente lugar para trabalhar, é um lugar estimulante, tem um
número muito bom de casos e variabilidade de diagsticos, eno é um campo muito fértil
para gente continuar estimulado a progredir (P2).
Se eu vejo na discussão que tem alguma coisa ali, um medicamento que foi usado, um
exame que foi pedido, um tipo de patologia que está sendo pensada, diagstico, eu vou
naturalmente procurar e vou estudar (P8).
Eu me exibo muito da minha trajetória, embora eu não tenha muita coisa publicada, não
tenha título, quando fazem a minha avaliação, eu mexo com o meu chefe tá, vamos fazer a
minha avaliação, que tipo de perfil tu queres pra trabalhar aqui? ah, algm que se interesse
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por saúde, que veja o paciente como um todo eu não estou nesse perfil? está! então tá
(P1).
Sai para estudar e o Hospital não te reconhece porque tu tens título, não tem plano de cargos
e salários. [...] Então algm disse por que eu faço mestrado, doutorado, estudo, venho pra
cá, me qualifico, vou orientar [residentes], qual é o reconhecimento que a instituição tem
disso tudo que eu faço? É que quanto mais tu te capacitas, mais trabalho assumes com o
mesmo salário e com as mesmas condições. [...] A instituição te deixa sair para estudar, já
acho uma coisa boa, libera pra fazer mestrado e doutorado algumas horas, mas acho que
a coisa seria o plano de cargos e salários e um reconhecimento financeiro para as atribuições
que tu agregas ao teu trabalho original quando te capacitas (P1).
A Educação Permanente em Saúde (EPS) apresenta-se como uma ação
essencialmente coletiva e coloca o trabalho em problematização, mas considerando-o
por meio das perspectivas do lugar que se ocupa no trabalho e da busca por saídas
construídas no coletivo (MEYER; FÉLIX; VASCONCELOS, 2013). Integra-se à gestão
para produzir as transformações necessárias e não se resume a mera proposta de
capacitação ou de educação gerenciada (LEMOS, 2016), mas se refere a alternativas
que produzam um nível de tensionamento institucional. Um exercício de desconforto,
mas, também, de possibilidades de crescimento e desenvolvimento no trabalho em
saúde. Fundamenta-se no uso ativo de práticas problematizadoras como um convite
para formular alternativas inovadoras para a vida no trabalho.
As formações coletivas dos trabalhadores da saúde, uma configuração democrática a se
manter nos processos de EPS, mobilizam no agir profissional em especial elementos
subjetivos, pois estes tornam os trabalhadores mais aptos a produzir conhecimentos
tácitos, que emergem das possibilidades de compartilhamento de experiências de
trabalho, problemas e soluções nas trajetórias de longo vínculo.
PRÁTICAS DE GESTÃO DA IDADE DOS TRABALHADORES COM LONGO VÍNCULO DE
TRABALHO NO SUS
O contexto de precarização das relações de trabalho com as crescentes medidas de
racionalização nas macropolíticas de saúde, imprime pressões para maior eficiência,
introduzindo novas modalidades de gestão e tendências a reduzir o trabalho ao mero ato
técnico sem levar em conta as particularidades do ato de cuidar (SCHERER et al., 2018).
O longo vínculo de trabalho, acompanhado do envelhecimento do trabalhador, em geral
tem sido relacionado com a diminuição da capacidade para o trabalho (SOUZA;
MATIAS; BRETAS, 2010; FERREIRA et al., 2018), revelando muitas vezes um
preconceito ou discriminação em relação ao idoso ou a idade, o ageísmo (CEPELLOS,
2013).
Os trabalhadores participantes do estudo, em suas longas trajetórias de vínculo ao
trabalho no SUS, envelheceram na instituição e tecem relões entre o processo de
envelhecimento e como se sentem para o trabalho no SUS.
É, a velhice além de ser uma coisa inevitável, tu tem que saber enfrentar a velhice, tu tem
que saber lidar com a velhice, se preparar, o que que é isso? É saber que tu vai ter umas
limitações e não te apavorar com aquilo, por que? [...] tu tem que te adaptar, porque tu sabe
que tu vai cansar mais [...] é uma coisa que eu acho que em casa ou no serviço não muda
muito, porque mesmo assim, quem não trabalha vai envelhecer igual, só que o lado
emocional ou psicológico é muito melhor do que tu estar em casa (P10).
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A gente tem que fazer adaptações e a gente tem que pensar, que é a coisa que me preocupa
[...] de não deixar que o meu envelhecimento atrapalhe o meu trabalho ou o paciente, porque
a gente tem que estar atento, porque a gente enxerga menos, porque a gente não fica tão
esperto [...] de ver se a tua dificuldade visual, que é natural, está bem controlada e não faz
com que tu perca qualidade de atendimento, por exemplo (P9).
Se, por um lado, os trabalhadores vislumbram benecios em manterem-se atuantes
participando na instituição e desempenhando funções, por outro demonstram lutas e
dificuldades para isso (VASCONCELOS, 2015).
Os trabalhadores com longo vínculo participantes do estudo relacionam o processo do
desligar-se do trabalho com uma gama de categorias, do desejo de tempo livre à redução
do salário. Mas, o limite para seguir contribuindo com o trabalho está centralizado nas
preocupações com as condições de saúde para desempenhar a atividade.
Agora eu estou trabalhando tenho meu salário da ativa e da aposentadoria, estou guardando
para quando eu parar ter mais uma reserva e a minha cabeça eu consigo ver, olha tu sabes
que uma hora tu vais ter que resolver e eu não pretendo ficar, ficar, ficar até ficar doente, eu
quero parar ainda quando eu tiver bem (P4).
Tu te sentes gratificada porque a medida que tu vais parando de fazer algumas coisas tu
vais sentindo que tu estás perto da morte. Para todo mundo a morte é uma coisa inevitável,
pode ser para qualquer um, que o é que eu ache, que a morte não é a pior coisa, eu acho
que a doença é pior que a morte, mas acho que tu te sentes útil e fica gratificada que tu
podes fazer alguma coisa que tu gostas e tu ainda é remunerado, está bom né? Acho que
daí tu já te gratifica (P10).
Meu trabalho é esse aqui, eu adoro o meu trabalho, adoro, tenho o maior prazer em levantar
e vir trabalhar, estou com um banco de horas enorme porque eu o quero nem ir embora,
às vezes, eu quero ficar aqui (P6).
Os discursos corroboram que na percepção de trabalhadores mais velhos o trabalho é
importante (VASCONCELLOS, 2015). Mas, o processo de tomada de decisão do
trabalhador, entre o manter-se ou desligar-se do vínculo de trabalho, traz consigo
sentimentos ambíguos de possibilidades de liberdade e de ansiedade e medo (GVOZD;
SAKAI; HADDAD, 2015; CEPELLOS, 2020), com a representão do parar relacionado
com a proximidade com a morte (FRANÇA, 2013).
Dentre as práticas de gestão da idade que as organizões podem promover, destacam-
se algumas que, considerando os discursos dos trabalhadores de longo vínculo,
desempenham um papel institucional e pessoal, tais como transferências de
conhecimentos, formação ao longo da vida no trabalho e a transição para a
aposentadoria (PEDRO et al., 2021).
Mas, nas práticas discursivas analisadas o processo de decisão de parar de trabalhar é
considerado, exclusivamente, a partir do cunho individual do trabalhador e não encontra
ressonância em processos de planejamento e gestão institucionais.
Eu sigo trabalhando aqui, como não existe do ponto de vista da instituição essa
obrigatoriedade de desligamento, bom, enquanto eu tiver condições de saúde e que a
instituição não mudar essa política eu com certeza vou continuar, eu me vejo com gás para
continuar. Se tu me perguntar quanto tempo, eu não tenho nem ideia [...] eu tenho interesse
total de continuar, primeiro porque eu preciso, segundo porque eu gosto e terceiro porque
eu acho que espaço existe para alguém ocupar ou eu ocupo (P8).
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Eu não sei como trabalhar isso, eu nunca pensei em como trabalhar isso na instituição, de
falar disso, das pessoas se prepararem, eu acho que é muito mais uma coisa pessoal assim,
de cada um como é que se prepara para a vida, como é que eu vou lidar com a minha vida,
o que eu vou fazer da minha vida (P6).
É, eu faço parte da história da instituição de saúde do SUS que trabalho, mas o fato de eu
fazer parte da história dessa instituição é um sentimento meu, porque quem está nos cargos
de gerência, de mando, de importância as vezes nem tinham nascido quando eu já
trabalhava aqui e eles não dão valor para isso, a gente vê nas reuniões eu sou só um
funcionário (P2).
As pessoas não conseguem se aposentar e se liberar, porque um médico que ganhe 15 mil
reais trabalhando com 80 anos, qual é o idoso que vai ganhar 15 mil reais? Não ganha isso
de aposentadoria, se ganhar 2 ou 3 [mil reais] está muito num país injusto. E o hospital até
hoje não tem uma política correta de fazer um plano de aposentadoria decente, também o
hospital não consegue retirar as pessoas que estão com menos capacidades técnicas para
outras funções. Porque a aposentadoria significa uma perda do capital social, da interação
toda e as vezes é muito difícil as pessoas abrirem mão disso. Então aqui, o trabalhar é o fato,
o lugar que te permite ter saúde mental, mesmo que tu trabalhes até morrer e isso não está
sendo visto corretamente. Ao invés de estar te incomodando, atendendo paciente vamos
organizar coisas, vamos dar palestra, vamos não sei o que, sabe. Não vejo muito assim, um
direcionamento para isso, aproveitar a experiência e entender da perda das capacidades
das pessoas [...] ah fiz 30 anos, vai se aposentar e fim ah está demitido” e as pessoas
ficavam com uma mão atrás e outra na frente e a vida rui, roi, desaba tudo. É isso que eu
vejo, que durante muito tempo não teve nenhuma atenção a isso e eu não sei como é que
é, eu sei que tem umas atividades aí voltadas para a aposentadoria, mas eu nunca participei
disso aí, não estou pensando em me aposentar nem posso (P12).
A questão financeira e o compromisso com o trabalho desenvolvido na instituição são
questões que podem levar o trabalhador idoso a adiar a própria aposentadoria (PEDRO
et al., 2021).
As práticas de gestão articulam processos de trabalho aos de qualificação, formação e
educação de trabalhadores (MACHADO; XIMENES NETO, 2018). A gestão da
organização do trabalho poderá facilitar ou dificultar as adaptações demandadas nos
processos de envelhecimento no trabalho (SATO et al., 2017).
Valorizar o longo tempo de vínculo no trabalho pressue valorizar os conhecimentos
tácitos produzidos pelos trabalhadores em suas trajetórias de longo vínculo. Ações
institucionais tradicionais, tais como a avalião de desenvolvimento e a formação sobre
aposentadoria, poderiam ser possibilidades de construções coletivas?
Tu consegues saber quando tu tá rendendo ainda na tua função ou não está. E se tu não
está, tu tens alguém que tem como te direcionar, tem processo de avaliação, tem processo
de desenvolvimento e acompanhamento, tem as coordenações que estão aí pra issoolha
tu tá parado, tu tens que te mexer”. Então talvez trabalhar isso com as coordenações, de
exercer realmente esse papel (P3).
Na verdade, eu sempre fico em dúvida quando eu vejo o lançamento dos editais
[capacitações do Programa de Preparação para a Aposentadoria da instituição do SUS que
atuo], muitas vezes eu já estive com o dedo no botão ali, só que eu sempre fico pensando
[...] na realidade não é a preparação para a aposentadoria, para mim o correto seria uma
preparação para a finalização da vida laboral, mas não aposentadoria, eu sou aposentada
e aí? E aí, eu vou fazer preparação para aposentadoria? Mas eu sou aposentada, isso não
mudou nada no meu cotidiano, absolutamente nada, entende, eu continuo trabalhando
como se não fosse [...] eu acho que não adianta fazer preparão para a aposentadoria, não
é isso, é preparar para parar de trabalhar (P8).
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E acho que o grande tchan é a discuso, é sentar, conversar, é olhar e pensar e conversar
sobre o assunto que está muito esquecido dentro da instituição, porque a instituição também
não se deu conta que ela está velha (P9).
A experiência institucional do tempo no trabalho como prodão coletiva de
conhecimento e de ação ética no trabalho, pressupõe o envolvimento dos diferentes
planos, da educação, da gestão e da atenção. Avançar na construção de alternativas
coletivas que valorizem o agir na sde coletiva sustentado na gestão e cogestão do
trabalho, preservando o trabalho no contexto atual de precarização do trabalho.
Possíveis práticas de gestão do trabalho de longo vínculo em que valores são debatidos
e compartilhados, contrapõem-se à mera atenção gerenciada de competências dos
trabalhadores. A gestão pode aproveitar ou desperdiçar os conhecimentos advindos da
experiência de longo vínculo de trabalho dos trabalhadores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O longo vínculo de trabalho é um processo a ser compreendido diante dos cenários
atuais de precarizão do trabalho na saúde aguçados pela complexidade pandêmica
que a Covid-19 apresenta, e que evoca o papel que o potencial humano e a história do
trabalhador desempenham na competência do trabalhador do SUS.
A história de implantação do SUS subjetivou o trabalhador para trabalhar de um modo
coletivo, porém as novas organizações do trabalho pressionadas pelos ajustes fiscais
conduzem em outro sentido.
O longo vínculo de trabalho na mesma instituição põe à prova capacidades do cuidar e
de cumprir o papel de trabalhador da saúde. As possibilidades de coexistência do tempo
(presente, passado e futuro) nas experiências de trabalhadores com longo vínculo de
trabalho, intensificam a produção de conhecimentos tácitos, porém o aproveitamento
desses conhecimentos tácitos explicita a existência (ou não) de lacunas entre os projetos
da instituição e os projetos de trabalho e de vida dos trabalhadores.
Nas práticas da gestão da idade dos trabalhadores de longo vínculo, a Educação
Permanente em Saúde, enquanto projeto político-pedagógico, apresenta-se como o
aproveitamento de experiências adquiridas pelos trabalhadores ao longo da história de
vida no trabalho e fortalece a pluralidade das constrões coletivas do trabalho.
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Data da submissão: 11/03/2022
Data da aprovação: 21/06/2022