Esse caráter investigativo e provisório dos Grundrisse diferencia esse texto de outras
obras de Marx que apresentam apurado cuidado estilístico e rigor com o aspecto
expositivo. Conforme argumenta Paula (2010, p. 7), “ressalta-se o inacabamento dos
Grundrisse, seu caráter às vezes elíptico, às vezes cifrado, outras vezes ainda
exploratório, que demandaria reelaboração sistemática para ter plena eficácia
expositiva”. Apesar dessas características e do fato de sua teoria do valor não estar
plenamente desenvolvida nesse texto, nota-se que alguns aspectos essenciais do
arcabouço teórico de Marx estão ali expostos de maneira reveladora e instigante. Esses
manuscritos podem ser considerados "textos únicos e insubstituíveis ao abordar, de
maneira inteiramente luminosa, questões cruciais, como as formas de produção pré-
capitalistas, como o significado histórico do avanço científico e tecnológico" (PAULA,
2010, p. 8).
Tendo em vista os objetivos do presente artigo, interessa-nos o trecho dos Grundrisse
conhecido como Fragmento sobre as máquinas (MARX, 2011, p. 587-589) em que o
autor adota o termo intelecto geral e faz algumas conjecturas sobre possíveis
desdobramentos do progresso tecnológico e da automação industrial que emergia com
a expansão da grande indústria.
Antes do referido fragmento de Marx, merecem destaque algumas reflexões do autor
sobre as metamorfoses dos meios de trabalho que, transformados cada vez mais pela
intensificação do uso da maquinaria, dão vida a um autômato cujos membros
conscientes são os próprios trabalhadores:
Assimilado ao processo de produção do capital, o meio de trabalho passa por diversas
metamorfoses, das quais a última é a máquina ou, melhor dizendo, um sistema automático
da maquinaria [...] posto em movimento por um autômato, por uma força motriz que se
movimenta por si mesma; tal autômato consistindo em numerosos órgãos mecânicos e
intelectuais, de modo que os próprios trabalhadores são definidos somente como membros
conscientes dele (MARX, 2011, p. 580).
Nesse contexto, a atividade do trabalhador limita-se a supervisionar a ação do “sistema
automático da maquinaria” e evitar que ocorram falhas. Ou seja, a atividade do
trabalhador, como um supervisor da produção, limita-se a mediar o trabalho do sistema
de máquinas sobre as matérias-primas (MARX, 2011, p. 580-581).
Até a emergência da maquinaria, a produção baseava-se no instrumento tradicional de
trabalho, que era animado pela habilidade e virtuosidade do seu manipulador. A
ferramenta e o trabalho a ela associado deram lugar a um sistema no qual o trabalhador
é subjugado e dominado por um poder que lhe é estranho:
A atividade do trabalhador, limitada a uma mera abstração da atividade, é determinada e
regulada em todos os seus aspectos pelo movimento da maquinaria, e não o inverso. A
ciência, que força os membros inanimados da maquinaria a agirem adequadamente como
autômatos por sua construção, não existe na consciência do trabalhador, mas atua sobre
ele por meio da máquina como poder estranho, como poder da própria máquina (MARX,
2011, p. 581).
Marx descreve um sistema em que o trabalho está subsumido à maquinaria viva,
apresentando-a como um poderoso organismo que torna insignificantes o saber e a
atividade isolada do trabalhador. Assim, o saber e o conhecimento socialmente
construídos são absorvidos pelo capital fixo: “A acumulação do saber e da habilidade,
das forças produtivas do cérebro social, é absorvida no capital em oposição ao trabalho,