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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2022.39540
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
A POLÍTICA EDUCACIONAL DA FIESC NA REVISTA INDÚSTRIA &
COMPETITIVIDADE
1
FIESC's educational policy in the magazine Indústria & Competitividade
SILVA, Mariléia Maria da
2
TEIXEIRA, Rodrigo Kaufmann
3
RESUMO
O presente artigo visa apresentar uma análise de aspectos da potica educacional da Federação das
Instrias do Estado de Santa Catarina (FIESC) expressa na revista Indústria & Competitividade. O
estudo, de tipo documental, teve como escopo de análise as primeiras 16 edões impressas da revista
Instria & Competitividade. Constatou-se que a FIESC difunde conceitos e apresenta formulações
para a educação contemplando aspectos relacionados à qualidade da educação, da escolaridade, da
produtividade dos trabalhadores, do modelo educacional, do curculo das escolas e universidades, e
da formação de professores. Tais formulações são analisadas à luz da perspectiva gramsciana, para a
qual a atuão do Estado burguês produz as condições fundamentais para conformar a classe
trabalhadora à lógica do mercado, amoldando-a ideologicamente na manutenção do capitalismo como
única possibilidade de sociabilidade, e assim buscando o apassivamento da luta de classes. Isso, por
sua vez, gera a necessidade de apreender as reais dimensões da relação blico versus privado e as
formas concretas de enfrentamento e resistência à ordem do capital.
Palavras-chave: Potica educacional. FIESC. Revista Indústria & Competitividade.
ABSTRACT
This article aims to present an analysis of aspects of the educational policy by the Federation of
Industries of the State of Santa Catarina (FIESC) expressed in the journal Instria & Competitividade.
Characterized as a documental type, a research had as scope of analysis the first 16 printed issues of
the journal Indústria & Competitividade. It was verify that FIESC disseminates concepts and presents
formulations for education contemplating aspects connected to the quality of education, schooling,
workers’ productivity, the educational model, the curriculum of schools and universities, and teacher
training. Such formulations are analyzing in the light of Gramscian perspective, for which the action of
the bourgeois State produces the fundamental conditions to conform the working class to the market
logic, ideologically molding it in the maintenance of capitalism as the only possibility of sociability, and
thus seeking to make the class struggle innocuous. This, in turn, generates the need to apprehend the
real dimensions of the public versus private relationship and the concrete ways of confrontation and
resistance to the order of capital
Keywords: Educational policy. FIESC. Journal Indústria & Competitividade.
1
O presente artigo é resultante de pesquisa de mestrado defendida por Rodrigo Kaufmann Teixeira no Programa de Pós-Graduação em
Educação da UDESC e de estudos ao abrigo do grupo de pesquisa Lutas Sociais, Trabalho e Educação (LUTE) da UDESC no qual estão
inseridos os autores. A pesquisa de mestrado, em razão de sua natureza documental, foi dispensada de avaliação pelo Comitê de ética e
contou com financiamento mediante bolsa de pesquisa CAPES.
2
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC), Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora Titular do Centro de
Ciências Humanas e da Educação (FAED) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). E-mail: marileiamaria@hotmail.com
3
Mestre em Educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Graduação em Educação Física pela Universidade do
Vale do Itajaí (Univali). Professor de Educação Física da Rede Municipal de Educação de Biguaçu/SC. E-mail: rodrigokauf@gmail.com
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INTRODUÇÃO
O artigo em tela tem como propósito analisar alguns aspectos da concepção da política
educacional da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC)
presentes na revista Indústria & Competitividade, periódico produzido pela própria
FIESC. Derivado de uma pesquisa de mestrado em educação, a delimitação do objeto
de estudo ocorreu com base na intensa atuação da FIESC no campo educacional
catarinense, que não se restringe ao âmbito da educação escolar, comportando também
iniciativas com vistas a disseminar e legitimar sua concepção de mundo, como no caso
da crião da revista Indústria & Competitividade.
O interesse em analisar as proposições contidas nesse veículo que não é propriamente
uma revista especializada em educação, mas apresenta inúmeras matérias vinculadas
à área justifica-se pela possibilidade de apreender as principais determinões no
tocante à instrução e preparo da classe trabalhadora por parte da FIESC, um importante
canal representativo das frações burguesas no Brasil e, em particular, em Santa
Catarina.
Cabe esclarecer que a perspectiva teórico-metodológica a orientar este estudo
fundamenta-se em Gramsci, por compreender que suas alises sobre o Estado
moderno burguês levam a apreender que a clivagem blico versus privado”
comumente presente nos estudos sobre políticas educacionais que denunciam a
interconexão da educação pública aos interesses empresariais revela-se insuficiente
quando tal probletica é redimensionada à perspectiva de totalidade. Para Gramsci
(2014, p. 258, grifos no original): [...] por Estado’ deve-se entender, além do aparelho de
governo, também o aparelhoprivado de hegemonia ou sociedade civil. Assim, para o
autor, trata-se de compreender a natureza do Estado integral ou ampliado, composto
organicamente tanto pelo Estado restrito quanto pela sociedade civil, essa organizada a
partir de seus aparelhos privados de hegemonia (APH). Nas palavras de Liguori (2007,
p. 21, grifos no original):[...] tais aparelhos hegemônicos, aparentemente privados, na
realidade fazem plenamente parte do Estado e, portanto, nos permitem falar deEstado
ampliado. Dito isso, a FIESC é aqui tomada como um importante aparelho privado de
hegemonia (APH) das frações burguesas industriais em Santa Catarina, que age com
propósito de criar um terreno ideológico favorável aos seus interesses, em plena
consonância com o aparato governativo.
Conforme aponta Rodrigues (1998), a investida do empresariado na educação brasileira
pode ser observada nas décadas de 1980 e 1990, quando participou ativamente do
debate educacional por meio da articulação do bimio modernizão-qualificação
profissional. Nesse período, os empresários defenderam publicamente
4
um modelo de
formação profissional maismoderno, leia-se mais ajustado, aos novos requerimentos
produtivos, próprio do atual padrão de acumulação capitalista, o toyotismo. No presente
momento, o discurso do empresariado industrial catarinense tem se traduzido no
estímulo ao aumento da produtividade por meio da educação. Por isso, torna-se
relevante elucidar qual a política educacional defendida pela FIESC na atualidade e que
4
Rodrigues (1998) elaborou em seu estudo uma análise de alguns documentos publicados pela CNI, são
eles: Competitividade industrial: uma visão estratégica para o Brasil, de 1988; Educação básica e formação
profissional: uma visão dos emprerios, de 1993; SENAI, Desafios e oportunidades: subsídios para
discussão de uma nova política de formação profissional para a indústria no Brasil, de 1994; e Modernização
das Relações de Trabalho: prinpios e objetivos, de 1995.
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é veiculada em seus canais de comunicação, mais precisamente nas publicões da
revista Indústria & Competitividade.
Como procedimento metodológico recorreu-se à pesquisa do tipo documental, em que
os documentos constituem a principal fonte de dados. Desse modo, compuseram nosso
corpus documental as primeiras 16 edições impressas da revista Instria &
Competitividade, publicadas entre 2013 e 2017, e também localizadas no endereço
eletrônico da FIESC.
Inicialmente foi realizada uma leitura completa das 16 publicações da revista Indústria &
Competitividade com o intuito de mapear as temáticas recorrentes. Na sequência foram
selecionadas, em cada edão, as matérias que apresentavam alguma conexão com a
questão da educação; procurando identificar os temas referentes às políticas
educacionais que servissem para análise das proposições da FIESC para a educação
pública.
O artigo está estruturado em três partes. Na primeira são apresentados alguns aspectos
da FIESC a partir do seu viés educacional e seu interesse pela educação, bem como
uma caracterizão do formato e conteúdo da revista Indústria & Competitividade. Na
segunda exibe-se as formulações da política educacional da FIESC, expressas na
referida revista, visando identificar e refletir sobre seus diagnósticos e suas proposições
para a educação. E nas considerações finais retoma-se a problemática central abordada
no artigo, buscando apreender suas principais determinações e contribuir para a reflexão
crítica sobre a presença crescente do empresariado na definição das políticas públicas
para a educação.
A FIESC E A REVISTA INDÚSTRIA & COMPETITIVIDADE
A FIESC constitui-se como a principal entidade de representação do empresariado
industrial de Santa Catarina, sendo filiada à Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Criada em 1950, a FIESC tem como propósito representar os interesses dos
empresários industriais catarinenses extrapolando os limites das instâncias sindicais
patronais. Esses interesses direcionam-se, conforme a própria entidade, na busca por
melhores condições de infraestrutura para o desenvolvimento econômico e social do
estado de Santa Catarina (FIESC, 2015).
Tal caracterização nos conduz a compreender a FIESC como um importante aparelho
privado de hegemonia, na formulação gramsciana, cuja apreensão nos remete ao
conceito, já referido, de Estado integral. Isto é, [...] em seu sentido orgânico e mais amplo
como o conjunto formado pela sociedade política e sociedade civil (BIANCHI, 2007, p.
28). Nesse caso, a sociedade civil é formada por um conjunto de organismos definidos
como privados, na qual a hegemonia é exercida pelo grupo dominante; já a sociedade
política consiste no domínio direto, que se expressa no Estado e no governo jurídico
(GRAMSCI, 2010).
Mendonça (2014, p. 35, grifos no original), no que lhe concerne, nos auxilia a
compreender essa concepção de Estado integral a partir dos conceitos de sociedade
política e sociedade civil em Gramsci:
O primeiro termo é bastante claro na obra de Gramsci, referindo-se ao Estado em seu
sentido restrito ou seja, os aparelhos governamentais incumbidos da administração, da
organização dos grupos em confronto, bem como do exercício da coerção sobre aqueles
que não consentem, sendo por ele também denominado de “Estado político” ou Estado-
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governo. A despeito de menos clara e mais complexa nos Cadernos, a noção de sociedade
civil implica no conjunto dos organismos chamados de privados ou aparelhos privados de
hegemonia, no sentido da adeo voluntária de seus membros. Dentre esses aparelhos
Gramsci destaca igrejas, associações privadas, sindicatos, escolas, partidos e imprensa. É
em torno a eles que se organizam as vontades coletivas, seja dos grupos dominantes, seja
dos dominados.
Assim, reitera-se a compreensão da FIESC como um aparelho privado de hegemonia
da classe burguesa, pois sua existência necessita de adesão voluntária de seus
integrantes, ou seja, dos empresários industriais catarinenses. E, ao se organizarem
dessa maneira, atuam visando difundir para toda a sociedade sua visão de mundo,
incluindo aí a educação da classe trabalhadora, buscando criar um consenso ativo.
Quando nos referimos à classe trabalhadora, estamos reconhecendo que essa é
portadora de uma mercadoria especial, fundamental no modo de produção capitalista,
que é a força de trabalho. Conforme Marx (2013, p. 312), força de trabalho diz respeito
ao [...] complexo das capacidades físicas e mentais que existem na corporeidade, na
personalidade viva de um homem e que ele põe em movimento sempre que produz
valores de uso de qualquer tipo”. No capitalismo, a força de trabalho adquiriu certas
particularidades pelas quais se tornou uma mercadoria, que é [...] antes de tudo, um
objeto externo, uma coisa que, por meio de suas propriedades, satisfaz necessidades
humanas de um tipo qualquer (MARX, 2013, p. 157). A mercadoria possui dois fatores:
valor de uso e valor de troca. O primeiro é determinado pela sua utilidade, consumo, ou
seja, qualitativo; já o segundo se constitui na proporção em que pode ser trocado por
outra mercadoria de qualidade diferente, isto é, de ordem quantitativa (MARX, 2013).
Em relação à adequação da força de trabalho, Marx (2013, p. 318) expõe que
Para modificar a natureza humana de modo que ela possa adquirir habilidade e aptidão num
determinado ramo do trabalho e se torne uma força de trabalho desenvolvida e específica,
faz-se necesria uma formação ou um treinamento determinados, que, por sua vez,
custam uma soma maior ou menor de equivalentes de mercadorias. Esses custos de
formação variam de acordo com o caráter mais ou menos complexo da foa de trabalho.
Nesse sentido, com o propósito de adequar a força de trabalho para a indústria a FIESC,
logo no começo de sua constituição, buscou criar entidades educacionais, tal como fez
a CNI na esfera nacional. Para tanto, instituiu as seguintes entidades regionalizadas: a)
Serviço Social da Indústria (SESI), criado em 1951, que atua na saúde e na educão
dos trabalhadores da indústria; b) Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI),
institucionalizado em 1954, que opera na educação profissional; c) Instituto Euvaldo Lodi
5
(IEL), originada em 1969, articula a indústria, as agências de fomento e as instituições de
ensino e pesquisa (FIESC, 2017). Levando em considerão as formulações teóricas de
Marx, entende-se que a criação do SESI, SENAI e IEL está, obviamente, relacionada ao
processo de formação da classe trabalhadora, portanto está adequando uma força de
trabalho correspondente aos interesses da burguesia industrial.
Atualmente essa preocupação vem se mantendo e assumindo novos contornos. Em
2012, a FIESC lança o movimento A Indústria pela Educação, que, nas palavras da
entidade, buscaria [...] elevar a escolaridade básica e a qualificação profissional dos
trabalhadores e contribuir para a melhoria da qualidade da educação catarinense
(INDÚSTRIA & COMPETITIVIDADE, 2016, p. 58). Em 2016, com a adeo de outras
5
Primeiro presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
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federações empresariais catarinenses
6
, de organizações de representação dos
trabalhadores
7
, e de diversas entidades
8
, inclusive do Estado
9
, essa iniciativa passou a
ser denominada de Movimento Santa Catarina pela Educão.
A revista Indústria & Competitividade é uma das formas de expressar a visão de mundo
da FIESC e propagar sua política educacional. O periódico surgiu em 2013, quando
Glauco José Côrte
10
exercia seu primeiro mandato à frente da FIESC. Segundo Côrte
(2013), seu surgimento teria ocorrido por dois motivos: desejo e necessidade. O primeiro
diz respeito à vontade de possuir bons meios de comunicão com a sociedade e de
expor as realizações do setor empresarial e de seus empresários; e o segundo se traduz
na necessidade de manter a indústria competitiva em âmbito global. Ademais, de acordo
com a FIESC, a revista teria sido [...] concebida para se inserir numa dimensão essencial
do espaço público: o debate sobre o desenvolvimento econômico e social do Estado [sic]
e do País (INDÚSTRIA & COMPETITIVIDADE, 2013, p. 7).
Caracterizada como um material de divulgação da FIESC e do setor que ela representa,
ou seja, a indústria catarinense, a revista é destinada a empresários, políticos, imprensa,
entre outros; e circula quadrimestralmente de forma impressa
11
em empresas, sindicatos
patronais, escolas, universidades e bibliotecas. Além disso, é possível acessar seu
conteúdo na Internet a partir do site
12
da FIESC. Em relação à apresentação gráfico-
textual, pelo menos até a 16ª edição, a capa alude à principal matéria de cada edição,
além de citar outras em destaque, e na contracapa encontra-se material publicitário. Na
primeira página há uma são, de página inteira, intitulada Carta do Presidente,
reservada ao presidente da FIESC, na qual procura situar o leitor sobre o conteúdo da
edição. E nagina seguinte, no expediente, encontram-se os nomes dos integrantes
da gestão do Sistema FIESC (incluindo a Diretoria Executiva), bem como da equipe da
revista. Nessa mesma página, localiza-se o sumário, que exibe as seções temáticas e
breves informações sobre as matérias contidas na edição. Para melhor visualizão da
revista, segue a Figura 1.
6
Federão da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (FAESC), Federação do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo de Santa Catarina (Fecomércio SC) e Federação das Empresas de Transporte
de Carga do Estado de Santa Catarina (Fetrancesc).
7
Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Santa
Catarina (FETIMMMESC), Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário
(FETICOM) e Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil e Mobiliário de Brusque (SINTRICOMB).
8
Movimento Todos pela Educação, Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura, entre outras.
9
Governo de Santa Catarina, prefeituras municipais, secretarias municipais de educação e câmara de
vereadores de munipios catarinenses.
10
Presidiu a FIESC de 2011 a 2018. Atualmente é membro titular do conselho de representantes da CNI.
11
Segundo consta na revista, a tiragem impressa é de 5 mil exemplares (INDÚSTRIA &
COMPETITIVIDADE, 2013).
12
As edições na versão on-line estão disponíveis em: http://fiesc.com.br/revista.
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Figura 1: Imagens da capa, da seção "carta do presidente" e do sumário da 1ª edição da Revista Indústria
& Competitividade
Fonte: Teixeira (2019), a partir da 1ª edição da revista Indústria & Competitividade.
O conteúdo consiste em matérias que versam sobre economia, gestão, lostica,
sustentabilidade, educação, entre outros assuntos (INDÚSTRIA & COMPETITIVIDADE,
2013). Portanto, não se trata de uma revista que visa discutir exclusivamente o tema
educacional. Na verdade, com base nas sões temáticas presentes no sumário das
primeiras 16 edições, verifica-se que a proporção de matérias sobre educação, em
relação às outras áreas, é pequena. De um total de 157 matérias identificadas a partir do
sumário, apenas 13 pertencem à são Educação, o que representa 8% de matérias.
No entanto, pode-se afirmar que a temática educacional comparece nas demais seções,
porém, de forma diluída. A quantidade de matérias publicadas na revista varia entre 10
e 12 por edição (incluindo o texto da são Carta do Presidente). A maioria enquadra-se
no formato de reportagem, contendo imagens, infográficos e tabelas; mas também se
encontra matérias na forma de entrevistas, artigos de opinião e material publicitário, que
tem como anunciantes o próprio Sistema FIESC (por meio de suas entidades), empresas
da indústria e do comércio, e até o governo do estado catarinense.
A respeito da autoria das matérias, a maioria possui autor identificado, dentre eles
destaca-se: Glauco José Côrte, Vladimir Brandão, Diógenes Fischer, Fabrício Marques,
Mauro Geres, Mozart Neves Ramos, e Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Côrte é o único
que compõe efetivamente os quadros da FIESC. Já Brandão, Fischer, Marques e Geres
são jornalistas que fazem parte da equipe da revista Indústria & Competitividade. Ramos
e Olivo não possuem vínculo orgânico com a FIESC.
Para se ter um panorama acerca do material selecionado para o presente estudo, foi
elaborado o Quadro 1, com o tulo, autoria, formato do texto e respectiva edição da
revista Indústria & Competitividade. No tópico seguinte é apresentada uma alise do
material selecionado.
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Quadro 1: Matérias da revista Indústria & Competitividade selecionadas para análise
Título
Autoria
Formato do texto
Edição
Sem gente instrda não
há indústria competitiva
Diógenes Fischer
Reportagem
Número 1 Setembro
2013
Pé no acelerador da
educação
Mozart Neves Ramos
Entrevista
Número 4 Julho 2014
Lugar de estudantes
também é na fábrica
Fabrício Marques
Reportagem
Número 6 Março 2015
Os jovenstêm-têm dão o
exemplo
Fabrício Marques
Reportagem
Número 7 Julho 2015
Produtividade é com a
gente
Mauro Geres
Reportagem
Número 8 Novembro
2015
Desafios para aproximar
academia e indústria
Luiz Carlos Cancellier de
Olivo
Artigo de opinião
Número 10 Julho 2016
O despertar do capital
humano
Vladimir Brandão
Reportagem
Número 11 Novembro
2016
Mestres de nova geração
Sem autor identificado
Reportagem
Número 12 Abril 2017
Oportunidades batem à
porta
Glauco José Côrte
Editorial
Número 13 Julho 2017
Fonte: Teixeira (2019) a partir das edições da revista Indústria & Competitividade.
REFLEXÕES SOBRE OS DIAGNÓSTICOS E AS PROPOSIÇÕES EDUCACIONAIS DA
FIESC NA REVISTA INDÚSTRIA & COMPETITIVIDADE
As proposições de políticas educacionais presentes nas edições da revista Indústria &
Competitividade partem de diagsticos feitos pela própria FIESC em diversos âmbitos.
Tais formulações são realizadas por integrantes de seus quadros (diretoria da instituição
e das entidades SENAI, SESI e IEL), membros da equipe da revista Indústria &
Competitividade e intelectuais orgânicos
13
da burguesia brasileira. Será oportuno adotar
aqui procedimento mais descritivo para apresentar algumas abordagens de temas
relativos à educação extraídos das edições da revista, quais sejam: qualidade da
educação; escolaridade e produtividade dos trabalhadores; modelo educacional;
currículo das escolas, das universidades e dos professores.
Em relão à qualidade da educação, Fischer (2013, p. 16) critica a realidade brasileira
afirmando que[...] sua baixa qualidade é atestada pela Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Pesquisas da entidade situam os alunos
brasileiros nas últimas colocões da classificação global de proficiência em matemática,
leitura e ciências. Essa pauta, qualidade da educação, é tratada na revista Indústria &
Competitividade em diversas edições
14
. Segundo Geres (2015), a qualidade da
educação precisaria ser avaliada sob duas ações: torneios de educação profissional e
avaliação em larga escala. Em relação aos torneios de educação profissional, Côrte
13
Gramsci (2010) diz que cada classe cria para si camadas de intelectuais orgânicos que lhe dão
homogeneidade e consciência do próprio papel no âmbito econômico, político e social.
14
Aparecem nas edições de número 1, 4, 8, 10, 11 e 16.
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(apud GERES 2015, p. 52) diz que A WorldSkills
15
permitiu comparar a educação
profissional brasileira com o que há de mais avançado no mundo em tecnologia,
preparação de professores e organização curricular. Já sobre a questão da avaliação
em larga escala, Geres (2015) está se referindo à avaliação do Programme for
International Student Assessment
16
(PISA) da OCDE, que visa avaliar o conhecimento
dos estudantes em matetica, leitura e ciências.
Acerca do nível de escolaridade e produtividade dos trabalhadores, Fischer (2013)
chama a atenção para o dado
17
de que 53% dos trabalhadores da indústria de Santa
Catarina não possuem escolaridade básica completa, número que equivale a 400 mil
pessoas. Côrte (apud FISCHER, 2013, p. 18), por sua vez, diz que: Há uma relação
direta entre educão, produtividade e capacidade de inovar. Argumentos que os
intelectuais da FIESC expressam para reiterar a preocupação com a produtividade do
trabalhador brasileiro, e ainda mencionam que o Brasil ocupa a 77ª posição na
classificação de produtividade da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ficando
atrás de Venezuela, Chile, Argentina e Peru; fator atribuído à menordia de anos de
estudo dos trabalhadores brasileiros em comparão com os países vizinhos (FISCHER,
2013).
A proposta dos empresários para elevar a escolaridade e, consequentemente, a
produtividade dos trabalhadores, expressa na revista Indústria & Competitividade,
consiste na oferta de formação pelas próprias empresas do setor
18
(ou em parceria com
o Sistema FIESC por meio das entidades SENAI, SESI e IEL). Essa iniciativa tem o
intuito de mostrar como as empresas se beneficiariam ao investir na qualificação de seus
trabalhadores, de forma a aumentar a produtividade. De acordo com um dado
apresentado na revista, um [...] trabalhador com cinco anos de escolaridade é 54% mais
produtivo que o trabalhador com dois anos de escolaridade” (BRANDÃO, 2016, p. 28).
O modelo educacional é outro ponto que merece atenção nas edições da revista
Indústria & Competitividade. Alegam que o atual modelo de educação no Brasil não
possui um direcionamento para o mercado de trabalho, o que prejudicaria a
produtividade da indústria. Ademais, a FIESC critica esse modelo, que apenas visa
direcionar os estudantes à universidade (FISCHER, 2013). Há uma exposição de
argumentos baseados em alguns dados, mas sem indicação de fontes, apontando que
[...] apenas 6,6% dos brasileiros entre 15 e 19 anos cursam o ensino profissionalizante junto
com a educação regular, enquanto na Coreia esse índice é de 50%, na Alemanha é de 53%
e no Japão de 55%. Isso acontece porque a visão que se tem do ensino no Brasil é voltada
para direcionar o aluno à universidade. (FISCHER, 2013, p. 23).
O problema do atual modelo de educação, segundo consta na revista, também se refere ao
distanciamento da escola em relação aomundo juvenil. Há uma entrevista com Mozart Neves
Ramos, feita por Fabrício Marques, na qual é mencionada essa problemática. Para Ramos (2014,
p. 6),
15
A competição a qual Côrte se refere foi a 43ª edição da WorldSkills Competition, realizada em agosto de
2015, na cidade de São Paulo. Disponível em: https://worldskills.org/.
16
Em português, Programa Internacional de Avaliação de Estudantes.
17
Sem indicação de fonte.
18
Embora não exclusivamente. Sabe-se do envolvimento explícito e intenso por parte dos setores
empresariais no campo da educação pública em todos os níveis.
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O ensino médio, que deveria ser a ponte para a educação tecnológica, para a universidade
ou para o mundo do trabalho, es absolutamente distanciado da realidade do jovem no
País. É preciso repensar o curculo e a forma de ensinar, de como trabalhar esse jovem
para que ele se sinta comprometido com a educação e com seu futuro. Como a escola
pouco dialoga com o mundo juvenil, temos uma evasão fantástica no ensino médio e um
baixíssimo índice de aprendizagem. Entre os que terminam o ensino médio, somente 10%
aprenderam o esperado em matemática. Em português, são 30%.
Ainda que Ramos aponte alguns problemas realmente existentes na educação formal
dos jovens, como a grande evasão no ensino médio, ele não cita fontes para seu
embasamento. Além disso, não ficam claros em seu argumento quais seriam os
aspectos que tornam o atual modelo de escola não atrativo aos jovens. Convém ainda
destacar a aparente contradição entre o discurso de Ramos com o de Fischer. Para o
primeiro, o modelo educacional poderia, sim, direcionar os jovens para a universidade; já
para o segundo, esse direcionamento seria um problema.
Diante disso, visualiza-se na revista a seguinte compreensão da FIESC acerca da
educação básica:A educação básica como o próprio nome diz deve ser a base
do processo de formão de recursos humanos, garantindo às pessoas condições de
se qualificar para a vida produtiva (FISCHER, 2013, p. 16). Corroborando com essa
ideia, Arruda (apud FISCHER, 2013, p. 16) expõe o seguinte:
O que se espera é que a educação básica seja capaz de criar competências mínimas para
a inserção na sociedade e no mercado, como leitura, escrita e fluência oral, além de
desenvolver as capacidades intelectuais que nos tornam capazes de resolver problemas e
inovar [...].
Ademais, o ensino básico, na visão dos industriais, precisaria de uma reforma”
objetivando a ampliação da escola em tempo integral, bem como de uma abordagem
para a educação profissional e tecnológica favorável à retenção dos jovens na escola por
mais tempo, garantindo-lhes uma formação mais sólida e conveniente para o mercado
de trabalho (MARQUES, 2015b).
No que diz respeito ao ensino superior, encontramos uma matéria assinada por Luiz
Carlos Cancellier de Olivo
19
na qual defende uma articulação entre a academia e a
indústria, de modo que os conhecimentos gerados pela primeira sejam apropriados pela
segunda, favorecendo o aumento da competitividade. Para o autor, a universidade
precisaria de uma [...] sólida formação do capital humano, em todos os níveis, com a
utilização de novos formatos pedagógicos e tecnologias educacionais, participação de
profissionais da indústria nos seus laboratórios e programas de educação continuada
(OLIVO, 2016, p. 70).
O entendimento da FIESC, contrário a um suposto currículo excessivamente teórico,
também é direcionado para as universidades; mais especificamente para os cursos de
engenharia, como podemos observar na explanação de Marques (2015a, p. 26):Hoje,
os estudantes passam geralmente os dois primeiros anos de faculdade envolvidos com
disciplinas teóricas, com pouca ou nenhuma vivência prática, embora sejam forçados a
escolher já no vestibular entre mais de 30 especializões na carreira.
19
À época, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Importante sublinhar o peso político
que a opinião de uma figura pública, como o reitor, representa na consolidação da perspectiva educacional
da FIESC.
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A respeito dessa problemática dos currículos das universidades, a FIESC frisa a
importância de modernizá-los, e menciona novamente o caso dos cursos de
engenharia no Brasil. Para tanto, o empresariado industrial propõe
[...] o fortalecimento do vínculo entre a formação dos engenheiros e as demandas da
indústria, criando disciplinas voltadas para a resolução de problemas práticos já nos
primeiros anos de graduação e intensificando os estágios profissionais e a formação
acadêmica em parcerias com empresas [...]. (MARQUES, 2015a, p. 26).
A questão do currículo das escolas básicas também é alvo de críticas na revista Indústria
& Competitividade. Fischer (2013) relata que foi realizada uma ação da OCDE em Santa
Catarina, em 2009, quando enviaram técnicos para avaliar e sugerir medidas
estratégicas nas políticas educacionais do estado. Trabalho que resultou no documento
Avaliações de Políticas Nacionais de Educação: Estado de Santa Catarina, Brasil, de
2010. O autor completa que essas medidas teriam sido acolhidas pelo Conselho
Estadual de Educação (CEE), que então elaborou um relatório propondo políticas para
a rede estadual de educação catarinense, dentre as quais a reformulação do currículo,
pois a atual abordagem erapreponderantemente teórica.
O referido relatório é intitulado de Proposição de novos rumos para a qualidade da
educação em Santa Catarina: visão do CEE sobre a avalião da OCDE, de 2012.
Em relação às recomendações da OCDE (2010, p. 128), destacamos a seguinte:
A discordância entre o número de matérias obrigarias e o tempo disponível para a
aprendizagem precisa ser solucionada. Ensino às pressas e aprendizagem superficial levam
a resultados insatisfatórios. A equipe da OCDE constatou que o sistema de três turnos deixa
pouquíssima margem de manobra para o aumento do tempo de permanência em sala de
aula, e que as matérias obrigarias são definidas predominantemente na esfera federal. [...]
Se a carga horária não pode ser modificada por questões de ordem organizacional, o
número de matérias obrigatórias e o conteúdo do programa devem ser reduzidos. Nesse
caso, quanto menor, melhor!
Já o documento do CEE (2012, p. 26) de Santa Catarina, propõe, entre outras medidas,
a) definição dos conteúdos e práticas estruturantes para os diversos segmentos da
educação básica; b) organização e desenvolvimento do currículo e conteúdos por área de
conhecimento ou eixos aglutinadores, definindo temas, conteúdos e pticas estruturantes;
c) abordagem dos conteúdos curriculares a partir de situações contextualizadas, associadas
aos fundamentos científicos e às atividades práticas; [...].
Partindo então das ações da OCDE e do CEE de Santa Catarina, a reformulação do
currículo da rede estadual de educação objetiva [...] a formão de competências e
habilidades a partir de situões contextualizadas, associadas a fundamentos científicos
e atividades práticas [...] (FISCHER, 2013, p. 24), atendendo, dessa forma, aos anseios
do empresariado industrial.
Além dessas proposições para o currículo, há ainda outra que merece destaque: a
inserção das competências socioemocionais. A justificativa seria de que as mudanças
no mundo do trabalho, provocadas pela tecnologia, estabeleceriam novas exigências
aos trabalhadores, impondo-lhes o desenvolvimento de novas competências. Diante
disso, Côrte (2017, p. 3) defende que os jovens deveriam ser preparados não somente
para que [...] aprendam as disciplinas tradicionais e recebam conteúdo técnico de
qualidade, mas para que também desenvolvam competências socioemocionais e se
tornem mais criativos, cooperativos, responsáveis e abertos às novidades.
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Outro tema fundamental tamm comparece nas edições da revista Indústria &
Competitividade, que é a questão dos professores. De acordo com a FIESC, existem
quatro problematizações acerca da realidade educacional brasileira no que diz respeito
aos professores: 1) um quarto dos professores que atuam na rede blica brasileira
possui contratos temporários; 2) há pouca possibilidade de aumento salarial; 3) os
professores estão sujeitos à violência (física ou verbal) por parte dos estudantes; 4)
pouco mais da metade dos professores do ensino dio das redes pública e privada
possuem formação em licenciatura para as disciplinas que ministram (INDÚSTRIA &
COMPETITIVIDADE, 2017). Sem mais detalhes, fazem referência a um levantamento
do Movimento Todos pela Educão como fonte para tais informões.
Dentre as proposições da FIESC, para os professores, encontram-se as que objetivam
[...] maior qualificação dos professores e a criação de ambientes mais atrativos para o
desenvolvimento profissional (INDÚSTRIA & COMPETITIVIDADE, 2017, p. 57); bem
como a política de [...] remuneração de professores com base em resultados
(FISCHER, 2013, p. 19). Em 2017, a carreira de professor é eleita pauta central no
Movimento Santa Catarina pela Educação, que cita como atividades desenvolvidas
nesse âmbito a realização de seminários e cursos de formação continuada para
professores da rede pública estadual e municipal catarinense, mediante o enfoque no
conceito de educão integral, que contempla as competências socioemocionais.
Diante dessa compreensão em torno dos rumos da educação, em todos os veis e
modalidades, fica patente a reflexão de natureza intrínseca à sociabilidade burguesa.
Portanto, o currículo escolar e a formação dos professores têm sido pauta constante nas
formulações do patronato destinadas à formação da classe trabalhadora,
particularmente na educação pública. Na contramão dessa apologética, no que compete
ao currículo escolar, a formulação de Ramos (2006, p. 221) é esclarecedora:
No plano pedagógico testemunha-se a organização e a legitimação da passagem de um
ensino centrado em saberes disciplinares a um ensino definido pela produção de
competências verifiveis em situações e tarefas específicas. Essas compencias devem
ser definidas com referência às que os alunos deveo ser capazes de compreender e
dominar. Em síntese, em vez de se partir de um corpo de conteúdos disciplinares existentes,
com base na qual se efetuam escolhas para cobrir os conhecimentos considerados mais
importantes, parte-se das situões concretas, recorrendo-se às disciplinas na medida das
necessidades requeridas por essas situações.
Mais recentemente, como uma espécie de desdobramento da pedagogia das compencias, não
por acaso está em voga as chamadas competências socioemocionais, cuja base estaria
assentada nas características da personalidade humana. Katrein (2018, p. 104) ao referir-se a
essas competências revela que:
[...] apresentam uma importante dimensão moralizante, omitindo causas sociais de
diferentes fenômenos e depositando nos jovens a responsabilidade pela solução da
violência, do uso de álcool, tabaco e outras drogas, da obesidade, depressão e outros
problemas de saúde. Tal psicologização das questões sociais tem a função de forjar a
coesão social, formando subjetividades adaptáveis, não só submetidas ao projeto do capital,
mas a construção de uma mentalidade que o legitime para conservar a unidade ideológica
de todo o bloco social e garantir a hegemonia das concepções de mundo da classe
dominante.
Sobre qualificar os professores, Dornelas e Martins, em um estudo abordando a
formação continuada de professores a partir da articulação entre a Fundação Vale, o
Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária (CEDAC) e secretarias
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municipais de educação, revelam que [...] a Fundação Vale, de maneira sutil, difunde
novas referências pedagógicas para transformar os trabalhadores da educação em
difusores e organizadores da conceão dominante de mundo por meio do trabalho
pedagógico realizado no âmbito escolar (DORNELAS; MARTINS, 2013, p. 126). Ainda
segundo os autores, O complexo formado pela Fundação Vale e CEDAC é somente
um dos sujeitos políticos coletivos que atuam na difusão de um novo senso comum na
educação e na política (DORNELAS; MARTINS, 2013, p. 126). Ou seja, assim como a
Vale e o CEDAC, também consideramos a FIESC e o Movimento Santa Catarina pela
Educão como difusores da conceão dominante de mundo, qual seja, que a suposta
classe empresarial seria a única [...] capaz de dirigir a sociedade para o crescimento
econômico com desenvolvimento social (DORNELAS; MARTINS, 2013, p. 126).
Embora não seja nova a defesa de um determinado éthos educacional por parte do
patronato, esse é sempre cambiável, posto que sujeito aos distintos momentos históricos
do movimento do capital e suas implicações na conjuntura econômica e política.
Atualmente apresenta-se sob um novo invólucro: o manto mitificador doempreender &
protagonizar (SILVA, 2019). Um processo de domesticação, sem precedentes, e em
grande escala, da formação da juventude trabalhadora. Para a autora (SILVA, 2019,
p.16),
Detrás dessa apologética se escondem ao menos três momentos das contratendências
vinculadas diretamente à produção e reprodução da força de trabalho no contexto de crise
do capital: a intensificação da exploração do trabalho; a redução dos salários; e a constituição
de uma superpopulação relativa. [...] Em lugar das garantias e direitos vem a retórica de que
o trabalhador deve explorar suas potências para fazer o seu próprio caminho. Aponto
também a redução dos salários diretos e indiretos quando o Estado (que é sempre do
capital) transfere para o próprio trabalhador o ônus de sua reprodução, ratificando o engodo
de que o indivíduo deve ser protagonista de suas próprias escolhase empreender a si
mesmo. E, para fechar, faço menção à crescente dispensa de parcelas de trabalhadores,
privados do emprego como forma judica de contrato e lançados à própria sorte, constituindo
e renovando a superpopulação relativa [...].
Agrega-se ao contexto explicitado o importante alerta de Silva (2019) quando afirma que
a questão inexorável para o capital é a manuteão de uma força de trabalho
relativamente supérflua
20
, mas sem que o desalento, próprio dessa condição, ameace a
disposição da classe trabalhadora em pôr sua mercadoria (força de trabalho) à venda de
forma servil, garantido uma disponibilidade submissa ad aeternum (SILVA, 2016). No
entanto, adverte: Por óbvio, no sistema do capital, não é dado aos trabalhadores poder
algum de escolha, uma vez que sua existência depende rigorosamente da venda dessa
mercadoria (SILVA, 2019, p.17).
Assim sendo, faz todo o sentido o enquadramento da educação aos ditames do capital.
Para Rodrigues (2007), a burguesia encara a educação escolar sob duas formas:
educação-mercadoria e mercadoria-educação. A respeito da primeira, trata-se da
educação enquanto mercadoria-fim, ou seja, a partir da venda de serviços educacionais.
Já a segunda visa à educão enquanto mercadoria-insumo necessária à lógica de
produção de outras mercadorias. Em uma análise mais recente, Mello e Gawryszewski
(2020), sustentados no repertório categorial de Marx para analisar a sociedade
20
Marx (2011, p. 733), [...] a acumulação capitalista sempre produz, e na propoão de sua energia e de
sua extensão, uma população trabalhadora supérflua relativamente, isto é, que ultrapassa as necessidades
médias da expansão do capital, tornando-se, desse modo, excedente.
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capitalista, ressaltam que a força de trabalho, como fonte que gera valor, é essencial para
alavancar o processo produtivo. Assim, quanto mais a formação dessa força de trabalho
estiver inclinada a [...] gerar valor nas condições que lhe é proporcionada, menor seriam
os custos para os capitalistas em treinar, adaptar e forjar subjetiva e objetivamente que
esse trabalhador atenda aos requisitos daquele determinado processo produtivo
(MELLO; GAWRYSZEWSKI, 2020, p. 2). Isso explica a relação que vem sendo
fortemente construída entre educação e aumento de produtividade.
É inegável que a crise do capital impõe, aos detentores dos meios de prodão,
encontrar soluções de toda ordem com vistas a aumentar a produtividade do trabalhador,
condição sine qua non para garantir os níveis de extração da mais-valia e assim
assegurar o processo de reprodução e ampliação da acumulação capitalista. Tarefa que
a FIESC se empenha com esmero no âmbito catarinense, cuja viabilidade tem colocado
na ordem do dia um conjunto de contrarreformas, como a trabalhista
21
, a lei da
terceirização
22
e a da previdência
23
, sistematicamente defendidas pela entidade. No que
tange ao objeto de discussão do artigo em tela, as contrarreformas no âmbito
educacional, obviamente, também estão na mira da FIESC.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante considerar que os dados de pesquisa que serviram de base ao presente
artigo foram coletados majoritariamente em um período que antecede à contrarreforma
24
do ensino médio, ocorrida em 2016, até o primeiro ano s-contrarreforma. Isso significa
que o debate apresentado na revista Indústria & Competitividade já estava
completamente imbuído desse espírito de que a educação deve alinhar-se às novas
exigências do chamadosetor produtivo, tanto no que se refere ao conteúdo do ensino
(cada vez mais rebaixado) quanto aos aspectos atitudinais (indivíduo cada vez mais
adaptado) requeridos pelos processos de precarizão das condições de trabalho e
emprego. A contrarreforma do ensino médio viria para responder, com rigor, a tais
demandas.
Pela discussão aqui proposta procurou-se compreender a FIESC enquanto um aparelho
privado de hegemonia da burguesia, que visa empregar e difundir sua visão de mundo
para a sociedade. Dentre os seus ideais, veiculados por meio da revista Instria &
Competitividade, estão as formulões educacionais para a classe trabalhadora,
sintetizadas nos seguintes eixos: qualidade da educação; escolaridade e produtividade
dos trabalhadores; modelo de educação; currículo das escolas e das universidades; e
professores.
21
Ver em: https://fiesc.com.br/pt-br/imprensa/opiniao-modernizacao-trabalhista-e-inclusao.
22
Ver em: https://fiesc.com.br/pt-br/imprensa/regulamentacao-da-terceirizacao-e-avanco-para-empresas-
trabalhadores-e-para-economia.
23
Ver em: https://fiesc.com.br/pt-br/imprensa/setor-produtivo-de-sc-emite-manifesto-de-apoio-reforma-da-
previdencia.
24
Entende-se contrarreforma, em concordância com outros autores marxistas, como termo mais apropriado
para indicar o caráter regressivo na revio das leis e emendas constitucionais, visando à retirada de direitos
historicamente conquistados pela classe trabalhadora; em contrapartida ao termoreforma, que se refere a
mudanças estruturais nos marcos do liberalismo a fim de efetivar e assegurar direitos da classe trabalhadora,
esses, obviamente, sempre limitados à ordem do capital.
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Observa-se como a FIESC apresenta-se como um ator no papel de elevar a
escolaridade dos trabalhadores a partir da palavra de ordem de que o Brasil precisaria,
para continuar crescendo, investir no aumento da produtividade do trabalhador por meio
da educação. Fischer (2013, p. 19), importante intelectual colaborador da revista Indústria
& Competitividade, aponta o seguinte sobre a educação:
A correção desse rumo não é atribuição exclusiva do setor público, e a indústria faz a sua
parte. O Sistema FIESC lançou, no final do ano passado, [em 2012], o movimento A Indústria
pela Educação, para fomentar entre as empresas a formação e qualificação de
trabalhadores e de integrantes das comunidades onde estão instaladas [...].
Ainda segundo esse colaborador, a atuação da FIESC é apurada a partir de relatos de
experiências de programas educacionais desenvolvidos por empresas para formar e
qualificar seus trabalhadores. Alguns desses programas são realizados em parceria com
o Sistema FIESC, por meio do SESI, SENAI e IEL; ao passo que outros são efetuados
a partir de formulações das próprias indústrias (FISCHER, 2013).
Inclusive, uma segunda demonstração de como a FIESC exerce seu papel de educar a
classe trabalhadora é verificada com base no alargamento das atividades desenvolvidas
pelas entidades SESI, SENAI e IEL. Segundo Fischer (2013), o SESI obteve 95500
matrículas em seus cursos em 2012; o SENAI teve grande expansão no estado
catarinense passando de 2500 matrículas em 1998 para aproximadamente 20 mil em
2013, ofertando programas de aprendizagem industrial e iniciação profissional, além de
cursos de qualificação e aperfeiçoamento profissional, cursos técnicos, de graduão e
pós-graduão.
Cabe assinalar, do exposto até aqui, que a interferência do empresariado na educação
mediante formulações de políticas educacionais via de regra, rigorosamente
incorporadas nas incontáveis contrarreformas operadas pelo Estado restrito tem um
papel a cumprir, e esse está longe de coincidir com uma educação na perspectiva
emancipatória. E isso pelo simples fato de que ao capital só interessa a educação para
o capital. Após tal afirmação, evocando Lenin (2013) e toda a tradição marxista, em
especial Gramsci, devemos proceder aos embates, e seus enfrentamentos táticos, em
um patamar no qual a insígnia da luta do setor público versus setor privado não seja
reduzida a uma oposição de setores, em que negligencia um elemento central: o
Estado, na sociedade capitalista, é do capital. Esse se configura pelo Estado político e
todo o seu aparato governativo e pelos aparelhos privados de hegemonia, conforme já
apontado, atuando de forma ornica no que Gramsci entende como o Estado integral.
Assim sendo, os trabalhadores da educação, especialmente organizados em seus
respectivos sindicatos, serão capazes de organizar e articular a resistência ativa, e suas
mediações táticas, se deslocando da luta estritamente econômica em direção à luta
política. A defesa do público, ainda que dentro dos limites burgueses, deve apontar para
o horizonte estratégico de superação do Estado do capital. As formulações do patronato,
representado pelosetor privado de um lado, e as do chamado setor público, do outro,
não podem ser reduzidas às suas diverncias imediatas e aparentes, mas precisam
ser apreendidas especialmente na complexidade do Estado integral, que, na sociedade
de classes, é o Estado do capital.
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