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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2022.39741
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
PROJETO PROFISSIONAL DO JOVEM DA ESCOLA FAMÍLIA
AGRÍCOLA: A RELAÇÃO TRABALHO E EDUCAÇÃO NA EMANCIPAÇÃO
DO JOVEM
1
Professional Project for youth of the Family agricultural school: the
relationship work and education in the emancipation of youth
ALVES, Ricardo Pereira
2
PIATTI, Célia
3
RESUMO
Este artigo tem por objetivo investigar as contribuições do projeto profissional do jovem egresso da
Escola Família Agcola Rosalvo da Rocha Rodrigues com foco na formação profissional, geração de
trabalho e renda. Os dados são oriundos da pesquisa de Mestrado em andamento intitulada Processos
formativos via alternância: egressos da escola falia Agrícola Rosalvo da Rocha Rodrigues EFAR”.
O estudo está fundamentado no materialismo hisrico-diatico. A alise de dados ocorreu por meio
de entrevista semiestruturada com seis egressos da escola em pauta, concluintes no período de 1999
a 2009. Como resultados, verificou-se que a formão via pedagogia da alterncia possibilita ao jovem
a formão profissional na perspectiva emancipatória de formão para a vida, possibilitando, em
alguns casos, a permancia do jovem no campo e sua atuação profissional como agente de
desenvolvimento local de sua comunidade. Há de se ressaltar a dificuldade no acesso a investimentos
para custeio, dificultando a concretização do projeto. No entanto, o projeto profissional do jovem
possibilita ao egresso da Escola Família Agcola a possibilidade de geração de trabalho e renda e, por
conseguinte, a melhoria das comunidades localizadas no campo.
Palavras-chave: Trabalho. Educação. Egressos EFAR.
ABSTRACT
The objective of this article is to investigate the contributions of the professional project of the young
graduates of the Escola Família Agrícola Rosalvo da Rocha Rodrigues with a focus on professional
training, job generation and income. The data are from the research of Mestrado in andamento entitled
"Training processes via alternation: graduates from the Rosalvo da Rocha Rodrigues Agricultural Family
School - EFAR". Or study is based not historical-dialectical materialism. A data analysis was carried out
by means of a semi-structured interview with six school graduates in the pattern, concluding in the period
from 1999 to 2009. As a result, it was verified that training via alternating pedagogy makes it possible for
young people to have professional training in the emancipatory perspective of training. for life, enabling,
in some cases, the permanence of young people in the field and their professional performance as an
agent of local development of their community. The difficulty of not accessing investments for custody
must be highlighted, making it difficult to concretize the project. However, the young professional project
1
(i) O artigo não foi apresentado ou publicado anteriormente em encontros e/ou outros eventos científicos; (ii) passou pela avaliação de
Comitê de Ética em Pesquisa (COEP); (iii) é resultante da pesquisa intitulada Processos formativos via alternância na formação dos
egressos da Escola Família Agrícola Rosalvo da Rocha Rodrigues EFAR; (iv) não recebeu apoio de órgãos de financiamento/fomento.
2
Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Graduação em Educação Física pela Unigran Capital.
Docente na rede municipal de ensino de Campo Grande e Sidrolândia. E-mail: rpasidro@gmail.com.
3
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul UFMS, Mestre em Educação pela Universidade Calica Dom
Bosco UCDB. atuando como docente no curso de Licenciatura em Educação do Campo-LeduCampo, do curso de Pedagogia e no
Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail:
celiabpiatti@gmail.com.
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makes it possible to graduate from the Agricultural Family School to the possibility of generating work
and income and, therefore, to improve the communities located in the countryside.
Keywords: Job. Education. EFAR graduates.
INTRODUÇÃO
Ao longo da história, as elites usufruíram do direito de acesso ao conhecimento em sua
forma mais elaborada no entanto, à grande maioria da população composta de
trabalhadores, restava vender sua mão de obra e ser explorada por aqueles que
detinham o capital e o conhecimento formal.
Numa sociedade marcada por constantes mudanças e intensas disputas pelo capital, a
explorão e a dominação por meio do trabalho é o legado do sistema capitalista.
Sobrevivendo à mercê das políticas públicas, que muitas vezes não conseguem alcançar
as disparidades de exclusão e garantia de direitos, a educação do campo sofreu os
efeitos desse descaso e, como consequência, a evasão escolar e o êxodo da juventude
rural são amargas consequências desse panorama social.
É nesse contexto de luta e resistência que a pedagogia da alternância se estabelece
como alternativa de escolarização e profissionalização para o jovem camponês. Em
articulação com as falias, as comunidades e os movimentos sociais, ela possibilita ao
jovem estudar sem perder o vínculo com a terra. É nessa perspectiva que se faz
importante analisar o Projeto Profissional do Jovem (PPJ) e a efetividade desse
instrumento pedagógico da Escola Família Agrícola (EFA) na formação e
profissionalização dos estudantes.
A Escola Falia Agrícola Rosalvo da Rocha Rodrigues (EFAR) é uma instituição criada
no estado de Mato Grosso do Sul, em 1996, num contexto histórico de luta e resistência
de trabalhadores camponeses assentados pela reforma agrária. Desde a sua criação,
por questões políticas e econômicas, a escola mudou de localidade, portanto, nesta
pesquisa, direcionamos para o primeiro momento de sua existência no município de
Campo Grande, em Mato Grosso do Sul.
Na busca de responder à indagação: O PPJ como instrumento pedagógico das EFAs é
um meio para a emancipão do jovem no campo ou alienação aos meios capitalistas
de produção? Realizamos análise do PPJ e entrevistas semiestruturadas com egressos
da EFA mencionada, apresentando, em seguida, resultados advindos das entrevistas.
Posto isso, o presente artigo está organizado em três seções, a saber: A relação trabalho
e educação; Educão do Campo e pedagogia da alternância; A escola família agrícola
e os instrumentos pedagógicos.
A RELAÇÃO TRABALHO E EDUCAÇÃO
É no processo de apropriação das relações em meio ao trabalho na sociedade que o
indivíduo se constitui e, nessa relão, tensões são historicamente estabelecidas,
refletindo diretamente o modelo organizacional da sociedade. A respeito desse processo,
Marx e Engels (2008, p. 8) asseveram:
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Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, membro das corporações e
aprendiz, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em contraposição uns com os outros
e envolvidos em uma luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre com
a transformação revolucionária da sociedade inteira ou com o declínio conjunto das classes
em conflito.
Na gênese dessa constituição classista está a exploração do homem pelo homem, a
produção excedente e a propriedade privada. A constituição da sociedade é marcada
pela relação de quem detém o capital e daqueles que vendem sua força de trabalho
como forma de garantir sua sobrevivência.
É nesse processo intenso de dominação e exploração dos trabalhadores, forjados num
sistema que os direciona a vender sua mão de obra, que o capitalismo se fortalece e,
enquanto isso, [...] o trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz,
quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna
mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria”. (MARX, 2010, p. 80).
Nesse movimento, a burguesia luta pela manuteão do sistema, visando garantir a
dominação e o aumento do capital pela exploração da mão de obra do trabalhador. Marx
e Engels (2003, p. 48) defendem que:
A classe possuinte e o proletariado representam a mesma autoalienação humana. Mas a
primeira das classes se sente bem e aprovada nessa autoalienação, sabe que a alienação
é seu pprio poder e nela possui a aparência de uma existência humana.
O conhecimento é o caminho para a transformação da sociedade, mas na essência é
um instrumento utilizado pelas elites como forma de se estabelecer no poder, dominar e
explorar às custas do trabalho humano. A divisão do trabalho torna-se uma estratégia
para manter o trabalhador dependente das artimanhas do sistema capitalista e, por esse
motivo, o desconhecimento de todo o processo de produção aliado à ocupação de
funções que não requerem grande grau de pensamento excluem dele a oportunidade
de se emancipar por meio do trabalho. Assim se estabelece a relação entre educação e
trabalho, pois, para as elites, trabalhador bom é aquele doutrinado a seguir regras, que
trabalha sem questionar, que desenvolve sua função sem pensar nas etapas que realiza.
Para Marx e Engels (1963, p. 8):
A relação entre a divio do trabalho e a educação e o ensino não é uma mera proximidade,
nem tampouco uma simples consequência; é uma articulão profunda que explica com
toda claridade os processos educativos e manifesta os pontos em que é necesrio
pressionar para conseguir sua transformação, conseguindo não só a emancipação social,
mas também, e de forma muito especial, a emancipação humana.
Entende-se que emancipação humana é a humanidade emancipada do capital, da
propriedade privada e de tudo que a acompanha (TONET; LESSA, 2012, p. 47). Nesse
sentido, é a possibilidade de os indivíduos viverem conforme a sua essência no conjunto
das relações sociais. Os mesmos autores defendem que A divisão do trabalho ferreteia
o trabalhador com a marca de seu proprietário: o capital.” (MARX; ENGELS, 1983, p.
21). Se o indivíduo tem sua vida dedicada a funções que limitam suas capacidades
cognitivas de exercitar sua inteligência, isso torna seu desenvolvimento unilateral e
fragmentado, passível de exploração e conformado às condições injustas de vida e
trabalho impostas.
O trabalho é o mecanismo utilizado pela classe dominante para se enriquecer e se
manter no poder, e ao Estado cabe a manutenção dessa superioridade por meio do
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domínio público, cujos representantes garantem que os interesses de uma minoria
prevalam, restando migalhas para o trabalhador. Marx e Engels fazem uma importante
contribuição sobre o que significaria os trabalhadores assumirem o poder político.
Mas, não há dúvida de que a conquista inevitável do poder político pela classe trabalhadora
trará a adoção do ensino tecnológico, teórico e prático nas escolas dos trabalhadores.
Também não há dúvida de que a forma capitalista de produção e as correspondentes
condições econômicas dos trabalhadores se opõem diametralmente a esses fermentos de
transformação e ao seu objetivo, a eliminação da velha divisão do trabalho. Mas, o
desenvolvimento das contradições de uma forma histórica de produção é o único caminho
de sua dissolução e do estabelecimento de uma nova forma. (MARX; ENGELS, 1983, p.
69-70).
Reproduzir os valores impostos pelo capital na escola, sem passar pelo crivo da
criticidade e da reflexão acerca de para quem a escola pública se destina, é contribuir
para a ampliação do abismo das desigualdades sociais e para o fracasso da
sobrevivência do trabalhador.
Ao compreender que o ser humano se constitui sujeito social por meio do trabalho, cabe
à educação a responsabilidade do diálogo constante entre trabalho e educação, já que
diferente disso significa negar o processo histórico do homem na sociedade.
EDUCAÇÃO DO CAMPO E A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA
Historicamente a educação esteve a serviço da sociedade, no entanto o acesso e a
qualidade do que é ofertado estão diretamente relacionados às intencionalidades de uma
elite, cujo foco é aumentar os lucros e a manutenção do domínio na sociedade por meio
do capital. Em outras palavras, isso significa: escola para a elite e trabalho para o pobre.
Nos momentos em que foi oportunizado o acesso à escola ao trabalhador, isso ocorreu
com a pretensão de qualificar sua mão de obra e continuar a explorá-lo. A esse respeito,
Castro (2019, p. 63) afirma:
Nessa conjuntura em que o objetivo de reprodução do sistema sobrepõe ao de reprodução
da vida, é que se verifica a condição de exclusão do trabalhador à medida que produz e
também se torna mercadoria, conformando a base de sustentação do próprio sistema.
Portanto, ao trabalhador resta o cerceamento, prejuízo ou ausência na apropriação do
patrimônio social, político e intelectual conquistado pela humanidade.
O camponês sempre esteve a mercê da exclusão no direito ao acesso à educão,
contudo, na década de 1920, houve a preocupação em se ofertar escola para esse
trabalhador, porém esse movimento estava relacionado, em sua essência, à
preocupação de latifundiários com a perda da mão de obra no campo e dos governos
com os efeitos do inchaço urbano, que ocasionavam a formação de cortiços e favelas.
Por conseguinte, o fato de se oferecer a escolarização aos camponeses tinha como
objetivo manter esse trabalhador com sua família no campo, esquecido, excluído e às
margens da dignidade humana enquanto cidao.
Outro momento, oposto ao movimento adotado na década de 1920, ocorreu na década
de 1960: Caracterizava-se por uma ideia oposta aquela colocada em prática na cada
de 20, ou seja, se constituía num projeto de expulsão dos camponeses de suas terras
para dar lugar à modernização da agricultura em benecio do grande capital. (SANTOS
2011, p. 111-112).
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Percebe-se novamente o movimento da sociedade representado por aqueles que detém
o capital para modernizar o campo, industrializando e ampliando a produção com
monocultura, agrotóxicos e mecanização agrícola, destruindo os recursos ambientais
com foco na produtividade e renda. Nesse cenário, o camponês se torna obsoleto às
imposições do capital. Com o êxodo desse trabalhador, o qual foi expulso do campo pelo
pacote da então conhecida revolução verde
4
, engrossar os centros urbanos se tornaria
a saída.
É nesse contexto de expulsão dos camponeses do campo que eles se organizam em
movimentos sociais, com o objetivo de retornar a terra. Assim, alguns movimentos
sociais como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), dentre outros, preocupados com o descaso e a negligência do
governo em relação aos trabalhadores, se organizam, fazem ocupações e lutam pela
terra.
É bom lembrar que o retorno do camponês para o campo por meio da reforma agrária
não se limita somente à posse da terra, mas também a todos os serviços que lhe são
garantidos como sujeito de direito. Nesse contexto, além da luta pela e na terra, outras
lutas são travadas, dentre estas a luta pelo direito à educação.
São os movimentos sociais que, no fervor das lutas, possibilitam a reflexão de que, para
edificar o campo, é preciso uma educão que seja para o campo, para os sujeitos que
ali vivem e trabalham, levando-se em conta todas as suas singularidades, bem como o
respeito a sua história e aos saberes nela adquiridos, compreendendo que o campo é
um espaço de luta e resistência.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB 9394/96, preconiza que o ensino no
campo tem suas particularidades, as quais devem ser respeitadas, abrindo espaço para
a discussão e para o debate de que o ensino nas escolas do campo precisa ser e
acontecer respeitando tais especificidades. O artigo 28 da referida Lei estabelece que:
Art. 28. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino
promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e
de cada região, especialmente: I - Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às
reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II - Organização escolar própria,
incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições
climáticas; III - Adequação à natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, 9394/96).
Com os pressupostos estabelecidos na LDB 9394/96, evidencia-se que o campo não
pode ser tratado como uma extensão da escola urbana, mas é preciso conceber uma
educação para ele, queso confirmada na Primeira Conferência Nacional por uma
Educão Básica do Campo, realizada em Luziânia- GO, em 1998, quando surgiu o
termo Educação do Campo”. (FERNANDES; MOLINA. 2004).
Esse termo significa mais que uma mudança de nomenclatura, uma vez que mudar o
termo educação rural para educação do campo tem um significado expressivo para
aqueles que lutam pela terra e na terra. É o reconhecimento de que a constituição do
4
Processo de transformação da produção agrícola com emprego de inovações tecnológicas com a
finalidade de produção de alimentos em larga escala, favorecendo o latindio, por meio da utilização
expressiva de maquinários agcolas e agrotóxicos nas monoculturas, sem nenhuma preocupação aos
impactos socioambientais.
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modo de ser e de viver do camponês precisa ser valorizada e que a educação precisa
acontecer em diálogo com essa realidade protagonizada pelo sujeito camponês.
Nessa perspectiva, o que o acesso à escola formal pelos trabalhadores poderia
representar? Com certeza, ameaça à manutenção do poder e à dominação imposta
pelas elites, uma vez que o conhecimento se torna fator essencial na manutenção das
riquezas e isso é um privilégio da elite para que obtenha enriquecimento às custas da
explorão da mão de obra do trabalhador. Qualquer forma de educação que
monopoliza os saberes para fins civilizatórios resulta tão somente num processo dado,
terminado; preocupa-se em apenas cuidar de sua continuidade e manutenção, a fim de
configurar e legitimar o poder. (BERTICELLI; RAMLOW. 2018, p. 75).
Para a população camponesa, a oposição caneta versus enxada resulta em amargas
consequências, portanto é no campo que se intensifica a desigualdade no acesso aos
serviços públicos, como exemplo o descaso ao direito à escola pública de qualidade.
Para o campo, são destinados crescentes investimentos com vistas ao superávit na
produção agropecuária, mantendo o foco no agronegócio, na monocultura, na produção
desmedida, sem a mínima preocupação com o esgotamento dos recursos naturais. A
preocupação do agronegócio consiste em produzir e gerar lucros em detrimento à
qualidade e aos direitos de quem ali trabalha. A lógica do capitalismo é investir no lucro
e não nas pessoas, pouco importando o que pensam ou do que necessitam essas
pessoas.
Alguns fatores o determinantes na Educão do Campo, dentre estes: a ausência de
escolas, a precarização nas estruturas, a distância percorrida pelos estudantes e o
emprego do modelo urbanocêntrico na formão escolar. Esses fatores inviabilizam a
compreensão do jovem camponês no sentido de entender como o estudo pode contribuir
para a mudança de sua realidade e, além disso, há o fato de que a contribuição por meio
de seu trabalho na propriedade familiar é uma necessidade para a sobrevivência, sendo
esses alguns indicadores dos motivos que o levam à evasão escolar.
Outra consequência é o êxodo rural, visto que dirigir-se a um centro urbano para dar
prosseguimento nos estudos ou buscar um emprego ocasiona o abandono da família na
propriedade. Com situação similar de descaso do Estado frente às necessidades de vida
e sobrevivência no campo, na cada de 1930, na França, famílias camponesas
enfrentavam os mesmos entraves, ou seja, restrição no acesso aos serviços básicos ou
até mesmo inexistência deles, como, por exemplo, a educação. Essa situão gerava
um grande desestímulo nos jovens daquelas localidades, pois frequentar as escolas na
zona urbana significava afastar-se de suas famílias e do trabalho na propriedade e
estudar obedecendo a um currículo incompatível à realidade vivida por eles, realidade
que impõe conhecer as questões agrárias que envolvem o campo à sua dinâmica social.
Nesse contexto, em 1935, um grupo de agricultores familiares, juntamente com o padre
Abbé Granereau, preocupados com a situação de acesso e de incompatibilidade da
aprendizagem recebida pelos jovens camponeses na escola urbana, organizaram a
primeira experiência de pedagogia da alternância, num sistema de Maisons Familiales
Rurales. Essa experiência teve início com um pequeno grupo de jovens que estudava
na casa paroquial auxiliados pelo padre, por meio de correspondências, durante uma
semana. Depois disso, vivenciavam o ensino durante três semanas no trabalho da
propriedade, em companhia de suas famílias.
Esse modelo tinha como característica central um ensino voltado para as especificidades
da vida do campo, distinguindo-se daquele modelo ofertado pelas escolas urbanas.
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Assim, a pedagogia da alternância possibilitava aos jovens conciliar os estudos com o
trabalho desenvolvido na propriedade junto à família. O período de 1945 a 1960 foi,
portanto, o período da expansão e da sistematizão da experiência. As Maisons
Familiales passaram de 30 para 500 e a literatura pedagógica sobre a experiência foi
aumentando cada vez mais. (NOSELLA, 2012, p. 52).
Embora possuam realidades distintas, em muito se assemelham os motivos que levaram
à criação das Maisons Familiales Rurales na Fraa e à implantão das Escolas
Família Agrícolas (EFAs) no Brasil: ambas estavam à mercê de um modelo de sociedade
que não favorecia ao camponês o direito de acesso à escola e à profissionalização numa
perspectiva diferente aos valores impostos pelo capitalismo.
No Brasil, após constatada a situação de abandono sofrida pelos camponeses
imigrantes italianos no Espírito Santo, foi implantada, em 1969, a primeira EFA na cidade
Olivânia/ES. Esse modelo de escola oportuniza o acesso aos conhecimentos científicos,
profissionalizando jovens camponeses com uma formação vinculada à cultura e ao
trabalho na propriedade. Essa pedagogia veio ao encontro dos anseios dos agricultores
familiares para propiciar um modelo de ensino partindo da realidade do jovem, levando
em consideração seus saberes, expectativas e experiências.
Nesse modelo de ensino, no ensino médio os estudantes têm acesso a todos os
componentes curriculares da base comum e, concomitantemente, o ensino de
disciplinas técnicas, possibilitando a formação técnica numa determinada área. No
processo de formação, o jovem alterna o tempo escola e o tempo comunidade, bem
como vivencia novas formas e técnicas, que podem ser aplicadas na propriedade. No
tempo escola, ele tem acesso às mais variadas áreas do conhecimento; no tempo
comunidade, é estimulado a aplicar essas experiências, num processo contínuo de ação
e reflexão, articulando, assim, os dois tempos em sincronia.
A ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA E OS INSTRUMENTOS PEDAGÓGICOS
Desde sua criação em 1935, a pedagogia da alternância oportuniza ao jovem do campo
a profissionalização numa perspectiva de formação para a vida. A Escola Família
Agrícola Rosalvo da Rocha Rodrigues (EFAR), localizada no município de Rio Brilhante,
em Mato Grosso do Sul, é a primeira experiência no estado em relação à pedagogia da
alternância de ensino médio profissionalizante, ofertando o curso técnico em
agropecuária, desde 1996, por uma decisão das famílias no ato de sua criação.
Preocupados com a situação da evasão e do êxodo da juventude do campo, a EFAR foi
criada com o intuito de oportunizar aos jovens camponeses, assentados pela reforma
agrária, a escolarização e a profissionalização em técnicos em agropecuária, indo ao
encontro da realidade, expectativa e necessidade do processo de reforma agrária
iniciado no estado de Mato Grosso do Sul, na década de 1980.
O processo formativo na EFAR não se limita ao ensino de técnicas agropecuárias para
que os jovens forneçam mão de obra qualificada para o agronegócio, mas, desde sua
criação, tem como premissa principal a formação da juventude camponesa na
perspectiva de promover o desenvolvimento sustentável e solidário local com inovação
no uso de técnicas produtivas e agroecológicas, que impactem no trabalho e na renda
da família. Isso garante a atuação do jovem no campo, para que ele seja ativo no
desenvolvimento da comunidade.
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Para isso, a EFAR, via pedagogia da alternância, utiliza instrumentos pedagógicos que
constituem o diferencial da prática pedagógica da escola, pois rompe com o processo de
ensino aprendizagem de modelo urbanocêntrico, trabalhando na perspectiva de
emancipão do estudante, por meio do processo formativo desenvolvido junto à escola.
Assim, a escola se distancia de uma estrutura capitalista dominante, que visa
subalternizar a educação aos interesses da classe dominante e passa a ser constituída,
tendo como premissa a formação do trabalhador camponês.
Na sequência, no quadro 1, são apresentados os instrumentos pedagógicos utilizados
no processo de formação em alternância desenvolvido pela Escola Família Agrícola.
Esses instrumentos contribuem para a aprendizagem desse jovem, mas também para a
consolidação de sua compreensão sobre o espaço onde vive e trabalha.
Quadro 1 Instrumentos Pedagógicos da Formação em Alternância
Item
Instrumento Pedagógico
O Que é
1
Plano de Estudo
Pesquisa participativa que o estudante elabora na EFA e aplica em seu meio
socioprofissional.
2
Colocação em Comum
Socialização e sistematização da pesquisa do plano de estudo.
3
Viagens e visitas de
estudo
Uma atividade complementar ao tema do Plano de Estudo. Intercâmbio de
experiências relacionada à pesquisa do plano de estudo.
4
Colaborações Externas
Palestras, testemunhos ou cursos complementares ao tema pesquisado do Plano
de Estudo.
5
Atividades de Retorno
Experiências e atividades concretas na família ou comunidade, a partir da
pesquisa com o Plano de Estudo.
6
Caderno da Realidade
Livro de vida do estudante, no qual ele registra as suas pesquisas e todas as
atividades ligadas aos Planos de Estudo no ciclo da alternância.
7
Estágios
Vivências práticas do estudante no meio socioprofissional.
8
Visitas às Famílias e à
Comunidade
Atividade realizada pelos monitores para conhecer a realidade dos estudantes e
suas falias. Representa a extensão do CEFFA em seu meio.
9
Tutoria
Acompanhamento personalizado ao estudante.
10
Serões
Atividades organizadas junto aos estudantes sobre temas variados de interesse
dos estudantes.
11
Caderno de
Acompanhamento
Instrumento de comunicação entre EFA e família. Caderno que tem por objetivo
registrar as atividades desenvolvidas nos ciclos da alternância.
12
Caderno Didático
Uma modalidade delivro didático elaborado para dar o aprofundamento ao tema
do Plano de Estudo.
13
Avaliações
São atividades contínuas e abrangem aspectos do conhecimento, das
habilidades, da convivência em grupo.
14
Projeto Profissional dos
Jovens
Atividade que motiva, incentiva e subsidia o estudante a elaborar projetos.
Fonte: Begnami (2010, p.71).
Conforme podemos observar no Quadro 1, a escola, por meio de suas atividades, visa
atingir as finalidades de formação integral e desenvolvimento da comunidade do
estudante, utilizando-se, para isso, dos instrumentos pedagógicos advindos da
pedagogia da alternância.
A formação na EFA parte do princípio de possibilitar ao jovem a compreensão da
realidade em que vive, bem como o entendimento político, econômico, social e ambiental
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de sua comunidade, despertando-o a participar ativamente desse processo. A escola
visa possibilitar a esse jovem conhecer e reconhecer a sua participão ativa no campo,
na propriedade, na comunidade e, assim, além da compreensão do funcionamento da
comunidade e da sociedade, ele é incentivado a produzir e a encontrar meios que
possam assegurar qualidade de vida, trabalho e renda para a vida no campo.
É nessa esteira que a pedagogia da alternância se concretiza na ação do estudante pelo
fato de ele alternar tempo e espaço, ficando um período na escola (tempo escola) e um
período junto à família na comunidade (tempo comunidade). Portanto, é em meio a esse
processo de alternar que se concretiza a educação e a aprendizagem nas EFAs.
No período escolar, o jovem tem o acesso ao conhecimento científico, partindo de sua
realidade, acessando os conhecimentos em sua forma mais elaborada. No tempo
comunidade, o jovem tem a possibilidade de continuar seus estudos interligando os
conhecimentos adquiridos e colocando-os em prática na propriedade da família. Por
meio dos instrumentos pedagógicos, é assegurada a relação entre tempo escola e
tempo comunidade, sem perder a essência, que é a formação. Essa alternância
constitui-se em um processo contínuo de ação entre teoria e prática, como elementos
indissociáveis, nos tempos e nos espaços que o jovem alterna.
A relação do Projeto Profissional do Jovem (PPJ) com a pedagogia da alternância se
estabelece na ação do jovem de observar, refletir, buscar respostas, compreender e
querer transformar a realidade, rompendo a lógica da divisão de trabalho, em que o
indivíduo se aperfeiçoa para continuar sendo explorado por meio do trabalho. A EFA
sugere uma nova alternativa de mudaa nessa relação estudo, conhecimento e
trabalho.
O PPJ é um dos instrumentos que possui grande representatividade para o
conhecimento do jovem camponês sobre as atividades realizadas no campo. Dentre
seus significados, temos:
[...] também chamado de projeto de inserção profissional, projeto de vida, projeto
pessoal é o resultado de uma análise minuciosa da situação histórico-familiar, da
infraestrutura para a produção agropecuária, do planejamento produtivo, das condições
ambientais e climáticas, das políticas públicas, da realidade do corcio e do mercado
consumidor, dos aspectos artístico-culturais, entre outros, que caracterizam a realidade do
estudante, no âmbito familiar, do seu município e de sua região que, aliados aos
conhecimentos proporcionados pela proposta metodológica do CEFFA, à aptidão do jovem,
à motivação e planejamento, constituem sua proposta de inserção profissional. (SANTOS;
PEREIRA, 2005, p. 41).
Esse Projeto é a possibilidade de despertar o jovem a compreender e a conciliar as ações
desenvolvidas na propriedade, os conhecimentos tricos aprendidos na escola, a
experiência e os saberes da família. É nesse sentido que o ensino da EFA se diferencia
da escola urbana.
O PPJ é ainda o resultado de uma construção realizada no percurso formativo do jovem
na escola e os instrumentos pedagógicos são de grande importância, pois possibilitam
ao jovem o diagnóstico da realidade, a fim de que compreenda a elaboração de projetos
e como colocá-los em prática. A função dessa atividade vai além de ser somente uma
exigência pedagógica, mas constitui-se na possibilidade de ação do jovem no campo,
melhorando a renda e ressignificando o trabalho na propriedade.
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PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA
A presente pesquisa tem seus fundamentos calcados no materialismo histórico-dialético,
o qual [...] exige, antes de qualquer coisa, antes da indicão de regras ou de sugestões
para a sua aplicabilidade que se conha a história como movimento contraditório dos
homens. Exige que se reflita continuamente, sobre a realidade.” (NAGEL, 2015, p. 27).
Como procedimento, estrutura-se mediante entrevista semiestruturada realizada com
seis egressos formados na Escola Família Agrícola Rosalvo da Rocha Rodrigues
EFAR, no período de 1996 a 2009. O critério do recorte temporal é por indicar, em 1999,
a primeira turma formada e, em 2009, a última turma formada na instituição ainda
localizada em Campo Grande-MS. Para a seleção dos egressos na realização da
entrevista, utilizou-se como critérios de inclusão previamente estabelecidos: egressos
formados no curso de técnico agropecuário pela EFAR, entre os anos de 1999 a 2009,
que residem no estado de Mato Grosso do Sul. As turmas pré-selecionadas devido ao
quantitativo expressivo de matrículas foram as de formandos dos anos de 1999, 2002,
2005, 2006, 2007 e 2008.
Dentre as turmas selecionadas, foi escolhido um egresso que representa cada uma das
turmas em questão. Devido ao critério de garantia de sigilo e privacidade, os egressos
participantes da pesquisa foram identificados pela denominãoentrevistado seguida
de um número referente à seqncia da entrevista.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A entrevista tem por objetivo compreender quais as contribuições do instrumento
pedagógico Projeto Profissional do Jovem para a sua atividade no campo, geração de
trabalho e renda.
Os entrevistados foram questionados sobre como foi o processo de implantação do PPJ
na propriedade e quais foram os resultados dessa ação. Um deles atesta que:
Nesse período tinha como proposta um projeto de apicultura porque a gente já desenvolvia
isso antes de eu entrar na escola e, depois de formado na escola, a gente desencadeou
com a construção de uma associação. Essa associação existe a hoje, ela tem a produção,
a extração e a comercialização. Então foi um projeto, uma ideia que nasceu, na verdade
fortaleceu com essa vivência na escola. (ENTREVISTADO 1).
Outro entrevistado afirma que o processo de implantação trouxe desafios, principalmente
com relação à aprovação da família, mas que, após a implantação, o projeto gera
resultados até hoje, quinze anos após a implantação.
Ainda tem a pastagem toda rotacionada do projeto que eu fiz. Até no começo meu pai não
acreditava muito, eram três piquetes no sítio e esse negócio de fazer cerca no meio não ia
dá certo. E aí eu comecei, peguei um piquete dos ts e dividi em mais ts, não era do jeito
que eu queria, mas eu dividi. Aí ele começou a ver que a rebrota era mais rápido, que a
gente colocava o gado e estava dando mais resultado. Aí eu fiz o croqui certinho de como
que eu queria, de como eu pensei, aí eu fiz um do jeito que eu tinha planejado e até hoje no
sítio do meu pai tem 27 piquetes do meu PPJ. (ENTREVISTADO 2).
Outro exemplo é citado pelo entrevistado 3, que não conseguiu efetivar o PPJ no período
escolar, mas que, dez anos depois de sua formão, quando então se casou, conseguiu
colocar em prática o projeto sonhado quando estava na escola. depois, na verdade
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que eu casei, aqui na propriedade que eu moro atualmente, que eu desenvolvi o projeto
voltado para bovinocultura leiteira, toda estrutura vinha da formação da escola.
(ENTREVISTADO 3).
Em complementação à sua fala, o egresso 3 ressalta a importância do PPJ como
instrumento pedagógico para formão do jovem egresso no campo.
Então, na escola tradicional o aluno sai do ensino médio sem noção nenhuma do que ele
quer fazer da vida, se ele vai cursar um nível superior, onde ele vai morar, o que ele vai fazer
da vida na verdade. Na EFA é diferente, durante o ensino médio que o guri tem acesso a
essa questão de pensar no projeto de geração de Renda, ele já começa a desenvolver e
começa até experimentar se aquilo vai dar certo ou não, se é uma coisa que ele vai gostar
de fazer ou não. Então, ele tem tempo de decidir o que ele quer. (ENTREVISTADO 3).
O entrevistado 4 afirma que a implantação do PPJ foi de tentativas e experiências que
foram se concretizando, as quais hoje são importantes na composição da renda familiar.
Isso possibilitou a sua permanência no campo como uma escolha, com trabalho e renda,
e uma de suas experiências tornou-se vitrine para a comunidade.
Eu fazia muitas experiências de plantio que contribuíram muito para nossa renda familiar.
Na época, fiz experiência com capim elefante anão, que era muito importante para nossa
comunidade para produção de leite; isso es funcionando até hoje. A própria Embrapa veio
buscar mudas, quando que tinham acabado, porque várias propriedades ainda têm. Então
acredito que isso é muito gratificante, é a palavra que expressa o que eu sinto. Eu acredito
que isso só foi possível por causa da pedagogia da alternância; se não fosse isso eu nem
estaria aqui, seria como a maioria dos jovens pensa, estaria morando aqui fazer o ensino
médio e depois ia para a cidade procurar um serviço. Então, a pedagogia da alternância
abriu os olhos que a gente pode tirar o sustento da nossa propriedade, que a gente pode
fazer nossa contribuição social com a comunidade e isso tá funcionando. (ENTREVISTADO
4).
O entrevistado 5 afirma que a EFAR foi importante tanto em possibilitar compreender
outras opções para gerão de trabalho e renda quanto na postura profissional e no olhar
para as necessidades do camponês. O entrevistado ressalta que, tanto nos projetos na
propriedade quanto no seu trabalho enquanto assistência técnica em sua comunidade,
a escola e seus instrumentos pedagógicos foram imprescindíveis para sua atuação.
A importância de todos esses instrumentos foi de grande valia, porque a gente tem
trabalhado tudo no conjunto, então assim, não fica uma coisa específica, eu chego na
propriedade hoje para trabalhar a queso do leite, não dá para separar, eu vou falar só sobre
a nutrição ou sobre a pastagem. Tem momento que a gente chega na propriedade o
produtor não bem, aí vo deixa um pouco a parte agrária e vai para parte humana, então
você trabalha com rios fatores. (ENTREVISTADO 5).
Outro egresso relata o processo inicial da família na chegada na propriedade e o quanto
o projeto profissional possibilitou-lhe compreender outros métodos de produção e renda
para a família.
Então, a gente fez algum projeto dentro dessa logística, quando chegamos nesse tio,
com meu pai eu tive muita dificuldade, porque quando nós chegamos gastamos um recurso
que nós tínhamos de forma errada, com plantio sem técnica que não teve resultado; ali já
afundou o Pronaf do meu pai. Meu pai entrou na inadimpncia ali, por isso que eu disse
isso foi um dos fatores que me motivou a procurar a escola. A escola possibilitou com que
eu adquirisse outro olhar em como trabalhar, aprender a elaborar e aplicar projetos; foi
essencial para que continuássemos no campo e tivesse progresso. (ENTREVISTADO 6).
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Nas entrevistas podemos evidenciar o quanto a iniciativa do PPJ possibilita ao estudante
olhar para sua realidade e compreender possíveis alternativas na geração de trabalho e
renda na propriedade, desmistificando o ideário de ter como única opção abandonar o
campo e ir para a cidade para ter trabalho e renda.
As atividades proporcionadas na EFA permitem que o estudante compreenda as
possibilidades existentes em sua localidade, como também que vivencie e aprenda
técnicas agrícolas e atividades que possibilitem a compreensão social, ambiental, política
e econômica dessa localidade. No decorrer do curso, ele tem a possibilidade de
transformar todo esse conhecimento em um projeto prático na propriedade, visando a
sustentabilidade, o trabalho e a renda para ele e sua família.
O projeto pode ser concretizado com recursos próprios ou por meio de recursos obtidos
por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF),
que financia projetos com a função de gerar renda para famílias oriundas da Reforma
Agrária. O Pronaf Jovem é destinado a pessoas físicas com idade de 16 a 29 anos, que
[...] tenham concluído ou estejam cursando o último ano em centros familiares rurais de
formação por alternância, que atendam a legislação em vigor para instituições de
ensino. (BNDS, 2022). O valor máximo disponibilizado pelo Programa é de 16,5 mil
reais, podendo ser acessado por três vezes, desde que quitado o empréstimo anterior.
Para acesso ao programa, os investimentos devem ser:
[...] diretamente relacionados com a implantação, ampliação ou modernização da estrutura
das atividades de produção, de armazenagem, de transporte ou de serviços agropecuários
ou não agropecuários, no estabelecimento rural ou em áreas comunitárias rurais próximas,
sendo passível de financiamento, ainda, a aquisição de equipamentos e de programas de
informática voltados para a melhoria da gestão dos empreendimentos rurais, de acordo com
projetos específicos. (BNDS, 2022).
O PRONAF Jovem é uma política pública importante na efetivação do PPJ, pois trata-se
de uma conquista importante dos trabalhadores camponeses. Evidenciamos que
desafios em torno do acesso a essa política pública quanto à burocratização e ao valor
do projeto a ser financiado, haja vista que um projeto de geração de renda na
propriedade, que garanta a sobrevivência ou que esteja relacionado à escolha do jovem
para permanecer no campo, é incompatível ao valor de investimento disponibilizado.
O PPJ é uma importante inciativa das EFAs, porém há de se evidenciar que estamos
imersos num modelo de sociedade capitalista, que afeta diretamente as etapas de
desenvolvimento do projeto elaborado pelo jovem, dentre esses a comercialização. É
necessário compreender que a sobrevivência no campo perpassa a prodão para a
subsistência, já que é necessário comercializar para adquirir aquilo que não está na
propriedade. Nesse contexto, o jovem não é explorado na mão de obra, mas no produto
resultante de seu trabalho. Ao entrar no mercado com seu produto, a comercialização
torna-se desvalorizada ao competir com o sistema industrial.
CONSIDERAÇÕES
A formação do ser humano é construída diretamente a partir das relões que são
estabelecidas entre ele e a sociedade em que vive. É por meio do trabalho que o homem
estabelece os valores e os sentidos de sua existência.
Ao analisar as entrevistas obtidas por meio do projeto da Escolas Famílias Agrícolas,
compreendemos que a escola pode contribuir para a formação e a inserção
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socioprofissional do jovem na sociedade. A prática pedagógica desenvolvida pelas
EFAR tem a premissa de realizar a formação integral do jovem por meio da pedagogia
da alternância, possibilitando alternativas para a diversificão e para a melhoria das
atividades desenvolvidas na propriedade familiar. Isso permite ao jovem perceber
alternativas de trabalho e renda que deem dignidade à vida de sua família no campo.
A pedagogia da alternância, por meio de seus instrumentos pedagógicos, possibilita que
essa metodologia se efetive, oportunizando um ensino que esteja alinhado à educação
e ao trabalho, binômio importante para a formação do jovem, filho do trabalhador
camponês. O Projeto Profissional do Jovem se constitui como uma possibilidade
concreta de melhoria da sua atividade em sua comunidade no campo e, apesar de
alguns entraves com relão à organização e à comercialização dos produtos, ele
favorece o desenvolvimento local sustentável e solirio, com vistas à diversificação das
atividades na propriedade.
Concluímos que o PPJ é um instrumento que favorece a juventude camponesa no
sentido de conciliar a aprendizagem escolar com a vida no campo, contribuindo para
aqueles que optam pela permanência no campo a fim de gerar trabalho e renda durante
a sua formação.
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Data da submissão: 14/05/2022
Data da aprovação: 10/10/2022