Trabalho & Educação | v.31 | n.3 | p.65-78 | set-dez | 2022 |77|
em sentido estrito e em sentido lato. Conforme aponta Maceno (2019), a primeira é
caracterizada por um alto grau de sistematicidade, já a segunda possui um baixo grau
de sistematicidade. A educação em sentido lato acontece de forma relativamente
espontânea, incutindo nos indivíduos conhecimentos, valores, comportamentos
e outros aspectos importantes de uma determinada sociedade que se fazem
essenciais para a sua reprodução. Esta modalidade da educação, vale salientar, é
mais predominante nas comunidades primitivas (MACENO, 2019, p. 44), porém a
educação em sentido mais estrito também está presente.
Seria impossível, por exemplo, aprender a manejar o arco tão somente colocando a
criança para caçar, ou aprender a guiar um barco pondo exclusivamente a criança
para navegar. Antes de quaisquer dessas atividades, algumas aquisições nos parecem
necessárias, sob pena de colocar em risco a sobrevivência das gerações futuras
e, como consequência, a existência social do bando. A caça e a navegação eram
atividades perigosas, com elevada probabilidade de mutilações e morte. De modo que,
anteriormente à participação das crianças nessas tarefas, deveria haver um momento
de instruções relacionadas a aspectos tais como os hábitos dos animais; a geograa
do lugar; a fabricação e o manuseio dos instrumentos e ferramentas; a convecção das
embarcações (o que envolve noções de “carpintaria” etc.); sobre nadar e outros tantos
conteúdos extremamente necessários. Em vista disso, o momento de educação cujo
m imediato não se destina à transformação do mundo natural, mas a inuir sobre as
consciências das crianças, a m de que adotem determinadas posturas futuras ante
as realidades que terão de enfrentar, já estava presente nessas comunidades.
No caso dos primitivos montagnais-naskapi trazido por nossa autora, a complexidade
das atividades que realizavam não poderia ser posta em prática sem um complexo
educativo que fosse além da mera observação ou do aprender fazendo, ou trabalhando,
como quer Ponce. Essas tarefas envolviam habilidades, tais como a fabricação de
mocassins, cobertas de tendas, tangas, calças de couro, canoas feitas de cascas de
bétula, raquetes de neve, lanças de pesca, trenós, tobogãs, redes de pesca etc.
Entendemos que no substancial, as indicações realizadas por Ponce acerca
da educação primitiva são validadas nas pesquisas de Leacock, excluindo-se
a problemática anteriormente apontada por nós. Consideramos também que
os exemplos, relatos, análises e argumentos trazidos por Leacock rearmam
inequivocamente as linhas gerais do complexo educativo primitivo conforme descrito
por Ponce. Por m, não obstante a sua validade geral, compreendemos que nossa
autora, pela própria natureza da obra investigada, traça um painel mais realista,
detalhado e fundamentado sobre as comunidades primitivas e sua educação.
Podemos concluir que a educação das comunidades primitivas, conforme Leacock,
é um reexo do modo de vida igualitário desses povos. O igualitarismo primitivo,
no entanto, é pautado por um genuíno respeito pela autonomia daqueles que dele
participam. A exibilidade dos papéis de gênero, a afetividade, o cuidado de ambos os
sexos para com as crianças de todo o bando, o respeito à sexualidade das mulheres
e a valorização do papel da mulher na economia e decisões do grupo são vistos
com abundância ao longo da obra de Leacock, de modo que ca perceptível que a
educação destes povos é profundamente diferente da educação contemporânea,
na qual a opressão de gênero, raça, sexualidade e de classe é difundida, impedindo
que os indivíduos tenham acesso aos espaços que possibilitam o desenvolvimento
de suas potencialidades e individualidades.