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https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2022.39981

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Teaching work in the National Youth Inclusion Program (PROJOVEM URBANO):
from praxis under construction to the reification of educators
Gaspar, Leandro2

A criação da Política Nacional da Juventude (PNJ) consolidou a democratização do acesso ao
ensino fundamental, resgatando o debate acerca da formação de educadores de jovens e adultos
no Brasil. Em 2005, o governo federal instituiu o programa de formação inicial e continuada
para adaptar os docentes à proposta pedagógica do Programa Nacional de Inclusão de Jovens
(Projovem Urbano). De fato, existia uma lacuna a ser preenchida, dada a necessidade de modificar
o perfil alfabetizador perpetuado historicamente na EJA. Nessa direção, o artigo investigou os
novos sentidos do trabalho docente, especificamente, a formação inicial e continuada. Para isso,
recorremos ao materialismo histórico dialético, de modo a revelar os fios invisíveis entre o direito
à educação e o dever de educar do Estado. O resultado da pesquisa qualitativa realizada através
de levantamento bibliográfico e análise documental aponta para realidades distintas, reafirmando
a precarização do trabalho docente frente às exigências do “educador polivalente”; de formação
aligeirada; de critérios político-eleitoreiros para escolha de docentes etc. Notadamente, as formas
de apropriação do Programa pela “pequena política” reforçaram o distanciamento entre a teoria e
a prática, ou seja, os objetivos do Programa e a necessidade social dos trabalhadores docentes,
refletindo na qualidade social da educação dos jovens e adultos trabalhadores.
Trabalho Alienado. Educadores de Jovens e Adultos. Projovem Urbano.

The creation of the National Youth Policy (PNJ) consolidated the democratization of access to
elementary education, rescuing the debate about the training of youth and adult educators in Brazil. In
2005, the federal government instituted the initial and continuing training program to adapt teachers
to the pedagogical proposal of the National Youth Inclusion Program (Projovem Urbano). In fact,
there was a gap to be filled, given the need to modify the literacy profile historically perpetuated in
EJA. In this direction, the article investigated the new meanings of teaching work, specifically, initial
and continuing education. For this, we resort to dialectical historical materialism, in order to reveal
the invisible threads between the right to education and the State’s duty to educate. The result of
the qualitative research carried out through a bibliographic survey and documental analysis points
to different realities, reaffirming the precariousness of teaching work in the face of the demands
of the “polyvalent educator”; light training; of political-electoral criteria for choosing teachers, etc.
Notably, the forms of appropriation of the program by the “small policy” reinforced the gap between
theory and practice, that is, the objectives of the program and the social need of teaching workers,
reflecting on the social quality of education for young and adult workers.
 Alienated Work. Youth and Adult Educators. Urban Projovem.
1 O estudo, original e inédito, é parte da Tese de Doutorado em Educação - Juventude, trabalho e
educação: “pequena política” de quali cação pro ssional no Programa Nacional de Inclusão de Jovens
(Projovem Urbano), apresentada na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, em 2019. A
pesquisa não contou com  nanciamento.
2 Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Educação pela Universidade
Federal Fluminense (UFF). Professor de Educação Básica na Prefeitura de Santos. https://orcid.org/0000-
0002-9874-1178. Email: leandrogaspar7@yahoo.com.br.
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
a relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediata, como
ocorre no caso dos grupos sociais fundamentais, mas é mediatizada, em
diversos graus, por todo o tecido social, pelo conjunto das superestruturas, do
qual os intelectuais são precisamente os funcionários. [...]. Os intelectuais são
os prepostos do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da
hegemonia social e do governo político (GRAMSCI, 2014, p. 20-1, grifo do autor).
A epígrafe retrata a função dos intelectuais na reprodução da divisão social do
trabalho. Para Gramsci (2014), “a elaboração das camadas intelectuais na realidade
concreta não ocorre num terreno democrático abstrato, mas segundo processos
históricos tradicionais muito concretos” (p. 20). Nessa direção, “a distribuição dos
diversos tipos de escola (clássicas e prossionais) no território econômico e as
diferentes aspirações das várias categorias destas camadas determinam, ou dão
forma, à produção dos diferentes ramos de especialização intelectual” (GRAMSCI,
2014, p. 20). Para o autor, a função reguladora do Estado atua para responder às
diferentes aspirações no território econômico, formando os “prepostos” responsáveis
por formar os trabalhadores que exercerão as funções subalternas na sociedade.
Entretanto, não se trata de diletantismo da hegemonia política para semear a
transformação social, mas da grande política3 de manutenção à ordem capitalista.
Na economia de livre mercado, o próprio educador é criador e criatura de uma
sociedade marcada por interesses antagônicos, respondendo de forma instrumental
aos objetivos da pequena política. Como criador, é responsável por formar as futuras
gerações, distanciando-se do sentido/signicado do produto do seu trabalho, pois,
nem sempre teoria e prática caminham juntas. Como criatura, na relação sujeito/
objeto, não reconhece sua função social como parte do trabalho alienado, sujeito
da “mediatização” na formação para o trabalho simples, “preposto” do Estado.
No contexto das políticas neoliberais, o “preposto” transita nos limites da própria
alienação prossional (adaptação prossional), cando dependente das condições
de trabalho docente (sentido/signicado), necessitando garantir sua subsistência.
É justamente através das contradições internas da relação sujeito/objeto, no
interior do trabalho docente nos programas de governo, que poderemos revelar as
implicações da prática docente na vida e para a vida dos trabalhadores jovens e
adultos, ou seja, o sujeito formador do futuro trabalhador.
Nessa direção, a Lei nº 11.692, de 10 de junho de 2008(a) criou o programa de formação
de educadores do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem Urbano),
visando responder as interrogações que pairavam acerca das práticas reprodutivistas
de perl alfabetizador. O Projeto Pedagógico Integrado (2008b) explicita as diretrizes e
fundamentos do Projovem Urbano. E, o Manual do Educador traz as orientações gerais
para os educadores articularem os conteúdos através de temas geradores. São esses
documentos que serão analisados, de modo ao responder as questões que surgem em
detrimento do ineditismo do tema “formação de educadores de jovens e adultos.
3 A grande política compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados [...] pela conservação de
determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política compreende as questões parciais
e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela
predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política. Portanto, é grande política tentar excluir
a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo à pequena política (GRAMSCI, 2007, p. 21).
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Nesse sentido, Arroyo (2006) alerta que o primeiro ponto a destacar sobre o
tema: “é que não temos parâmetros acerca do perl desse educador de jovens e
adultos”, pois, “sabemos que uma das características da EJA foi, durante muito
tempo, construir-se um pouco às margens, ou à outra margem do rio” (ARROYO,
2006, p.17). Logo, “não vínhamos tendo políticas públicas de educação de jovens
e adultos. Não vínhamos tendo centros de educação, de formador do educador da
EJA”. Na abordagem do autor, “a formação do educador e da educadora de jovens
e adultos sempre foi um pouco pelas bordas, nas próprias fronteiras onde já estava
acontecendo a EJA” (ARROYO, 2006, p.17).
A tensão do autor sobre os novos caminhos da formação docente desperta para uma
realidade preocupante, pois, os neoliberais tem dado contornos próprios à educação
de jovens e adultos, sendo marcada por disputas político-ideológicas que entram em
contradição com os interesses da classe trabalhadora.
Na virada do século XXI, o governo federal defendeu investir “em programas e ações
voltados para o desenvolvimento integral do jovem brasileiro”, o que representaria
uma dupla aposta, “criar as condições necessárias para romper o ciclo de reprodução
das desigualdades e restaurar a esperança da sociedade em relação ao futuro de
sua juventude” (BRASIL, 2012, p. 9). Para isso, apostou em um ‘novo paradigma’
de educação, “articulando a conclusão do Ensino Fundamental, Qualicação
Prossional Inicial e experiências de Participação Cidadã” (BRASIL, 2012, p. 9).
No Projovem Urbano, o contexto desse paradigma reforça os ideais neoliberais
alinhados ao perl do educador polivalente, devendo cumprir tarefas, funções,
mediar as dimensões e as unidades formativas do currículo.
A organização bem-sucedida do trabalho dos educadores considera as funções de
professor especialista (PE), que atua na perspectiva de cada componente curricular, e
de professor orientador (PO), que trabalha com as atividades de integração do currículo
e que, no caso da dimensão de Formação Básica, torna-se responsável também pela
orientação pedagógica de uma das cinco turmas do Núcleo (BRASIL, 2012, p. 10).
Em contrapartida, revelar o novo perl de trabalhador docente constitui princípio
metodológico indispensável para compreender a realidade concreta ao qual os
trabalhadores docentes estão subordinados, pois, atualmente, evidenciamos uma
carência de análises e estudos sobre a política de formação inicial e continuada dos
educadores no Projovem Urbano.
Portanto, o objetivo do estudo é investigar e apreender os novos sentidos do trabalho
docente, de modo a compreender as implicações educacionais da formação inicial
e continuada no Projovem Urbano. De certo, as reexões que ora desenvolvemos,
resultam de pesquisas que comportam o Projeto Pedagógico Integrado (2008b); o
Plano Nacional de Formação para Gestores, Formadores e Educadores (2008c)
e o Manual do Educador: orientações gerais (2012), confrontando com estudos
acadêmicos que comportem o mesmo objeto empírico, permitindo a construção de
um quadro categorial, para responder as seguintes indagações:
1) Como se congura o trabalho alienado?
2) Quais os sentidos do trabalho docente no Projovem Urbano?
3) O que revelam os estudos acerca dos trabalhadores docentes no Projovem Urbano?
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Nessa direção, recorremos ao materialismo histórico dialético, tendo o “trabalho” e a
“práxis” como categorias centrais de análise para identicar e revelar as contradições
internas da formação inicial e continuada dos educadores de jovens e adultos, no
Projovem Urbano. O artigo está dividido em três partes: primeiramente, discutimos
o conceito de trabalho alienado, em Marx. Em seguida, os sentidos de trabalho
docente para o mercado de trabalho. Posteriormente, a terceira seção incorpora
e discute estudos acadêmicos que analisaram o trabalho docente do Projovem
Urbano. Por último, e não menos importante, as considerações nais.

Ao incidirmos sobre o debate do trabalho docente no Projovem Urbano, encontramos,
metodologicamente, a necessidade de perquirir a análise sobre a categoria trabalho.
Desta forma, o trabalho como fundamento ontológico do ser humano somente pode
ser analisado como atividade prática, necessária à produção social da vida, pois,
“a vida é essencialmente prática. [E] todos os mistérios que induzem a teoria ao
misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na compreensão
dessa prática” (MARX; ENGELS, 2007, p. 539).
A investigação de Marx sobre a atividade prática da vida humana mostra o caminho
pelo qual devemos trilhar para apreendermos a realidade concreta das práticas
sociais que se manifestam na produção social da vida, da qual o trabalho apresenta-
se como categoria central e condição ontológica do ser humano, visto que o trabalho
é uma condição humana.
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza,
processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu
intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas
forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça
e mãos, a m de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à
vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modicando-a, ao mesmo
tempo modica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas
e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais. Não se trata aqui das formas
instintivas, animais, de trabalho. Quando o trabalhador chega ao mercado para vender
sua força de trabalho, é imensa a distância histórica que medeia entre sua condição e a
do homem primitivo com sua forma ainda instintiva de trabalho. Pressupomos o trabalho
sob forma exclusivamente humana (MARX, 2011, p. 211).
Desta forma, o que diferencia o processo do trabalho humano de outras formas de
vida é a consciência no ato de produzir, a idealização do produto do trabalho até sua
objetivação. O processo do trabalho ocorre por meio da unidade entre os elementos
que o constituem, a saber: atividade adequada a um m (o próprio trabalho), a matéria
que se aplica o trabalho (objeto de trabalho), os meios de trabalho (o instrumental
de trabalho). Como revela o autor, o caráter intrínseco do trabalho não se resume a
“forma” (condições objetivas), mas em como o trabalho é apropriado pelo capitalista
através das relações de subordinação (condições subjetivas), dada a necessidade
de o trabalhador produzir os meios de subsistência, ou seja, a vida material. Logo,
tal condição transforma o próprio trabalhador em mercadoria, com sua força de
trabalho variando de acordo com a oferta e a procura imposta pelo capitalista.
No m do processo do trabalho aparece um resultado que existia antes idealmente na
imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera;
ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui
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a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E
essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é
mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso
do trabalho (MARX, 2011, p. 212).
Nesse sentido, o trabalhador imprime suas forças, habilidades e expertises para
modicar a matéria, utilizando quando necessário, um instrumental de trabalho. A
exteriorização do trabalho se expressa através da atividade prática, e por meio do
trabalho ocorre a materialização do objeto na forma mercadoria.
O meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas, que o trabalhador insere
entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para dirigir sua atividade sobre esse
objeto. Ele utiliza as propriedades mecânicas, físicas, químicas das coisas, para fazê-las
atuarem como forças sobre outras coisas, de acordo com o m que tem em mira. A coisa
de que o trabalhador se apossa imediatamente, - excetuados meios de subsistência
colhidos já prontos, como frutas, quando seus próprios membros servem de meio de
trabalho, - não é o objeto de trabalho, mas o meio de trabalho (MARX, 2011, p. 213).
Na sociedade da livre concorrência, o trabalho aparece como uma categoria muito
simples, o indivíduo despossuído dos meios de trabalho se vê compelido a vender o
único bem que possui, ou seja, sua força de trabalho. E assim, o capitalista apresenta o
trabalho como uma relação natural, na qual a venda da sua força de trabalho torna-se
a única forma de auferir renda para prover as necessidades individuais e coletivas da
sua família. Na produção material da vida, “o trabalhador baixa [é reduzido] a condição
de mercadoria e a de mais miserável mercadoria; a miséria do trabalhador põe-se em
relação inversa a potência e a grandeza da sua produção; e o resultado necessário da
concorrência é a acumulação de capital em poucas mãos” (MARX, 2010, 79, grifo nosso).
Nessa direção, o homem confronta-se com a atividade produtiva, pois o trabalho
apresenta-se ao homem como um poder totalmente estranho, como uma força
que age de forma inversamente proporcional, revelando os antagonismos entre a
produção do trabalho e a produção da riqueza.
O trabalhador ca mais pobre à medida que produz mais riqueza e sua produção cresce
em força e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto
mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas, aumenta em proporção
direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz somente
mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na
medida em que produz, de fato, mercadorias em geral (MARX, 2010, p. 80).
Para o autor, “o produto do trabalho é o trabalho que se xou num objeto”, de forma
que a efetivação do trabalho se como trabalho corporicado materializado,
sendo chamada pelo lósofo de “objetivação” (MARX, 2010, p. 80). Entretanto,
“essa efetivação do trabalho aparece ao Estado como desefetivação do trabalhador,
a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a apropriação como
estranhamento, como alienação” (MARX, 2010, p. 80).
Em outras palavras, a alienação seria o estágio de consciência na qual o trabalhador
compreende o trabalho como uma abstração geral, não se identicando com a
objetivação do seu trabalho, com a efetivação da sua produção. De certa forma,
todas as relações jurídicas sob a forma da propriedade privada (trabalho) passam a
naturalizar os produtos do trabalho por meio de um processo de “não” pertencimento,
tendo em vista que o resultado da produção - tanto da mercadoria como da riqueza
socialmente produzida – não pertence ao trabalhador, mas ao capitalista, resultando
no estranhamento do trabalhador pela perda da sua produção.
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A efetivação do trabalho tanto aparece como desefetivação que o trabalhador é
desefetivado até morrer de fome. A objetivação tanto aparece como perda do objeto
que o trabalhador é despojado dos objetos mais necessários não somente a vida, mas
também dos objetos do trabalho. Sim, o trabalho mesmo se torna um objeto, do qual o
trabalhador só pode se apossar com os maiores esforços e com as mais extraordinárias
interrupções. A apropriação do objeto tanto aparece como estranhamento que, quanto
mais objetos o trabalhador produz, tanto menos pode possuir e tanto mais ca sob o
domínio do seu produto, do capital (MARX, 2010, p. 80-1).
Logo, a relação imediata do trabalhador com o mundo externo apresenta-se de forma
estranha a seus olhos, pois, quanto mais o homem produz, menos riqueza possui para
garantir as condições materiais de subsistência, sendo dominado pela obrigatoriedade
de produzir e consumido pelo ato de trabalhar, revelando as contradições do trabalho.
O trabalhador se torna um servo do seu objeto. Primeiro, porque ele recebe um objeto de
trabalho, isto é, recebe trabalho; e, segundo, porque recebe meios de subsistência. Portanto,
para que possa existir, em primeiro lugar, como trabalhador e, em segundo lugar, como
sujeito físico. O auge dessa servidão é que somente como trabalhador ele pode se manter
como sujeito físico e apenas como sujeito físico ele é trabalhador (MARX, 2010, p. 81-2).
No pensamento de Marx, o conceito de trabalho alienado decorre dos antagonismos
da exploração do homem pelo homem: da alienação do trabalhador com outros
trabalhadores; da alienação do trabalhador com o capitalista e da relação imediata
entre o trabalhador e a sua produção (a efetivação dos objetos do trabalho; a
produção de valor; a distribuição da riqueza socialmente produzida).
O estranhamento do trabalhador em seu objeto se expressa, pelas leis nacional-
econômicas, em que quanto mais o trabalhador produz, menos tem para consumir;
que quanto mais valores cria, mais sem-valor e indigno ele se torna; quanto mais bem
formado o seu produto, tanto mais deformado ele ca; quanto mais civilizado seu objeto,
mais bárbaro o trabalhador; que quanto mais poderoso o trabalho, mais impotente o
trabalhador se torna; quanto mais rico de espirito o trabalho, mais pobre de espirito e
servo da natureza se torna o trabalhador (MARX, 2010, p. 82).
O trabalho estranhado decorre da própria relação com o trabalho, naturalizado pelas
relações do direito, como propriedade privada, haja vista que o trabalhador tem
por necessidade trabalhar, assim como a objetivação do seu trabalho mostra-se
uma das condições para continuar trabalhando. O autor arma que o estranhamento
(alienação) não se mostra somente no resultado, mas também, e principalmente,
“no ato da produção, dentro da própria atividade produtiva” (MARX, 2010, p. 82).
Nesses termos, Marx aponta outro fenômeno da relação imediata do trabalhador com
o trabalho alienado, questionando como poderia o trabalhador defrontar-se alheio ao
produto da sua atividade se no ato mesmo da produção ele não se estranhasse a si
mesmo? Isso ocorre, segundo o autor, porque o trabalho não pertence ao trabalhador,
mas, nega-se nele, por ser o trabalho obrigatório. E dessa relação, resulta o sentimento
de não pertencimento, visto que o trabalhador não se sente bem, mas, infeliz.
O trabalhador só se sente, por conseguinte e em primeiro lugar, junto a si quando fora do
trabalho e fora de si quando no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando
trabalha não está em casa. O seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas forçado,
trabalho obrigatório (MARX, 2010, p. 83).
E assim, caracteriza-se o estranhamento do homem consigo mesmo, pois, “sua
estranheza evidencia-se aqui de forma tão pura que, tal logo inexista coerção física
ou outra qualquer, foge-se do trabalho como uma peste” (MARX, 2010, p. 83).
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Nesse sentido, o homem é um ser genérico, cuja natureza humana tem por
necessidade se relacionar com o outro, ou seja, a fruição em sociedade. Contudo,
o trabalho alienado decorre do: “1) estranhamento do homem com a natureza; 2) [e
do homem] consigo mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade vital; do
estranhamento do homem com o gênero [humano]. Fazendo-lhe da vida genérica
apenas um meio de vida individual” (MARX, 2010, p. 84).
Depreende-se disso, ainda segundo o autor, “que o trabalho aparece ao homem
apenas como um meio para a satisfação de uma carência, a necessidade da
manutenção da existência física” (MARX, 2010, p. 84).
Eis que, o trabalho alienado faz da atividade produtiva apenas um meio de vida,
na medida em que o homem confronta a natureza e a si mesmo, a consequência
imediata é o estranhamento do homem pelo próprio homem, da vida em sociedade.
Quando o homem está frente a si mesmo, defronta-se com ele o outro homem. O que
é produto da relação do homem com o seu trabalho, produto de seu trabalho e consigo
mesmo, vale como relação do homem com outro homem, como o trabalho e o objeto
do trabalho de outro homem. Em geral, a questão de que o homem está estranhado do
seu ser genérico quer dizer que um homem está estranhado do outro, assim como cada
um deles está estranhado da essência humana. O estranhamento do homem, em geral
toda a relação na qual o homem está diante de si mesmo, é primeiramente efetivado,
se expressa, na relação em que o homem está para como o outro homem. Na relação
do trabalho estranhado cada homem considera, portanto, o outro segundo o critério e a
relação na qual ele mesmo se encontra como trabalhador (MARX, 2010, p. 85-6).
E tal fenômeno social resulta do fato de que, “se o produto do trabalho não pertence
ao trabalhador, um poder estranho está diante dele, então, isto só é possível pelo
fato do produto do trabalho pertencer a outro homem fora o trabalhador. Se sua
atividade lhe é martírio, então ela tem de ser fruição para outro e alegria de viver para
outro” (MARX, 2010, p. 86), pois, apenas o homem pode ter este poder estranho
sobre outro homem. Nesse sentido, os homens resultam das circunstâncias e da
educação, pois, “homens modicados são produto de outras circunstâncias e de
uma educação modicada”. Contudo, “[os homens] esquecem que as circunstâncias
são modicadas precisamente pelos homens e que o próprio educador tem de ser
educado” (MARX; ENGELS, 2007, p. 537-8).
Para Mèszáros (2006), “o educador, que também necessita educar-se, é parte da
sociedade alienada, exatamente como qualquer outra pessoa. Sua atividade,
consistindo em uma conceituação mais ou menos adequada sobre um processo real,
não é atividade ‘não alienada’, em virtude do fato de estar ele, a seu modo, consciente
da sua alienação. Na medida em que é parte da alienação, também ele tem de ser
educado (MÉSZÁROS, 2006, p. 166). No entanto, “ele não é uma peça inerte em
uma totalidade inerte, mas um ser humano, uma parte especíca de uma totalidade
interpessoal, imensamente complexa e inerentemente dinâmica, por mais ou por
menos que sua autoconsciência possa ser alienada” (MÉSZÁROS, 2006, p. 166).
Com a ampliação da divisão social do trabalho, o capitalismo fez surgir outras
formas de valorização da produção material, agora, derivados da apreensão do
conhecimento cientíco e tecnológico, revelando a categoria trabalho “não material”
(intelectual). Seguindo a mesma lógica, a partir da valorização da mais-valia, o
trabalho intelectual despontou como objeto de cobiça e desejo dos capitalistas, dadas
as possibilidades encontradas a partir do desenvolvimento cientíco e tecnológico.
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Para Saviani (2015), a educação se situa nessa categoria do trabalho “não material”,
da qual importa distinguir, duas modalidades:
A primeira refere- se àquelas atividades em que o produto se separa do produtor como no
caso dos livros e objetos artísticos. Há, pois, nesse caso, um intervalo entre a produção
e o consumo, possibilitado pela autonomia entre o produto e o ato de produção. A
segunda diz respeito às atividades em que o produto não se separa do ato de produção.
Nesse caso, não ocorre o intervalo antes observado; o ato de produção e o ato de
consumo se imbricam. É nessa segunda modalidade do trabalho não-material que se
situa a educação (SAVIANI, 2015, p. 286-7).
Nas palavras do autor, “se a educação não se reduz ao ensino, é certo, entretanto, que
ensino é educação e, como tal, participa da natureza própria do fenômeno educativo.
Assim, a atividade de ensino, a aula, por exemplo, é alguma coisa que supõe, ao
mesmo tempo, a presença do professor e a presença do aluno”. Dessa forma, “o ato
de dar aula é inseparável da produção desse ato e de seu consumo. A aula é, pois,
produzida e consumida ao mesmo tempo - produzida pelo professor e consumida pelos
alunos” (SAVIANI, 2015, p. 287). De modo que, o trabalho docente se manifesta no
ato de produzir conhecimentos, ideias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes,
habilidades etc. Nestes termos, de acordo com o autor, “o trabalho educativo é o ato de
produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2015, p. 287).
Portanto, a tarefa dos educadores não é neutra, o fenômeno educativo do ato de
ensinar (objeto do trabalho docente) assume uma função estratégica. No âmbito da
pequena política, a objetivação do trabalho docente se materializa na transmissão
dos valores para a manutenção da sociedade capitalista. Os docentes, como
prepostos do Estado, atuam de maneira a disseminar a proposta pedagógica da
classe dominante, mascarando uma função social que visa reproduzir a força de
trabalho socialmente necessária aos interesses do capitalismo.

Na sociedade de classes, a disputa entre trabalhadores e capitalistas delineia um
paradoxo, “o trabalho aparece na economia nacional apenas sob a forma de emprego”
(MARX, 2010, p. 30). Entretanto, a apropriação da força de trabalho pelo capitalista
revela um fenômeno social que está permeada de sentidos, pois, o trabalhador precisa
vender sua força de trabalho, qualicando-se para manter-se empregado. A aparente
neutralidade causa o estranhamento do trabalhador que não tem apenas de lutar
pelos seus meios de vida físicos, “ele tem de lutar pela aquisição do trabalho, isto é,
pela possibilidade, pelos meios de poder efetivar sua atividade” (MARX, 2010, p. 25).
A abordagem de Marx é muito importante para retratarmos os fenômenos sociais da
atualidade, pois, o trabalho como atividade prática somente pode ser compreendido
em sua concepção histórica, como experiência prática, e não como algo apartado
do contexto político-econômico. Atualmente, o capitalismo assume a forma
fantasmagórica em que os subprodutos do trabalho são apresentados como solução
ao desemprego. A questão da empregabilidade, tão difundida pelos neoliberais,
incentiva formas precarizadas de auferir renda como o trabalho parcial, temporário,
autônomo, terceirizado, quarteirizado etc.
Nessa direção, o grande desao dos trabalhadores tem sido combater o desemprego,
deixando muitos desalentados reféns da qualicação prossional oferecida pelo
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Estado. Nessa direção, o Projovem Urbano tem focado em ações que articulam ensino,
qualicação prossional e formação cidadã, de modo a garantir o direito à educação.
Contudo, apesar da democratização das oportunidades educacionais, o sucesso
do Programa vem respondendo apenas ao dever de educar do Estado, priorizando
aspectos quantitativos em detrimento de melhorias qualitativas. Durante 15 anos, o
Projovem Urbano predominou como programa de qualicação prossional, marcado
por desaos, avanços e retrocessos.4 Dentre os desaos, está o de formar o perl
dos educadores de jovens e adultos trabalhadores para responder as especicidades
da promessa integradora, reforçando a necessidade de adaptação dos educadores
frente à proposta pedagógica, como educadores polivalentes.
No entanto, a formação dos educadores vem repetindo a máxima neoliberal, baseada
no “economicismo”, permeada pelo espectro da subalternidade, demonstrado os
limites entre a construção de uma identidade própria e a adaptação prossional.
Logo, a construção desse perl é marcada pela estreiteza da formação inicial e
continuada (aligeirada), constituindo-se de experiências no próprio trabalho. Tudo
isso, conduz ao distanciamento dos educadores frente ao produto do seu trabalho,
pois, o trabalho docente alienado nega-se nele mesmo, tendo em vista não conseguir
modicar a realidade dos jovens e adultos trabalhadores.
Como experiência prática, apreender o movimento real da formação dos educadores
não se traduz em tarefa fácil, isso porque o trabalho docente é uma construção histórica
que se efetiva por meio do projeto político-pedagógico, norteando a formação do ser
social através da qualicação prossional para inserção no mercado de trabalho.
Da mesma forma, a objetivação do trabalho docente expressa uma posição política,
visto que a educação é um campo social em disputa e o ato de educar não é neutro,
portanto, reete uma posição de acordo com a consciência de classe. Em última
instância, o trabalho docente tem uma função social, raticada pela legislação que
se congura no interior das disputas de classe. Logo, o trabalho docente é prático,
histórico, político e social, como condição fundamental à formação do sujeito histórico.
No contexto da luta de classes, os sentidos do trabalho docente também revelam que
a realidade social dos educadores tem caminhado em direções antagônicas, uns para
o consenso (conformando-se ao perl de educador polivalente), outros para o conito
(lutando por condições dignas de trabalho docente). A educação enquanto direito
social é reveladora desse distanciamento, pois, os sentidos do trabalho docente não
se revelam “imediatamente”, dentro da sala de aula, mas “mediatamente” durante o
desenrolar do processo, dependendo das condições dos programas de governo.
Portanto, o perl do educador e do trabalho docente no Projovem Urbano somente pode
ser apreendidos, considerando as relações entre as condições subjetivas (formação
do professor) e objetivas de trabalho (condições efetivas de trabalho). No modo de
produção, caracterizado pela divisão social do trabalho, “há a ruptura da integração
entre o signicado e o sentido da ação. O sentido pessoal da ação não corresponde
mais ao seu signicado. Assim, sob relações sociais de dominação, o signicado e o
sentido das ações podem separar- se, tornando-as alienadas” (BASSO, 1998, p. 6).
Para a autora, “o trabalho do professor será alienado quando seu sentido não
corresponder ao signicado dado pelo conteúdo efetivo dessa atividade previsto
4 Fundamentos da Política Nacional da Juventude: avanços e retrocessos do Programa Nacional de Inclusão
de Jovens e Adultos Trabalhadores (Projovem Urbano). Revista Humanidades & Inovação. No prelo.
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socialmente, isto é, quando o sentido pessoal do trabalho se separar de sua
signicação”. No caso do trabalho docente alienado, sua atividade não concorrerá
para seu enriquecimento subjetivo, quando “[...] não aprimorar seus conhecimentos
e não auto realizar-se”. Haverá, então, “comprometimento da apropriação e da
objetivação dos alunos, ou seja, da qualidade do ensino” (BASSO, 1998, p. 7).
É onde ocorre o esvaziamento da ação do educador pela formação aligeirada, o
distanciamento entre o sentido e o signicado do fazer docente, comprometendo a
‘práxis’, reduzindo o ato de ensinar à mera reprodução do saber fragmentado, ou seja,
a ruptura entre teoria e prática. Sendo assim, a formação docente alienada, aliena o
educador da função social da educação, paralelamente, alienando o trabalhador pela
negação da educação, confrontando os interesses da classe que vive do trabalho.
Nesta situação, o professor mantém autonomia para escolher metodologias, fazer seleção
de conteúdos e de atividades pedagógicas mais adequadas a seus alunos segundo o
interesse ou suas necessidades e diculdades. Essa autonomia, garantida pela própria
particularidade do trabalho docente, indica que os professores podem dicultar as ações
de especialistas, do Estado etc. com pretensão de controle de seu trabalho. O controle,
portanto, é de difícil execução no âmbito da sala de aula, permanecendo a autonomia
do professor neste espaço. O controle pode efetivar-se muito mais pela formação
aligeirada do professor - por falta de conhecimentos mais profundos sobre conteúdos
e metodologias, vê-se obrigado a reproduzir o conteúdo do livro didático - do que por
outras vias. As ocorrências no espaço da sala de aula dependem, fundamentalmente, do
professor, de suas condições subjetivas, isto é, de sua formação (BASSO, 1998, p. 3).
Conforme indica a autora, apesar da sala de aula constituir-se o local de preservação
da autonomia dos educadores, o controle social sobre o processo de expropriação
do conhecimento manifesta-se na formação aligeirada. Nessa direção, o Projovem
Urbano se apropria subjetivamente da função social dos educadores, fornecendo a
formação aligeirada, nos mesmos moldes que está inserida a qualicação prossional
dos trabalhadores jovens e adultos. Para tanto, seus princípios e fundamentos estão
expressos no Plano Nacional de Formação para Gestores, Formadores e Educadores
(2008c). Todavia, é condição necessária à empregabilidade no Programa, adaptar-se as
diversas funções que o educador precisa cumprir enquanto “preposto” da escolarização
dos jovens e adultos trabalhadores. Essa é a formação para o trabalho alienado baseada
no controle do educador em sua concepção histórica, política e social.
Logo, “a alienação prossional ocorre quando se deseja marginalizar o professor
dessa importante função (propor valores), aumentando o controle do trabalho
(IMBERNÓN, 2006, p. 32). Paralelamente, “os trabalhadores da educação são
trabalhadores assalariados em sua totalidade, sem a propriedade dos meios de
produção, submetidos a uma crescente perda do controle do processo de trabalho e
de exibilização nas suas formas de contratação (MIRANDA, 2011, p. 1).
Como se não bastasse a desvalorização do trabalhador docente, frente a outras
categorias com o mesmo nível de escolaridade, “possuir o conhecimento especíco
de sua área não basta para que exerça sua prossão, ou seja, o conhecimento não
é o único instrumento necessário e, por vezes, até mesmo inconciliável com o grau
de objetivação do trabalho” (MIRANDA, 2011, p. 1).
De modo que, o trabalho docente passa a depender de condições determinadas
para a autorrealização, uma vez que ocorre a interferência externa, o controle do
processo do trabalho ca subordinado a lógica instrumental.
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Uma proposta pedagógica como a do Projovem Urbano realmente exige mudanças,
tanto na gestão do sistema, quanto na atuação dos educadores na sala de aula. Em
geral os educadores não estão preparados para tanta novidade, principalmente no
que se refere ao trabalho coletivo e interdisciplinar. Por isso, é necessário que sejam
formados especialmente para o Programa, pois, a formação tradicional costuma associar
linearmente o professor ao ensino como mera transmissão de conteúdos especícos.
Além disso, na prática pedagógica da maior parte das escolas brasileiras em que atuam
esses professores, o trabalho docente é muito individual e cada um deles desenvolve
sua disciplina sem buscar intercâmbio com outras, portanto de modo muito diferente do
Projovem Urbano (BRASIL, 2008c, p. 6).
A contradição é evidente, se o discurso dominante critica a individualidade do trabalho
docente porquê colocar professores polivalentes para executar o Projeto Pedagógico
Integrado? O novo perl docente aumenta a responsabilidade sob uma lógica subalterna,
pois, a educação é uma construção social coletiva, o sucesso depende e demanda
a intencionalidade de todos. Logo, alegar que o trabalho docente tradicionalmente
é muito individual tem por objetivo mais esconder do que revelar novas formas de
exploração do trabalhador docente através do novo perl polivalente. Sendo assim,
o Estado mascara a precarização dos educadores pregando o discurso falacioso da
interdisciplinaridade, pois, ao optar pela ‘polivalência’, reforça o controle sob o processo
do trabalho, retirando a autonomia dos educadores, ressignicando o trabalho docente.
Nesse caso, existe a inversão do processo do trabalho docente pela lógica capitalista,
pois, não são os professores que se apropriam da proposta pedagógica, é a ‘política’
que passa a responder aos interesses do mercado.
A autonomia restrita do professor apresenta-se como característica mítica que,
supostamente, seria capaz de afastar o professor tanto da alienação quanto da subsunção
à lógica do capital. Dessa forma, a condição de trabalhador que desempenha uma função
predominantemente intelectual, em qualquer prossão, não é autônoma na sociedade de
classes. A expropriação do conhecimento do trabalhador e a subsunção ao Capital ocorrem
para o conjunto da classe trabalhadora nas suas condições gerais de existência e não
apenas relacionadas às condições de trabalho. E, o trabalho passa a ser socialmente
denido pelo Capital e não pela atividade especíca do trabalhador (MIRANDA, 2011, p. 2).
No campo político-ideológico, o controle da função intelectual dos educadores interfere
na vida social, pois, são as condições da formação prossional determinadas pelo
capitalismo que determinarão a inserção dos indivíduos no mercado de trabalho.
O estranhamento do trabalhador docente está, justamente, em ser o preposto do
trabalho docente alienado, protagonista da inclusão social pela escolarização, mas
sem promover mudanças signicativas na realidade social dos trabalhadores.


A qualicação dos trabalhadores docentes no Projovem Urbano é reveladora da
tensão que envolve o assunto, justamente, pela necessidade responder aos desaos
da democratização das oportunidades educacionais, alinhadas aos interesses da
reestruturação produtiva. O ineditismo da proposta pedagógica colocou como primeiro
desao, a adaptação de um educador capaz de minimizar as diculdades da articulação
institucional, resolvendo os conitos que emergiam, muito por conta da distância entre
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a Coordenação Local e os Núcleos.5 Nessa direção, a formação inicial e continuada
é representativa de uma proposta que visa à adaptação dos trabalhadores docentes
ao novo perl exível, convergindo-se para uma formação interdisciplinar, entretanto,
sem tempo hábil para colocar a proposta pedagógica integrada em prática, fazendo
com que o educador aprenda no próprio processo do trabalho.
A formação inicial do Projovem Urbano parte do princípio de que todos os educadores,
quando contratados para atuar em uma área disciplinar do currículo, já têm a habilitação
exigida e, portanto, têm domínio adequado do conteúdo no qual vão atuar. Por isso não
se pretende oferecer uma formação acadêmica ou uma revisão sistemática dos conteúdos
das disciplinas do Projovem Urbano. A intenção é que todos os coordenadores/diretores/
apoios, formadores e educadores que participem desse processo tenham uma formação
nos fundamentos e especicidades do Programa para garantir sua execução com qualidade
e consequentemente o sucesso dos jovens participantes do curso (BRASIL, 2008c, p. 6).
Segundo o Plano Nacional de Formação para Gestores, Formadores e Educadores
(2008e), a formação inicial e continuada é oferecida por meio de um convênio entre
instituições formadoras, composta por grupos de estudos de universidades públicas
voltados a planejar ações de apoio. Entretanto, a formação inicial se coloca como
desao para os educadores se adaptarem ao discurso qualicante de “diplomar-se”
no Projovem Urbano.
Considera-se necessário que a formação inicial oferecida antes do começo do curso
permita a todos os coordenadores/diretores/apoios, formadores e educadores a
apropriação do Projeto Pedagógico Integrado do Projovem Urbano, dos conceitos
envolvidos no desenho curricular, e lhes a oportunidade de reetir sobre o ensino
e aprendizagem das disciplinas do curso. É nesse sentido que o PPI arma que os
educadores devem diplomar-se em Projovem Urbano (BRASIL, 2008c, p. 7).
Isso demonstra a apropriação da função docente pelo Estado, cuja nalidade é a de
instrumentalizar a prática, entendendo que os educadores devam agir “simultânea
e inseparavelmente” como um “perito, um pensador e um cidadão” (BRASIL, 2008c,
p. 7). Nesse sentido, os educadores no Projovem Urbano cumprem dupla função:
Educadores de educação básica (Professor Especialista de todas as turmas e
Professor Orientador de uma turma); Educadores de qualicação prossional
(Orientadores de Formação Técnica Geral – FTG e do Projeto de Orientação
Prossional - POP); e Educadores de participação cidadã - Aulas de Participação
Cidadã e do Plano de Ação Comunitária (BRASIL, 2008c, p. 24). A carga horária
total do curso de formação de educadores de jovens e adultos trabalhadores tem
376 horas de atividades presenciais e não presenciais.
A formação inicial tem 160 horas antes do início do curso. A formação continuada tem
como objetivo principal a revisão da própria prática pelos educadores, para aprimorá-la
e sistematizá-la, de forma a apropriar-se do conhecimento que produz no dia-a-dia. A
carga horária da formação continuada será de 12 horas mensais no decorrer dos 18
meses de curso (BRASIL, 2008c, p. 27).
Segundo o Manual do Educador (2012), entre as estratégias ecazes para o sucesso e a
permanência, “foi de fundamental importância a boa relação entre educador e educando
5 O Núcleo constitui a unidade pedagógica básica do Projovem Urbano, realizando a maior parte das
atividades de ensino. Os Núcleos funcionam nas escolas das redes públicas selecionadas pelos entes
parceiros - Distrito Federal, estados e municípios. Os aspectos mais importantes na organização de um
Núcleo dizem respeito a: (i) o número de estudantes atendidos e sua enturmação; (ii) os espaços de ensino
e aprendizagem; e (iii) os demais espaços de atendimento. (BRASIL, 2012b, p. 65).
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existente no Projovem Urbano. A maioria dos jovens armou que, sem o apoio e o
incentivo dos professores, não teria sido possível fazer o curso” (BRASIL, 2012, p. 18).
O perl dos educadores do Projovem Urbano demanda que o prossional docente tenha
que atuar, inclusive, nas aulas de inclusão digital numa perspectiva integradora.
Considerando que a inclusão digital, hoje, é um aspecto fundamental da própria inclusão
social, é importante que a informática seja ensinada como instrumento para todos os
componentes curriculares, numa perspectiva integradora. Por isso, cada professor
orientador dá uma aula de Informática por semana, para a turma que orienta. Esse tempo
é importante para a construção da interdisciplinaridade e da interdimensionalidade: além
de digitar suas sínteses integradoras, o POP e o PLA, os estudantes podem, entre outras
coisas, fazer pesquisa na Internet e trocar e-mails com colegas do mesmo Núcleo ou de
outros (BRASIL, 2012, p. 82).
Essa é uma das facetas que reiteram a perspectiva de formação precarizada,
cujos princípios básicos de acesso à informática não se articulam à proposta de
qualicação prossional, pois, promovem conteúdos pouco desaadores aos jovens
e adultos. Por outro lado, preocupa o fato dos docentes não estarem completamente
integrados as tecnologias da informação, encontrando diculdades para lidar com a
própria inclusão digital, sendo protagonistas da inclusão digital de outros.
No Projovem Urbano, a formação para o trabalho docente está de acordo com o cenário
mais geral da restruturação produtiva, em que o educador polivalente está sendo
exigido para executar diversas tarefas, alienando-se da função social de humanizar os
homens. Nesse sentido, o trabalho docente alienado manifesta-se sob duas formas: 1)
através da exploração da força de trabalho docente, na medida em que passa a exigir do
trabalhador o exercício docente para cumprir diversas tarefas, inclusive, respondendo
por outras disciplinas e; 2) como instrumento de reprodução da força de trabalho, na
qualicação prossional para o trabalho simples dos jovens e adultos trabalhadores.
Em geral, o trabalho docente torna-se representativo da mesma lógica instituída para a
classe trabalhadora, pois, o produto do trabalho docente torna-se apartado do processo de
efetivação do trabalhador, enquanto trabalho intelectual, sendo reicado como trabalho
em geral (abstrato). De maneira que, o trabalho docente pode ser imediatamente ou
mediatamente produtivo, dado que do ponto de vista da sua objetivação, o trabalhador
qualicado como produto do trabalho docente, torna-se apenas uma mercadoria. E
como mercadoria, essa força de trabalho é aproveitada. Entretanto, como Programa
direcionado à elevação de escolaridade, qualicação prossional e participação
cidadã, o grande desao imposto aos educadores é enfrentar o fenômeno mais atual
da educação brasileira, conhecido como analfabetismo funcional.
É razoável esperar que muitos estudantes não tenham domínio de leitura suciente para
estudar, com autonomia, os textos dos Guias de Estudo, que se reportam às diferentes áreas
do conhecimento. E esse é um grande desao para o curso: tornar leitores competentes
todos os estudantes do Projovem Urbano. Para isso, devem colaborar todas as áreas do
conhecimento: qualquer que seja o assunto estudado, o educador deve criar situações em
que os estudantes aprendam a dialogar com os textos (BRASIL, 2012, p. 86).
Essa heterogeneidade encontrada na sala de aula do Projovem Urbano apresenta-
se como uma das maiores diculdades apontadas pelos educadores, principalmente,
por erros cometidos na inscrição dos alunos. O Programa que antes esperava
trabalhar com alunos que tinham até 4º ano do ensino fundamental (teoricamente
alfabetizados), teve de aceitar a dura realidade do analfabetismo total e funcional,
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incluindo alunos em qualquer série escolar, com qualquer nível de leitura. A
realidade de muitas experiências demonstrou que em vista da necessidade de ter
um quórum de alunos para iniciar o Programa, muitos gestores ignoraram o critério
da alfabetização, incluindo trabalhadores sem saber ler e até escrever. A solução
encontrada em algumas situações foi providenciar a alfabetização dos jovens e
adultos trabalhadores que não acompanhavam a turma.
Os que ainda não dominaram os processos básicos de leitura precisarão de uma
constante ajuda para desenvolver as estratégias necessárias à superação desse
problema. No início, o educador deverá conduzir passo a passo o processo, explicitando
e demonstrando os procedimentos. É conveniente que faça as primeiras leituras em
voz alta, parando para comentar cada trecho; depois, paulatinamente, pode convidar os
estudantes a fazerem a leitura individualmente, primeiramente dos textos mais curtos e
simples, depois dos mais longos e complexos (BRASIL, 2012, p. 86).
Nessas circunstâncias, o trabalhador docente entra em conito com a própria razão
de existir do trabalho, ou seja, é o distanciamento entre o sentido e o signicado,
se vendo como mero instrumento de mediação, em que a formação para o trabalho
volta-se contra o próprio trabalhador.
Por isso, ao confrontar a realidade concreta dos trabalhadores com suas reais
necessidades, muitos docentes tiveram problemas para executar o projeto
pedagógico, em virtude de não ser somente uma questão de lidar com a diculdade
de aprendizagem, mas da sobrecarga de trabalho, por vezes, concorrendo
paralelamente à alfabetização de alunos. Esse cenário é mais angustiante, quando o
cotidiano do Professor está marcado pelo “provisório”, tendo o vínculo empregatício
associado a contratos temporários e critérios políticos, tornando-se um dos fatores
determinantes para que os docentes não criem uma identidade com o Programa,
paralelamente, buscando melhores oportunidades de emprego e renda.
Todos os educadores do Projovem serão contratados em regime de 30 horas semanais
que serão distribuídas entre: (a) atividades docentes e de orientação pedagógica; (b)
integração curricular; (c) atividades de avaliação, revisão e reforço; (d) planejamento
de atividades de ensino e aprendizagem e de funcionamento do Núcleo; (e) formação
continuada. É importante lembrar que essas 30 horas de trabalho são cumpridas nos
Núcleos ou em atividades pedagógicas realizadas com os estudantes nos demais espaços
da cidade, tais como visitas, pesquisas de campo, palestras etc (BRASIL, 2012, p. 73).
De acordo com pesquisa realizada no Projovem Urbano (Belém-PA), nas redações
feitas pelos professores, “a forma de contratação dos docentes foi identicada como um
empecilho para a implementação de suas ações formativas. A insegurança no emprego
e as pressões políticas exercidas pela coordenação foram apontadas como causas de
diculdade para a realização do trabalho docente” (ARAÚJO; ARAÚJO, 2008, p. 12).
Segundo os autores, foi citada a existência de critérios políticos partidários,
em detrimento dos critérios técnicos, como fator que dicultaria a realização do
trabalho docente. Durante o curso de formação inicial e continuada, “12 docentes
relataram esta diculdade e indicaram existir forte pressão política sobre o trabalho
docente” (idem). De modo que, “desde o processo de contratação este foi um
critério privilegiado, pois, professores não qualicados para o trabalho docente
com os jovens do programa ou sem identidade com a proposta foram contratados”
(ARAÚJO; ARAÚJO, 2008, p. 12). Desta forma, os autores conseguiram captar as
formas de apropriação do Programa pela “pequena política”, utilizando a contratação
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temporária como “cabide de empregos” para atender a interesses eleitoreiros, em
detrimento da escolha de professores mais comprometidos.
A forma de contratação também favorecia o uso de critérios políticos populistas nos
processos de contratação, de gestão e de organização da força de trabalho, pois, a
competência técnica, vericada por meio de concurso público, não fora utilizada como
critério de seleção. Isto fez com que muitos dos prossionais não tivessem qualicação
adequada ou identicação com as temáticas do programa, mesmo alguns de seus
coordenadores (ARAÚJO; ARAÚJO, 2008, p. 12).
No Projovem Urbano de Mesquita-RJ (2013-2015), o Prefeito conseguiu a
manutenção do Programa por meio da gestão municipal. Nesse caso, as vagas
destinadas ao corpo docente foram oferecidas, primeiramente, “aos Professores
efetivos do Município” (MACEDO, 2017, p 8). Primeiro, realizou-se uma seleção
interna para professores interessados em atuar no Projovem Urbano. Em meio a
resistência dos professores em participar da pesquisa, justamente por medo das
retaliações, a autora também identicou critérios políticos na contratação de pessoal.
As vagas disponíveis foram oferecidas para a população num processo seletivo de análise
curricular para contratação temporária. No caso de um dos professores entrevistados, por
exemplo, ele foi convidado pelo Coordenador do curso para atuar no Programa, devido à
sua formação de nível superior em Administração de Empresas (MACEDO, 2017, p. 8).
No município de Vitória/ES, “as tarefas cotidianas dos docentes pesquisados
representaram um desvio das funções essenciais dos educadores através de
fatores que têm sido associados à precarização do trabalho docente, e que acabam
tornando as ações educativas em operação tapa buraco tendenciosas à burocracia”
(VERÍSSIMO, 2009, p. 85, grifo da autora).
Dentre elas, a atuação docente como portadores de notícias ruins, ou seja,
responsáveis por noticar os alunos sobre a falta de materiais, atrasos do vale-
transporte, auxílio nanceiro e outras situações que os deixam vulneráveis junto a
imprevisibilidade de situações encontradas na sala de aula. Nesse sentido, “a diretora
da escola solicitou aos professores a colaboração no controle dos lhos dos alunos,
pois esses correm pelos corredores, atrapalham e se arriscam em acidentes. Este
problema estrutural citado é o reexo da situação social deste alunado, pois eles não
têm com quem deixar as crianças neste horário” (VERÍSSIMO, 2009, p. 87).
Na transição do Projovem Urbano para o Ministério da Educação (2012) foram
criadas, nos núcleos, salas de acolhimento para os lhos de trabalhadores de zero
a oito anos de idade. A mudança foi positiva, reforçando a ideia de que as condições
objetivas contribuem signicativamente para melhorar o trabalho docente.
Na região metropolitana de São Paulo, foram registrados alguns fatos que
marcaram negativamente, tanto em vista da contratação como das possibilidades
de manutenção do emprego dos educadores do Programa.
Apesar da centralidade do papel do educador, o vínculo de trabalho é precário.
A educadora contou que o contrato era registrado para um ano ou um ano e meio,
podendo haver demissão antes do prazo ou extensão do tempo. Em 2010, o rendimento
do educador correspondia a aproximadamente quatro salários mínimos. A educadora
explicou que só permanecia no programa quem não dependia exclusivamente dele para
sobreviver, contando com outras fontes de renda (FERREIRA, 2013, p. 172).
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Nas palavras da entrevistada, segundo a autora, o período que antecedia o m
do contrato era “angustiante”, porque não havia certeza de recontratação, “todos
torciam para que houvesse matrículas sucientes, garantindo a permanência no
programa”. Após a conclusão das matrículas, o “desespero” era relativo à evasão,
que obrigava o enxugamento dos núcleos e a consequente demissão de educadores.
Para a autora, “outros educadores esclareceram que a não explicitação dos critérios
para as demissões gerava insegurança, porque o educador não tinha controle sobre
o que seria analisado no seu desempenho” (FERREIRA, 2013, p. 172-3).
Em termos gerais, saber que a escolha passa por critérios políticos vai na contramão
do sucesso de qualquer projeto educacional. Evidentemente, muitas questões
contribuíram para a evasão, mas a proximidade dos docentes fortaleceu o vínculo
afetivo com os alunos para chegar à certicação prossional. Ainda segundo a
autora, outro estudo comprova a precarização da formação continuada no Rio de
Janeiro, deixando os docentes jogados a própria sorte para enfrentar as fragilidades
encontradas durante a execução do Programa.
Os educadores contratados na primeira versão frequentaram a formação no Rio de
Janeiro e elogiaram a oportunidade, porque foram informados dos objetivos do programa,
compreendendo o que e como deveriam fazer. Mas os contratados ao longo do processo
não foram introduzidos nem mesmo ao projeto pedagógico integrado, desconhecendo
os objetivos do Projovem. No início de cada unidade formativa, eles deveriam receber
formação sobre o tema, sobre as possibilidades de abordagem interdisciplinar e sobre
as maneiras para pesquisarem e obterem dados a serem trabalhados na sala de aula
[...]. Porém, a formação continuada perseguiu o modelo tradicional de relacionamento
entre professor e aluno – questionado pelo próprio Projovem –, porque os formadores
não ouviam os educadores e muitas vezes transmitiam informações que não podiam
ser aplicadas na sala de aula, por não conhecerem os alunos do programa, o ambiente
de trabalho dos educadores e a realidade do município onde o programa estava sendo
implementado. A consequência é que os educadores trabalhavam sozinhos (BARBOZA,
SANTOS e ARAÚJO, 2011 apud FERREIRA, 2013, p. 173).
A autora, conclui armando que, “a implementação das estratégias não necessariamente
conduz ao êxito na nalidade básica do Programa, a saber: formação integral
associando educação básica, qualicação prossional e ação social”. No entanto,
“o que o material das entrevistas sugere é que se houvesse maior investimento
na formação continuada e maior apoio nas atividades dos educandos, o êxito na
implementação das diretrizes poderia ter sido maior” (FERREIRA, 2013, p. 174).
Na mesma linha, outro desvio da função docente foi identicado por Maciel (2013),
“quando os educadores telefonavam para os alunos que apresentavam faltas
demasiadas com a intenção última de não os deixarem desistir do curso” (MACIEL,
2013, p. 113). Esse processo de ressignicação da função docente resulta do
próprio trabalho alienado, provocando diversas reações no trabalhador devido ao
medo de ser demitido. Em tempos de crise, o trabalho docente no Projovem Urbano
apresenta-se como “inovador”, mas reforça o ideário do “clientelismo”, em que o
professor tem que delizar sua clientela para manter o emprego. Inevitavelmente, a
lógica neoliberal de subalternidade sob o mantra do novo perl docente aproveitou-
se para aproximar interesses através de parcerias público-privadas, terceirizando a
qualicação prossional dos trabalhadores jovens e adultos.
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Em Santa Catarina, os formadores foram prestadores de serviço contratados pela
instituição executora do programa no estado, e a partir das formações que receberam da
FUNDAR e da COPPE, realizavam a formação dos professores no estado. Mesmo sendo
formadores com experiência na área pedagógica, com pós-graduação em educação, não
possuíam nenhum conhecimento prévio da proposta do programa, o que inicialmente
sabiam vinha das 64 horas de formação recebida antes do programa iniciar no estado, e
se aperfeiçoava no decorrer das 188 horas de formação continuada e com as demandas
recorrentes trazidas pelos professores durante o programa (formação em serviço). Os
formadores trabalham com os professores de forma a responder os desaos que se
apresentavam durante a execução do PJU, com o intuito de provocar a reexão, tendo
como base os objetivos denidos em cada uma das unidades (VIGANO, 2014, p. 55).
Grosso modo, a “formação em serviço” tem prevalecido na maioria das experiências,
fazendo com que os trabalhadores do Projovem Urbano aprendam no próprio
processo do trabalho. Pedagogicamente, essa não é a melhor solução, já que muitas
vezes os educadores se viram obrigados a apagar incêndios causados por fatores
externos as salas de aula, implicando no aumento da evasão escolar e nas metas
da certicação prossional.
A coordenação do programa recebia a formação através da coordenação nacional do
PJU, sendo 24 horas de formação inicial e 32 horas de formação continuada, para
compreender todo o Projeto Político Pedagógico, a implementação do programa, a
nalidade, a atuação com os jovens, as exigências, a carga horária, e as leis e diretrizes.
Eram poucas as horas, para tantas as demandas (VIGANO, 2014, p. 55).
Em pesquisa do governo federal, citada pela autora, “o Sistema de Monitoramento
e Avaliação do Projovem Urbano (SMA/PJU) realizou uma pesquisa com os 119
professores de Santa Catarina, que estiveram no Programa entre fevereiro e outubro
de 2009” (p. 57). Desses, “vale ressaltar que quase 15% dos professores pesquisados
não participou da formação inicial, isso ocorreu porque a formação foi feita antes
de começar as aulas, antes mesmo dos professores serem contratados, já que a
coordenação nacional do Programa ressaltava que a formação inicial deveria ser uma
das etapas do processo de seleção” (VIGANO, 2014, p. 58). Com relação à participação
dos professores na formação continuada do Projovem Urbano de Santa Catarina.
A maioria respondeu que participou desse momento, isso porque a formação continuada
era de caráter obrigatório para os professores do programa e fazia parte da carga horária
contratada. No entanto, cerca de 5% de professores declarou não participar. Os motivos
relatados eram: falta de interesse, tempo, cansaço ou outro trabalho no horário da
formação - novamente as condições de trabalho inuenciando na constituição identitária
dos professores do programa (VIGANO, 2014, p. 58).
Nesse cenário, a realidade social dos educadores (as) no Projovem Urbano registra
diversas experiências marcadas por situações de subalternidade. A política de
formação inicial e continuada resulta de uma proposta fragmentada que vai ganhando
uma forma fantasmagórica, como diz o senso comum “apagando incêndios”.
Como vimos, estudos apontam que o educador polivalente é coagido a situações de
constrangimento, distanciando-se do sentido/signicado do trabalho docente, tudo
em nome da manutenção dos jovens e adultos trabalhadores para cumprir as metas
de certicação prossional. Contudo, muitas vezes, isso corrobora para o resultado
inverso, aprofundando a evasão escolar.
Nessa direção, o trabalho docente no Projovem Urbano confronta os trabalhadores
a se adaptarem as exigências neoliberais como prepostos do Estado. Nesse
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cenário, a política de formação dos educadores de jovens e adultos consolida-
se como um “Frankestein”, ou seja, uma criatura que não tem identidade própria,
transitando através de diversas experiências precarizadas, cujo resultado nal
assume uma forma fantasmagórica, deixando marca na vida dos trabalhadores. É
a própria versão burguesa da literatura clássica aplicada à educação de jovens e
adultos trabalhadores, em que a criação dos “intelectuais”, ao invés de incluir, acaba
excluindo o indivíduo das possibilidades de convívio social e do emprego. Portanto,
o lado obscuro da gestão pública que inviabiliza condições objetivas e subjetivas de
trabalho docente para melhorar a qualidade social da educação de jovens e adultos.

No Brasil, a burguesia tem estruturado seu projeto da “pequena política” através
de programas de elevação de escolaridade e qualicação prossional para os
trabalhadores excluídos do mercado de trabalho. Nessa direção, as reformas
neoliberais têm subjugado os educadores aos mesmos princípios “economicistas”
da reestruturação produtiva, dadas as formas de apropriação do trabalho docente.
No Projovem Urbano, o perl do educador polivalente revela formas de dominação
simbólica através da coerção dos processos do trabalho, ressignicando a práxis
docente para atuar de forma instrumental na formação dos futuros trabalhadores.
Então, precisamos avançar sobre a formação dos educadores de jovens e adultos,
pois, o próprio educador acaba sendo educado através de uma formação aligeirada,
sob a sombra da imaginação e da criatividade pedagógica. Apesar do Projovem
Urbano ter avançado sobre a democratização do acesso ao ensino, a investigação
apontou a necessidade melhorar as condições de trabalho docente, dado o
descompasso entre teoria e prática docente. Nessa direção, a formação inicial e
continuada confronta os educadores a cumprir diversas funções para gerenciar
conitos que extrapolam os limites da sala de aula, exigida pelo perl polivalente.
A formação docente alienada evidencia o distanciamento entre o sentido e o signicado
da educação como redentora da exclusão social, reproduzindo uma certicação vazia
para o trabalho simples, pois, não possibilita mudanças signicativas na realidade
material dos trabalhadores. Primeiramente, defendemos que a política de formação dos
educadores de jovens e adultos seja reconhecida como política de estado, preparando
os educadores para o futuro que se avizinha, aumentando os investimentos públicos
em educação, contratando pessoal capacitado através de concursos público etc.
Aqui, não se trata de pessimismo acadêmico, mas de uma constatação da realidade,
visto que um terço da população se encontra na condição de analfabetismo funcional.
Em breve, lamentavelmente, o desao da Política Nacional da Juventude (PNJ)
consistirá na formação de educadores de jovens e adultos para combater o
analfabetismo funcional que aumenta progressivamente nas regiões do Brasil.
A segunda mudança necessária, demanda que o governo federal assegure a
expansão da Política Nacional da Juventude (PNJ), respondendo a meta 10 do
Plano Nacional de Educação (PNE), no que compete ao aumento das matrículas
direcionadas à conclusão do ensino fundamental e a formação prossional dos
jovens e adultos trabalhadores. Em detrimento disso, reforçamos a necessidade
de concurso público, coibindo critérios político-partidários que priorizam interesses
‘eleitoreiros’ na contratação de gestores e educadores. Da mesma forma, os gestores
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que promovem a política nacional de formação continuada dos educadores de jovens
e adultos devem assegurar aos trabalhadores docentes condições concretas de
trabalho (objetivas e subjetivas) que garantam a autonomia pedagógica através de
diversos mecanismos de atuação prossional. Infelizmente, o que tem prevalecido
é a panaceia de oportunidades, colocando os educadores como prepostos de um
projeto que reproduz novas formas históricas de dualidade educacional.
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