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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2022.40510
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
POLÍTICAS CURRICULARES E O EMPREENDEDORISMO NO CONTEXTO
DA GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA
Curriculum policies and entrepreneurship in the economic globalization context
BUCIOLI, Erick Rodrigo
1
MOREIRA, Jani Alves da Silva
2
JANUARIO, Erika Ramos
3
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar de que forma o neoliberalismo, revestido da globalizão,
atua diretamente na definição de políticas públicas, com destaque para as poticas curriculares para a
educação básica. Trata-se do resultado de uma pesquisa bibliogfica e documental, no qual averiguou-
se questões sobre o processo de reforma curricular na fase de elaboração da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC). Constata-se que no processo de delineamento da BNCC, obteve-se redução da
contribuição de educadores e pesquisadores e supervalorizou-se a contribuição de organismos
privados e instituições internacionais multilaterais. Dentre as proposituras neoliberais encontradas na
BNCC, encontra-se o desenvolvimento de percepções empreendedoras, nas quais os indivíduos se
tornam únicos e exclusivamente responveis pelo seu sucesso ou fracasso. Dessa forma, verifica-se
que o capitalismo, infere sorrateiramente seu discurso neoliberal nas pautas educacionais, garantindo
uma educação que prepara os indiduos, em sua maioria, para satisfazer as vontades do mercado.
Palavras-chave: Globalização. Empreendedorismos. Políticas educacionais. BNCC.
ABSTRACT
This article aims to analyze how neoliberalism, coated by globalization, acts directly in the public policies
definition, with emphasis on curriculum policies for basic education. It is the result of a bibliographic and
documental research, in which questions about the curriculum reform process in the elaboration phase
of the Common National Curricular Base (BNCC) were investigated. It was found that in the process of
BNCC outlining, the educators and researchers contribution was reduced and the private organizations
and international multilateral institutions contribution was overvalued. Among the neoliberal propositions
found in the BNCC, there is the entrepreneurial perceptions development, in which individuals become
solely and exclusively responsible for their success or failure. Thus, it can be seen that capitalism
sneakily infers its neoliberal discourse in educational guidelines, ensuring an education that prepares
individuals, mostly to satisfy the market willing.
Keywords: Globalization. Entrepreneurship. Educational policies. BNCC.
1
Mestre em Educação para Ciência e Matemática pelo Programa de s-Graduação em Educação para Ciência e a Matemática da
Universidade Estadual de Maringá. E-mail: erickbucioli@gmail.com.
2
Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Educação. Professora do Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: jasmoreira@uem.br.
3
Mestre (a) em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail:
erikauem@gmail.com.
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INTRODUÇÃO
A forma como o capitalismo por meio da globalização interfere nas políticas sociais,
dentre elas, as políticas educacionais, reflete diretamente na vida dos indivíduos.
Mészáros (2008, p. 43) alerta que [...] as determinações gerais do capital afetam
profundamente cada âmbito particular, com alguma influência na educação. Dessa
forma, o presente texto tem como objetivo refletir como liberalismo, a partir da
globalização, permite verificar que a relação entre o capital e as políticas adotadas por
países periféricos, se configura por predeterminações contratuais, onde os benefícios,
em sua grande maioria, irão para os primeiros aqui mencionados.
Assim sendo, compreender a globalização, não é simplesmente vê-la como um
movimento cultural, isto é, que facilita a movimentação de ideia, pessoas e serviços, mas
sim, compreendê-la acima de tudo, como um campo econômico em que a lógica do
capital prevalece. Ou ainda como Dale (2004. p. 424) afirma, como um conjunto de
forças que estão a tornar os Estados-nação em algo obsoletos, em outras palavras,
como mero executores das determinões do mercado.
A premissa neoliberal da liberdade de escolha e, consequentemente, o fato de se
responsabilizar por ela, ressurge mais forte com o advento da globalização da economia,
no qual se reforça princípios do Estado mínimo, com a ênfase em tornar o indivíduo
responsável pelo seu sucesso e ou fracasso. Além do retorno do conceito de liberdade,
conceitos como livre comércio, criatividade, cooperação e empreendedorismo passam a
fazer parte do vocabulário global e, por conseguinte, da agenda educacional (DALE,
2004).
Evangelista (2012, p. 52), alerta que se faz necessário um olhar minucioso nos
documentos oficias que delineiam as políticas para a educação, uma vez que as atuais
políticas educacionais, [...] articulam interesses, projetam políticas, produzem
intervenções sociais, portanto, um documento oficial pode indicar a essência da política,
mas, ao mesmo tempo, esconde-a”, sendo assim, necessário um método de análise que
desconstrua o todo que permeia-se na aparência do documento (EVANGELISTA;
SHIROMA, 2019, p. 111 e 90).
Para assimilar a globalização e sua influência nas políticas educacionais, em um primeiro
momento, o texto discute a globalização e como ela se apresenta como nova estrutura
neoliberal e sua influência na definição de políticas sociais, na definição de novas frentes
de trabalho e, dentre elas, as oriundas do empreendedorismo. Em um segundo
momento, tem por objetivo destacar o empreendedorismo como uma nova possibilidade
de sanar fenômenos de crises na atual fase do capitalismo. Para isso, a análise de
materiais disponibilizados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (SEBRAE) e das obras de alguns autores (DOLABELA, 2003; COAN, 2011,
2013) contribuíram nas análises aqui mediadas. Por fim, as discussões permeiam nas
características da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), desde a sua fase de
elaboração, com ênfase sobre os determinantes do capitalismo e sua adoção da
categoria empreendedorismo como recurso educacional presente no currículo escolar.
A GLOBALIZAÇÃO NOVAS PERSPECTIVAS NEOLIBERAIS
O processo de globalização transcende questões meramente econômicas, uma vez que
abrange questões salutares como política, cultura e meio ambiente. Contudo, o viés
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econômico se configura como o cerne de toda a discussão que permeia as demais ações
do capitalismo e, consequentemente, da vida dos indivíduos.
Seu início se deu logo após o fim da segunda-guerra mundial (1939 a 1945), com a
célere e contínua ampliação da internacionalização da economia. Com a crise instaurada
em virtude da devastação dos países europeus, surgem organizações internacionais,
dentre elas a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organizão das Nões
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organizão para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e sistemas financeiros como o
Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e o Fundo Monetário
Internacional (FMI) no sentido de propor um novo pacto mundial, ancorado na paz e na
retomada da economia.
De acordo com Fonseca (1995), o BIRD até meados de 1960 adotava por princípios o
financiamento de setores de infraestrutura física, isto é, comunicação, energia e
transporte, no sentido de garantir o desenvolvimento econômico dos países em
desenvolvimento. Contudo, tais medidas não eram voltadas às políticas de bem-estar
social e de igualdade. Partindo dessa constatação, a partir do final da década de 1960,
o BIRD começa a financiar políticas sociais, como forma de reduzir e mitigar a pobreza
encontrada nos países do Terceiro Mundo. Nas palavras de Gentili (1996), os
organismos internacionais citados, incidiram, por meio de indicações, a prescrever os
remédios necessários para conter e firmar a economia dos países latino americanos.
Na verdade, essa nova postura do BIRD ocorre em virtude de uma nova crise no sistema
capitalista, desencadeada no final da década de 1960 e início da década de 1970. De
acordo com Leher (1998, p. 79), recessões repetidas e profundas; inflação estrutural;
déficit orçamentário e do comércio exterior, e desestabilização do sistema monetário
internacional, são alguns princípios que desencadeiam essas mudaas no BIRD.
Como resposta a essa crise, a globalização se mostra como um processo que se propõe
a promover a flexibilidade de ideias, bens, serviços e pessoas. De acordo com Dias
(2017), existe um fortalecimento da interdependência e o enfraquecimento do Estado.
No campo econômico, a globalizão se apresenta com três elementos muito bem
definidos: unificação do mercado em todo o mundo; o desenvolvimento de empresas
globalizadas; e uma divisão internacional do trabalho. Esse último elemento merece
destaque ao manter estruturas únicas, rígidas e monopolistas, isto é, os polos
dominantes estão localizados nos países que controlam o conhecimento, [...]. A eles
cabe a criação; os demais permanecem condenados à imitação e à dependência” (DIAS,
2017, p. 21).
Neto (2012) afirma que na era da globalização neoliberal, o Estado, de forma
generalizada, se torna menos importante. Surgem novos espaços, novas redes de
poder, novas racionalizações e novas dialéticas. Nesse contexto, o nacional, o regional,
o local são colocados a serviço do novo modelo econômico global transnacional e
transcultural (NETO, 2012, p. 12). Para ele,
O neoliberalismo, a globalização e a reestruturação produtiva são dimensões de um mesmo
processo e vão configurar um novo estágio do desenvolvimento capitalista. Embora essas
dimensões façam parte do cenário mundial, as formas como elas afetam os diversos países
são variadas. No jogo das relações globalizadas, os países de maior poder econômico e
político exercem uma hegemonia em todos os campos (econômico, político, cultural,
educacional), de modo que os países em desenvolvimento se inserem, de forma
subordinada, nessa nova dinâmica (NETO, 2012, p. 32).
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Ao se estabelecer uma análise da conjuntura mundial, a imitação e a dependência são
direcionados aos Estados periféricos, ditos do terceiro mundo. Ball (2014, p. 43) alega
que, embora todas as reconfigurações propostas pela globalização ecomicas,
sociais, morais, políticas e consequentemente educacionais, sejam adotadas para
prover o fornecimento do serviço público e o desenvolvimento de novos tipos de
respostas políticas à desvantagem social, essas políticas camuflam os reais objetivos
do neoliberalismo. Para ele, o neoliberalismo em sua forma mais íntima e intensa,
envolve a transformação das relações sociais em calculabilidades e intercâmbios, isto
é, na forma de mercado [...] (BALL, 2014, p. 64).
Além disso, Ball destaca que
O neoliberalismo é tamm polimórfico e evolutivo, ele se transforma e se adapta,
assumindo caractesticas locais das geografias das circunstâncias econômicas e políticas
existentes e de arcabouços institucionais, em que variabilidade, constituição interna,
influências sociais e organismos individuais desempenham o papel de (re)produzir, circular
e facilitar o seu avanço. (BALL, 2014, p. 65).
Nesse sentido, o neoliberalismo, a globalização e toda a reorganização do papel do
Estado, provocaram inúmeras mudanças em vários países do mundo (MORROW;
TORRES, 2004). Para os autores, [...] uma das implicações mais fundamentais da
globalização contemporânea está centrada em torno da relão alterada entre a
educação e o Estado”. No campo da educação, a [...] globalização é o que tem motivado
a maioria das discussões sobre a necessidade de uma reforma educacional
(MORROW; TORRES, 2004, p. 28).
Ao analisar os escritos de Dale (1998), Neto (2012) destaca que a globalização altera o
direcionamento das políticas estatais, inclusive as educacionais. Contudo, tais mudanças
não buscam sobrepor ou mesmo eliminar as especificidades das políticas educacionais
locais. Neto (2012) explicita que a globalização não resulta de uma imposição de um país
sobre o outro, uma vez que a construção das políticas é negociada entre ambos. Além
disso, os efeitos das políticas não ocorrem de forma direta, elas permitem diferentes
interpretações.
Especificamente em relação à educação, pode-se afirmar que a globalização vem afetando
as políticas e práticas educacionais em todo o mundo. Ela tem repercussões sobre a
autonomia e a soberania dos Estados nacionais na organização de seus sistemas
educacionais. É evidente que a forma como esse processo atinge os diversos países é
variada, de modo que os países de menor poder econômico e político se inserem de forma
subordinada nessa dinâmica de reorganização dos sistemas educacionais (NETO, 2012, p.
33 e 34).
No Brasil, os efeitos das determinações neoliberais e da globalização podem ser
observados com mais afinco a partir da década de 1990. Para Deitos (2008), o Brasil dos
anos de 1990 foi caracterizado por um processo de materialização da globalização
amparado politicamente pelo neoliberalismo. Dentre as principais mudaas desse
período foi a reforma do aparelho de Estado, de 1995.
É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública que
chamaria de “gerencial”, baseada em conceitos atuais da administração e eficiência, voltada
para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, numa
sociedade democtica, é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna
cliente privilegiadodos serviços prestados pelo Estado (BRASIL, 1995, p. 10).
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Como se pode observar, de acordo com o documento, esta reforma redefini os objetivos
da organização da administração pública brasileira, no sentido de garantir uma
modernização gerencial nos serviços prestados pelo Estado.
A reforma do aparelho do Estado, estava em consonância com as influências dos
organismos internacionais, na perspectiva de submeterem as políticas educacionais aos
mandatários da economia global de forma a constituir uma Agenda Globalmente
Estruturada para a Educão, vista como [...] a mudança de natureza da economia
capitalista mundial como a força directora da globalizão e [que] procura estabelecer os
seus efeitos, ainda que intensamente mediados pelo local, sobre os sistemas educativos
(DALE, 2004, p. 426).
Em virtude da constituição de uma economia global, a Agenda Globalmente Estruturada
para a Educação, congrega uma nova ordem econômica mundial na medida em que
são propaladas por vários organismos internacionais, dentre eles a ONU, o FMI, o BIRD,
a UNESCO, a UNICEF e a OCDE. Tais organismos, por sua vez, conduzem suas teorias
ancoradas na teoria do capital humano
4
e, assim, os sistemas, os processos e as
políticas educacionais nacionais são forjadas ao imediatismo de uma formação técnica-
profissional restrita (FRIGOTTO, 2010).
A retomada da teoria do capital humano, estabelece o conhecimento como forma de
capital, e nesse sentido a disposição de investir na formão do indivíduo (trabalhador)
passa a ser uma decisão individual ou dos agentes interessados em aprimorar e/ou
expandir a produtividade.
Mészáros adverte que a questão crucial, sob a regra do capital,
é assegurar que cada indivíduo adote como suas próprias as metas de reprodução
objetivamente possíveis do sistema. Em outras palavras, no sentido verdadeiramente amplo
do termo educação, trata-se de uma questão de internalização pelos indivíduos [...] da
legitimidade da posição que lhes foi atribuída na hierarquia social, juntamente com suas
expectativas “adequadase as formas de conduta certas” [...] (MÉSZÁROS, 2008, p.44).
Como se pode observar, Mészáros (2008) chama a atenção para o fato de que o
indivíduo, de acordo com a globalização, precisa se adequar, se adaptar as regras
propaladas pelo sistema, caso contrário não estará contribuindo com a manuteão do
sistema capitalista. Nesse sentido, ele reforça o papel primordial que a educão deveria
desenvolver, isto é, uma educação que vá além dos desígnios do capital.
Contudo, no Brasil, principalmente a partir da década de 1990, se torna incontestável a
influência do capitalismo nas propostas de políticas educacionais do Estado. É evidente
sua interferência na Lei de Diretrizes e Base da Educão Nacional, Lei nº 9394/1996
(LDBEN, BRASIL, 1996), na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais
4
A Teoria do Capital Humano é formalizada por Theodore Schultz. De acordo com Schultz,Embora seja
óbvio que as pessoas adquiram capacidades úteis e conhecimentos, não é óbvio que essas capacidades e
esses conhecimentos sejam uma forma de capital, que esse capital seja, em parte substancial, um produto
do investimento deliberado, que têm-se desenvolvido no seio das sociedades ocidentais a um índice muito
maispido do que o capital convencional (não-humano), e que o seu crescimento pode muito bem ser a
caractestica mais singular do sistema econômico. Observou-se amplamente que os aumentos ocorridos
na produção nacional têm sido amplamente comparados aos acréscimos de terra, de homens-hora e de
capital físico reproduzível. O investimento do capital humano talvez seja a explicação mais consentânea
para esta assinalada diferença (SCHULTZ, 1973, p.31, grifos nossos).
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(BRASIL, 1998), na definição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica (BRASIL, 2013) e na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017, 2018).
Ball (2014), alega que o neoliberalismo por ser ecomico e político, ataca e destrói
algumas possibilidades para novas formas de governar. Ele destaca que por meio do
empreendedorismo e da transferência da responsabilidade ao indivíduo, este pode obter
sucesso ou fracasso. Ball atribui a esse processo a denominação de neoliberalizar.
Isso funciona ao nos neoliberalizar, tornando-nos empreendimentos e responsáveis,
oferecendo-nos a oportunidade de ter sucesso, e, fazendo-nos culpados se não o fizermos
transformando-nos em sujeitos neoliberais emaranhados nos poderes de liberdade. Isso
não acontece basicamente por meio de opressões, mas atras das ansiedades e das
oportunidades, não por constrangimento, mas por incitamento, medição e comparação
(BALL, 2014, p. 229).
Nesse contexto, a adoção de um livre mercado se torna fundamental, uma vez que, os
indivíduos, inseridos nesse emaranhado de liberdades, constroem sua trajetória, a partir
de seu esforço pessoal e de seu mérito. Esse percurso construído pelo emaranhado
de liberdades, de acordo com Freitas (2018, p. 23 e 24) potencializa-se em um
imaginário social legitimador de um individualismo violento e mascarado de
empreendedorismo, que lança a juventude em um cuo social, no qual conta apenas o
presente na luta pela sua própria sobrevivência.
O EMPREENDEDORISMO COMO SAÍDA DA CRISE
O empreendedorismo tem se tornado um dos pilares do pensamento industrial brasileiro,
no sentido de colaborar com o discurso de desenvolvimento sustentável. Tal aspecto,
estimulado pelo setor industrial, passa a vigorar no sentido da formão de
empreendedores, por meio programas e ações educacionais (COAN, 2011).
De acordo com Dolabela (2003), o empreendedorismo se efetiva na escola por meio de
uma pedagogia empreendedora, isto é, que adota metodologia que consolida valores
empreendedores na sociedade, revelando de forma positiva a capacidade individual, e
consequentemente a capacidade coletiva, de produzir valores para toda a sociedade.
Para a efetivação do empreendedorismo, conceitos como inovação, autonomia,
sustentabilidade e protagonismo, são agregados aos conceitos de estabilidade e
segurança, possibilitando que os indivíduos corram riscos limitados e se adaptem as
mudanças oriundas da sociedade.
Pode-se perceber a partir da análise da concepção apresentada por Dolabela, que o foco
está no indivíduo, que uma vez gerando riqueza (valor), assim também o faz para a
comunidade na qual está inserido. Este aspecto, traz resquício da liberdade do indivíduo,
defendida por Locke (séc. XVII) e Smith (séc. XVIII), e que se torna um dos pilares do
liberalismo.
Contudo, a adoção de um discurso empreendedor se tornou lugar comum nas agendas
educacionais após a realização da Oficina Regional de Educão para América Latina e
o Caribe (OREALC), organizada pela UNESCO e divulgada no Projeto Regional de
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Educão para a América Latina e o Caribe PRELAC
5
que inclui um quinto pilar, o
aprender a empreender aos quatro pilares (aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a conviver e aprender a ser) estabelecidos por Jacques Delors em 1996, no
relatório Educação, um tesouro a descobrir (COAN, 2013).
Ao acrescentar o aprender a empreender, como mais um dos pilares do relatório Delors,
a UNESCO busca fundar novas diretrizes para a sua inserção na seara educacional,
com o objetivo de suscitar novas frentes de empregos e riquezas. Tal inserção amplia a
relação do indivíduo com o seu sucesso e/ou fracasso, transferindo toda
responsabilidade para si, uma vez que empreender é
um processo essencialmente humano, com toda a carga que isso representa: ações
dominadas por emoção. Desejos, sonhos, valores; ousadia de enfrentar as incertezas e de
construir a partir da ambiguidade e no indefinido; consciência da inevitabilidade do erro em
caminhos o percorridos; rebeldia e inconformismo; crença na capacidade de mudar o
mundo; indignação diante de iniquidades sociais. Empreender é, principalmente, um
processo de construção do futuro (DOLABELA, 2003 p. 29).
Para Dolabela (2003) a pedagogia empreendedora se sustenta alegando que o
empreendedorismo, pelo potencial que possui, pode ser considerado força motriz para a
eliminação da miséria e da diminuição da distância entre ricos e pobres, pois adota como tema
central de teoria o desenvolvimento humano, social e econômico sustentável. Partindo de ideias
de pensadores clássicos do empreendedorismo, dentre eles Cantillon (1680-1734), Say (1767-
1832) e Timmons (19412008), Dolabela amplia os conceitos apresentados, definindo o
empreendedor como alguém que sonha e busca transformar seu sonho em realidade
(DOLABELA, 2003, p. 38)
Coan (2011) ao analisar a perspectiva no empreendedorismo no Brasil e consequentemente a
obra de Dolabela, afirma que
O aluno é orientado a ter um sonho do qual será seu autor e protagonista; em seguida,
despertada a emoção, esta o levará à ação para concreti-lo; para isso, precisará mobilizar
recursos internos e externos. Como isso será feito, o autor o deixa claro,
principalmente no que tange aos recursos externos; apenas diz que o sonhador
precisa trabalhar em equipe, ter capacidade de controle e relações com múltiplos atores.
Não faz menção às condições objetivas, apenas aos atributos e requisitos do sonhador
(COAN, 2011, p. 174, grifos nosso).
Pode-se observar que o trabalho com o sonho, coloca o indivíduo como protagonista de
suas ações, no qual indica que este deverá prover formas e recursos para a consolidação
de seus sonhos. Contudo, Dolabela (2003) não apresenta estratégias, mecanismos e/ou
hipóteses que indiquem o caminho a ser seguido para a realização do sonho, tão pouco,
as condições necessárias e objetivas para a concretização do mesmo. Para ele, basta
sonhar.
Dolabela (2003) também considera que no Brasil, devido as questões socioeconômicas
desfavoráveis, seja salutar desenvolver o espírito empreendedor em crianças de
comunidades de baixa renda. A partir dessa afirmativa, pode-se perceber que a
educação empreendedora, deve ser trabalhada em todos os níveis de educação, isto é,
desde a educação infantil.
5
O Projeto Regional de Educação para a América Latina e o Caribe PRELAC é uma declaração de
consenso entre os ministros da Educação sobre a situação e a projeção da educação na região, com o
slogan “Educação para todos”. Foi aprovado em novembro de 2002, em Havana, Cuba.
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No Brasil, além de Dolabela, a cultura empreendedora é disseminada pelo Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). De acordo com COAN
O SEBRAE funciona como agente ideológico de contenção da classe trabalhadora ao se
colocar como implementador de uma cultura empreendedora individualista que mobiliza as
pessoas a criarem suas ocupações produtivas, no formato de micro e pequenas empresas,
prometendo sucesso, que na ptica poucos atingem (COAN, 2011, p. 214).
Além disso, o SEBRAE estabelece parcerias junto às redes de ensino, oferece material
para alunos e professores, bem como a formação continuada aos profissionais da
educação. De acordo com o site do SEBRAE a educação empreendedora proposta
pelo SEBRAE para o Ensino Fundamental incentiva os alunos a buscar o
autoconhecimento, novas aprendizagens, além do espírito de coletividade. O objetivo é
que a educação atue como agente transformador dos sujeitos, incentivando-os a romper
com paradigmas e desenvolver comportamentos e habilidades empreendedoras
(SEBRAE, 2020, on-line). Uma das ferramentas utilizadas pelo SEBRAE é o curso
Jovens Empreendedores Primeiros Passos (JEPP).
Cruz (2018) apresenta dados interessantes sobre o JEEP. Ele se caracteriza como um
produto, um curso do SEBRAE, que é vendido para as escolas (públicas e/ou privadas).
Contudo, se faz necessário o estabelecimento de uma parceria entre o SEBRAE e as
redes de ensino. Além disso, para que o curso atinja êxito, é imprescindível sensibilizar
os professores para que possam aderir o curso e, principalmente, sejam grandes
defensores da metodologia dentro da escola (SEBRAE, 2012, p. 22). Esse fato assume
um papel de extrema relevância, pois serão os professores que ensinarão as técnicas
apresentadas pelo material, no sentido de possibilitar a realização dos sonhos dos
aprendizes.
Por meio do JEPP os alunos do ensino fundamental realizam práticas de aprendizagem
que levam em consideração sua autonomia, favorecendo o desenvolvimento de
atributos e atitudes necessárias para a gestão da própria vida. É possível encontrar na
página da instituição o alinhamento da proposta do JEPP com os quatro pilares da
educação proposto pela UNESCO (SEBRAE, 2020, on-line).
Segundo a proposta de educação empreendedora, o curso aliado a um ambiente
propício à aprendizagem, favorece o envolvimento dos indivíduos estudantes no próprio
ato de fazer, pensar e aprender. Essas são características fundamentais dos
comportamentos empreendedores, nos quais o indivíduo e o grupo em que está inserido
reconhecem que suas contribuições são importantes e valorizadas.
O SEBRAE em 2015, ao rever seus referenciais educacionais
fortalece e reforça o compromisso de trabalhar conteúdos educacionais de forma
contextualizada, revelando as suas dimensões conceituais, científicas, históricas,
econômicas, ideológicas, políticas, culturais e educacionais, o que exige da instituição uma
nova forma de trabalho pedagógico, que dê conta desse desafio. Sendo, portanto, os
referenciais educacionais instrumentos norteadores para a elaboração de produtos de
capacitação de diferentes formatos e modalidade (SEBRAE, 2015, p. 25-26).
Pode-se observar nos escritos de Dolabela (2003) e na proposta do SEBRAE (2015),
princípios apresentados por Shumpeter
6
(1883-1950) e outros autores, que
6
Joseph Schumpeter é considerado o principal trico clássico do empreendedorismo.
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fundamentam o novo conceito de empreendedorismo. Ao apresentar novamente a ideia
de liberdade, de ser responsável pela sua própria produção, o indivíduo deixa de refletir
sobre a lógica do capital. Dessa forma, os indivíduos se tornam empreendedores, uma
vez que, se adaptam a lógica liberal, a ideia de democracia individual, desenvolvendo
mecanismos e formas criativas de sobrevivência.
Contudo, nessa perspectiva, a possibilidade de criação, de autonomia e de liberdade,
está, na verdade, atrelada subjetivamente aos mandos e desmandos da ordem do
capital. Este fato coloca os indivíduos em um processo análogo ao darwinismo, onde os
que se adaptam melhor sobrevivem. Entretanto, neste caso, os sobreviventes não são
selecionados por meio de uma seleção natural, mas sim, por meio de uma seleção do
capital.
Para Souza (2008) a educação para o empreendedorismo é constituinte de um
planejamento educacional muito mais abrangente, arquitetado e difundido por
organismos internacionais, governamentais e pelas parcerias blico-privadas (PPP).
Segundo o autor
aprender a empreender, ao reduzir e esterilizar o trabalho educativo à produção de mais-
valia em contexto de crise estrutural, aproxima a educação do complexo da alienação, pois
pretende emo adaptar o indivíduo a sociedade capitalista de forma a tentar inutilmente
harmonizar os conflitos entre capital e trabalho ao desconsiderar o conteúdo desumano que
existe durante a produção de mais-valia., na perspectiva de produção do consenso
hegemônico do capital que busca diminuir a educação aos estritos interesses do mercado e
a produção da mais-valia pela exploração do trabalho abstrato (SOUZA, 2008, p. 15).
Contudo, as propostas apresentadas por Dolabela (2003) e/ou pelo SEBRAE (2015),
são adotadas em muitas redes de ensino. Tais propostas reescrevem princípios liberais
(vontade, necessidade e reprodução social) de forma mais tendenciosa, isto é, por meio
de um ensino legitimado desde o ensino fundamental.
Tal proposta pode ser encontrada na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018),
fato esse que será analisado na próxima seção.
O EMPREENDEDORISMO NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR
ESTRATÉGIAS PARA PERPETUAÇÃO DO NEOLIBERALISMO
A organização de um currículo presente a partir de uma proposta comum para todo o
país já era mencionada na Constituição Federal do Brasil, conforme destaca o artigo 210,
“serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar
formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e
regionais (BRASIL, 1988). A LDBEN, também faz menção à organizão de um
currículo mínimo, conforme o item IV, do art. 8º, o que prevê o estabelecimento em
colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e
diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão
os currículos e seus conteúdos nimos, de modo a assegurar formão básica comum”
(BRASIL, 1996). Além disso, o art. 26 da LDBEN determina que os currículos da
Educão Básica devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em
cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada,
exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e
dos educandos. O Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024) destaca-se como
outro documento importante a ser analisado sobre o estabelecimento de um currículo
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comum. De acordo com a meta 7 do PNE, se faz necessário estabelecer estratégias
para a garantir a melhoria da aprendizagem dos alunos, dentre elas estabelecer e
implantar diretrizes pedagógicas e a base nacional comum dos currículos. (BRASIL,
2015, p. 115).
Antunes (2019) afirma que desde a cada de 1990, as políticas educativas foram
marcadas por orientões de organizações multilaterais BIRD, UNESCO, UNICEF,
que se encarregaram, de reorientar a elaboração de currículos escolares, que deveriam
estar voltados para as demandas do mercado, em uma vinculação direta entre Educação
e desenvolvimento econômico”. (ANTUNES, 2019, p. 45).
De acordo com Peroni, Caetano e Arelaro (2019), a BNCC surge como uma demanda
da LDBEN e uma agenda do PNE. O debate sobre sua organização tem início a partir
de 2014, quando o Ministério da Educação, retoma a construção dos direitos de
aprendizagem. Segundo as autoras, houve um desvio dos conceitos presentes entre a
primeira versão (2014) e a que foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE)
em 2017. Prova disso está na própria definição doconceito de base nacional comum e
base nacional curricular comum, direitos de aprendizagem e competências e
habilidades, ou seja, a própria concepção curricular que norteia a base (PERONI;
CAETANO; ARELARO, 2019, p. 42).
Outro aspecto destacado por Peroni, Caetano e Arelaro (2019) foi a forma com que a
BNCC, foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada, pelo então presidente
Michel Temer.
De setembro a dezembro de 2017, a base nacional comum curricular tramitou no CNE de
forma não transparente e foi aprovada desconsiderando a construção já produzida
pelas instituições educacionais comprometidas com a educação pública de
qualidade social e sob forte resistência de ts conselheiras, representantes de entidades
nacionais, que votaram contra a BNCC, assim como diversas instituições e associações de
docentes e pesquisadores manifestaram sua oposição a BNCC. A aprovação de uma
política pública de forma antidemocrática, sem transparência e sem ampla discussão
com a sociedade brasileira revela o modus operandi dos sujeitos individuais e
coletivos que fazem parte, tanto de instituições consideradas públicas, quanto
privadas (PERONI; CAETANO; ARELARO, 2019, p. 43, grifos nossos).
Conforme destacado, a aprovação da BNCC ocorreu de forma antidemocrática, uma
vez que todo o percurso percorrido para sua construção, que de certa forma contou com
a participação de vários segmentos educacionais professores, academia, associações
de pesquisadores educacionais como a Associação Nacional de Pós-Graduação em
Educão (ANPED), não tiveram suas reivindicões inclusas na versão final do
documento.
Dourado e Siqueira (2019) corroboram com Peroni, Caetano e Arelaro (2019). Para eles,
enquanto processo histórico há que se destacar que a BNCC não foi consensuada, não
foi pactuada e, portanto, apresenta vários questionamentos acerca de sua legitimidade
(DOURADO; SIQUEIRA, 2019, p. 294).
O Brasil presidido por Michel Temer (2016 a 2018), que ascendeu à presidência da
república após o golpe de 2016, adota posturas cada vez mais neoliberais e
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conservadoras, atreladas as decisões de agentes privados e de instituições que tem
interesse no mercado educacional
7
.
Nessa perspectiva, Zanardini (2008) já alertava para o fato de que o currículo escolar, ao
ser parte integrante das recomendações ideológicas do pensamento econômico dos
organismos internacionais, outorga à educação o papel decisivo para o desenvolvimento
econômico e a diminuição da pobreza. Sob esse ponto de visa, a educação tornar-se-ia
o principal meio para regularizar a distribuição de renda e reordenar as contradições do
capitalismo.
Nesse contexto, a criação de um currículo
8
juntamente com políticas de financiamento e
de avaliação, criam uma perspectiva de contrarreforma
9
do Estado (ZANARDI, 2008).
Isto posto, tais políticas se desmembram em processos distintos e contraditórios, isto é,
em processos centralizadores e descentralizadores. Na conjuntura educacional, a
centralização se configura com os processos curriculares e avaliativos, e a
descentralização ocorre em relação ao financiamento. De acordo com Antunes (2019),
tais circunstâncias reaviavam a contradição do Estado Minímo/Máximo.
Isto posto, a BNCC se configura como documento
plural, contemporâneo, e estabelece com clareza o conjunto de aprendizagens essenciais e
indispenveis a que todos os estudantes, crianças, jovens e adultos, têm direito. Com ela,
redes de ensino e instituições escolares públicas e particulares passam a ter uma referência
nacional obrigatória para a elaboração ou adequação de seus currículos e propostas
pedagógicas. Essa referência é o ponto ao qual se quer chegar em cada etapa da Educação
Básica, enquanto os currículos traçam o caminho até lá (BRASIL, 2017, p. 5).
Pode-se observar que a BNCC (BRASIL, 2017) se apresenta como referência nacional
obrigatória para a elaboração ou adequação dos currículos e propostas pedagógicas,
contrariando os preceitos estabelecidos no PNE, configurando-se como uma política
verticalizada, isto é, de cima para baixo.
O documento final da BNCC (BRASIL, 2017), apresenta as dez competências gerais,
que se caracterizam por obrigatórias e que deverão permear todo trabalho da Educação
Básica. Dentre os principais aspectos encontrados nas competências gerais, pode-se
destacar: a utilização dos conhecimentos historicamente construídos; o aprimoramento
do pensamento científico, crítico e criativo; a valorização de diferentes repertórios
culturais; a utilização de diferentes linguagens para a comunicação; a compreensão e
utilização de diferentes culturas digitais; a valorização e compreensão de diferentes
possibilidades de trabalho e de projeto de vida; o desenvolvimento de argumentos éticos
7
Entre os agentes privados, estão instituições que produzem materiais didáticos como Fundação Santillana
e Abrelivros, Itaú-Unibanco, Instituto Ayrton Senna, Insper, Fundação Roberto Marinho, Instituto Natura e o
Movimento Todos pela Educação, entre outros. Entre os agentes públicos estão secretarias ligadas a
governos do PSDB como São Paulo, Salvador, Goiás, Paraná, a Undime, representante dos secretários
municipais de educação do país e o Consed, que representa os secretários estaduais de educação, além
do INEP, do MEC e Conselho Nacional de Educação. Constitui-se num grupo hegenico, que representa
uma classe, em relação a um projeto educacional para o país. (PERONI; CAETANO; ARELARO, 2019, p.
44 e 45).
8
Em seu texto, Zanardi (2008) traz reflexões acerca dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que embora
não se definia como currículo, foi utilizado com esse pretexto.
9
A contrarreforma do Estado, ocorre no peodo pós-1990. Tal movimento se origina em reposta aos
retrocessos que ocorreram em virtude da Reforma do Estado idealizada por Bresser Pereira (1998).
(BEHRING; BOSCHETTI, 2011).
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em relação a si mesmo, aos outros e ao planeta; a constrão do autoconhecimento e
autocuidado; o desenvolvimento da empatia e a cooperação; e o desenvolvimento da
autonomia, responsabilidade e cidadania (BRASIL, 2017).
Dourado e Siqueira (2019) destacam que a adoção da pedagogia das competências na
BNCC consolida o modelo de gestão empresarial, ao transferir a responsabilidade para
o indivíduo em relação aos processos de aprendizagem e de apropriação do
conhecimento.
Peroni, Caetano e Arelaro (2019), enfatizam que na descrição das competências está
explicitamente a orientação para o desenvolvimento de competências socioemocionais,
do empreendedorismo, da educação financeira e da meritocracia. Além disso, a BNCC
traz apontamentos explícitos sobre a organização de um projeto de vida pelos
estudantes. Ao dialogar sobre a transição do ensino fundamental para o ensino médio,
o documento destaca que a:
[...] escola pode contribuir para o delineamento do projeto de vida dos estudantes, ao
estabelecer uma articulação não somente com os anseios desses jovens em relação ao seu
futuro, como também com a continuidade dos estudos no Ensino Médio (BRASIL, 2018, p.
62, grifo nosso).
O ponto destacado retrata a ambiguidade da BNCC, uma vez que traz a continuidade
dos estudos como uma segunda opção ao projeto de vida. Esse fato, retira o foco da
obrigatoriedade da educação básica, pois pode induzir a continuidade ou não dos
estudantes. Ao trabalhar o empreendedorismo como possibilidade de sonhar e a criação
de projetos de vida que o necessitam de educação, o Estado acaba por se onerar
dessa responsabilidade. Ao estabelecer um projeto de vida, os estudantes assumem os
riscos por conta própria, adotando posturas resilientes em relação ao fracasso do
mesmo.
Nesta visão, fica explícito a retomada de proposições da Teoria do Capital Humano,
formulada na década de 1950, pós-segunda guerra mundial, por Theodore Willian
Schultz (1902-1998) com Gary Becker (1930-2014), no qual apregoa-se uma visão
neoclássica colocando a educação como centro da formação humana, sob a premissa
ideológica de que homens devidamente capacitados, ampliam a produtividade e riqueza,
por meio do domínio tecnológico como sinônimo de competência, uma noção
neoclássica de produtividade marginal do trabalho (PIRES, 2005). Portanto, nesta teoria
o homem é considerado como capaz de determinar o seu futuro, escolher e planejar as
ações para alcaar o sucesso na vida e ascensão social, livre das pressões internas do
sistema produtivo. Para o teórico do Capital Humano, a educão é [...]uma das fontes
principais do crescimento econômico depois de ajustar-se as diferenças nas
capacidades inatas e características associadas que afetam os rendimentos,
independentemente da educação” (SCHULTZ, 1973, 58)
Em relação ao empreendedorismo, a versão final da BNCC (Educação Básica
Educão Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), o apresenta como uma das
finalidades do ensino médio, conforme se pode observar
proporcionar uma cultura favovel ao desenvolvimento de atitudes, capacidades e valores
que promovam o empreendedorismo (criatividade, inovação, organização, planejamento,
responsabilidade, liderança, colaboração, visão de futuro, assunção de riscos, resiliência e
curiosidade científica, entre outros), entendido como competência essencial ao
desenvolvimento pessoal, à cidadania ativa, à inclusão social e à empregabilidade; e
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prever o suporte aos jovens para que reconheçam suas potencialidades e vocações,
identifiquem perspectivas e possibilidades, construam aspirações e metas de formação e
inserção profissional presentes e/ou futuras, e desenvolvam uma postura empreendedora,
ética e responvel para transitar no mundo do trabalho e na sociedade em geral (BRASIL,
2018, p. 466).
Ao estabelecer o desenvolvimento de atitudes e posturas empreendedoras, a BNCC
(BRASIL, 2018) busca formar jovens que construam aspirações (sonhos) em busca de
melhores empregos, que percebam riscos e que sejam resilientes em relação a
empregabilidade. Novamente, estes fatos evidenciam a ideia de liberdade, difundida por
Locke e por Smith nos princípios do liberalismo.
Nas palavras de Shiroma e Zanardini (2019, p. 127), as alterações no currículo (BNCC)
são ocasionadas, por meio dos organismos multilaterais, no sentido de possibilitar uma
formação para o trabalho e para o desemprego, como forma de fomentar o
empreendorismo, a criatividade, a inovação e a proatividade, atitudes consideras
essenciais para o momento atual.
Além disso, o empreendedorismo é parte constituinte dos itinerários formativos, isto é, se
apresenta como possibilidade real na construção e desenvolvimento do projeto de vida
dos indivíduos. Vale ressaltar que em todos os momentos, a BNCC (BRASIL, 2018)
apresenta o empreendedorismo como forma de agir consciente e autônoma, na vida do
indivíduo e no mundo do trabalho. Conforme o documento
Há hoje mais espaço para o empreendedorismo individual, em todas as classes sociais, e
cresce a importância da educação financeira e da compreeno do sistema monetário
contemporâneo nacional e mundial, imprescindíveis para uma inseão crítica e consciente
no mundo atual (BRASIL, 2018, p. 568).
Na prerrogativa da BNCC (BRASIL, 2018), tal justificativa se sustenta em virtude das
atuais transformações na sociedade. Na velocidade em que as transformações vêm
ocorrendo, se torna visível a necessidade de mudanças na participação dos indivíduos
nos setores de produção, na diversidade das relações de trabalho, na taxa de emprego
e desemprego, no aumento da riqueza global, e do empobrecimento local.
Embora a BNCC (BRASIL, 2018), tenha por proposta esse tipo de reflexão, seus
pressupostos curriculares a partir das categorias competências, atitudes e
empreendedorismo se pautam na lógica do neoliberalismo, no qual atribui ao indivíduo
o ônus de se responsabilizar pela realização de seus sonhos, seu projeto de vida, pela
manuteão de seu sustento, resiliência, controle socioemocional e pela sua
sobrevivência. Enquanto isso, o capitalismo fica com o bônus da força de trabalho de
indivíduos que são ensinados subversivamente de que não outra opção, senão a de que
o trabalho enobrece o homem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É perceptível que o neoliberalismo por meio da globalização tem avançado cada vez
mais nas políticas sociais e, dentre elas, nas políticas educacionais. Organismos e
instituições multilaterais (ONU, UNESCO, BIRD, FMI), verificando que algumas políticas
adotadas priorizavam somente a reestruturação física, alteram o foco de seus trabalhos,
nomeadamente desde a década de 1990, induzindo o estabelecimento de políticas que
reduzissem a pobreza nos países de terceiro mundo. Dentre as mudanças adotadas
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pelos organismos multilaterais, encontram-se as propostas de políticas educacionais,
que neste contexto, passam a ser o foco de todo a formação para o trabalho.
Contudo, ao orientar a definição de políticas educacionais, o neoliberalismo recomenda
a formão de indivíduos para atuarem no mercado de trabalho e omissos as questões
sociais. Esta recomendação, esboça o perfil desejado para a educação, isto é, uma
educação que forneça conhecimentos aos indivíduos para operarem a maquinaria do
sistema capitalista e que corroborem com os interesses do capital (MÉSZÁROS, 2008).
Na perspectiva de um reordenamento educacional proposto pelo neoliberalismo, a
liberdade de escolha, por meio do empreendedorismo, visa garantir aos indivíduos a
possibilidade de sonhar e de galgar meios para a concretização dos mesmos. Essa
prerrogativa, mostra claramente que ao permitir essa liberdade, o Estado se afasta cada
vez mais de sua obrigação para com o indivíduo, atribuindo a este qualquer tipo de sorte.
Dentre as políticas adotadas para a efetivação de seu ideário, o neoliberalismo passa a
orientar, ou melhor dizendo, definir políticas curriculares como a BNCC que foi aprovada
em 2017 (Educação Infantil e Ensino Fundamental) e em 2018 (Ensino Médio). Sua
aprovão da forma como ocorreu, restringe a maciça participação e colaboração de
educadores e pesquisadores brasileiros, e supervaloriza a contribuição dos organismos
e instituições multilaterais, que tem por premissa responder as vontades do capital.
Ao estabelecer o domínio ideológico, o neoliberalismo o faz com ferramentas sutis, por
meio da criação de novas oportunidades, indo de encontro com os anseios pessoais, de
forma imperceptível na maioria das vezes. A BNCC, ao adotar esse discurso, coaduna-
se com o desenvolvimento de atitudes e concepções empreendedoras, no qual aglutina-
se os indivíduos a serem escolarizados. Espera-se, contudo, que por meio de uma
educação emancipatória, seja possível o real entendimento das intenções capitalistas.
Que essa educação não se demore!
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Data da submissão: 17/07/2022
Data da aprovação: 28/09/2022