Trabalho & Educação | v.31 | n.3 | p.130-145 | set-dez | 2022 |135|
Vale destacar que o salto ontológico, segundo Maceno (2017), não pode ser
tomado como um processo gradativo que segue uma contínua progressividade,
e muito menos como uma nova esfera de ser que surge pronta e acabada, pois,
nas palavras do próprio Lukács (2018, p. 11), “todo salto signica uma mudança
qualitativa e estrutural do ser”, em que a fase inicial contém determinadas condições
e possibilidades das fases sucessivas e superiores. Destarte, a essência do salto
ontológico seria a ruptura com a continuidade normal do desenvolvimento, e não o
nascimento súbito de uma nova esfera de ser.
Corroboramos, junto a Lukács (2018), a existência de três níveis de ser. A esfera
inorgânica, que seria a dos minerais, dos elementos químicos, em que não se
pressupõe qualquer ser biológico ou social, tornando-se a base da esfera posterior. A
esfera orgânica seria a evolução a partir da anterior, e teria surgido de determinadas
interações destes elementos químicos que estão presentes na esfera inorgânica. Na
esfera orgânica havia reprodução, que teria concebido os primeiros seres unicelulares,
estes evoluindo constantemente, viabilizaram a formação de um ser mais complexo.
Qualquer possibilidade de desenvolvimento decorre da evolução, da adaptação de
uma espécie animal. Para Maceno (2017), este novo ser é caracterizado por categorias
novas e heterogêneas, que não se encontravam na esfera de ser existente até o
momento. Vale destacar que a formação de uma nova categoria de ser não elimina ou
extingue a anterior, pois a esfera inorgânica permanece no interior da orgânica.
O terceiro nível de ser, de acordo com a Ontologia de Lukács (2018), corresponde
ao ser social. O salto ontológico que permite a evolução da esfera orgânica se dá
por meio do trabalho, e este seria o principal fator responsável pelo surgimento
deste nível de ser: “aqui, existe um salto que não mais tem lugar no interior da esfera
do orgânico, mas que, por princípio, signica um qualitativo, ontológico, ir para além
dela” (LUKÁCS, 2018, p. 11). A reprodução e produção da sua existência acontece a
partir da sua intervenção, da sua consciência na natureza. Sendo assim, o trabalho
pertence exclusivamente ao gênero humano, e tem sua essência ontológica em
caráter de transição, o ser social forma-se mediante o trabalho. Segundo Lukács
(2018, p. 17), “o mais elevado patamar de ser por nós conhecido é o ser social”.
Ademais, ressaltamos que o trabalho funda o ser social, mas não o esgota, isto é,
há outras mediações. Marx (1983) explica:
Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em
que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a
Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe
em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas,
cabeça e mão, a m de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria
vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modica-
la, ele modica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela
adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio (MARX, 1983. p. 149).
Lukács (2018) nos explica ainda que o trabalho é a categoria fundante porque mesmo
que a gênese do ser humano coincida no tempo e no espaço com a gênese biológica
do homo sapiens, apenas o trabalho medeia a relação posta entre o ser vivo e a
natureza, munindo-lhe da capacidade de produzir permanente e incessantemente o
novo. Ou seja, é fundante não porque é cronologicamente anterior, mas sim porque
faz parte do complexo do ser social mais simples que tenha surgido. Todos os outros
complexos sociais estabelecem relações entre o gênero humano, mas somente o
trabalho relaciona indissociavelmente ser e natureza, determinando uma mediação
entre as esferas que constituem o ser social.