INTRODUÇÃO
Nada parece mais natural hoje que a defesa dos direitos humanos, bem como da
cidadania. Conjugado a esses conceitos, também aparece a noção de justiça, a qual,
principalmente a partir da influência de John Rawls (2000), acabou por fazer parte do
vocabulário das posições reflexivas sobre a atualidade. Principalmente, entre aqueles
envolvidos nas áreas do Direito e da ciência política, a concepção de justiça ganhou
muita força. Isso se deu, inclusive, com um debate com o marxismo. (Cf. COHEN, 2008)
Ao tratar das teorias da justiça depois de Rawls, isso fica claro, por exemplo, em
Gargarella (2008). O autor, em diálogo com os “marxistas analíticos” (como Cohen e
Elster), acaba por aceitar uma noção implícita de justiça em Marx dizendo sobre essa
linhagem de marxismo que “todos eles reformularam a relação entre marxismo e justiça.”
(GARGARELLA, 2008, p. 113) Outros autores, de certo modo, menos cuidadosos e
menos rigorosos ao tratar da obra de Marx, vêm a dizer que, já em Marx, há
indubitavelmente um posicionamento quanto à justiça, por exemplo, na medida em que
Marx discordaria de autores com Pareto e de Mill, já que eles trariam consigo certa “falta
de legitimidade” e “essa falta de legitimidade decorre da injustiça básica do status quo da
ordem social que eles protegem.” (SHAPIRO, 2006, p. 91) Ou seja, ao se levantar a
temática da justiça, não é raro que se passe por um embate com Marx e com o
marxismo.
Geralmente, esse embate não é dos mais amistosos. De qualquer modo, acaba-se
colocando na posição central “ideias que animam a vida cívica – justiça e direitos,
obrigações e consenso, honra e virtude, moral e lei.” (SANDEL, 2014, p. 39) Ou seja,
desenvolve-se toda uma teorização que traz os conceitos mencionados e acaba por
subordinar os autores tratados à problematização relativa à cidadania, aos direitos
humanos, bem como à noção de justiça, todas, bastante valorizadas.
Gargarella, nesse sentido, diz com certa razão sobre autores como Gerald Cohen que
eles “reformularam a relação entre marxismo e justiça.” (GARGARELLA, 2008, p. 113)
Isso se daria com uma influência do próprio Marx, embora os próprios “marxistas
analíticos” admitam que dialogam com o mencionado Rawls. Assim, em verdade, pode-
se dizer que eles trazem as temáticas centrais de suas teorias de modo distinto do que
ocorreu no autor de O capital. Cohen diz que, para Marx, “somente o capitalismo e,
portanto, somente uma sociedade injusta, pode desenvolver as forças produtivas em um
alto nível.” (COHEN, 2008, p. 176) Ou seja, a concepção de justiça seria, de certo modo,
bastante importante para Marx e o marxismo, segundo a leitura de Cohen. No limite,
inclusive, ter-se-ia a necessidade da justiça para que se superasse o modo de produção
capitalista, já que, de acordo com o autor, “socialismo é a aspiração para estender a
comunidade e a justiça para toda nossa vida econômica.” (COHEN, 2009, pp. 80-81)
Aquilo que apareceria como algo de implícito (Cf. COHEN, 2008) acaba por ser
operacionalizado como um conceito central, e dos mais importantes. E, novamente,
percebe-se que o debate sobre a justiça se mostra essencial para tais pensadores.
Outros autores, porém, procuram se apegar mais ao texto do próprio Marx do que
aqueles mencionados acima, que subordinam a leitura do autor de O capital à certas
problemáticas que não estão presentes no próprio pensador da mesma maneira. É o
caso, por exemplo, de Alan Norrie, que, a partir do realismo crítico de Baskar, acaba por
tentar se colocar contra o texto de Marx, já que haveria certo déficit normativo no autor