|88| Trabalho & Educação | v.31 | n.3 | p.79-95 | set-dez | 2022
nos canteiros, outras formas de ampliarem seus ganhos. Para a empresa possuir
trabalhadores que moram no canteiro durante a obra torna-se vantajoso em vários
aspectos, o que vai muito além da função de vigilância. Para os trabalhadores, a
moradia passa a ser uma extensão do trabalho. Por ali permanecerem, continuam
a produzir, mesmo nos horários de folga e nos nais de semana, motivados sempre
pelo ganho por produtividade das empreitadas. Uma das oportunidades acaba
por ser oferecida pelos proprietários, os quais comumente realizam modicações
na planta original. Tal fato gera sempre expectativas que veem, neste contexto,
uma possibilidade de trabalho “por fora”. Nestas atividades, o prossional, com
vínculo formal ou não com a empresa, acaba contratado informalmente, com
uma remuneração de 30 a 40% superior à paga pela Construtora. Esses serviços
são realizados nos términos das jornadas, nos nais de semana, nos feriados ou
mesmo durante a jornada regular, uma vez que são oferecidos normalmente aos
prossionais contratados por produtividade e, portanto, sem vínculos rígidos em
relação a horários. Na maioria dos casos, o engenheiro-proprietário faz a indicação
do prossional, favorecendo alguns em detrimento de outros. Tais indicações são
sempre muito desejadas pelos trabalhadores, embora dependam, muitas vezes, do
tipo de vínculo estabelecido com a chea, ou seja, a indicação é considerada um
“favor” concedido pelo engenheiro, o que produz relações de distinção em relação
aos que são pouco frequentemente escolhidos.
O pagamento “por fora” também é uma prática comum entre os trabalhadores que
possuem contrato por produtividade e seus ajudantes, sobretudo entre os pedreiros
de alvenaria e de reboco. Estes prossionais, para conseguirem aumentar realmente
seus rendimentos, precisam executar os serviços em um ritmo acelerado, muitas
vezes ultrapassando os horários estabelecidos, estendendo-se, por vezes, até a
noite. No entanto, os ajudantes destes prossionais, claro, não possuem o mesmo
tipo de contrato. Eles são todos registrados na empresa e, ao se vincularem a estes
prossionais, seu ritmo de trabalho passa a ser bem mais elevado do que os dos
ajudantes dos prossionais registrados. Tal fato poderia desmotivar os auxiliares, uma
vez que a empresa não oferece nenhum tipo de benefício a eles, no entanto, visando
a angariar esses indivíduos, os trabalhadores de ofício sempre pagam certa quantia
no nal da semana, como uma forma de incentivo, ou seja, assumem um papel que
seria de responsabilidade da empresa. Tais pagamentos são feitos de forma velada
e em lugares reservados, discretamente. Como armam os próprios trabalhadores,
a chea “faz vista grossa” diante de tal situação, uma vez que ela gera eciência na
obra, o que é interessante para a empresa. Assim, cabe aos prossionais “molharem
a mão”7, ou seja, dar uma pequena contribuição aos ajudantes, de quem se tornam
dependentes para o melhor desempenho de sua produtividade.
O “serão”8, uma prática tradicional da construção civil, talvez seja a mais vivenciada
pelos operários. Esta prática é exigida, normalmente, pelas próprias técnicas do
processo produtivo, como é o caso da etapa de fundação do prédio e, sobretudo,
durante a concretagem das lajes, em que se torna necessária a não interrupção do
processo. O “serão” provoca nos trabalhadores, em sua maioria serventes, uma
mistura de atração pelos ganhos da hora extra e uma rejeição devido ao desgaste e
7 Morice (1992) observa, para o caso dos trabalhadores da construção civil de João Pessoa, a mesma forma de
pagamento por fora. O ocial, para ser bem servido, deve oferecer certas formas de benefícios a seus ajudantes.
8 O “serão” se caracteriza por ser um trabalho fora do expediente convencional, sobretudo no período noturno.