Trabalho & Educação | v.31 | n.3 | p.48-64 | set-dez | 2022 |51|
No Brasil, a eugenia se consolidou especialmente a partir da fundação da Sociedade
Eugênica em 1918, incentivada por Renato Ferraz Kehl, que uniu mais de 140 médicos
em defesa dos princípios da eugenia. O Editorial do Boletim de Eugenia (1932, p.1)
a dene como o “estudo dos fatores que, sob controle social, possam melhorar ou
prejudicar as qualidades raciais das gerações futuras, quer física, quer mentalmente”.
Nas palavras de John Edgar (1866-1944), professor da Universidade de St. Andrews, a
eugenia era “uma ciência em busca da verdade” para, a partir do “melhor material para
o processo civilizado da educação” (EDGAR, 1929, p.2) ou como observou Renato Kehl
(1937, p. 46), a eugenia era a “ciência da proteção e da seleção das sementes humanas”,
com a nalidade de defender as boas sementes e multiplicar as ‘boas linhagens’ ”.
Tanto a Sociedade Eugênica – em eventos e por meio de publicações - quanto
o Boletim de Eugenia, foram instrumentos de propagação do método eugênico
(estudo das questões de hereditariedade), da contínua propaganda para popularizar
os princípios eugênicos (que seriam alternativas para o enobrecimento da “raça” - QI
alto, classe econômica alta, caucasiano) e promoção do interesse popular para a
adoção das práticas de eugenia e higiene, contra a reprodução dos degenerados.
Para tal empreitada, consideraram necessário impedir a reprodução entre indivíduos
anormais (eugenia negativa), valorizar a nobreza de origem, promover uniões de
indivíduos eugenizados (eugenia positiva), manter scalização das mutações e
variações hereditárias e, progressivamente, melhorar as condições do meio social e
da educação (KEHL, 1930, p. 305). Por isso, a eugenia requeria um campo de atuação
prática, nominada por Kehl (1929b, p. 2) de “eugenismo”, a qual tinha o dever de colocar
em prática os princípios da eugenia, rumo a conquistar um “novo patriotismo”, onde o
elemento “raça” seria impulsionado com orgulho e cidadania. Para atender o propósito
da eugenia, ele propunha que o eugenismo provocaria desdobramentos na educação,
no saneamento, na higiene, no esporte e na legislação, via intervenção do Estado.
A regulamentação do casamento eugênico e propaganda contra os fatores sociais de
degeneração, bem como o incentivo a puericultura e a propagação do entendimento
da responsabilidade sob a propagação da espécie, foram fatores promovidos por
eugenistas, que também se colocavam como preocupados quanto ao aumento da
natalidade das classes inferiores, quando comparada à natalidade das classes altas,
evidenciando, o utilitarismo econômico presente no ideário.
Em toda parte e em todos os tempos, existe uma minoria selecionada, amparando uma
grande plêiade improdutiva e atrasada.
No Brasil é difícil calcular a percentagem correspondente a um e a outro lado, podendo-
se, entretanto, admitir que cada brasileiro útil carrega com o peso morto de vinte ou mais
parasitas, tendo em conta a nossa produção econômica, comparada com a de Cuba, por
exemplo, que com pouco mais de 3 milhões de habitantes exporta algumas vezes mais
do que o Brasil, que conta com cerca de 40 milhões de indivíduos.
E esses parasitas continuam a procriar desabaladamente, em contraste com a
diminuta progressão natal das classes verdadeiramente produtoras e úteis do país. (...)
Precisamos de gente, - mas gente boa, eugenicamente boa (KEHL, 1929c, p.1).
De acordo com Kehl (1929c, p. 1), a “diminuição paulatina do contingente dos fracos,
doentes e degenerados, - concorrendo, desse modo, para a constituição de uma
sociedade mais sã, mais moralizada”, uma humanidade “composta de indivíduos
fortes e belos, elementos de paz e de trabalho” era o trabalho a ser realizado. Devemos
considerar que o fundamento da eugenia se revela como uma prática ideológica em
prol do progresso, que atribui às problemáticas sociais um caráter biológico.