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Trabalho & Educação | v.28 | n.1 | p.43-58 | jan-abr | 2019
Nesse sentido, a ideia de um princípio educativo do trabalho se encontra
imbricada com a faculdade humana de obter os meios para a sua
sobrevivência, independente de sua forma social. Interessante ressaltar que
essa dimensão ontológica do trabalho não desaparece nem mesmo em
processos de trabalho com forte presença científica. As pesquisas, como
veremos, dão conta de que a independência do capital ao trabalho não
corresponde ao que ocorre concretamente no chão de fábrica (ANTUNES,
2001; SALERNO, 1994; SANTOS, 2004; 2010).
As reflexões sobre o princípio educativo do trabalho vêm recebendo
contribuições da noção ergonômica de "trabalho prescrito” e “trabalho real"
(DANIELLOU; LAVILLE; TEIGER, 1989; SANTOS 1997; 2000; OLIVEIRA,
2002; WISNER, 1987). De acordo com Santos (2000), trabalho prescrito tem
um caráter indicativo, podendo ser a definição prévia da maneira como o
trabalhador deve executar o trabalho: o modo de usar os meios de produção,
isto é, os equipamentos, os instrumentos e/ou as ferramentas, bem como o
ordenamento das tarefas, ou como fazer e as regras que devem ser
respeitadas. Segundo Oliveira, "(...) O trabalho pode ser prescrito verbalmente
ou por escrito, por exemplo. Aliás, na maioria das organizações de pequeno e
médio porte a prescrição é essencialmente oral" (2002, p. 350).
Para oliveira (2002): “o trabalho real pode ser definido como o que realmente
ocorre” (p. 350). O trabalho real se remete às condições necessárias em que
se realiza uma parte do trabalho e sempre escapa à prescrição
(OLIVEIRA,
2002; SANTOS, 2000). Para alguns pesquisadores, a realização do trabalho
real só se torna possível pela intervenção do saber tácito
do trabalhador
(ARANHA, 1997, SALERNO, 1994; SANTOS, 1997; SANTOS, 2004; 2010).
A dimensão ontológica do trabalho fica evidente nas várias situações em que
os trabalhadores mobilizam seus saberes. Podendo fazê-lo, inclusive, por
motivos variados e combinados como, por exemplo, para realizar um trabalho
mais seguro, mais bonito, para fugir da vigilância da chefia para superar o
imponderável como os desgastes da maquinaria, a variação da temperatura
ambiente durante o dia, a variabilidade das características físicas da matéria
prima, dentre outros fatores. É certo que, em boa medida, a mobilização de
saberes é sempre um ato de coragem e de afirmação de subjetividade, não
raro, se apoia nos saberes de um coletivo e, também, podem ter contribuições
de saberes escolares. Vejamos alguns casos de saberes produzidos,
mobilizados e formalizados por trabalhadores do ramo metalúrgico.
É pela distinção entre trabalho prescrito e trabalho real que ergonomistas distinguem a atividade da tarefa, a tarefa é aquilo que é da
ordem da prescrição e a atividade corresponde ao que de fato é feito, da ordem do trabalho real, ou seja, não se prescreve a atividade,
essa é sempre uma ação do sujeito (DANIELLOU, F; LAVILLE, A; TEIGER, 1989; WISNER, 1987).
Ao fazermos uma opção pelo uso da expressão “saber tácito” e não “conhecimento tácito”, acatamos a distinção de alguns
pesquisadores, entendendo que conhecimento está próximo da ordem do formalizado, de acordo com Lima e Silva (1998). Já o termo
“saber” pode responder a saberes não-formalizados e, também, se articular com a ideia de “fazer”, ou como entendemos, saberes não
formalizados pelos padrões da ciência. De acordo com o dicionário Ferreira (1986), o saber é: “[Do latim sapere, ter gosto]. Ter
conhecimento, ciência, informação ou notícia (...) ter conhecimento técnicos e especiais relativos a, ou próprios para (...) Estar convencido
de, ter a certeza de (...) Ter capacidade (...) julgar, considerar (...) experiência, prática” (p. 1530). Neste mesmo dicionário (...), a definição de
tácito é: “[Do latim Tacitu] silencioso, calado (...) Em que não há rumor (...) que não se exprime por palavras; subentendido; implícito (...)
Oculto, secreto”. No dicionário da educação profissional (Santos, 2000) o saber tácito é apresentado como sinônimo de conhecimento
tácito, “(...) é o conhecimento que a pessoa tem, mas do qual não está ciente de modo consciente. É resultante da experiência, da história
individual ou coletiva dos indivíduos (...)” (p. 67).