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DOI: https://doi.org/10.35699/2238-037X.2019.9825
PANORAMA GLOBAL SOBRE BURNOUT EM PROFESSORES DE
EDUCAÇÃO FÍSICA
Global overview of Burnout in teachers of physical education
PEREIRA, Erika Cristina de Carvalho Silva
1
FREITAS, Rorio Gonçalves de
2
RESUMO
Nos últimos anos, a ndrome de Burnout tem se alastrado quase que como uma epidemia em
professores em todo o mundo. Expectativas e realizões no trabalho chocam-se com a realidade e
produzem frustrações. Este elaborado teve como objetivo investigar os elementos causais e efeitos do
Burnout em professores de Educação Física a partir das prevalências dessa ndrome em estudos
realizados no Brasil e em alguns países do mundo. Am disso, relacionou o avanço da ndrome com
o fenômeno de precarizão do trabalho global. A análise dos dados teve como base o Materialismo
Histórico dialético. A pesquisa foi de natureza bibliográfica, com abordagem qualitativa sobre os dados
obtidos. Concluiu que a precarizão do trabalho docente está em todo lugar e que a ndrome de
Burnout em professores de Educação sica apresenta similitudes entre professores dessa disciplina
em todo o mundo.
Palavras-chave: Trabalho docente. Burnout. Educação Física.
ABSTRACT
In recent years, Burnout syndrome has spread almost as an epidemic in teachers around the world.
Expectations and achievements at work collide with reality and produce frustration. This article had as
objective to investigate the causal elements and effects of Burnout in Physical Education teachers from
the prevalence of this syndrome in studies conducted in Brazil and in some countries of the world. In
addition, he related the progression of the syndrome to the phenomenon of precariousness of global
work. Data analysis was based on Dialectical Historical Materialism. The research was of bibliographic
nature, with a qualitative approach on the obtained data. It concluded that the precariousness of teaching
work is everywhere and that Burnout syndrome in Physical Education teachers presents similarities
among teachers of this discipline throughout the world.
Keywords: Teaching work. Burnout. Physical Education.
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Pará (UFPA). Licenciada em Educação Física
pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: erika7carvalho@gmail.com
2
Doutor em Sociologia pela Università degli studi di Napoli Federico II- Itália (2015). Mestre em sociologia pela Universidade Federal do
Pará (2010). Licenciado em Educação Física pela Universidade do Estado do Pará (2007). Professor colaborador do Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: rogeriogf@ufpa.br
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1. INTRODUÇÃO
Marca de projétil, ceratose acnica e depressão são fotografias representativas do
quotidiano de alguns professores doentes de Educação Física no município de Belém
do Pará, relatadas em um trabalho sobre as condições de vida e saúde de professores
(FREITAS, 2010). A marca de projétil deformou a pele de uma professora que, ao fugir
do assaltante, foi atingida no ombro. O projétil ficou alojado em seu corpo e, mesmo com
dor intensa, não conseguiu licença-saúde.
A ceratose actínica manchou o corpo de um professor que, de sombrinha, ministrava
aula nomemorável e aterrorizante horário da fome: o intermediário. A ceratose evoluiu
e, após diagnóstico, foi constatado câncer de pele. Desespero e exaustão expressaram
a depressão de outra professora. Na busca por alternativas de cura da depressão,
confrontava-se com cenários crescentes de violência na cidade de Belém-PA.
Do outro lado do atlântico, na Inglaterra país de economia avançada , foram relatados,
recentemente, motivos pelos quais tantos professores desistem da profissão ou ficam
doentes com o estresse no trabalho (TAPPER, 2018). Dicil encontrar um professor que
não conheceu um colega que deixou a profissão, aposentou-se cedo ou desistiu do
trabalho por causa de algum problema de saúde. Acrescenta o autor que 40 mil
professores ingleses abandonaram a profissão no ano de 2016. O déficit de professores
chegou a 30 mil no país. Salas mais cheias e maior precarizão do trabalho para os
que ficam são algumas das consequências (TAPPER, 2018).
É crescente o número de professores apavorados com a espada de Dâmocles
apontada para suas cabeças. Ataques de choro, perda de memória e aumento no uso
de antidepressivos são comuns, afirma a Education Support Partnership (ESP),
instituição de auxílio à sde mental atuante na Inglaterra e no País de Gales. A
instituição afirmou que, nos últimos 12 meses, o número de professores que procuram
ajuda cresceu 35%, sendo registrados 8.668 casos (TAPPER, 2018).
Esses eventos com docentes envolvidos têm conexão com aquilo que Kim, Youngs e
Frank (2017) atualmente vêm chamando de manifestação epidêmica social contagiosa:
Burnout. O termo é de origem inglesa (Burn = queimar; Out = fora) e designa algo que
deixou de funcionar por exaustão de energia (PÊGO, F.; PÊGO, D., 2016; PIRES;
MONTEIRO; ALENCAR, 2012; BRASIL, 2001; SILVA, 2006). É desistência, fenômeno
real, que com o passar do tempo vai avançando e corroendo os ânimos do trabalhador.
O fogo vai se apagando devagar (SANTINI, 2004).
No Brasil, o Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde (BRASIL, 2001), que
descreve as doenças relacionadas ao trabalho, na seção sobre Transtornos Mentais e
do Comportamento Relacionados ao Trabalho (Grupo V da CID-10), utiliza-se da
expressão Síndrome do Esgotamento Profissional ou Sensação de Estar Acabado com
o mesmo significado de Burnout. No entanto, em muitos estudos, o termo Burnout é
mantido por não haver uma palavra em português que sintetize adequadamente o
conceito dessa síndrome (SANTINI, 2004, p, 191). Portanto, neste trabalho, utilizar-se-
á o termo ndrome de Burnout ou apenas Burnout.
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O presente estudo indagou quais são os elementos causais do Burnout em professores
de Educação Física a partir de análise comparativa entre a produção do tema no Brasil
e no exterior. Teve como objetivo compreender melhor o crescente abandono da
profissão docente. Justificou-se ao apresentar no campo da Educação Física uma
preocupação que se tornou de ordem global: a desistência profissional docente por
motivos de adoecimento.
2. METODOLOGIA
O percurso metodológico escolhido para a elaborão e o desenvolvimento deste
estudo, baseou-se em pesquisa bibliográfica. Reuniram-se produções acadêmicas
sobre Burnout em docentes de Educação Física no âmbito nacional e internacional.
Realizou-se busca eletrônica nas bases de dados do Portal de Periódicos da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), da Scientific
Eletronic Library Online (SCIELO) e do Google Scholar. Utilizou-se o cruzamento dos
seguintes descritores: Burnout x Professores de Educação Física, Síndrome do
Esgotamento Profissional x Professores de Educação Física, Burnout x Physical
Education Teachers.
Como critério de refinamento e inclusão, foram selecionados apenas artigos que
estivessem disponíveis na íntegra, gratuitamente, em inglês, portugs ou espanhol, e
que tratassem do Burnout em professores de Educação Física especificamente no
contexto de atuação na Educação Básica. Foram excldos artigos não disponíveis na
íntegra e/ou que tratavam do Burnout em professores de Educão Física em outros
contextos de trabalho, tais como academias, clubes esportivos, hospitais, autônomos ou
que o explicitaram a área de atuão dos docentes.
Este artigo foi dividido em quatro seções. Na primeira, o conceito e as características da
Síndrome de Burnout. Na segunda, o Burnout como fenômeno em expansão em
professores de Educação Física no Brasil. Na terceira, a manifestação de Burnout no
contexto internacional. E, na quarta são, a relação dos estudos globais e nacionais
com o fenômeno geral causal da precarização global do trabalho.
3. DISCUSSÃO E RESULTADOS
3.1 BURNOUT: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
A partir das buscas com os descritores nas bases de dados e as a aplicação dos
cririos de refinamento e inclusão, foram encontrados 25 artigos, sendo que 16 deles
são de origem internacional, e oito são nacionais. Benevides-Pereira (2003) aponta que,
apesar de os estudos sobre Burnout terem começado no final da década de 60 com
Bradley, os conceitos e as características da síndrome só foram consolidados nas
décadas de 70 e 80, nos Estados Unidos, a partir das pesquisas do psiquiatra
Freudenberguer, e no icio dos anos 80 com a psicóloga social Christina Maslach.
No Brasil, o primeiro trabalho foi divulgado apenas em 1987, publicado na Revista
Brasileira de Medicina. Foi na década de 90 que as primeiras teses e outras publicões
começaram a aparecer (BENEVIDES-PEREIRA, 2003).
A primeira pesquisa de campo realizada sobre Burnout especificamente com
professores de Educação Física no Brasil pode ser atribuída a Joarez Santini e Vicente
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Molina Neto (2005). Já na esfera internacional, não foi possível identificar com precisão
os primórdios das pesquisas sobre Burnout em professores da área.
Apesar da diversidade cultural e geográfica da origem dos trabalhos analisados, há um
consenso geral a respeito do conceito e das características do Burnout. A maioria dos
autores conceitua a Síndrome de Burnout a partir dos estudos de Christina Maslach e
seus colaboradores (MASLACH; JACKSON, 1981; MASLACH; SHAUFELI; LEITER,
2001), que consideram a síndrome como uma resposta ao estresse emocional crônico
e interpessoal no ambiente laboral.
A síndrome de Burnout é caraterizada, segundo esses autores, como exaustão
emocional, despersonalização e redão da realização pessoal, principalmente em
profissionais que trabalham diretamente com pessoas, como professores, médicos,
enfermeiros, psicólogos e bombeiros.
A exaustão emocional é descrita como um sentimento de estar emocionalmente
exaurido e exausto pelo trabalho. Ainda em relação a essa característica, Santini e
Molina Neto (2005) e Pires, Monteiro e Alencar (2012) destacam que a exaustão
emocional é um desgaste físico e mental. Já a despersonalizão é caracterizada por
sentimentos negativos, de cinismo e de indiferença na relação com aqueles que estão
envolvidos no ambiente de trabalho.
O terceiro componente do Burnout, redão da realizão pessoal, é descrito como uma
visão negativa em relão à capacidade de realizar um trabalho e ter interações pessoais
positivas, uma sensação de não ser bem-sucedido e de ser menos competente
(YILDIRIM, 2015; HA; KING; NAEGER, 2011; BOTH; NASCIMENTO, 2010; SÁNCHEZ-
OLIVA et al., 2014; SANTINI; MOLINA NETO, 2005; SALGADO; SALLES; ALVES,
2012; VALÉRIO; AMORIM; MOSER, 2009).
Maslach e Jackson (1981) desenvolveram um instrumento para avaliar as dimensões do
Burnout: Maslach Burnout Inventory MBI. O inventário foi utilizado na maioria das
pesquisas analisadas neste trabalho e teve como objetivo verificar a prevalência do
Burnout e o desenvolvimento de suas dimensões. O MBI foi adaptado e traduzido para
os diversos países onde estudos foram realizados. Além desse, outros questionários
foram utilizados para estabelecer correlações causais entre o Burnout e outras variáveis,
como qualidade de vida, paixão pelo trabalho, autoeficácia, satisfação, personalidade e
motivão.
Apesar de apontar a prevalência das três dimensões do Burnout, nota-se que o MBI o
é capaz de dizer em que situações os professores manifestam com maior intensidade
os elementos da síndrome e quais tipos de fatores estressores mais levam ao
esgotamento e à frustração em relação ao trabalho. Além disso, pode ser dicil para o
professor assumir seu posicionamento diante do estresse no trabalho ao responder
algumas das questões do MBI da seguinte maneira: creio que trato alguns alunos como
se fossem objetos impessoais ou não me preocupo com o que ocorre com alguns
alunos, uma vez que não são atitudes esperadas de um professor.
Por isso, uma das tarefas mais diceis é definir uma razão específica para o
desenvolvimento do Burnout nos professores de Educação Física, uma vez que
imeros elementos podem ser considerados como estressores para que a ela ocorra.
Para melhor compreensão, optou-se por classificar, neste trabalho, os fatores que
influenciam o desenvolvimento do Burnout em dois principais: a) fatores intrínsecos
aqueles que são próprios do sujeito , como idade, sexo, personalidade, vel de
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formação etc. e b) fatores extrínsecos aqueles que são exteriores, determinados de
fora para dentro, como, por exemplo, as determinações políticas e econômicas que
direcionam o funcionamento da estrutura educacional nos países e que,
consequentemente, determinam condições de trabalho em que esses docentes atuam.
Diante da diversidade dos estudos analisados e para fins de comparação, destacaram-
se as similitudes entre pesquisas, assim como os elementos causais que foram
considerados relevantes para o surgimento da Síndrome de Burnout, bem como as
consequências para a vida e para o trabalho dos professores de Educação Física.
3.2 BURNOUT E OS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL
Dos oito trabalhos encontrados no Brasil, seis deles concentraram-se principalmente na
região sul do país, sendo quatro do Rio Grande do Sul, nas cidades de Porto Alegre,
Pelotas e Santa Rosa (SANTINI, 2004; SANTINI; MOLINA NETO, 2005; SINOTT et al.,
2014; BREMM; DORNELES; KRUG, 2017); um de Florianópolis, Santa Catarina
(BOTH; NASCIMENTO, 2010) e outro em Curitiba, no Estado do Paraná (VALÉRIO;
AMORIM; MOSER, 2009). Relata-se um trabalho no Rio de Janeiro (SALGADO;
SALLES; ALVES, 2012) e outro realizado em Castanhal e Bragança, na região nordeste
do Pará (PIRES; MONTEIRO; ALENCAR, 2012).
Santini (2004) realizou revisão bibliográfica com o intuito de aprofundar os estudos sobre
Burnout nos professores de Educação Física. Constatou que foram raros os trabalhos
sobre a temática e que é necessário conhecer mais a síndrome para compreender
melhor sua evolução em professores.
Salgado, Salles e Alves (2012) discutiram, em seu ensaio, as condições de trabalho dos
professores de Educação Física e algumas estratégias defensivas que são utilizadas
pelos docentes para evitar a fadiga. Concluíram que os fatores estressores não podem
ser eliminados, mas que uma nova postura da gestão escolar em relão à Educão
Física poderia ajudar na prevenção da síndrome.
A maior parte dos demais trabalhos analisados foi de pesquisas de campo que tinham
como intuito principal verificar as dimensões e a prevalência do Burnout nos professores
de Educão Física (tabela 01), relacionando a síndrome a variáveis diversas, como
sexo, idade, estado civil, qualidade de vida, estilo de vida etc.
TABELA 1- Prevalência das dimensões do Burnout nos professores de Educação Física nas diferentes pesquisas do
Brasil
Pesquisa
Dimensões do Burnout
Nº de
participantes
Alta
Exaustão
Emocional
Alta
Despersonalização
Baixa
Realização
Profissional
Sinott et al. (2014).
94
60,6%
22,3%
34%
Bremm, Dorneles e
Krug (2017).
9
33%
22%
56%
Pires, Monteiro e
Alencar (2012).
40
17,6%
3,6%
36,1%
Both, Nascimento
(2010).
44
16,7 %
45,2%
26,2 %
Fonte: autoria própria, 2018.
Os resultados das pesquisas nas cidades de Pelotas, no Rio Grande do Sul (SINOTT et
al., 2014), Santa Rosa-RS (BREMM; DORNELES; KRUG, 2017) e municípios da região
nordeste do Pará (PIRES; MONTEIRO; ALENCAR, 2012) evidenciaram que
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professores de Educação Física apresentam principalmente alta exaustão emocional e
baixa realizão profissional.
Entretanto, em Florianópolis, constatou-se um alto índice de despersonalização nos
docentes (BOTH; NASCIMENTO, 2010). Em Pelotas, 8,5% dos professores de
Educação Física apresentaram, concomitantemente, alta exaustão emocional, alta
despersonalização e baixa realização profissional, sinalizando a presea da síndrome.
Em Curitiba, Valério, Amorim e Moser (2009) realizaram estudo comparativo entre 87
professores de Educação Física e 99 professores de outras disciplinas. Entre os
professores de Educação Física, 10% apresentaram a síndrome, enquanto nas demais
disciplinas 29,3% sinalizavam Burnout.
No entanto, é importante notar que os professores de Educação Física que foram
diagnosticados tinham entre 5 e 10 anos de profissão; já os professores das demais
disciplinas tinham entre 10 e 20 anos de profissão. Esse dado sugere que existe uma
evolução prematura de desgaste no trabalho de professores de Educação Física em
icio de carreira.
Santini e Molina Neto (2005), por sua vez, realizaram uma pesquisa qualitativa com 15
professores de Educação Física da rede escolar municipal de Porto Alegre-RS que
entraram de licença por estresse, ansiedade e depressão entre os anos 2000 e 2002.
Através desse estudo, os autores buscaram compreender de que modo os professores
abandonavam o trabalho e quais eram os elementos mais significativos para o
desenvolvimento do Burnout.
Os autores observaram que o trabalho docente tem sido marcado por sentimentos
negativos que não apenas comprometem a qualidade do trabalho, mas que fazem
acumular reões físicas e emocionais adversas, podendo levar ao Burnout. Entre os
principais problemas relatados pelos docentes entrevistados, estão: a) formação inicial
deficitária, b) multiplicidade de papéis do professor, c) violência e insegurança na escola,
d) condições materiais precárias, e) conflitos nas relões interpessoais com colegas de
trabalho e f) desvalorizão da disciplina Educação Física no currículo da escola
(SANTINI; MOLINA NETO, 2005).
O mesmo estudo de Santini e Molina Neto (2005) mostrou uma professora entrevistada
que disse ter passado mais de seis meses separando brigas em vez de ministrar suas
aulas, além de tomar socos e pontapés durante as tentativas de apaziguamento. Outra
professora, no mesmo estudo, chorou ao pensar que tinha que ir trabalhar numa escola
a qual denominava inferno”. Ela recorreu frequentemente ao consumo de bebida
alcoólica para esquecer o estresse no trabalho.
Outro professor, ainda no mesmo estudo, queixou-se de começar o dia trabalhando no
sereno e de dar aula ao meio dia, debaixo de um sol escaldante. O desgaste vocal é um
sofrimento para muitos professores de Educão Física, pois gritar para turmas cheias
em locais abertos é bastante frequente no trabalho desses profissionais.
O desgaste generalizado desses professores no Brasil a partir do Burnout parece ter
similitudes com o do trabalho docente global. Tal fato permite questionar: a síndrome de
Burnout em professores de Educação Física tem características globais?
3.3 BURNOUT E OS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO MUNDO
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As pesquisas internacionais sobre Burnout encontradas concentraram-se principalmente
em países europeus e no continente Asiático. Destacaram-se estudos da Polônia
(BRUDNIK, 2010, 2011; CIESLINSKI; SZUM, 2014), da Grécia (TSIGILIS;
ZOURNATIZI; KOUSTELIOS, 2011; PANAGOPOULOS; ANASTASIOU; GOLONI,
2014), da Holanda (BROUWERS; TOMIC; BOLUIJT, 2011), da Espanha (CASTILLO et
al., 2017; NCHEZ-OLIVA et al., 2014), do Irã (BAI, 2014; FARSANI M.; AROUFZAD;
FARSANI F., 2012), da Índia (KUMAR LK; MANOJ, 2017), da Coreia do Sul (HÁ; KING;
NAEGER, 2011) e da Turquia (COLAKOGLU; YILMAZ, 2014, YILDIRIM, 2015; ÖLMEZ;
ÇAKMAK; KEPOĞLU, 2018). Além destes, localizou-se uma pesquisa da Austrália
(SPITTLE; KREMER; SULLIVAN, 2015).
Em relação à prevalência do Burnout nas pesquisas internacionais, dos 16 artigos, 8
apresentaram dados referentes à manifestação das dimensões da síndrome.
Evidenciou-se que professores de Educação Física, assim como no Brasil, têm sofrido
principalmente com alta exauso emocional e baixa realização pessoal. A
despersonalização, apesar de ser uma característica marcante da ndrome, ainda
apresenta os menores índices.
TABELA 2- Dimensões do Burnout nas pesquisas internacionais
Pesquisa
Dimensões do Burnout
País
Nº de
participantes
Alta Exaustão
Emocional
Alta
Despersonalização
Baixa
Realização
Profissional
Ha, King e Naeger (2011).
Coreia do
Sul
132
26,4%
13%
29,28%
Panagopoulos, Anastasiou
e Goloni (2014).
Grécia
132
26,14%
1,69%
38,61%
Spittle, Kremer e Sullivan
(2015).
Austrália
49
21%
4,7%
38,6%
Farsani, M., Aroufzad e
Farsani, F. (2012).
Irã
250
19,45%
4,73%
32,18%
Tsigilis, Zournatizi e
Koustelios (2011).
Grécia
207
17,2%
3,85%
38,8%
Brouwers, Tomic e Boluijt
(2011).
Holanda
311
16,96%
6,25%
27,96%
Ölmez, Çakmak e Kepoğlu
(2018).
Turquia
76
11,52%
4,13%
13,63%
Fonte: autoria própria, 2018.
Observa-se, na Tabela 2, que a Coreia do Sul apresenta maiores índices de exaustão
emocional e de despersonalização, o que pode estar relacionado principalmente às
características do trabalho docente nesse país. Lá, espera-se que professores de
Educação Física sejam também treinadores capazes de selecionar alunos aptos para o
treinamento esportivo de alto nível, a fim de manter o país entre os melhores do ranking
olímpico mundial.
Grécia e Austrália, no entanto, aparecem como pses com taxas mais altas de baixa
realizão profissional. Segundo Spittle, Kremer e Sullivan (2015), essa redução na
realizão pessoal pode ser um indicador de alguns desafios do ensino de Educação
Física, incluindo o seu baixo status, o isolamento sico do professor, a redução do apoio
de administradores e dos funcionários da escola, e a falta de pessoal e de recursos.
Especificamente na Grécia, pode estar relacionada a questões salariais e a baixas
perspectivas de desenvolvimento profissional (PANAGOPOULOS; ANASTASIOU;
GOLONI, 2014).
Com relão às variáveis analisadas que podem influenciar no surgimento do Burnout,
os estudos internacionais em professores de Educação Física dividiram-se basicamente
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em dois grandes grupos neste trabalho: a) aqueles que verificam dimensões do Burnout
associados a fatores intrínsecos, como idade, sexo, estado civil, nível de formação e
outras questões como autoeficácia, motivão, paixão pelo trabalho e personalidade, as
quais não tiveram estudos correspondentes no Brasil; e b) estudos que associaram a
prevalência do Burnout a elementos extrínsecos, como clima organizacional, vel de
ensino, satisfão no trabalho, demanda e condições de trabalho, por exemplo.
A começar pelo primeiro grupo de estudos, na Turquia, Colakoglu e Yilmaz (2014)
avaliaram 163 professores de Educação Física nas escolas primárias e secunrias e
observaram que as variáveis sexo, idade, estado civil e nível de formação não criaram
diferenças significativas nos níveis de Burnout. Outro estudo realizado na Turquia, com
76 professores de Educação Física, constatou não haver diferenças entre homens e
mulheres para o desenvolvimento da síndrome (ÖLMEZ; ÇAKMAK; KEPOĞLU, 2018),
assim como Pires, Monteiro e Alencar (2012) constataram a respeito do Brasil.
Já na Polônia, um estudo feito por Brudnick (2011) com 1563 professores de Educação
Física mostrou que mulheres e homens reagem de maneira diferente a situações difíceis
que ocorrem durante o trabalho na escola. A reão de uma professora ao mau
comportamento das crianças foi a perda gradual de um sentimento de realização
pessoal. A agressão dos alunos aumentou a exaustão emocional nas mulheres. Os
homens, em face da falta de disciplina, tinham uma tendência a se despersonalizar.
Kumar LK e Manoj (2017) verificaram que, na Índia, os homens apresentaram maiores
índices de Burnout que as mulheres.
Outro fator pessoal bastante abordado na literatura analisada é a idade. Nos estudos
realizados na Turquia, a idade não foi um fator de diferença para os níveis de Burnout
(COLAKOGLU; YILMAZ, 2014; ÖLMEZ; ÇAKMAK; KEPOĞLU, 2018). Entretanto,
Spitlle, Kremer e Sullivan (2015), na Austrália, e Sinott et al. (2014), no Brasil, apontam
que os professores de Educação Física mais jovens apresentaram maiores níveis de
Burnout. Isso pode estar relacionado principalmente à falta de experiência diante das
imeras demandas do trabalho, às expectativas e ao processo de desregulamentação
do trabalho global.
Esse fator também se conecta à fase da vida, por ser mais jovem, o docente necessita
de mais recursos para constituir família. Na Polônia, Cieslinki e Szum (2014) observaram
que alguns professores mais jovens comam a migrar para a área fitness com o fim de
melhorar o salário ou acabam abandonando a profissão docente nas escolas. Além
disso, os mesmos autores afirmam que professores de Educão Física, geralmente,
são atingidos por uma grave crise profissional aproximadamente no quinto ano de
trabalho.
Apesar disso, Brouwers, Tomic e Boluijt (2011), na Holanda, afirmam que a idade pode
ter alguma importância na explicação do Burnout entre os professores de Educação
Física, pois pode ser que os docentes apresentem mais queixas sicas e se sintam mais
limitados na realizão de suas tarefas laborais à medida que envelhecem, mas essa
afirmativa carece de mais pesquisas. Embora existam algumas diferenças entre um
estudo e outro, verificou-se que, de modo geral, entre os fatores pessoais, as variáveis
idade e sexo não parecem ser determinantes e nem fortes elementos causais para o
desenvolvimento do Burnout nos professores dessa disciplina.
Outros fatores intrínsecos relatados com menor freqncia, mas que necessitam de
maior investigação foram os estudos sobre autoeficácia e Burnout realizados por
Brouwers, Tomic e Boluijt (2011), na Holanda; e por Yildirim (2015), na Turquia. A
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autoeficácia está relacionada à capacidade que o indivíduo tem de formular estratégias,
mesmo em situações desafiadoras, para alcançar um objetivo. No caso do professor, o
objetivo é a aprendizagem dos alunos.
Além da autoeficácia, foram também correlacionados ao Burnout a motivão, a
frustrão (SANCHES-OLIVA et al.; 2014) e a paixão pelo ensino (CASTILLO et al.,
2017); ambos os trabalhos realizados na Espanha. De acordo com Benevides-Pereira
(2002), as pessoas que estão mais propensas ao Burnout são aquelas altamente
motivadas, que amam o seu o trabalho, perfeccionistas e que, portanto, sentem uma
frustrão maior quando seus projetos fracassam. Para Castillo et al. (2017), esses
professores seriam aqueles que têm uma paixão obstinada pela profissão.
No Irã, Farsani M., Aroufzad e Farsani F. (2012) examinaram 250 professores de
Educação Física com o intuito de avaliar a correlação entre Burnout e traços de
personalidade. Os autores constataram que a personalidade tem um papel significativo
na síndrome. Os resultados mostraram que pessoas mais extrovertidas tendem a ser
mais autoconfiantes e têm emoções positivas com maior frequência. Professores que
apresentavam emoções mais negativas em excesso, como raiva, ansiedade e
depressão, tiveram predisposição ao Burnout.
Grande parte das pesquisas internacionais enfatizou a questão da desvalorização na
Educação Física no contexto escolar (CIESLINSKI; SZUM, 2014; TSIGILIS;
ZOURNATIZI; KOUSTELIOS, 2011; SPITTLE; KREMER; SULLIVAN, 2015;
BROUWERS; TOMIC; BOLUIJT, 2011; HA; KING; NAEGER, 2011; KUMAR LK;
MANOJ, 2017).
Os estudos realizados na Polônia (CIESLINSKI; SZUM, 2014), na Grécia (TSIGILIS;
ZOURNATIZI; KOUSTELIOS, 2011), na Austrália (SPITTLE; KREMER; SULLIVAN,
2015), na Holanda (BROUWERS; TOMIC; BOLUIJT, 2011), na Coreia do Sul (HA;
KING; NAEGER, 2011) e na Índia (KUMAR LK; MANOJ, 2017) concluem que a
Educação física tem sido vista como não importante para a educação de crianças e
jovens.
De acordo com Cieslinski e Szum (2014), colegas de profissão de outras disciplinas
frequentemente agem de maneira estereotipada em relação à Educação Física na
escola quando afirmam que se trata de atividade de simples recreão:não tem tanto
trabalho assim”. Frequente também é esse mesmo olhar da administração escolar
quando, por exemplo, dispensa a participação dos professores de Educão Física das
reuniões pedagógicas e das tomadas de decisão no interior da escola (SALGADO;
SALLES; ALVES, 2012).
Os problemas de estereótipos existentes na disciplina Educação Física envolvendo
atores do ambiente organizacional sobre a atuação do professor produzem clima
organizacional negativo. Desenvolvem forte crião de sentimento de isolamento desse
professor e, consequentemente, o desenvolvimento das dimensões do Burnout.
A pesquisa feita por Bai (2014), com 37 professores de Educação Física no Irã, indicou
que o clima organizacional das escolas no país es relacionado significativamente com
o desgaste desses docentes e com o surgimento do Burnout. Outra questão refere-se
às condições estruturais e materiais que são únicas na Educação Física escolar. As
aulas, em muitos países, ocorrem em espos diferentes da sala de aula, como quadras,
campos e outros lugares abertos.
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As transformões constantes na sociedade, as inovações tecnológicas, as novas
demandas do mercado de trabalho, as reformas políticas e educacionais fazem com que
professores tenham que, constantemente, estar preparados para transições abruptas no
seu modo de trabalho e de vida.
Exemplos dessas mudanças foram as reformas trabalhistas na Grécia, que tiveram
impacto direto nos parâmetros de satisfação e de estresse no trabalho dos professores
de Educação Física. Os 132 professores avaliados tiveram uma pontuação baixa em
termos de satisfação em relação à segurança no emprego e a questões salariais. Isto
contradiz a segurança do emprego do setor público historicamente estabelecida na
Grécia, incluindo professores de escolas públicas (PANAGOPOULOS; ANASTASIOU;
GOLONI, 2014).
Na Coreia do Sul, em 2008, o governo comou a desenvolver e implantar uma nova
política esportiva para a reforma da elite esportiva e da Educão Física. Devido à nova
política esportiva, a quantidade de trabalho dado aos professores da disciplina aumentou
rapidamente, de modo que os participantes do estudo exibiram um grau elevado de
esgotamento (HA; KING; NAEGER, 2011). Essas mudaas foram consideradas uma
explicação plausível para os altos níveis de Burnout estatisticamente significativos,
encontrados na pesquisa realizada por esses autores.
De acordo com Kumar LK e Manoj (2017), na Índia, as reformas nas políticas
educacionais também aumentaram a demanda de trabalho precário entre professores
de Educação Física. Curiosamente, ao contrário dos estudos internacionais, nenhum
dos estudos realizados no Brasil mencionou as questões de reformas políticas e a
relação com o desgaste emocional dos professores.
Nas pesquisas internacionais, percebeu-se que o desejo de deixar a profissão e o seu
próprio abandono são os resultados mais preocupantes da Síndrome de Burnout nos
professores de Educação Física (CIESLINSKI; SZUM, 2014; TSIGILIS; ZOURNATZI;
KOUSTELIOS, 2011; SPITLLE; KREMER; SULLIVAN, 2015; HA; KING; NAEGER,
2011; YILDIRIM, 2015).
Diversas razões, como insatisfão no ambiente de trabalho, baixos salários,
desvalorizão da Educação Física na escola, falta de perspectiva de crescimento na
carreira docente e falta de apoio social na escola por meio das relações interpessoais
com os demais colegas de profissão fizeram com que 80 professores desistissem da
profissão no interior da Polônia em 2013 (CIESLINSKI; SZUM, 2014).
Os resultados nacionais e internacionais apontam, portanto, para uma universalização
das características e das condições do trabalho dos professores de Educão Física. Tal
universalizão tem levado muitos desses docentes ao ápice da exaustão emocional, à
insatisfão e à despersonalização. E muitos deles acabam desistindo da profissão.
Nesse sentido, parece que o elemento que aproxima essa universalizão reside no
processo de precarização global do trabalho.
3.4 A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE ESTÁ EM TODO LUGAR:
SIMILITUDES GLOBAIS DO BURNOUT
La précarité est aujourd'hui partout! Afirmava Pierre Bourdieu (1997). A precariedade
anunciada pelo sociólogo francês parece ter atingido notoriedade na
contemporaneidade: crise econômica em diversos países, mal-estar, desespero,
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angústia, indiferença e banalizão da injustiça social. Essa realidade é expressão de
um pesadelo social construído pelo neoliberalismo pelo menos nos últimos quarenta
anos.
A precariedade é um fenômeno de longo prazo que apareceu em todos os estágios de
desenvolvimento e inovão do capitalismo. O renascimento dos lugares de exploração,
dos sistemas de trabalho familiar, dos sistemas de output e de subcontratão tem sido
uma característica marcante do neoliberalismo (Harvey, 2005).
O fenômeno da precariedade de épocas passadas se renovou sob o feitio da nova razão
do mundo: a razão neoliberal. Percorreu quase todas as dimensões da sociabilidade
humana e, no âmbito educacional, ultrapassou os limites do muro da escola: dessa vez,
para dentro. Essa precariedade assumiu o protagonismo na produção de processos de
alienação docente. O primeiro processo reside no estranhamento. O professor tem se
tornado, para Costa (2009), um repetidor das informações dadas, proveniente de sua
formação inicial, pragmática e da aplicação de conteúdos liberais.
Muitas vezes, professores acabam aceitando essas situações pelo fato de terem que
conseguir formas de sobreviver. Costa (2009) faz alusão às imposições que são
colocadas aos professores, sejam elas pelas legislações abusivas, sejam pelo seu efeito:
a intensificão do trabalho.
É possível salientar e relacionar um elemento que Marx (2004) enfatiza quando se refere
à alienação do trabalhador e que tem correspondências semelhantes com a atividade
docente. Trata-se da alienação do homem em relação ao homem. A mesma constatação
(contradiria) sobre o produto do trabalho do professor (ação pedagógica), levando este
à autoalienão, ocorre sobre o mesmo espectro, a alienação com os outros homens,
os quais podem ser colegas professores ou alunos (FREITAS, 2010).
Os trabalhos internacionais e nacionais investigados neste artigo sugerem que os
autores dão destaque aos problemas relacionados às demandas e às condições de
trabalho, como, por exemplo, o controle das turmas, que geralmente são superlotadas.
O que pode dificultar a questão da disciplina dos alunos durante a aula. Assim como o
desgaste físico do professor, por ministrar muitas aulas por dia nesses espaços,
aumentando também o desgaste vocal. Por causa do tamanho dos ambientes de aula,
o professor acaba tendo que gritar muitas vezes para ser ouvido.
Outro quesito recorrente são as constantes variações climáticas sob as quais o professor
de Educação Física tem que desenvolver suas aulas (CIESLINSKI; SZUM, 2014;
SANTINI; MOLINA NETO, 2014; TSIGILIS; ZOURNATZI; KOUSTELIOS, 2011, BOTH;
NASCIMENTO, 2010, SALGADO; SALLES; ALVES, 2012, SPITTLE; KREMER;
SULLIVAN, 2015).
Esse quadro recorrente no quotidiano do professor de Educação Física relaciona-se
muito com o processo de alienão destacado por Costa (2009). O autor diz que o
professor, mesmo em condições físicas horríveis, de sofrimento no trabalho, permanece
ministrando aulas até o momento de esgotamento profissional e, nesse instante,
normalmente é alijado do processo de trabalho ou perde sua identidade profissional.
A perda de identidade diminui expressivamente o status da disciplina Educação Física
na escola, razão pela qual estereótipos são difundidos no interior da instituição.
Professores entrevistados por Santini e Molina Neto (2005) afirmaram que a aula de
Educação Física não é respeitada. Qualquer um entra no espaço da aula por,
geralmente, estar num lugar aberto.
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Em outras circunstâncias, enquanto o professor de Educação Física toma de conta das
turmas, os demais professores estão em reuniões pedagógicas (SALGADO; SALLES;
ALVEZ, 2012). Na Polônia, por exemplo, os professores de Educão Física afirmaram
o ter oportunidade na tomada de decisões na escola, sentindo-se desvalorizados por
alunos e colegas (CIESLINSKI; SZUM, 2014).
Quando não consegue abandonar a profissão ou se adaptar às situações estressantes,
o professor de Educação Física parece desenvolver comportamento de acomodação,
perda de iniciativa/interesse ou apatia (SANTINI; MOLINA NETO, 2005; CIESLINSKI;
SZUM, 2014; YILDRIM, 2015, PIRES; MONTEIRO; ALENCAR, 2012).
O professor abandona o trabalho mesmo estando no posto de trabalho, perdendo sua
identidade. Nesse caso, segundo Santini e Molina Neto (2005), o profissional de
Educação Física muda sua postura como numa reação defensiva, tornando-se um
professor-bola”, como um modo de aliviar ou de dar um tempo. Acaba, portanto,
diminuindo seu comprometimento com o processo formativo dos alunos, interferindo na
obteão dos objetivos pedagógicos.
Os estudos nacionais e internacionais mostraram que essa reação pode aprofundar o
sentimento de autoavaliação negativa de si mesmo, por viver uma intensa e, geralmente,
prolongada frustração na realidade do ambiente de trabalho (CIESLINSKI; SZUM, 2014;
YILDRIM, 2015; SANTINI, 2004; SANTINI; MOLINA NETO, 2005).
O professor, portanto, passa a viver um sentimento de alienação ocupacional, ainda que
muitas vezes nem saiba ou não perceba. Considera seu trabalho sem valor. Uma vez
que não se sente como pertencente ou como reconhecido nesse ambiente de trabalho,
prossegue no caminho que o leva à despersonalização, desenvolvendo atitudes
negativas, insensíveis e cínicas diante dos alunos e dos colegas de trabalho.
Infere-se, então, que, no âmbito global, professores de Educação Física que atuam nas
escolas têm lidado com diversas circunstâncias adversas que prejudicam o
desenvolvimento de seu trabalho, influenciando diretamente no desenvolvimento do
Burnout e na consequente desistência, no abandono da profissão e na perda de
identidade.
4. CONCLUSÕES
Diante do exposto, constata-se que o Burnout se desenvolve a partir de múltiplos fatores,
de ordem intrínseca e/ou extrínseca. Manifesta-se em professores de Educação Física
de diversos países de maneira semelhante. É considerado um problema de saúde
mental global no campo educacional e prejudica fortemente a vida e o trabalho do
professor.
Apesar das difereas culturais, geográficas, sociais, políticas e econômicas nos países,
a maior semelhança contemporânea que se pode encontrar no trabalho do professor
dessa disciplina reside no crescente processo de precarização do trabalho da categoria.
O crescente aumento dessa precarização influencia diretamente no desenvolvimento do
Burnout. Esse elemento causal desenvolve-se no circuito educativo e produz como efeito
da precarizão a desvalorização da Educão Física no currículo escolar, os
estereótipos a respeito da disciplina e o péssimo clima organizacional da escola
decorrente de atitudes dos colegas professores, dos alunos, dos pais e da gestão
escolar.
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Somam-se a isso as condições materiais e estruturais para o exercício do trabalho
docente. Todos esses fatores têm contribdo para o desenvolvimento de um sentimento
negativo em relão ao trabalho, a perda de interesse, a desistência e o abandono da
profissão.
A partir dos resultados encontrados, infere-se a necessidade de mudaas substanciais
nas condições físicas e estruturais do ambiente do trabalho dos professores de
Educação Física, e também de transformações políticas e sociais que visem à
valorização dessa disciplina no contexto escolar e, consequentemente, do professor que
atua na área.
A tentativa de apresentar inicialmente um panorama global sobre o Burnout em
professores de Educação Física neste trabalho é mais um passo para contribuir para que
outros pesquisadores da área e não só realizem outras análises que objetivem o
preenchimento de lacunas apresentadas, bem como as possibilidades de prevenção e
enfrentamento da síndrome.
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Data da submissão: 21/08/2018
Data da aprovação: 03/08/2019