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A AUTOCRÍTICA DE LUKÁCS A SUAS OBRAS JUVENIS: O FATOR
SUBJETIVO E O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO
1
Lucs's self-criticism of his youthful works: The subjective factor and the
revolutionary process
FORTES, Ronaldo Vielmi
2
RESUMO
Tema ainda o tratado de maneira devida é a autocrítica realizada pelo filósofo húngaro
GyörgyLucs ao seu livro História e Consciência de Classe. Ao criticar sua obra mais influente,
Lukács localiza em seus erros do passado os mesmos traços erráticos que vigoram no pensamento
filofico de seu tempo, tornando a crítica de seu pensamento juvenil o esteio para a refutação dos
desvios do pprio marxismo e das chamadas teorias críticas contemponeas. O artigo procura trazer
à tona elementos importantes das considerações tardias de Lukács acerca do problema da relão
entre o papel subjetivo nos processos revolucionários.
Palavras-chave: Jovem Lukács. História e Conscncia de Classe. Subjetividade e revolução.
ABSTRACT
A theme still untreated in a proper manner is the self-criticism carried out by the Hungarian philosopher
György Lucs to his book History and Class Consciousness. By criticizing his most influential work,
Lukacs locates in his mistakes of the past the same erratic traits that prevail in the philosophical
thought of his time, making the critique of his youthful thought the mainstay for the refutation of the
deviations of Marxism itself and of the so-called contemporary critical theories. The article seeks to
bring to light important elements of Lucs' late considerations on the problem of the relation between
the subjective role in revolutionary processes.
Keywords: Young Lukacs. History and Class Consciousness. Subjectivity and revolution.
1
O artigo compõe resultados parciais da pesquisa de pós-doutorado realizada junto ao Departamento de Filosofia da FAFICH-UFMG.
2
Professor Adjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Serviço Social. Doutorado na área de filosofia em 2011.
Realizou pesquisa de pós-doutorado pela UBA - Universidad de Buenos Aires/Faculdad de Filosofia y Letras sobre a ontologia no
pensamento de GyörgyLukács e Nicolai Hartmann. Em 2014 realizou pós-doutorado na Universidade Federal de Juiz de Fora, junto à
Faculdade de Serviço Social, cujo tema versou sobre a politicidade na obra tardia de GyörgyLukács. Desenvolve pesquisas na área do
marxismo, ontologia no século XX, com ênfase na investigação das obras de Karl Marx, GyörgyLukács e Nicolai Hartmann. Áreas de
Interesse: Ontologia, Marxismo, Lukács, Marx, Realismo Crítico e Filosofia Social e Política. Co-coordenador da 'Biblioteca Lukács' coleção
editada pela Boitempo Editorial. E-mail: <vielmi.ronaldo@ufjf.edu.br>.
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A questão sobre as linhas de continuidade e as rupturas entre o velho Lukács da
Ontologia” e o então ainda jovem filósofo de História e Consciência de Classe é ainda
um tema que suscita muitos debates e está longe de ser encerrado. Mesmo que o
próprio autor nos anos finais de vida tenha estabelecido uma autocrítica lúcida e precisa
sobre suas reflexões de juventude, há de se observar que dentre os temas importantes
presentes em suas obras, alguns sofrem modificações significativas, outros são
retomados e postos em novos patamares de reflexão, sem implicar necessariamente a
completa ruptura com as elaborações anteriores muito embora apresentem uma
reestruturação significativa em seus argumentos de fundo.
Vale recordar aqui a crítica realizada por Lukács ao seu mais famoso livro, História e
Consciência de Classe, no prefácio à reedição de sua obra, escrito em 1967. Dentre os
diversos apontamentos levantados contra sua obra juvenil, decerto o mais central pode
ser identificado na natureza prevalentemente gnosiológica pela qual o jovem filósofo
interpreta o pensamento de Marx, em detrimento à percepção das bases ontológicas
das reflexões do filósofo aleo. Citando textualmente o próprio autor:
História e consciência de classe representa objetivamente contra as intenções subjetivas
de seu autor uma tendência no interior da história do marxismo que, embora revele fortes
diferenças tanto no que diz respeito à fundamentação filofica quanto nas consequências
políticas, volta-se, volunria ou involuntariamente, contra os fundamentos da ontologia do
marxismo. (LUKÁCS, 2003, p.14).
O caminho que leva das reflexões ainda assentadas sobre problemas de uma suposta
metodologia de Marx até o entendimento das bases ontológicas do pensamento
marxiano marca sobremaneira a mais importante inflexão que pode ser observada no
pensamento lukacsiano. O próprio Lukács reconhece a natureza fundamentalmente
distinta de suas bases filosóficas do período, ao advertir nas linhas iniciais do referido
prefácio crítico para a natureza aindaexperimental de seus escritos dos anos
antecedentes à década de 30.
Ao publicar os documentos mais importantes dessa época (1919-1930), minha intenção é
justamente enfatizar seu cater experimental, e de modo algum conferir-lhes um
significado atual na disputa presente em torno do autêntico marxismo. (LUKÁCS, 2003, p.
2).
O opúsculo Reboquismo e Dialética, recentemente traduzido para o português,
reacende o debate sobre a busca da natureza autêntica do pensamento marxiano. A
prerrogativa da autenticidade é posta pelo próprio pensador húngaro que faz dessa
busca uma das tarefas principais de suas últimas empreitadas teóricas. Vale lembrar
suas palavras a esse propósito, por meio das quais de maneira enfática chama a
ateão para a necessidade de redescobrir o pensamento de Marx, cuja natureza mais
íntima se assenta sob o caráter de suas proposições ontológicas acerca do ser social.
O que se observa ao longo de suas obras anteriores à década de 30 é a presença de
temas de grande relevância para o pensamento filosófico e para o marxismo, muito
embora em suas fases iniciais o tratamento conferido aos temas caracteriza-se como
aproximações ainda enviesadas e contaminadas por tenncias filosóficas
hegemônicas de seu tempo. Foram tais tendências os principais obstáculos para o
entendimento preciso das determinações marxianas acerca da ontologia do ser social.
História e consciência de classe tem o mérito de concentrar em suas páginas
tendências efetivas do pensamento de sua época, aspecto que justifica em parte a
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grande influência exercida por sua obra ao longo do século XX. A crítica a essa obra
não tem portanto apenas a dimeno da autocrítica, porém volta-se de maneira
decisiva contra os equívocos de seu tempo, ou melhor, contra os eixos que
fundamentavam as questões centrais do pensamento filosófico de seu tempo.
Retomar temas relevantes do período juvenil do pensador ngaro à luz de suas
últimas reflexões tem uma repercussão de dupla ordem: em primeiro lugar, aos
estudiosos de Lukács, permite compreender a evolução de suas reflexões,
determinando os pontos centrais de rupturas e mudaas em seu pensamento. Sob
esse aspecto contribui para a exegese do decurso de suas ideias. Em segundo lugar, o
entendimento das bases de seu pensamento de juventude e a crítica dessas bases
realizadas pelo próprio autor nos ajudam a compreender as principais tendências e os
debates centrais do pensamento filosófico da primeira metade do século XX,
possibilitando construir uma crítica mais ampla às principais correntes do pensamento
da época
3
A questão da continuidade e descontinuidade temática que propomos tratar nesse
artigo pode ser vislumbrada de maneira direita na presença do tema dofatorsubjetivo
como momento decisivo no processo e na dinâmica de transformação social. A
questão que atravessa sobremaneira as páginas de História e consciência de classe é
retomada na defesa que o autor faz de seu livro, e encontra-se igualmente presente
nas reflexões realizadas por Lukács em sua última grande obra, Para uma ontologia
do ser social.
Em Reboquismo e dialética” o problema surge já nas primeiras páginas, onde
aparecem seus argumentos defensivos contra as críticas de Rudas e de Deborin. Não
cabe aqui reproduzir as linhas da argumentão lukacsiana em todas as suas nuances,
uma vez que o acesso ao texto é permitido ao leitor de maneira direta pela edição
recentemente publicada. Apenas salientando os aspectos mais condizentes com o
tema ora abordado, cabe por em evidência os aspectos mais decisivos da defesa
construída pelo autor contra seus críticos.
O primeiro movimento argumentativo contra a crítica de Rudas e Deborin se volta logo
de saída à refutação da acusação de uma fundamentação subjetivista de seu livro.
Segundo Lukács, toda vez que um ataque oportunista é desferido contra a dialética
revolucionária, ele aparece sob o lema contra o subjetivismo (Bernstein contra Marx,
Kautsky contra Lenin) (LUKÁCS, 2015, p. 34). A objeção do jovem Lukács às críticas
recebidas circunscreve o problema no interior de relações dialéticas e históricas
precisas. Para nosso autor, o fator subjetivo não aparece apenas como elemento
disparador de tendências objetivas, mas sua própria dinâmica faz com que as ões
atinentes a essa dimensão específica da sociabilidade se tornem no decorrer desse
mesmo processo fatores objetivos. Ao contrapor-se a Rudas, o autor explicita sua
posição:
A interação dialética de sujeito e objeto no processo histórico consiste justamente no fato
de que o fator subjetivo, que obviamente é um produto, um fator do processo objetivo o
que foi por mim ressaltado de muitas maneiras (por exemplo, p. 181) , em certas
situações históricas, cujo aparecimento também é causado pelo processo objetivo (por
3
No Prefácio de 1967, Lukács faz um sintético, porém interessante, relato sobre a posição de sua obra no período histórico na qual foi
escrita. As considerações do autor nos ajudam a compreender os motivos pelos quais História e consciência de classe influenciou
profundamente o pensamento do século XX, tanto o de seus seguidores quanto de seus opositores (Heidegger, por exemplo). A esse
respeito cf. Lukács: 2003: 20-29.
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exemplo, G.u.K., p. 315), tem uma repercussão orientadora sobre o pprio processo. Essa
repercuso é posvel na práxis, só no presente (por essa razão, utilizo a palavra
instante para destacar com precio esse caráter presente e prático). Depois que a ação
foi levada a cabo, o fator subjetivo volta a integrar-se à série dos fatores objetivos.
(LUKÁCS, 2015, p. 42).
E concluindo, o autor acrescenta:
Portanto, oinstante de modo algum pode ser separado doprocesso, o sujeito de modo
algum se contrapõe ao objeto de forma rígida e incomunicável. O todo dialético não
significa nem uma unidade indiferenciada nem uma separação gida dos fatores. Muito
pelo contrio, significa a ininterrupta autonomização dos fatores e a ininterrupta anulação
dessa autonomia. Expus diversas vezes em meu livro como se dá concretamente essa
interação dialética dos fatores do processo em virtude da renovada anulação dessa
autonomia. Nesse ponto, o que interessa é entender que essa autonomia (dialética, e que,
por isso, sempre volta a ser dialeticamente superada) do fator subjetivo no atual estágio do
processo histórico, no período da revolução proletária, constitui uma característica decisiva
da situação global. (LUKÁCS, 2015, p. 43).
O caráter dialético das relações entre o fator subjetivo e o fator objetivo é ressaltado de
maneira evidente nessas elaborações. No entanto, postas à luz de suas elaborões
posteriores, o apelo à dialética, à resolão por meio a consideração da determinação
recíproca dos dois momentos, tendo o fator subjetivo papel relevante naprópria
conversão em objetividade social, não revolve a queso de fundo presente nesse
problema em particular. Além do mais, afirmar a ininterrupta autonomizão dos
fatores e a ininterrupta superão desta autonomia coloca seus postulados, como o
próprio autor reconhece 40 anos depois, bem próximos à ideia hegeliana do sujeito-
objeto idêntico. Chama a atenção, nesse mesmo sentido, a afirmação do jovem autor,
segundo a qual o proletariado foi o primeiro, e até agora é o único, sujeito a que se
aplicou esse entendimento (LUKÁCS, 2015, p. 39), destacando o papel hisrico
decisivo da classe do proletariado de lançar as bases de uma nova sociedade sem
classes e, desse modo, superar a alienação, no sentido de reapropriar-se das próprias
alienações, encerrando a pré-história” da humanidade.
Todo o esforço gasto em seu texto contra seus críticos ancora-se na defesa em
demonstrar que suas elaborações da época não se reduzem a um subjetivismo
extremo, algo como a afirmação de que só a consciência de classe do proletariado
seria a força motriz da revolução” (LUKÁCS, 2015, p. 47). Porém o que chama a
ateão em sua autocrítica são os apontamentos que acusam problemas bem
próximos a esses, onde o próprio Lukács destaca que esses escritos estão marcados
pela influência do subjetivismo e do idealismo de talhe hegeliano. Muito embora, cabe
advertir,o haja nenhuma semelhaa nas refutações que o autor dirige a si mesmo
com os argumentos de Rudas e Deborin combatidos no texto em questão.
Em síntese, se nas formulões anteriores os aspectos da relação dialética entre o
fator subjetivo e o objetivo não são negligenciados, no entanto não se poderia dizer que
o tratamento que fora conferido à questão permitisse resolver e explicitar a natureza
efetiva das mediações que intercorrem nessa dupla polaridade da atividade social
humana. A emersão dos fatores subjetivos a partir das condições objetivas da
realidade social permaneceu irretocada em sua essência, deixando em aberto a
compreensão dos efetivos los entre as duas dimensões.
O problema do fator subjetivo retorna com peso significativo nas considerações de
Lukács em sua última obra Para a ontologia do ser social. No entanto, o tratamento
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conferido ao problema assenta-se sobre bases bem diversas. Para compreender as
continuidades e descontinuidades na consideração da questão há de se recordar aqui
o cerne de sua autocrítica feita no Precio de 1967, segundo o qual o aspecto
relevante negligenciado em suas reflexões do período de História e Consciência de
Classe, concentrava-se na consideração imprecisa e meramente pica da esfera da
economia. Citando a si mesmo para logo na sequência refutar suas posições da época,
Lukács relembra passagens de sua mais famosa obra:
Não é o predonio de motivos econômicos na explicação da história que distingue
decisivamente o marxismo da ciência burguesa, mas o ponto de vista da totalidade. Esse
paradoxo metodológico acentua-se ainda mais porque a totalidade era vista como a
portadora categorial do princípio revolucionário da ciência: A primazia da categoria da
totalidade é portadora do prinpio revolucionário da ciência. (LUKÁCS, 2003, p. 21).
Nessa etapa específica da construção de seu pensamento vemos com clareza a
relevância conferida à categoria totalidade em contraposição àprioridade da esfera da
economia. O autor denuncia o excesso de hegelianismo característico dessa época,
na qual ele aindaopunha a posição metodológica central da totalidade à prioridade da
economia (LUKÁCS, 2003, p. 21). O mesmo hegelianismo se manifesta, conforme já
antecipamos, na concepção do sujeito objeto idêntico.
No que concerne ao tratamento do problema, hoje não é difícil perceber que ele se dá
inteiramente no espírito hegeliano. Sobretudo porque o fundamento filofico último desse
tratamento é constituído pelo sujeito-objeto idêntico, que se realiza no processo histórico. É
claro que, para o próprio Hegel, o surgimento desse sujeito-objeto é de tipo lógico-filosófico:
ao atingir-se a etapa superior do espírito absoluto na filosofia com a retomada da alienação
e com o retorno da consciência de si a si mesma, realiza-se o sujeito-objeto idêntico. Na
História e consciência de classe, ao contrio, esse é um processo histórico social que
culmina no fato de que o proletariado realiza essa etapa na sua consciência de classe,
tornando-se o sujeito-objeto idêntico da história. (LUKÁCS, 2003, p. 24).
A identificão entre sujeito e objeto em última instância tenderia a subestimar a
relevância da objetividade, fazendo com que a teoria social assim construída se
convertesse em reflexões primordialmente voltadas às condições subjetivas dos
processos sociais. A ênfase recai na superão da alienação posta como papel
precípuo da consciência no interior desse processo. Consideradas dessa maneira toda
a situação resultaria agravada na medida em que a superação da alienação significaria
a necessidade de superar a própria objetividade, nesse sentido, caracterizar-se-ia
como uma superação de cunho essencialmente espiritualista”.
Contra esse aspecto particular de seus escritos juvenis, o Lukács maduro observa
recorrendo ao pensamento de Lenin:
Portanto, aquilo que para mim correspondia a uma inteão subjetiva e que para Lenin era
o resultado da autêntica análise marxista de um movimento prático dentro da totalidade da
sociedade tornou-se em minha exposição um resultado puramente teórico e, portanto, algo
essencialmente contemplativo. A convero da consciência atribuída em práxis
revolucionária aparecida então considerada objetivamente como simples milagre. A
inversão de uma intenção em si correta é consequência da própria concepção abstrata
idealista já mencionada. (LUKÁCS, 2003, p. 18).
Não deixa de ser interessante confrontar essa passagem com a seção 2 de sua defesa
contra Rudas, intitulada atribuição, pois com essas poucas palavras Lukács fornece
um testemunho preciso dos limites e incapacidades na interpretão das ideias e das
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reflexões dos clássicos do marxismo. As mesmas citões de Marx e Lenin que
naquele momento o amparam contra Rudas e Deborin figuram na fase tardia de seu
pensamento como contrapontos às suas próprias ideias de juventude.
A motivação para tal deficiência das reflexões do período, Lukács a encontra na
maneira imprecisa como considerava a esfera da economia, assim como a ausência
da tematização sobre o complexo trabalho.
Procura-se, é verdade, tornar compreensíveis todos os fenômenos ideológicos a partir de
sua base econômica, mas a economia torna-se estreita quando se elimina dela a categoria
marxista fundamental: o trabalho como mediador do metabolismo da sociedade com a
natureza. Mas isso é o resultado natural dessa posição metodológica fundamental. Como
consequência, os pilares reais e mais importantes da vio marxista do mundo
desaparecem, e a tentativa de tirar, com extrema radicalidade, as últimas conclues
revolucionárias do marxismo permanece sem sua autêntica justificação econômica. É
evidente que a objetividade ontológica da natureza, que constitui o fundamento ôntico
desse metabolismo, tem de desaparecer. Mas com isso desaparece também, ao mesmo
tempo, aquela ação recíproca existente entre o trabalho considerado de maneira
autenticamente materialista e o desenvolvimento dos homens que trabalham. (LUKÁCS,
2003, p. 15-6).
A base desses erros filoficos está em tomar como ponto de partida da análise dos
fenômenos econômicos, não o trabalho como complexo fundante do ser social, mas
considerar sobretudo as estruturas complexas da economia mercantil mais
desenvolvida. Por esse motivo, logo de saída, a reflexão negligencia as questões
decisivas, como a da relão entre teoria e prática, ou sujeito e objeto (LUCS, 2003,
p. 20).
Vale insistir nesse ponto, pois apesar de encontrarmos em Reboquismo e dialética
referências diretas ao tema do trabalho e à relação homem-natureza, não há nessas
considerações o peso analítico que confere a esses elementos imporncia decisiva na
determinação dos complexos mais decisivos do ser social (qual seja, o trabalho e a
reprodução). Suas considerações aparecem muito mais como referências a Marx que
o auxiliam a refutar as críticas indevidas de Rudas e Deborin, permanecendo muito
mais circunscrita à questão do conhecimento da natureza do que propriamente ao
trabalho como o fundamento genético do devir homem do homem.
A dimensão e as consequências dessa ausência podem ser compreendidas
remetendo a suas reflexões tardias sobre a ontologia do ser social. Em que sentido o
trabalho permite compreender o papel do fator subjetivo na determinão da
objetividade dos processos sociais e como ele atua no interior desses processos é algo
que não pode prescindir em sua explicação do trabalho como modelo mais geral de
toda práxis do ser social.
4
No âmbito da economia podemos identificar duas formas do pôr teleológico: atos que
visam diretamente a ação sobre a natureza (trabalho) e aquelas atos teleológicos que
visam a consciência de outros indivíduos, ou seja, tem por finalidade induzir os homens
a determinadas ações e influenciar suas tomadas de decisão. Afirmar a presea de
pores teleológicos como base da dinâmica ecomica significa negar a esses
processos um automovimento, um desenvolvimento unívoco de auto-engendramento
4
As ideias expostas nesse parágrafo e as análises que se seguem foram por mim trabalhadas com maior acuidade no artigo A dialética
entre o ideal e o material: o complexo categorial da politicidade na obra tardia de Lukács, publicado na Revista Trabalho & Educação, n.
24.1, 2015.
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de seus decursos. Trata-se de compreender a dinâmica econômica a partir dos atos da
práxis humana que põem em movimento a legalidade da esfera da reprodução material
da sociedade. Recorrendo aos textos de Marx, Lukács argumenta em prol de sua tese
que o movimento da economiasempre pressupõe atos econômicos dos compradores
ou então dos vendedores (LUCS, 2013, p. 359). As tendências dessa esfera se
constituem como formas de objetividade, como legalidades cujos movimentos se
processam de maneira independente das consciências dos indivíduos, tal aspecto, no
entanto, não elimina o fato de que sejam frutos do conjunto das ações desses
indivíduos. A dinâmica mais geral da economia é o resultado da indissolúvel
concomitância operativa entre o homem singular e as circunstâncias sociais em que
atua” (LUKÁCS, 2013, p. 618), ou seja, tais tendências são constituídas pela síntese
dos inúmeros pores teleológicossingulares efetivados nos desdobramentos históricos
das relões sociais. Ressalte-se aqui singulares, pois o processo o possui telos,
um fim último para o qual caminha arrastando consigo as individualidades.
Considerado sobre tais determinações, o fator subjetivo aparece como um momento
no interior de um complexo:
A polarização do ser social em totalidade social objetiva num dos polos e um sem número
de condutas de vida individuais no outro tem por consequência que essa dialética dos
pores teleológicos e das cadeias causais por elas provocadas necessariamente assuma
uma figura diferente em cada um dos polos. Vimos que, em determinados momentos
decisivos do ser social, as cadeias causais se impõem independentemente do
pensamento e da vontade humanas, mas que de um modo objetivamente indissociável
disso as suas respectivas formas fenonicas concretas só conseguem realizar se pela
mediação do que, a seu tempo, chamamos de fator subjetivo. Portanto, a constituição
concreta de toda sociedade é um produto da atividade humana, possuindo, ao mesmo
tempo, uma realidade independente, um crescimento autônomo perante ela. (LUKÁCS,
2013, p. 731).
A totalidade dos processos ecomicos aparece determinada como a síntese de
múltiplos atos individuais. Não obstante, essa totalidade possui uma autonomia frente a
esses atos que a instituem, pois passa a configurar como uma legalidade cuja dinâmica
processual se apresenta diante dos homens como um conjunto de nexos causais que
suscitam problemas e queses para os quais os indivíduos buscam respostas, como
forma de criar as condições necessárias à reprodução de suas vidas. Essa dinâmica
posta pelos processos da economia passa a figurar diante dos indivíduos como nexos
causais independentes, atuam sobre os indivíduos exigindo deles respostas
condizentes à efetividade de sua realidade social. Esses, no entanto, possuem uma
característica fundamentalmente distinta da causalidade natural: trata-se da legalidade
tendencial produzida e posta em movimento pelos atos singulares dos indivíduos
nesse sentido é causalidade social. O processo que tem seu curso iniciado por atos
teleológicos, por sua vez, retroage sobre a própria malha social e aparece como
indutora de novos pores teleológicos dos homens. Nesse sentido, para Lukács nos
processos do ser social existe a simultânea dependência e independência de seus
produtos e processos específicos em relação aos atos individuais que, no plano
imediato, fazem com que eles surjam e prossigam”
5
. Os fatores subjetivos e objetivos
são determinados como momentos diferenciados da totalidade aqui em causa. Ambos
provêm da mesma base, encontram-se imbricados um no outro e interagem sob a
forma da determinação de reflexão (Reflexionsbestimmung). Os atos individuais, cujo
5
LUKÁCS, György; Para uma ontologia do ser social, I;op. cit. 345.
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campo de ação é a imediatidade do mundo fenomênico, engendram as tendências
legais dos processos econômicos e, simultaneamente, produzem a gama de
determinações particulares características do hic et nunc histórico-social. Nos termos
do autor:
Todo evento social decorre de pores teleológicos individuais; mas, em si, é de cater
puramente causal. /.../ O processo global da sociedade é um processo causal, que possui
suas pprias normatividades, mas não é jamais objetivamente dirigido para a realização
de finalidades. (LUKÁCS, 1995, 39-40).
As reflexões desenvolvidas em sua Ontologia não possuem, desse modo, o caráter de
mera referência protocolar ao problema da relação dialética. Trata-se antes de tudo da
demonstração do processo da gênese e dos vínculos inexoráveis entre os polos
constitutivos do movimento histórico-social: fatores subjetivos e objetivos.
O desenvolvimento do tema na ontologia aparece, por questões óbvias, associado às
reflexões que o autor tece em relação à política. Se no âmbito do trabalho os nexos
causais aparecem de forma mais direita e imediata, na medida em que estão em jogo
as leis da natureza, no campo da política amatéria sobre a qual incide as ações dos
homens é mais fluida e inconstante. A objetividade nesse plano da atividade humana
corresponde a formas sociais de interão entre os homens, formas essas que
guardam uma relação, ainda que em última instância, com a dimensão econômica da
sociabilidade. Nesse sentido, a política aparece como a prevalência dos pôres
teleológicos secundários cuja primazia, em última instância, volta-se para o complexo
social da reprodução, ou seja, para a esfera econômica.
O pôr teleológico da práxis política apresenta de igual modo finalidades que devem
necessariamente atuar sobre a realidade social, por meio da compreensão da malha
causal postas em jogo nos processos sociais. Toda ação dos indivíduos necessita,
para se tornar autêntico r teleológico, influir de maneira efetiva sobre o curso dos
processos objetivos do ser social. Os nexos causais da objetividade social fornecem o
campo de possibilidades para as ações e decisões dos indivíduos. Suas respostas não
são resultados mecânicos dessa base, pelo contrário, constituem tomadas de decisões
sobre as alternativas concretas, efetivamente existentes.
Quando em suas ações no campo da objetividade social não são apreendidos e postos
efetivamente em movimento os nexos efetivos da realidade societária, as intenções dos
indivíduos tornam-se meras volições, ou seja, simples vontades em cujas ações se
expressa a incapacidade de pôr em curso a malha objetiva dos processos sociais.
Nesses termos, para Lukács, tanto no metabolismo com a natureza como na
influência dos pores teleológicos de outras pessoas, o pôr só pode se tornar efetivo
quando põe em marcha pessoas, forças etc. reais como seu objeto intencional
(LUKÁCS, 2013, p. 359).
As decisões entre alternativas assumidas pelos homens em sua vida cotidiana, ou
mesmo não âmbito das ações políticas, podem acelerar, desviar ou até mesmo
retardar o curso das tendências mais gerais postos no processo social. Todavia as
diretrizes efetivamente operantes dos processos socioeconômicos se impõem na
dinâmica concreta da sociabilidade, não de maneira mecânica ou determinista, mas
prevalecem sempre sob a forma de alternativas circunscritas ao campo de
possibilidades objetivamente postos pelo processo hisrico-social. Nesse sentido,
foge-se de qualquer consideração que se aproxime da ideia da unilateralidade
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determinativa dos fatores objetivos, pois tudo isso não aconteceu simplesmente com
as pessoas, mas, a despeito de toda a sua necessidade objetiva, também é fruto de
seus próprios atos (LUKÁCS, 2013, p. 359).
Esses apontamentos são decisivos na medida em que revelam a reciprocidade
determinativa existente entre fatores subjetivos e objetivos. As condições objetivas
colocam questões aos indivíduos. Esses, por sua vez, ao propor respostas para os
problemas e conflitos sociais postos em seu próprio cotidiano, ao refletirem de maneira
ativa sobre as possibilidades e necessidades provenientes de sua realidade social,
põem em marcha o curso das situações concretas de sua sociedade. As condições
objetivas o se movem em detrimento dos fatores subjetivos, e o mesmo é válido para
a situão contrária. Objetividade e subjetividade encontram-se em reciprocidade
determinativa inexorável, são momentos distintos no interior de uma unidade.
Desse modo,
O caráter humano-social da gênese, do caminho encetado por um movimento, determina
também a direção e o conteúdo da práxis posterior. O homem enquanto ser que responde
nunca é independente da questão que a história lhe coloca, mas de igual maneira o
movimento social que se tornou objetivo jamais pode se tornar independente de sua
gênese humano-social, político-moral. (LUKÁCS, 2013, p. 509).
Isso equivale a dizer: o campo de ação real em que aparece o fator subjetivo sempre
está circunscrito pelo desenvolvimento socioeconômico (LUKÁCS, 2013, p. 518).
Entretanto, tal afirmação não significa que o fator subjetivo venha a ser negligenciado
no interior de tal complexo ou apareça como simples derivação dos processos
objetivos. Pelo contrário, tal determinação permite circunscrever o campo das decisões
dos indivíduos ao plano efetivo de sua realidade social. Nesse sentido,
[...] toda pergunta só se tornar uma pergunta autêntica mediante a sua formulação que leva
a uma resposta e não se restringe a um estado eventualmente difícil de suportar, mas que
o conteúdo, a direção, a intensidade etc. da resposta possa adquirir um significado decisivo
para o resultado do enfrentamento dos problemas ocasionados pelo desenvolvimento
objetivo. Os rumos que o desenvolvimento tomará em decorrência de uma crise
dependem sem, todavia, serem capazes de anular a necessidade essencial do
desenvolvimento econômico amplamente da resposta que tem origem no fator subjetivo.
(LUKÁCS, 2013, p. 518-9).
No contexto dessas suas elaborões Lukács recorre à A ideologia alemã (Marx,
2007, p. 41-2) para explicitar suas considerações. Na Ideologia, as relações
contraditórias do desenvolvimento das forças produtivas com as formações sociais são
tematizadas por Marx, tais explicitações permitem a Lukács ilustrar o campo de
possibilidades do fator objetivo dos grandes processos de transformação social.
Contudo, Lukács observa que, em último caso, quem decide ou não pela
transformação radical das bases da estrutura social, quem põe em curso os nexos que
levam à total ruptura dos processos sociais vigentes, são sempre os indivíduos. As
grandes transformões sociais que se processaram na história da humanidade,
adverte Lukács, não são simples decorrências mecânicas instauradas e postas em
curso pelo desenvolvimento das forças produtivas, cujas determinações estariam
restritas às suas condições objetivas, assim como não são igualmente meros
resultados de um acontecer histórico casstico; pelo contrário, dependem do fator
subjetivo historicamente constituído, uma vez que a grande lição histórico-mundial das
revolões é que o ser social não só se modifica, mas reiteradamente é modificado
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(LUKÁCS, 2013, p. 524). Ressaltar a necessidade da existência de condições objetivas
que viabilizem ações revolucionárias não significa, portanto, negligenciar o papel dos
indivíduos e do papel das classes sociais revolucionárias no interior desses processos.
Ambos os lados presentes no interior do movimento concreto malha social devem ser
analisados em sua especificidade, as condições objetivas e o fator subjetivo
apresentam-se no interior desse processo como determinações de reflexão. Não se
pode, portanto, negligenciar nem a necessidade das condições objetivas nem
negligenciar o papel das individualidades, assim como das classes sociais no interior
desse processo.
Os mesmos elementos da crítica que Lukács em sua juventude dirigira contra Rudas,
aparecem novamente nas páginas de sua obra derradeira. Todavia, nesse contexto, a
amplitude de suas elaborões revela a natureza fundamentalmente distinta que
amparam suas reflexões anteriores. Os dois lados da processualidade social são
pensados sobre bases fundamentalmente distintas. Para o Lukács da Ontologia, a
dimensão econômica como fator decisivo dos decursos e tenncias do processo
social não constitui de modo algum uma dimensão secundária. Porém ao enfatizar o
âmbito decisivo da processualidade ecomica o se incorre no equívoco oposto de
afirmar um determinismo unívoco da esfera da economia. O elemento subjetivo dos
processos sociais possui sua autonomia e aspectos próprios no interior do processo
unitário.
De um lado encontramos a legalidade tendencial posta prevalentemente pela
dimensão econômica da sociedade, aspecto caracterizado por Lukács como um
processo que se modifica; entretanto, o outro lado do movimento deve ser evidenciado:
os atos das individualidades no interior dos processos sociais, a atuação das classes
sociais diante dos conflitos do sua realidade social, atuam nas diretrizes desse
processo, desempenham um papel ativo na condução dos desdobramentos sociais.
Esses fatores subjetivos no direcionamento do decurso dos acontecimentos sociais se
manifestam na capacidade de conduzir os rumos do processo nas mesmas linhas
dominantes de dados momentos ou até mesmo de modificá-los, conferindo a esses
processos o caráter de uma inflexão nesse sentido são modificados. De modo algum
são dinâmicas que atuam de maneira paralela, sem qualquer interseção em suas
linhas de atuação; muito pelo contrário, o movimento é caracterizado pela
interpenetração de dimensões diferenciadas de uma mesma unidade.
A consequência histórica necessária dela (da revolução) é que o desenvolvimento
econômico pode até criar condições objetivamente revolucionárias, mas ele de modo
algum produz simultaneamente em conexão obrigatória com elas o fator subjetivo fática e
praticamente decisivo. As circunstâncias histórico-sociais concretas precisam ser
investigadas concretamente em cada caso singular. De modo universalmente ontológico,
elas estão baseadas, em última análise, no caráter alternativo de toda resolução humana,
cujo pressuposto necesrio é que os mesmos acontecimentos sociais influem
diferentemente sobre os diferentes estratos e, em seu âmbito, sobre os diferentes
indivíduos. (LUKÁCS, 2013, p. 524).
Não há vidas de que a objetividade dos processos econômicos constitui elemento
decisivo para o desenvolvimento de subjetividades efetivamente transformadoras da
realidade, porém isso nunca pode ser compreendido de maneira mecânica. Agrande
lição histórico-mundial das revoluções, acrescenta o autor, está no fato que o ser
social não se modifica, mas é reiteradamente modificado.
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Bastaria pensar na determinão marxiana segundo a qual o desenvolvimento
ecomico e sua concomitante ampliação das capacidades produtivas humanas, em
suma, a criação cada vez mais ampliada de forças produtivas sociais é determinado
como condição objetiva fundamental para a edificação de uma sociabilidade pós-
capitalista (FORTES, 2015, p. 191). Por meio das possibilidades postas por condições
produzidas pela própria sociabilidade do capital, as bases objetivas tornam possíveis
aos indivíduos a máxima realização de sua emancipão humana. Isso, no entanto,
ocorre de forma contraditória. A máxima realização possível das capacidades humanas
postas pela sociedade contemporânea somente ocorre em meio a um quase completo
dilaceramento das individualidades, ou, para usarmos as palavras de Marx, ocorre à
custa da maioria dos indivíduos e de classes humanas inteiras (MARX, 1974, p. 111).
O campo de possibilidades para a emancipação das individualidades encontra-se
posto pelas condições objetivas, mas não no sentido de que isso se traduz de maneira
imediata na realidade. Existe apenas como campo de possíveis, a realização depende
das decisões alternativas assumidas pelos homens em seu decurso histórico:
Só o desenvolvimento das forças produtivas pode colocar os homens diante de tais
alternativas ideológicas. Aqui, pom, aparece de modo ainda mais nítido do que até então
na história da humanidade a situação ontológica que repetidamente expusemos: é a
necessidade do desenvolvimento econômico que cria um campo de ação de
possibilidades para as decisões ideológicas dos homens. (LUKÁCS, 2013, p. 533).
A base objetiva aparece como fator decisivo na condução e nas tendências postas
concretamente para as individualidades. Porém, uma vez postas as condições
objetivas, há de ressaltar que
O próprio processo econômico não determina mais se as respostas são dadas no sentido
recém-indicado ou em sentido contrário, mas isso é consequência das decisões
alternativas dos homens que são confrontados com elas por esse processo. Portanto, o
fator subjetivo na história é, em última análise, mas só em última análise, produto do
desenvolvimento econômico, pelo fato de as alternativas com que ele é confrontado serem
produzidas por esse mesmo processo, mas ele atua, num sentido essencial, de modo
relativamente livre dele, porque o seu sim ou o seu não estão vinculados com ele só em
termos de possibilidades. Nisso está fundado o grande papel historicamente ativo do fator
subjetivo (e, junto com este, da ideologia). (LUKÁCS, 2013, p. 531).
Lembrando as palavras de Marx na famosa Introdução de 57 aos Grundrisse, são
difereas dentro de uma unidade (2011, p. 53). Nos termos lukacsianos fatores
distintos em determinação de reflexão no interior do complexo, cujo momento
preponderante é o momento real do processo social.
Obviamenteo linearidade nos processos sociais, uma correspondência imediata
das ações subjetivas derivadas diretamente das tenncias objetivas da legalidade
social, seus desdobramentos ocorrem quase sempre por movimentos contraditórios,
direcionamentos que podem inclusive provocar o complexo descompasso entre os
fatores objetivos e a constituição dos fatores subjetivos da realidade social.
Não por acaso Lukács demarcando as difereas de suas últimas reflexões frentes aos
limites de suas elaborões juvenis, refere as considerações de Marx em Teorias do
mais valor, que caracterizam a peculiaridade dessas contradições na ordem societária
do capital:
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A grande ideia de Marx, segundo a qual até mesmo a prodão pela produção significa
o-somente o desenvolvimento das forças produtivas do homem, isto é, o
desenvolvimento da riqueza da natureza humana como em si, coloca-se fora daquele
donio que História e consciência de classe está em condições de examinar. A
exploração capitalista perde esse lado objetivamente revolucionário, e não se compreende
o fato de que, embora esse desenvolvimento das capacidades do gênero homem se
efetua, de início, à custa da maioria dos indivíduos e de certas classes, ele acaba por
romper esse antagonismo e coincidir com o desenvolvimento de cada indivíduo. Não se
compreende, portanto, que “o desenvolvimento superior da individualidade é conquistado
apenas por um processo histórico em que os indivíduos o sacrificados. Desse modo,
tanto a exposição das contradições do capitalismo como a da revolução do proletariado
adquirem uma ênfase involunria de subjetivismo dominante. (LUKÁCS, 2003, p. 16).
Em linhas gerais, apesar da continuidade da preocupação com a relação entre fatores
subjetivos e fatores objetivos, a descontinuidade entre as reflexões do período juvenil e
de sua fase tardia, pode ser localizada na exarcebação da importância dos elementos
subjetivos em detrimento da precisa consideração dos fatores objetivos, aspecto
marcante em suas obras anteriores. A imprecisão no entendimento desses últimos
conduz à deformação na considerão do primeiro, dando às reflexões de sua
juventude uma tonalidade de cunho subjetivista acentuado. Historicamente, Lukács
compartilha do mesmo utopismo messiânico do comunismo de esquerda (LUKÁCS,
2003, p. 17) que caracterizou muitos dos pensadores e políticos de seu tempo, dando
acento exagerado na consciência da classe trabalhadora na tarefa histórica da
revolão.
Sem precisar fazer apelo a um “messianismo revolucionário, idealista e utópico
(LUKÁCS, 2003, p. 11), à luz das considerações da ontologia, cai por terra a ideia do
determinismo unilateral dos nexos sociais e ecomicos sobre as ões dos indivíduos.
As concepções de mundo constituídas pelos indivíduos ao longo de sua vida social,
assim como suas convicções e decisões, são elementos chaves no andamento do
processo. A determinação do homem como um ser que responde se contrapõe à
ideia do indivíduo como alguém que simplesmente reage a condicionamentos
provenientes de fora. Dentro do campo de possibilidades concretamente existente é
sempre o indivíduo quem decide entre as alternativas que ele é capaz de perceber e de
construir em sua prática social. Mesmo nas práticas econômicas propriamente ditas os
elementos da subjetividade não são meros conteúdos adjacentes, simples
componentes de segunda ordem no interior dos processos. Os vários projetos e
necessidades a serem executados na atividade econômica são, antes do início de
qualquer processo, submetidos à avalião do pôr, no qual quem decide pela
execução ou não execução do projeto são sempre os indivíduos aí atuantes; desse
modo, eles operam decisivamente nos rumos do próprio processo econômico.
Em suma, os fatores subjetivos são alçados ao mesmo patamar de importância que os
elementos e condições postas pela objetividade social. Os nexos causais da
objetividade social fornecem o campo de possibilidades para asões e decisões dos
indivíduos. Suas respostas não são resultados mecânicos dessa base, mas tomadas
de decisões sobre as alternativas concretamente existentes; tais decisões, dentro do
campo de possibilidades, podem ser respostas que simplesmente reproduzem ou
mantém os rumos das tendências em vigor ou mesmo respostas inusitadas que põem
novos rumos a esses processos.
Decerto, um artigo de tal natureza não pode pretender esgotar um problema tão
complexo como o que aqui foi discutido. Coube apenas advertir para a natureza das
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considerações posteriores colocadas pelo próprio filósofo no intuito de chamar a
ateão do leitor para os aspectos da continuidade e da descontinuidade entre as aqui
designadas obras juvenis e suas obras tardias em especial Para uma ontologia do
ser social. Muito ainda há de ser investigado sobre a questão, não apenas no interior do
pensamento de Lukács, mas como um problema de suma importância para a
discussão da esfera da política.
REFERÊNCIAS
FORTES, Ronaldo Vielmi. A dialética entre o ideal e o material: o complexo categorial da
politicidade na obra tardia de Lukács. Revista Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 24, n.
1, p. 173-199, 2015.
LUKÁCS, György. “Die ontologischen Grundlagen des menschlichen Denkens und
Handelns”; in: DANNEMANN, R. e JUNG, W.; Objektive Möglichkeit: Beiträge zu Georg
Lukács “Zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins”; Opladen: Westdeustcher Verlag, 1995.
LUKÁCS, György. História e Consciência de Classe. São Paulo, Editora Martins Fontes,
2003.
LUKÁCS, György. Para uma Ontologia do Ser Social. Volume 2, São Paulo, Boitempo
Editorial, 2013.
LUKÁCS, György. Reboquismo e dialética. São Paulo, Boitempo, 2015.
MARX, Karl. Grundrisse. São Paulo. Boitempo, 2011.
MARX, Karl. Theorien über den Mehrwert. MEW 26.2; Berlin: Dietz Verlag, 1974.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
Data da submissão: 27/09/2018
Data da aprovação: 20/02/2019