Trabalho & Educação | v.28 | n.3 | p.161-178 | set-dez | 2019
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DOI: https://doi.org/10.17648/2238-037X-trabedu-v28n3-9844
TRABALHO, DOCÊNCIA E PRECARIZAÇÃO: BREVES NOTAS DE UM
PROJETO DE PESQUISA
1
Work, teaching and precarization: brief notes of a research project
BRITO, Thiago
2
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo retomar o debate acerca da atividade docente enquanto processo de
trabalho, entendido como processo de transformação o somente da natureza, mas também do
pprio ser humano, atividade que, e em conjunto com a linguagem e a cooperação, fornece novos
sentidos às relões entre consciência e realidade. No entanto, para uma alise mais rigorosa do
termo, faz-se necessário compreender suas formas especificamente capitalistas. Com esse degnio,
caminha-se para a análise dos sentidos modernos de trabalho em Karl Marx, destacando os
processos de alienação e de estranhamento, assim como de trabalho abstrato e de trabalho
produtivo, com intuito de confirmar a hipótese segundo a qual o trabalho docente se constituiu em um
típico trabalho assalariado no modo de produção capitalista. Em seguida, o texto procura demonstrar
o que foi o processo de flexibilizão e de precarizão imposto ao mundo do trabalho e seus
impactos negativos na atividade docente, a partir da reestruturação produtiva ocorrida as a década
de 1970. Por fim, busca-se uma resposta, ainda que proviria e incerta, para a atividade docente,
tendo por base as pticas dos antigos artífices e mestres de ocio.
Palavras-Chave: Trabalho. Doncia. Precarização.
ABSTRACT
This paper aims to resume the debate about teaching activity as a work process, understood as a
process of transformation not only of nature, but also of the human being himself; an activity that,
together with language and cooperation, provides new meanings to the relationship between
consciousness and reality. However, for a more rigorous analysis of the concept, it is necessary to
understand its specifically capitalist forms. With this purpose, we move towards the analysis of the
modern meanings of work in Karl Marx, highlighting the processes of alienation and estrangement, as
well as abstract work and productive work, in order to confirm the hypothesis that teachers’ work was a
typical wage labor in the capitalist mode of production. Then, the text seeks to demonstrate what was
the process of flexibilization and precarization imposed on the world of work and its negative impacts
on teaching activity, from the productive restructuring that took place after the 1970s. Finally, it seeks a
response, even if it is provisional and uncertainty, for the teaching activity, based on the practices of the
ancient artisans and crafts masters.
Keywords: Work. Teaching Activity. Precarization.
1
Esse texto é inédito e fruto de uma pesquisa inicial realizada a partir da disciplina Análise da Prática Pedagógica em Geografia e Estágio
IV, na FAE-UFMG, como pré-requisito para o título de licenciatura em Geografia.
2
Doutor em Geografia pela UFMG, Mestre em Geografia pela UFMG, Especialista em Estudos Ambientais PUC-MG, Bacharel e
Licenciado em Geografia pela UFMG. E-mail: tmadebrito@gmail.com.
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INTRODUÇÃO
Este breve texto é resultado de uma pesquisa inicial acerca de o que é trabalho, de o
que é trabalho docente e de sua precariedade no mundo contemporâneo. Não se trata
de um trabalho empírico da análise de uma realidade específica no interior de um
ambiente escolar, mas sim de uma análise geral sobre o que é trabalho e quais são os
seus adjetivos, o que é trabalho docente e quais são as suas novas características no
mundo do capital, em especial no Brasil. Ciente dos riscos de generalizações e de
conclusões abreviadas, procurou-se, aqui, deter nas referências bibliográficas para
balizar a argumentação.
Inicia-se este texto pelo conceito de trabalho como ponto de partida da análise uma vez
que é ele que está em jogo quando se discutem as condições e os ofícios dos
docentes na contemporaneidade. Optou-se, aqui, pela perspectiva marxiana por ser a
primeira a expor o lado negativo do trabalho, e não só o positivo, no atual modo de
produção capitalista. Para Marx, o trabalho possui características gerais que fazem do
ser humano um ser diferente do ser animal. Produzir além da satisfão imediata,
produzir com vistas à satisfão social, transformar a natureza externa ao mesmo
tempo em que se transforma a própria natureza interna, idealizar na consciência tanto o
processo de produção quanto o seu produto, fazer do ser humano um ser social que
produz e se reproduz diferentemente do animal são algumas de suas características.
No entanto, hipostasiar e substancializar essa categoria não contribui para a análise de
suas especificidades no capitalismo, muito menos para se pensar formas de sua
superação. Marx, ciente disso, apontou com clareza o processo que levou à separação
do trabalhador de seus meios de produção, além de ter desenvolvido conceitos como
trabalho alienado, trabalho abstrato e trabalho produtivo para caracterizar o trabalho no
modo de produção capitalista, isto é, seu lado negativo.
Mesmo assim, seria necessário ir além de Marx para compreender os processos mais
contemporâneos que intensificaram a explorão da força de trabalho a partir da
flexibilização das leis e da precarização dos processos. Em relão ao trabalho
docente, vários textos indicam a exisncia dessa flexibilização e precarização no Brasil
e no mundo. Tal constatação aparece como tendência e realidade nas escolas públicas
e privadas. No entanto, é preciso salientar que essa condição não é uma regra, muito
menos uma lei que enquadra todas as políticas, todas as escolas ou todos os
docentes. A condição docente é ampla e diversificada e em um mesmo período
histórico e, até mesmo, em um mesmo espaço escolar podem existir várias formas de
trabalho e várias maneiras de encarar a profissão de professor. De outro lado, certas
tendências mundiais atreladas às metamorfoses do mundo do trabalho e às políticas
neoliberais indicam que a precarização e a flexibilizão do trabalho constituem uma
realidade presente em grande parte das empresas, das instrias, das instituições e,
porque não, das escolas ao redor do mundo. Uma das evincias que corrobora com
esse raciocínio encontra-se na elaboração e na implementação de políticas públicas
para o ensino médio no Brasil nos últimos anos
3
.
Estudos apontam que as normas e as
leis postas em prática privilegiam a flexibilização, a precarização e a desvalorizão do
trabalho docente. Além disso, alguns estudos demonstram a relação que essas
3
Dentre as diversas publicações brasileiras referentes à precarização do trabalho docente, indica-se o dossiê Globalização e educação:
precarização do trabalho docente, da Revista Educação e Sociedade, v.25, n.89, Campinas, set./dez. 2004.
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políticas têm com os interesses privados das empresas multinacionais e do capital
financeiro
4
.
Para dar sentido e estrutura interna ao texto, buscou-se começar pelo próprio conceito
de trabalho, apontando algumas de suas características mais gerais (abstratas) e
outras referentes às suas especificidades no capitalismo, assim como entender, a partir
de certa tradição marxista, o trabalho docente como trabalho assalariado. Prossegue-
se, assim, para a análise da transformação do trabalho em geral e do docente em
particular a partir da década de 1970, período em que ocorrem uma nova
reestruturação produtiva e o estabelecimento de políticas neoliberais. Por fim, tenta-se
resgatar uma discussão presente nos debates acerca da profissão docente que, por
sua vez, remete ao ofício, à arte e ao artefato, na tentativa de encontrar uma
possibilidade, mesmo que provisória, para esse grande impasse que é ser professor no
mundo atual e, em especial, no Brasil.
TRABALHO
A categoria trabalho (Arbeit) em Marx é motivo de muito debate e controvérsia. Entre as
diferentes concepções, podem-se destacar aquelas que postulam o fim do trabalho a
partir de uma perspectiva hisrica segundo a qual o trabalho é uma categoria
eminentemente capitalista,o presente em outros tempos históricos;
5
e aqueles que
compartilham da tese de que tal conceito é constitutivo do ser social e está na base de
suas relações com a natureza.
6
Partindo do cabedal trico de Marx, pode-se
constatar que o trabalho é o mediador do metabolismo entre o homem (humanidade) e
a natureza e que ele se constitui em categoria específica do ser social.
O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em
que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a
natureza. Ele se confronta com a matéria natural como com uma potencia natural
[Naturmacht]. A fim de se apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua própria
vida, ele põem em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade: seus
braços e pernas, cabeça e mãos. Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por
meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele
desenvolve as potências que nela jazem latentes e submete o jogo de suas foas a seu
próprio donio (MARX, 2013, p. 255).
Processo de trabalho é, portanto, aquele que envolve a relão entre homem e
natureza externa e a produção de algo novo. Pressupõe algo externo a ele, uma
natureza independente ao próprio homem, uma natureza natural, objeto externo que
está na origem de seu próprio ser e que se encontra conectado a ele (MARX, 2004).
Ao se apropriar da natureza por meio do ato de trabalho, contudo, ele a modifica, a
torna útil ao seu desenvolvimento e às suas necessidades. Ao se apropriar da
natureza, ao encontrar nela potências úteis que jazem latentes, o homem, além de
alterar a natureza externa, muda sua própria natureza interna, modifica, ao mesmo
4
Um exemplo claro da tendência à privatização do ensino público encontra-se na expansão da empresa Kroton no Brasil. Sobre esse
tema, consultar: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/578444-kroton-educacional-em-termos-de-educacao-publica-nunca-
experimentamos-um-inimigo-com-uma-forca-social-tao-concentrada-como-esse. Acesso em: 12 mai. 2018. Para saber mais sobre o
processo de privatização do ensino público no Brasil sugere-se também a leitura de Freitas (2018).
5
O principal grupo que atualmente compartilha essa perspectiva é o Krisis, e sua principal obra sobre o tema é o Manifesto contra o
trabalho, de 1999.
6
Essa análise é compartilhada, principalmente, por estudiosos do fisofo húngaro marxista Gyorgy Lucs, apoiados em sua obra
Ontologia do ser social, concebida ao longo dos anos de 1960. Cabe destacar que mesmo entre os lukacsianos existem diferenças
teóricas que, neste texto, não cabe delinear.
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tempo, sua própria subjetividade. É nesse metabolismo constante que a sociabilidade
humana se auto produz. Tem-se, por conseguinte, uma importância vital da atividade
sensível do trabalho. Em conjunto com os outros complexos sociais cooperação e
linguagem, por exemplo constitui a base dos complexos que configuram o ser social
tipicamente humano. No entanto, essa relação entre trabalho e outros complexos
sociais não acontece de maneira mecânica. O trabalho aparece como momento
necessário (preponderante), momento do metabolismo entre homem e natureza, mas
que se estabelece a partir de intensas e constantes relações (determinações reflexivas)
com as demais esferas, uma se sobrepondo à outra. Portanto, para se falar em
trabalho na perspectiva marxista, tem-se de ter em conta sua inter-relação com as
demais esferas da sociabilidade, entre elas, a política, o direito e a ideologia
7
.
Por detrás dessa interpretação do conceito de trabalho, há a premissa desenvolvida
por Lucs (2013), a partir de Marx (2013), de que todo processo de trabalho envolve
um momento de planejamento (teleologia) e um momento de execução (causalidade) e
de que todo movimento de exteriorização, seja de um objeto ou de uma subjetividade
(símbolos, linguagens etc.), envolve a associação entre ideação e prática (teleologia e
causalidade), mesmo que estes dois atos não se correspondam necessariamente
(nem tudo o que se produz sai como o planejado, sendo que na maioria das vezes não
sai). Explica Marx (2013, p. 255-256) em uma passagem bastante conhecida:
Pressupomos o trabalho numa forma em que ele diz respeito unicamente ao homem. Uma
aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e uma abelha envergonha muitos
arquitetos com a estrutura de sua colmeia. Porém, o que desde o início distingue o pior
arquiteto da melhor abelha é o fato de que o primeiro tem a colmeia em sua mente antes
de construí-la com a cera. No final do processo de trabalho, chega-se a um resultado que
já estava presente na representação do trabalhador no início do processo, portanto, um
resultado que existia idealmente.
Esse excerto só confirma a hipótese do trabalho como atividade vital e necessária à
produção de uma sociabilidade humana e que o fato de se ter consciência do seu
processo, depois de confirmada pela prática, faz do homem (ser social) um ser
diferente do sermeramente animal e orgânico. A atividade do trabalho é uma
atividade consciente, planejada:o homem faz de sua atividade vital mesma um objeto
da sua vontade e da sua consciência (MARX, 2004, p. 84). O fato de se tomar
consciência de seu próprio trabalho, de sua própria atividade, de seu produto, e de
poder elaborar na sua consciência um projeto, caracteriza uma atividade própria do ser
humano e de sua sociabilidade consciente.
O ser social, portanto, produz universalmente e confirma sua essência social ao
produzir em sociedade e para a sociedade. Ele não produz apenas, portanto, para
satisfazer sua necessidade imediata, mas para satisfazer sua comunidade, enquanto
que o animal produz apenas para sua satisfação individual ou para sua prole. O animal
se reproduz enquanto indivíduo da espécie, ao passo que o homem, ao produzir,
produz todo um mundo (uma natureza inteira). O animal não se distingue da natureza,
enquanto que o homem, livre de suas amarras naturais, se defronta com a natureza
externa também como fruto de sua própria crião. É, portanto, na formação do mundo
objetivo que o homem confirma seu ser, seu saber fazer, mas tamm seu ser social
(ser genérico). A natureza transformada emerge como realização de sua atividade,
7
Neste texto não irá se desenvolver uma análise acerca dessas relações cambiantes. Para ver mais sobre essa temática, consultar
Lukács (2013).
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como comprovação da efetivação de sua vida social, na medida em que duplica a
natureza em sua consciência e, efetivamente,contemplando-se, por isso, a si mesmo
num mundo criado por ele (MARX, 2004, p. 85). Permanecer nessa premissa apenas,
no plano abstrato, não ajuda a esclarecer as especificidades dessa atividade no modo
de produção capitalista. Conforme o próprio Marx (2004, p. 85):
Quando arranca (entreisst) do homem o objeto de sua produção, o trabalho estranhado
arranca-lhe sua vida genérica, sua efetiva objetividade genérica
(wirklicheGattungsgegenstiindlichkeit) e transforma a sua vantagem com relação ao animal
na desvantagem de lhe ser tirado o seu corpo inorgânico, a natureza.
A atividade vital consciente livre, que distingue o homem dos outros animais e o faz um
ser gerico (social), torna-se invertida a partir do trabalho alienado tipicamente
capitalista. O trabalho, atividade vital, deixa de ser parte de sua essência para ser
apenas um meio de sua existência (subsistência). Quando reduzido a um meio, o
trabalho torna-se meramente um meio de existência física, dispêndio de força de
trabalho. Por isso, é importante recuperar a teoria da alienão e seus
desdobramentos na obra marxiana como forma de compreender as determinações
mais específicas e importantes do trabalho na modernidade.
ALIENAÇÃO E ESTRANHAMENTO
Para Marx (2004), a alienação (entäusserung), enquanto separão (cisão) do homem
de seu produto, da natureza e de seu gênero e de sua sociabilidade, tem como
decorrência o estranhamento (entfremdung) do homem em relação a seu produto.
8
O
estranhamento torna-se consequência lógica da alienão, da separão do sujeito
dos seus meios de produção, do ser individual do seu gênero social. Por isso,
alienação e estranhamento são categorias que se complementam na compreensão de
um modo específico de sociabilidade.
Marx exe o conceito de alienão, diferentemente de Hegel, como algo particular de
um tempo específico, não como uma condição humana. A alienação não tem uma
relão direta com toda e qualquer objetivação do ser. É a atividade social no mundo
do capital que acaba por produzir formas de alienação do sujeito que vende sua força
de trabalho no mercado. Marx identifica na propriedade privada capitalista uma forma
de alienação do sujeito à sua falta de propriedade ou seja, da privação de seus meios
de produção, inclusive a terra. A venda do trabalho (força de trabalho) faz o trabalhador
se distanciar do produto, que passa a não mais pertencer a ele. Ocorre, assim, uma
inversão, em que o trabalhador se encontra subjugado pelo produto e a mercadoria,
por seu turno, torna-se demiurgo, sujeito da hisria.
O fenômeno da alienação, portanto, é característico do processo de prodão e
reprodução capitalista. O que Hegel faz, assim como os economistas políticos,
segundo Marx (2004) é naturalizar essa determinada forma produtiva. Trata-se, de
outro lado, de desmistificar a alienação, colocando-a em seu devido lugar: na relão
do trabalho e da propriedade privada no seio do processo produtivo tipicamente
capitalista.
8
A opção pela tradução dos termos entäusserung e entfremdung, respectivamente, por alienação e estranhamento vem da pesquisa da
professora Mônica Hallak Martins da Costa. Para saber mais a esse respeito, consultar Costa (2005).
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Para Marx (2004), Hegel desenvolve a mediação do trabalho, em que o homem se
descobre como ser que transforma, vendo, acertadamente, a duplicidade desse
processo. Se, de um lado, a posição de finalidade aproveita a atividade eminentemente
natural; de outro, a transformação dessa atividade em algum objeto coloca ela própria
em contraposição consigo mesma. A atividade natural se transforma em atividade
social, mesmo conservando certas características naturais, ao produzir algo diferente
do que se encontra na natureza propriamente dita. Dessa maneira, Hegel descreve um
aspecto importante do papel da causalidade no processo de trabalho: não estar
submetido a uma determinação intrínseca à natureza. O produto surge a partir dos
objetos naturais, a partir das forças naturais, mas como algo distinto. O homem que
trabalha pode introduzir na própria natureza combinações perfeitamente novas e
conceder-lhes funções e formas de ações perfeitamente diferentes das suas originais.
Para Hegel (2007), porém, por meio do trabalho a consciência retorna a si própria;
torna-se consciência de si mesma, processo em que somente seu interior se fortalece.
O trabalho é a forma como ele realiza sua essência, na medida em que esta é
conhecimento (saber absoluto). Somente pelo trabalho de conhecimento é que o
homem inicia o processo de superação da divisão homem e natureza, sujeito e objeto
(GONTIJO, 2007). O trabalho é, portanto, o momento de realização humana, mesmo
que este seja, apenas, o do conhecimento. Para Marx (2004, p. 127), Hegelapreende
o trabalho como a esncia, essência do homem que se confirma; ele vê somente o
lado positivo do trabalho, o seu [lado] negativo. [...] O trabalho em que Hegel
unicamente conhece é o abstratamente espiritual.
Ao ver somente o lado positivo e espiritual do trabalho, Hegel não enxerga seu lado
negativo, ou seja: a privação dos seus meios de produção, de seu próprio produto, de
sua sociabilidade; em suma, de sua própria atividade vital. Marx, desde cedo, já
demonstra alguns pressupostos da reprodução antagônica do capital, em que o
trabalhador e o capitalista se encontram em dois lados distintos do mesmo campo de
batalha. Portanto, alienação o se confunde com objetivão, mas com uma
determinada forma de se produzir que subsume o sujeito, seu próprio gênero (social),
ao seu produto. A alienação ocorre na atividade produtiva quando o trabalhador é
privado de seus meios de produção, dos produtos e de sua realização por completo.
Para Marx, o importante não é apenas a transformação da consciência, mas também a
transformão ativa do mundo, que requer a apropriação e a recriação da esfera
produtiva e reprodutiva sociais.
No mundo capitalista, portanto, o trabalho se constitui em uma mercadoria, não uma
mercadoria qualquer, mas aquela que gera valor, que valoriza o valor; isto é, uma
mercadoria que se distingue das outras por ter como valor de uso a propriedade
particular de criar valor. Para Marx (2013), essa mercadoria é a força de trabalho. Para
que ocorram a compra e a venda da força de trabalho, o trabalhador deve ser livre em
dois sentidos: livre para dispor, como pessoa livre, de sua mercadoria, isto é, força de
trabalho; e estar livre, despojado, das condições necessárias para pôr sua força de
trabalho em movimento.
Para Marx (2011), a troca entre capital e trabalho tem como resultado o preço do
trabalho (salário). Por mais que seja troca simples do ponto de vista do trabalhador, tem
de ser não troca do ponto de vista do capitalista. Ao final do processo produtivo, o
capitalista tem de obter mais valor do que aquele que investiu. Se o valor é
determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário objetivado em uma
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mercadoria, o mais-valor, por seu turno, é determinado pelo tempo extra de trabalho
além do necessário para sua reposição. O mais-valor é, no fundo, valor para além do
equivalente presente na troca. Se o trabalhador precisa de apenas meia jornada de
trabalho para viver uma jornada inteira, então só precisa trabalhar meia jornada para
perpetuar sua existência como trabalhador. A segunda metade da jornada de trabalho
é trabalho excedente apropriado pelo capitalista. O que o trabalhador troca com o
capital na forma de dinheiro (equivalente universal), portanto, é seu próprio trabalho na
forma de salário. O que ele recebe como preço (salário) é o valor dessa alienação. O
trabalhador troca a atividade que põe valor por um valor predeterminado,
independentemente do resultado de sua atividade. Esse valor independente do valor
produzido na atividade é que Marx denomina “capital variável. É esse trabalho
(abstrato e produtivo) que altera o valor.
TRABALHO ABSTRATO E TRABALHO PRODUTIVO
O trabalho abstrato, segundo Marx (2013), é aquele que cria valor e se expressa no
valor, fenômeno sócio-histórico e contdo (substância) do valor. Segundo Rubin
(1980), ele não é fisiológico em si, mas resulta também de um dispêndio de energia
física. Não é, tampouco, apenas trabalho fisiologicamente igual, homogêneo.
Representa a indiferença dos indivíduos para com a forma concreta de seu próprio
trabalho. É trabalho humano em geral, substância do valor. É aquele trabalho
socialmente igualado na forma específica da sociedade capitalista. Representa,
portanto, a igualdade dos diferentes tipos de trabalho e dos indivíduos expressos no
caráter social específico do trabalho privado realizado independentemente. O trabalho
só se torna trabalho social a partir de sua igualação, e essa igualação do trabalho se
realiza apenas a partir de uma forma material, que assuma no produto a forma valor.
Para Rubin (1980), o trabalho concreto, antese do trabalho abstrato, não se torna
social por possuir a forma do trabalho que produz valores de uso concretos, mas
apenas ao ser igualado a uma soma de dinheiro. Os produtos concretos se tornam
valor na medida em que eles se despojam de suas peculiaridades e de sua forma
concreta determinada e for igualada a uma dada quantidade de dinheiro. O trabalho
concreto só se mostra como trabalho abstrato quando for igualado a todas as demais
formas de trabalho impessoal.
Trabalho abstrato é, em síntese, a abstração das formas concretas de trabalho e
igualação de todas as formas de trabalho na troca multilateral das mercadorias. Surge
apenas quando a troca se torna a forma social do processo de produção. Despojado
de sua forma útil, para se transformar em dinheiro, na troca se cria a indiferença do
produtor para com seu produto, para com seu trabalho concreto. Trabalho abstrato é a
abstração das propriedades concretas do próprio trabalho. É trabalho que cria valor e
que surge da alienação do trabalho particular.
A atividade docente pode ser considerada trabalho abstrato quando contribui para a
valorizão do valor, mesmo que não produza uma mercadoria materialmente
existente. De outro lado, quando não contribui para a valorizão do valor, quando não
é posto somente para troca, mas para satisfação de necessidades, pode ser
considerado trabalho concreto, gerador de valor de uso. Tanto aquele que gera valor
quanto aquele responsável pela criação de valores de uso receberam de Marx, em
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alguns momentos, a denominação de trabalho produtivo”.
9
No entanto, o conceito de
trabalho produtivo elaborado em sua crítica da economia política adquiriu maior
relevância na medida em que transparece sua real importância no mundo das
mercadorias, isto é, na valorização do valor, na geração de mais-valor.
Para Marx (1970), trabalho produtivo para o capital é todo aquele processo de trabalho
que se realiza em um produto para venda, para troca. Mais especificamente, aquele
trabalho que valoriza diretamente o capital, que produz mais-valor e que se realiza na
troca. É produtivo o trabalhador que executa trabalho produtivo, e é produtivo o
trabalho que gera diretamente mais-valia, isto é, que valoriza o capital (MARX, 1970, p.
71). Trata-se, portanto, daquele trabalho que acrescenta valor ao capital, em que o
produto do trabalho é apenas um meio para que o capital se valorize. Torna-se
produtivo o trabalho que se representa em mercadorias e que contenha em si trabalho
não pago, excedente que é apropriado pelo capitalista.
Sem entrar aqui na querela do trabalho coletivo, cabe salientar que o possuidor da
força de trabalho a vende aos capitalistas, que, por sua vez, adquirem valor de uso
para usá-la na fabricação de mercadorias (valores de troca). Esse trabalho assalariado,
que, ao longo do processo produtivo, converte-se em capital variável, além de consumir
valor adiantado, na forma de capital constante (principalmente máquinas), tem o poder
de aumentar o valor. No entanto, um trabalhador pode ser assalariado e não ser
produtivo. Isso acontece, conforme Marx, toda vez que ocorre a venda da força de
trabalho, mas não há valorização do valor. Se a força de trabalho é utilizada apenas
como valor de uso, como serviço, o trabalhador não é produtivo. Seu trabalho é
consumido por causa seu valor de uso, não como trabalho que gera valor de troca
(MARX, 1970, p. 72).
Nesse caso, o trabalhador troca seu trabalho por renda (parte do mais-valor), não como
capital, pois o dinheiro, nesse caso, é mero meio de circulação (M D M) e não o
equivalente universal. No entanto, tanto a produção de mercadorias quanto a forma
assalariada se absolutizam no capitalismo. Todas as funções profissionais, para se
realizarem em ato para a própria sobrevivência do trabalhador, requerem a troca por
dinheiro (seja na forma de capital ou de renda), conformando os trabalhadores em
trabalhadores assalariados:todos os serviços se transformam em trabalho assalariado
e todos os seus executantes em assalariados (MARX, 1970, p. 73). Ademais, todos os
salários passam a ser regulados pelo preço da força de trabalho. Portanto, ser
produtivo ou improdutivo para o capital reflete duas facetas da mesma forma de ser do
trabalho e do trabalhador: o assalariamento.
Alguns trabalhadores assalariados e improdutivos podem estar indevidamente
vinculados aos processos produtivos. Seu preço pode, inclusive, ser contabilizado na
mercadoria final. Nesse caso, o dinheiro será uma forma do capital adiantado. Os
impostos, por exemplo, poderão ser falsamente contabilizados como capital adiantado,
como custo de produção. Em verdade, para Marx, eles são formas acidentais” do
modo de produção capitalista, e não formas condicionadas por ele. Se os impostos
concretos se transmutassem em direitos, eles se constituiriam não mais em capital
adiantado, mas em dispêndio de renda. Marx adverte, no entanto, que esse “acidente
está inserido no processo de produção e circulação do capital. Se o trabalho produtivo
cessasse, não existiria renda e nem mesmo capital.
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Para saber mais sobre trabalho produtivo em Marx, consultar Cotrim (2012) e Rubin (1980).
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O trabalhador produtivo é, portanto, aquele que cria mais valor, valoriza o capital já
existente. No produto do seu trabalho a mercadoria está contido o mais-valor
gerado pelo seu esforço. O que importa no capitalismo não é o valor de uso das
mercadorias, mas seu valor de troca. A utilidade das mercadorias é sobreposta pela
capacidade que cada uma delas tem de ser trocada no mercado. É por isso que o
trabalho produtivo não tem nada a ver com o conteúdo, a materialidade do trabalho e
sua utilidade. Trabalhos que geram um mesmo conteúdo podem ser tanto produtivos
quanto improdutivos.
Uma cantora que entoa com um pássaro é um trabalhador improdutivo. Na medida em
que vende seu canto, é assalariado ou comerciante. Mas, a mesma cantora, contratada
por um empresário (entrepreneur), que faz cantar para ganhar dinheiro, é um trabalhador
produtivo, que produz diretamente capital. Um mestre escola que é contratado com
outros para valorizar, mediante seu trabalho, o dinheiro do empresário (entrepreneur) da
instituição que trafica com o conhecimento (knowledgemongeringinsitution), é trabalhador
produtivo. Ainda assim, a maior parte desses trabalhos, do ponto de vista da forma, mal se
subsume formalmente no capital: pertencem às formas de transição (MARX, 1970, p.76).
Mesmo que pertencentes à forma de transição, não sendo estritamente vinculados à
esfera da produção capitalista, os trabalhadores que não se separam de seus produtos
ainda são explorados por capitalistas e colaboram na reprodução do capital, e, por isso,
devem ser tratados como trabalhadores assalariados, mas não necessariamente como
trabalhadores produtivos. O trabalho do mestre escola pode ser produtivo quando
atrelado aos interesses do empresário que trafica conhecimento, mas pode não ser
quando está vinculado, por exemplo, às instituições públicas.
Voltando os olhos para o presente, percebe-se que o capital busca-se outras formas de
valorizão no momento de crise. No caso brasileiro, a busca por valorização atravessa
as instituições educacionais. A crescente privatização do ensino médio é uma prova
disso. Pode-se dizer que o trabalho docente nas redes particulares de ensino tornou-se
produtivo para o capital (gera mais valor), mesmo que o produto desse trabalho
docente não seja um produto separado do próprio professor. De outro lado, os
professores da rede pública de ensino o produzem mais-valor para o seu patrão.
Seu trabalho é pago (quando é) a partir do recolhimento de impostos (renda), mas não
deixam de ser, ambos, trabalhadores assalariados, trabalhadores alienados de seus
meios de produzir conhecimento e que trocam sua força de trabalho por dinheiro. Esse
serviço não é útil como prodão de umacoisa, mas como atividade. A produção do
professor não resulta em uma mercadoria separada dele; ela é una, com seu próprio
processo. A produção e a realização da mercadoria conhecimento acontecem ao
longo de uma aula. No final, não se tem uma mercadoria material, mas um trabalho
realizado em troca de um salário. Se for uma instituição privada, provavelmente esse
trabalho gerará lucro para os capitalistas, conforme Marx (1970, p. 79), pois nas
instituições de ensino, por exemplo, os docentes podem ser meros assalariados para o
empresário da fábrica de conhecimento. No caso do ensino público, esse salário é
trocado por recursos públicos oriundos de impostos. Ou seja, é trocado por renda.
PROCESSO DE TRABALHO E DOCÊNCIA
O fabricante de pianos reproduz o capital, o pianista só troca seu trabalho por renda. Mas o
pianista, que produz música e satisfaz nosso senso musical, também não o produz de
certa maneira? De fato, ele o produz: seu trabalho produz algo; nem por isso é trabalho
produtivo no sentido econômico; é tão pouco produtivo como trabalho do louco que produz
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quimeras. O trabalho só é produtivo na medida em que produz seu pprio trabalho. [...]
Trabalho produtivo é aquele que aumenta diretamente o capital (MARX, 2011, p. 238-239).
Mesmo não sendo um trabalho produtivo” para o capital, o pianista, ao tocar piano,
produz em troca de renda, de salário. No caso do professor, ele é um trabalhador. Mas,
para alguns especialistas, como Ferreira e Diógenes (s/d), o docente não é um
trabalhador porque não transforma a natureza em um objeto concreto. Outros, como
Saviani (2011), Paro (s/d), Frigotto (2015), cada um à sua maneira, identificam a prática
docente como trabalho. Preleciona Saviani (2011, p. 11-12):
Para sobreviver, o homem necessita extrair da natureza, ativa e intencionalmente, os
meios de sua subsistência. Ao fazer isso, ele inicia o processo de transformação da
natureza, criando um mundo humano (o mundo da cultura). Dizer, pois, que a educação é
um fenômeno próprio dos seres humanos significa afirmar que ela é, ao mesmo tempo,
uma exigência do e para o processo de trabalho, bem como é, ela própria, um processo de
trabalho.
Transformar, portanto, a natureza em meio de subsistência é também produzir cultura.
Se a garantia de sua subsistência envolve a produção de um objeto externo a ele,
constitui um trabalho material, mas, para que isso ocorra, é preciso que ele antecipe
na consciência idealize a produção antes mesmo de executá-la. Essa
representação ideal envolve uma cultura já herdada socialmente, incluindo o aspecto
de conhecimento das propriedades do mundo real (ciência), de valorizão (ética) e de
simbolização (arte) (SAVIANI, 2011, p.12). Esses aspectos, como abrem perspectivas
para outro entendimento de prodão que não só aquele material, podem ser
denominados não materiais por não produzirem uma mercadoria objetiva, concreta.
A produção de ideias, valores, símbolos, habilidades é produção de saber, seja ele
referente à natureza, à cultura ou à sociedade. Trata-se de produção de conhecimento.
A educação, para Saviani (2011), encontra-se nessa categoria detrabalho não
material. Cabe, no entanto, uma divisão desse termo. Em uma primeira concepção, a
atividade do trabalho separa o produto do seu produtor, como no caso da produção de
um livro ou objeto artístico. Nesse exemplo, ocorre um hiato entre a produção e o
consumo do objeto, possível graças à relativa autonomia do objeto. Já a outra
conceão é aquela em que o produto não se separa da prodão. O ato de produção
e consumo acontece em um mesmo momento. Para Saviani (2011), é nessa segunda
aceão que se encontra a atividade docente. A natureza do trabalho docente
encontra-se na situação em que produção e consumo fazem parte de um mesmo
momento: a aula.
Assim, a atividade de ensino, a aula, por exemplo, é alguma coisa que supõe, ao mesmo
tempo, a presença do professor e a presença do aluno. Ou seja, o ato de dar aula é
insepavel da produção desse ato e de seu consumo. A aula é, pois, produzida e
consumida ao mesmo tempo produzida pelo professor e consumida pelos alunos.
(SAVIANI, 2011, p. 12).
O trabalho do professor é, portanto, produzir em cada aluno a humanidade que é
produzida culturalmente e socialmente. O objetivo da educação é, de um lado, a
assimilação de conteúdos culturais produzidos pela humanidade e, de outro lado, a
descoberta de formas mais adequadas para se conseguir tais objetivos.
Para Saviani (2011), portanto, , na prática docente, no trabalho docente, algo para
além do trabalho assalariado e alienado típico do trabalho produtivo”, há um sentido de
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formação humana que escapa à prodão de mercadorias, que pode ser, inclusive,
papel do professor no ambiente escolar em uma sociedade capitalista. Para Saviani, é
importante colocar a prática social como ponto de partida e guia do processo educativo.
Cabe ao professor promover a problematização dos conteúdos científicos e culturais,
devendo ser expostos e tratados por ele de forma sistematizada e lógica. O aluno,
então, pode se apropriar desse conteúdo por meio do processo denominado de
instrumentação. Este se conforma em dois passos: primeiro, o aluno se apropria de
informações e categorias básicas, abstratas, necessárias para a análise e o manejo da
realidade; segundo, a partir dessa apropriação, ele realiza o contraste com o sentido
inicial, com sua prática social cotidiana, seu ponto de partida e de chegada. Saviani,
contudo, não deixa de considerar a condição de assalariamento do professor e sua
precarização no atual momento neoliberal. Para ele, a condição docente é precarizada
por políticas e normas que estabelecem a exaustão do trabalho do professor, que,
assim como o trabalhador produtivo”, não se realiza em seu trabalho, não se
reconhece nele, mas, pelo contrário, o nega como forma de realização pessoal.
Para Paro (s/d), também a prática docente se configura em trabalho. O autor parte da
premissa de Marx de que o processo de trabalho é atividade orientada a um fim e que
o trabalho, em sentido geral, pode ser concebido abstratamente (isoladamente),
independente de sua forma social específica. Ao ser considerado ato com a intenção
de um fim, sem necessariamente determinar um tipo de produto, o trabalho pode ir
além de seu aspecto econômico. Nesse sentido, assim como o trabalho do pianista, a
execução de uma orquestra e, até mesmo, uma aula podem ser compreendidas como
trabalho. Mas, para ser um trabalho, é preciso que existam meios de produção. Os
meios de produção são considerados objetos e instrumentos de trabalho. Os
instrumentos de trabalho são os materiais escolares em geral, tudo aquilo que se utiliza
para a realização de uma aula, e o objeto do trabalho é o educando. Não se trata de
um mero objeto, mas de um sujeito ativo na participação, na produção e na apropriação
de uma cultura socialmente constrda. O conhecimento gerado nesse processo
corresponde àquilo que é transformado e incorporado ao final, e os instrumentos de
trabalho (os meios de produção) interpõem o produtor e o produto (objeto). Segundo
Paro, é preciso considerar que o trabalho do docente, mesmo na atual conjuntura, é de
grande relevância para a formação das personalidades humano-hisricas críticas e
que o processo de ensino e aprendizagem é uma ferramenta de transformação
efetiva de sujeitos.
Uma ação educativa que se realiza em um ambiente escolar deve ser considerada um
processo de trabalho. O processo educativo, para Paro, não é mera transmissão de
conhecimento, mas apropriação de conhecimento. O educador propicia as condições
de ensino, cabendo ao educando apropriar-se desse conhecimento. O processo
pedagógico acontece nessa relação entre cultura, ciência e apropriação desse
conteúdo. Não apenas aproprião, esse processo envolve também transformação do
mundo. O objetivo da educação é formar e transformar a humanidade. No entanto, o
professor também é um trabalhador assalariado e seu trabalho é trocado por dinheiro.
Essa medião pode tornar esse processo enfadonho, estressante, alienante e
precarizado.
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FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO
Para Alves (2007), existem diferenças entre precarizão e precariedade, que remetem
tanto às dimensões e especificidades do momento sócio-histórico quanto às
determinações intrínsecas ao próprio movimento do capital. A precariedade, segundo o
autor, é constitutiva do próprio processo de trabalho assalariado. Desde as origens da
acumulão primitiva, o sistema capitalista impõe regras de precariedade do trabalho
para aqueles que se encontram desprovidos de seus meios de produção. Ademais, o
próprio sistema gera, a partir de processos concorrenciais, uma enorme massa de
trabalhadores desempregados, reféns da lógica do mercado (exército industrial de
reserva). Esses trabalhadores foram, ao longo do tempo, perdendo seus ocios, seu
saber-fazer, para se tornarem proletários, assalariados, que exercem não mais um
trabalho particular (artesanal), mas um trabalho mediado pelo tempo socialmente
necessário. Trabalho este destituído da relação direta com o processo, com os meios
de produção e com o produto. O trabalhador passa a ser mais um na produção
industrial.
O processo de precarização, por sua vez, para Alves (2007), é a forma que o
capitalismo encontrou para se desenvolver e gerar lucros a partir da acumulação
flexível e do neoliberalismo (HARVEY, 1989). Enquanto a precariedade é constitutiva
do próprio sistema, condição de ser do trabalhador proletariado assalariado, a
precarização é a reposição do precário em sua nova fase de reestruturação produtiva e
de ajuste neoliberal, sendo, inclusive, determinada pela luta de classe e pela
correlação de forças políticas entre capital e trabalho (ALVES, 2007, p. 114).
Se, nas décadas de 1950 e de 1960, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, a
partir de lutas e de resistências, os trabalhadores conseguiram adquirir direitos sociais e
políticos por intermédio de um Estado mais voltado para as questões sociais, logo após
as crises da década de 1970 do petróleo e do próprio Estado social (WelfareState)
há uma nova correlação de forças, em que o capital tende para a revisão dos direitos, a
precarização das relações de trabalho e a flexibilização da legislação referente à mão
de obra
10
. A precarização, nesse sentido, corresponde às perdas de direitos
(seguridade, previdência, trabalho etc.), a partir de uma reestruturação produtiva em
que as contradições entre capital e trabalho penderam para o lado do capital. Este
último, a fim de garantir uma taxa crescente de lucro, procura intensificar o processo de
explorão e, consequentemente, de precarização da força de trabalho.
O processo de precarização do trabalho, que aparece sob o neologismo flexibilização do
trabalho, impõem-se não apenas por meio da perda de direitos e do aumento da
exploração da força de trabalho, [mas] por meio do alto grau de extração de sobretrabalho
de contingentes operários e empregados da produção social. A precarização do trabalho
se explicita por meio do crescente contingente de trabalhadores desempregados
supérfluos à produção do capital (ALVES, 2007, p. 126).
10
Para Harvey (1989), o regime de acumulação fordista entrou em crise, entre outros fatores, por causa do excesso de rigidez dos
investimentos em capital fixo no longo prazo e do regime de produção em massa, que enrijeceu o planejamento, o trabalho e o próprio
mercado. Essa rigidez prejudicou o pagamento da dívida pública à medida que aumentavam os gastos com programas sociais e
investimento em infraestrutura (sobretudo nos países subdesenvolvidos) em detrimento de seu pagamento. A emissão de papel moeda,
de outro lado, como única medida flexível, colaborou para a onda inflacionária e para estagflação. A acumulação flexível veio de encontro
à rigidez do período fordista. Sua base econômica ancorou-se na flexibilidade dos processos e dos mercados de trabalho, além da
flexibilização da produção e dos padrões de consumo. Ademais, apoiou-se no surgimento de novas indústrias investidas de capital fixo
(ciência e tecnologia) e no fenecimento de antigas fábricas fordistas; no fortalecimento do mercado financeiro e das bolsas de valores; na
intensificação das novas tecnologias de inovação; e nas novas formas de governo e administração tanto públicas quanto privadas
(neoliberalismo). A acumulação flexível reorganizou o mercado, alterando os padrões de desenvolvimento das nações, a partir de uma
conexão e dependência cada vez maior ao capital financeiro, como bem escreveu Chesnais (1996).
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A precariedade éuma forma do ser sócio-hisrica da condição ontológica da força de
trabalho como mercadoria (ALVES, 2007, p. 115). A precarização, por sua vez, revela
as novas formas de alienação, estranhamento, fetichismo e subsunção do trabalho ao
capital a partir da reestruturação produtiva do períodopós-1970, quando ocorre o
deslocamento da condição de prolerio para trabalhadores supérfluos. Foi nesse
período que as conquistas históricas da classe trabalhadora começaram a ser
questionadas pelos capitalistas, e os sindicatos e associações de trabalhadores se
apresentaram, do ponto de vista do capital, como entraves à acumulação capitalista.
PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE
A não de trabalho docente precário se assemelha a uma das determinações do
novo sujeito: o precariado”. Esse novo sujeito, definido por Alves (2012a) como
possuidor de alto grau de escolarização, que assume postos de trabalhos precários,
flexíveis e temporários, es associado às s condições de trabalho: pouca
infraestrutura, pouca segurança, baixo suporte técnico, salários abaixo do valor e
trabalhadores sujeitos à alta rotatividade dos postos de trabalho. O sujeito precarizado,
constituinte o de uma nova classe social, mas de uma massa de trabalhadores
proletarizados aqueles que vendem sua força de trabalho em troca de salário ,
duplicou na primeira década do século XX. Coincidentemente ou não, entre esses
novos sujeitos precarizados cresceu o desemprego. Isso evidenciou um
descompasso entre a escolarização do trabalhador e o mercado de trabalho. Alta
escolarização já não indica, necessariamente, um bom emprego ou, até mesmo, um
emprego estável (ALVES, 2012a).
A precarização do trabalho docente, ainda segundo Alves (2012b), possui duas
dimensões. A primeira corresponde à precarização salarial, sobretudo relativa aos
contratos de trabalho, longas jornadas e baixas remunerações. Essa precarização
também envolve os efeitos da reestruturão produtiva, da intensificação do papel da
ciência e da tecnologia em uma novagestão de matriz flexível, aumentando o
processo de controle e vigilância sobre o trabalho. De outro lado, esse processo
acarretou a precarizão do próprio sujeito que trabalha. A precarizão, nesse sentido,
ocorre no âmbito da subjetividade, ocasionada pelo estresse do trabalho estendido e
desvalorizado, gerando desequilíbrios psíquicos, sofrimentos e adoecimentos quando
levado ao extremo. As consequências desse processo foram a desidentificação de
classe, a redução do trabalho vivo ao trabalho morto e a redução do tempo livre ao
tempo de trabalho. Esse processo, cada vez mais, reforça a alienação e o sofrimento
do trabalhador docente, seja ele servidor blico ou privado.
Mesmo professores da rede pública executam um trabalho alienado, pois estão
subordinados a divisão hierárquica do trabalho que caracteriza o controle do metabolismo
social do capital em sua forma estatal. Na verdade, o trabalho estranhado encontra no
trabalho criativo o veículo ideal para invadir espaços vitais dos artífices (ALVES, 2012b).
O trabalho criativo do professor tornou-se um fardo no momento em que foi apropriado
pelo metabolismo social do capital. O trabalho criativo tornou-se precário a partir da
intensificação das cobranças e do controle envolvidos na profissão, além da extensão
das jornadas de trabalho, da precariedade das escolas, da violência no ambiente
escolar e do rebaixamento do pro da força de trabalho. Para Alves (2012b), esse
processo desativou o sentido do ocio de professor. O que caracteriza esse ocio
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atualmente, portanto, o é tanto a criação pedagógica, mas a alienação envolvida
pela flexibilização e pela precarizão do/no processo de trabalho.
Alguns autores vêm demonstrando, portanto, que a atividade docente vem cada vez
mais se transformando numa atividade desgastante e alienante. Conforma Oliveira
(2004), com a expansão da educação básica e pública na América Latina e no Brasil,
de um lado, ampliou-se a oferta educacional abrangendo grande parte da população,
mas, de outro, o professor passou a exercer várias fuões dentro do ambiente escolar
e a responder por funções que vão além de sua formação e sua função, por exemplo,
de assistente social, de psicólogo e de pedagogo. Essas exigências vêm causando um
sentimento de desprofissionalizão e de desidentificação com a profissão. A prática
em sala de aula tornou-se a menos importante.
Essa situação é ainda mais reforçada pelas estratégias de gestão [...], que apelam ao
comunitarismo e voluntariado, na promoção de uma educação para todos. Nesse contexto
é que se identifica um processo de desqualificação e desvalorização sofrido pelos
professores. As reformas em curso tendem a retirar deles a autonomia, entendida como
condição de participar da concepção e organização de seu trabalho. O reconhecimento
social e legal desse processo pode ser encontrado na ppria legislação educacional, ao
adotar a expressão valorizão do magistério para designar as questões relativas à
política docente: carreira, remuneração e capacitação (OLIVEIRA, 2004, p. 1.132).
Constata-se que os movimentos pelas reformas educacionais estão estabelecendo
novas política que coadunam com as novas práticas de trabalho adotadas nas esferas
produtivas do capital, trazendo consequências para a atividade docente e também para
a escola, os alunos e seus profissionais. O trabalho docente, segundo Oliveira (2004),
não é mais visto apenas como atividade em sala de aula, mas parte da gestão
escolar que se dedica ao planejamento, ao currículo e às demandas cotidianas, tais
como festas, eventos esportivos etc. Além disso, o professor tem de ser capaz de
responder às novas necessidades do mercado, de modernizar suas práticas usando as
novas tecnologias e de lidar com as novas exigências, com as novas competências. A
sociedade do conhecimento requer cada vez mais do professor, mas pouco faz para
que ele realize essa tarefa hercúlea. Verificam-se muito mais a exaustão e seu
adoecimento
11
.
A flexibilização da atividade se manifesta também com a crescente valorização e a
implementação do ensino a distância. Flexibilizam-se os tempos da aprendizagem, o
local da escola e o papel do professor. A justificativa para isso, segundo (KUENZER,
2016, p. 1), é autonomia do aluno para definir seus horários de estudo, em
contraposição à rigidez dos tempos dos cursos presenciais. Esse fato esconde, em
verdade, a desvalorização da escola como local da educação e da formação humana,
mas também demonstra o contingenciamento como estragia da gestão blica.
Outra forma de conceber a aprendizagem flexível, como apresentado por Kuenzer, são
as adoções de metodologias inovadoras. Elas são postas comotransformadoras ao
articularem o desenvolvimento tecnológico com modelos de aprendizado e mídias
interativas. A justificativa, nesse caso, é a necessidade de corresponder às demandas
de uma sociedade globalizada, conectada e competitiva, além de possibilitar a
expansão do ensino, mas que, na verdade, corroboram para uma educação flexível e
11
Alguns trabalhos, como o de Gasparini et al. (2005), demonstram esse fato.
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excludente na medida em que são poucas as escolas que dispõem de tecnologias
avaadas nas redes públicas de ensino.
Ocorrem, ainda, segundo Oliveira (2004), sobretudo nas escolas públicas de ensino
básico, a contenção de salários, a diminuição de trabalhadores efetivos, o aumento de
professores temporários e precarizados, o aumento da carga horária (intensiva e
extensiva), o elevado número de alunos em sala de aula, a instabilidade do corpo
docente e a falta de autonomia em sala de aula.
Essas tendências da educação, principalmente a pública no Brasil, são uma realidade
para a maioria dos professores. Compatibilizar o prazer de lecionar, mesmo
reconhecendo seu papel alienado, com as condições estruturais tanto da escola quanto
do sistema educativo, é um grande desafio. Isso porque a tenncia à precarização e à
flexibilização da prática docente no Brasil
12
é uma realidade que se intensifica a cada
dia. Um bom exemplo dessa situão encontra-se nas redes estaduais de ensino
público no Brasil. Estudos como de Gatti et al. (2011) apontam alguns motivos para a
subvalorização e a precarização do trabalho docente e da educação básica das redes
municipais e estaduais no Brasil, que, por sua vez, foram expostos ao longo deste
texto. Segunda as autoras, baixos salários, baixas demandas por cursos de
licenciatura, falta de prestígio social do professor, condições precárias de trabalho e
indisciplina e violência em sala de aula contribuem para que essa profissão seja de
grande rotatividade, de menor estabilidade e de grande precariedade
13
. Segundo
Miranda (2017), a partir de análises do censo escolar de 2015 (INEP), 53% dos
professores da rede estadual de ensino de Minas Gerais são temporários
14
. Destes,
56% têm entre 23 e 37 anos de idade. Constata-se, portanto, que o processo de
precarização do trabalho docente, além de ser parte constitutiva do processo de
reestruturão produtiva do capital, é consubstanciado e reproduzido por meio de
políticas públicas.
PARA NÃO CONCLUIR: OUTRO PROFESSOR É POSSÍVEL?
Longe de esgotar o assunto, este texto procurou demonstrar que o trabalho docente,
apesar de suas peculiaridades, está intrinsecamente submetido às formas de trabalho
no modo de produção capitalista e, em especial, à reestruturação produtiva ocorrida a
partir da crise do Estado de bem-estar social, que gerou flexibilizão e precarização da
prática docente. Em caráter provisório, foi possível perceber que, para a maioria dos
professores da educãosica no Brasil, em especial em Minas Gerais, a situação é
de flexibilizão e precarização das relações de trabalho. Vários estudos vêm
demonstrando isso. No entanto, para finalizar este texto, preferiu-se apontar para uma
12
A educação encontra-se submetida aos processos de intensificação do trabalho. Em 2010, segundo Dal Rosso (2017), no Brasil, 800
mil professores trabalhavam com cargas horárias excessivas, entre 40 e 44 horas semanais. Além disso, cerca de 3,8 milhões possuíam
dupla jornada.
13
Segundo reportagem do jornal O tempo, de 23 de setembro de 2013, entre janeiro e agosto de 2012, 1.283 professores pediram
exoneração do cargo na rede de ensino público de Minas Gerais, superando o número do primeiro semestre do ano anterior (2011).
Explica a matéria, Salário baixo, falta de plano de carreira, s condições de trabalho e desrespeito dos alunos eso entre os motivos da
evasão apontados pela categoria. Disponível em:<https://www.otempo.com.br/cidades/cinco-professores-se-demitem-por-dia-das-
escolas-estaduais-1.717680>. Acesso em: 13 mai. 2018.
14
Em 2007, o então governador de Minas Gerais, Aécio Neves, aprovou, em conjunto com a Assembleia Legislativa, a Lei 100, que
efetivou a grande maioria dos professores temporários da rede estadual (aproximadamente 100 mil funcionários, na maioria professores).
Em 2015, o STF julgou inconstitucional a Lei 100. O Tribunal decidiu, com base na Constituição, que todo funcionário público só poderia
ser efetivado a partir de concurso público. A partir de 2015, os professores temporários que foram efetivados retornaram à sua condão
de temporários. A pesquisa do INEP de 2015 contabilizou esses professores como efetivados (BARREIROS, 2016). Tendo em conta
esse novo cenário, a maioria dos professores da rede estadual de ensino já se tornou temporária em 2017.
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alternativa, mesmo que restrita, da retomada da não de artesão, de artífice, como
uma possibilidade para o resgate do papel do professor, mesmo sabendo dos limites
dessa perspectiva na atual conjuntura, mesmo sabendo da impossibilidade concreta de
sua efetivão no mundo capitalista contemporâneo que se consolida, cada vez mais,
a partir da crise e negão do trabalho vivo.
Para dar conteúdo e sentido a essa proposta, recupera-se uma passagem em que
Marx relata a perda do sentido artístico do trabalho no momento em que o trabalhador
artesão perde a determinabilidade do seu próprio trabalho e a ligação com seu
antigo mestre ao se transformar em trabalhador indiferente à sua forma, ao se
converter em trabalho abstrato.
Ser portador do trabalho enquanto tal, i.e, do trabalho como valor de uso para o capital,
constitui, portanto, seu caráter econômico; é trabalhador por oposição ao capitalista. Esse
não é o caráter dos artesãos, dos membros da corporação etc., cujo caráter econômico
reside justamente na determinabilidade de seu trabalho e na relação com um determinado
mestre etc. Por isso, essa relação econômica o caráter que o capitalista e o trabalhador
portam como os extremos de uma relação de produção é desenvolvida tanto mais pura e
adequadamente quanto mais o trabalho perde todo caráter de arte; a sua perícia particular
devém cada vez mais algo abstrato, indiferente, e devém mais e mais atividade
meramente abstrata, puramente mecânica, por conseguinte, indiferente à sua forma
particular; atividade simplesmente formal ou, o que dá na mesma, simplesmente sica,
atividade pura e simples, indiferente à forma (MARX, 2011, p. 231).
Parece utópico reafirmar esse caráter do artesão, salientado por Marx,
15
para
asseverar uma alternativa para o trabalho docente. Mas é preciso reencontrar esse
sentido da atividade, reencontrar o interesse pela prática docente, realizá-la, também,
como um ato artístico e político de transformação humana
16
. Para tanto, conforme
Sousa Neto (2005), é preciso que o ofício docente represente um saber-fazer que
envolva pesquisa, estudo, criatividade e habilidades. É necessário também certo ritual
que exige compromisso e prazer. Para Hobsbawm (2005), o arfice precisa recuperar o
controle sobre seu trabalho sem precisar de mecanismos de supervisão direta, ele
precisa estar ciente do processo e de posse de suas ferramentas e meios de sua
produção. Para a realização de tal prática, é preciso também um espaço, umaoficina,
um lugar para as ferramentas e para a troca de conhecimento e saberes, espaço da
produção material, mas também não material simbólica. O processo na oficina
envolve uma identificação com a prática e com os meios que possibilitam sua prática.
Essa identificação, segundo Sousa Neto, pode levar, no interior da sociedade, a uma
15
Outra passagem de Marx também aponta para essa cio e suas consequências. Nas cidades, a divisão do trabalho entre as
diferentes corporações era muito incipiente e, no interior dessas corporações, não era nem sequer realizada entre os diferentes
trabalhadores. Cada trabalhador tinha de estar habilitado a executar toda umarie de trabalhos e tinha de ser capaz de produzir tudo
aquilo que era posvel ser produzido com suas ferramentas [...]. É por isso que, nos artesãos medievais, ainda se encontrava um
interesse em seu trabalho específico e pela habilidade em executá-los, o que muitas vezes podia elevar-se até um limitado sentido
artístico. Mas é por isso, também, que cada artesão medieval estava plenamente absorvido em seu trabalho, tinha com ele uma aprazível
relação servil e estava mais submetido a ele do que o trabalhador moderno, para quem seu trabalho é indiferente. (MARX; ENGELS,
2007, p. 54).
16
Para Sennett (2012), o bom arfice deve ter em conta a imporncia do esboço como fator importante para o início de qualquer trabalho.
O esboço é aquilo que não está concluído, é o projeto aberto ao acaso, às intempéries do cotidiano. O bom arfice também tem de
acreditar no seu ofício e na realização de sua tarefa. Tem de buscar soluções abertas, não se pode tomar um problema isoladamente,
não se pode acreditar em proporções perfeitas, deve-se optar pela dúvida e pelo incerto. O bom artífice também deve evitar o
perfeccionismo, deve evitar ao autocentrismo, deve abrir a produção às imperfeões próprias da humanidade. Por fim, o bom artífice tem
de saber seu limite e o momento de parar. A persistência no trabalho que não encontra mais caminhos nem respostas pode fazer perder
todo o planejamento. O impulso para se fazer um bom trabalho não é nada fácil e é inseparável de seu lugar de trabalho (oficina). O
trabalho do arfice precisa fazer sentido, precisa provocar desejos, mas precisa estar aberto também para os fracassos e para as
decepções, pois estas fazem parte de qualquer ofício.
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superão de certo tipo de trabalho restrito a determinado tempo histórico, isto é, o
trabalho alienado.
Para Arroyo (2000), o professor precisa ter autonomia e, ao mesmo tempo, cultivar
transgressões políticas, pedagógicas e educativas, buscar inovações o para
satisfazer os alunos, mas, também, a ele mesmo. É preciso que o professor se sinta
bem com seu ofício, com sua prática, para que ele construa sua auto imagem como
professor. Para ele, baseando-se em Hobsbawm (2005), os saberes foram sendo
transformados com o advento das máquinas e das tecnologias derivadas da Revolão
Industrial. Esse processo levou os artesãos a perderem o controle de seus trabalhos,
de seus ofícios, levando quase à extinção dos artífices, de seus saberes integrados
com seus produtos e com suas oficinas. Foi usurpado do arfice o seu saber-fazer,
ainda que seja preciso reconhecer que esse saber-fazer permanece em alguns nos
embates e nas lutas cotidianas que envolvem a sala de aula, a escola e o mundo.
É preciso, no entanto, o deixar de reconhecer as penúrias e as dificuldades do
cotidiano do professor trabalhador, que, por mais que ele queira, muitas vezes não
consegue se livrar das amarras das estruturas e dos processos alienantes do modo de
produção capitalista que envolve sua profissão, seu ocio. Mas, para a realização do
trabalho como existência plena dos sujeitos, exige-se não apenas uma crítica da
sociedade vigente e da profissão docente, mas sua transformação imediata.
REFERÊNCIAS
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Data da submissão: 31/10/2018
Data da aprovação: 04/10/2019