Trabalho & Educação | v.28 | n.1 | p.59-73 | jan-abr | 2019
Muitas críticas surgiram em relação a essa versão das teses do materialismo histórico,
acusando-a de concepção fatalista da revolução comunista e Gramsci é um dentre
outros marxistas que segue essa tendência
. O fatalismo ou determinismo surgem de
uma forma de conceber a relação entre as estruturas materiais de produção e as
superestruturas ideológicas. Em oposição à concepção determinista da estrutura sobre
a superestrutura, Gramsci apresenta a concepção de relação orgânica, introduzindo a
ideia de determinação recíproca e não mais de determinação unilateral. Nesse sentido,
entende Gramsci que cada época histórica corresponda à formação de um bloco
histórico, que é, exatamente, o estabelecimento de uma relação ou soldagem entre
estrutura material e superestrutura ideológica. No entanto, também entende que esta
soldagem não ocorra automaticamente pela determinação da estrutura sobre a
superestrutura. Como afirma Hugues Portelli, em seu ensaio Gramsci e o bloco
histórico, a atribuição da primazia ao momento estrutural ou, pelo contrário, ao
momento superestrutural de um determinado bloco histórico deriva de diferentes
interpretações da obra de Marx e não da de Gramsci. Para o pensador italiano, a
relação entre estrutura e superestrutura, num bloco histórico, é dialética, pois ambos
são igualmente determinantes, ou seja, determinam-se reciprocamente. Tanto que a
fraqueza ou importância da superestrutura pode, inclusive, limitar a evolução da
estrutura, mantendo o antigo bloco histórico ou não superando o nível trade-unionista.
(Portelli, 1990, p. 55-56) É com a concepção de bloco histórico que Gramsci evita tanto
o determinismo mecânico da estrutura sobre a superestrutura, como defendia a
ortodoxia marxista, quanto a idealização da cultura como se fosse ela o motor da
história. A propósito, diz ele sobre isso que:
A análise dessas afirmações creio que leve a reforçar a concepção de “bloco histórico”, no
qual, de fato, as forças materiais são o conteúdo e as ideologias a forma, distinção entre
forma e conteúdo que é meramente didática, porque as forças materiais não seriam
concebidas historicamente sem a forma e as ideologias seriam caprichos individuais sem
as forças materiais (Q 7, § 21, p. 62, grifo do autor).
Pensando na relação orgânica entre um novo modo de vida de uma sociedade, que se
impõe pelas transformações do mundo da produção, e a necessidade de um modo de
pensar condizente com tal situação, podemos dizer, então, que uma nova concepção
do mundo se faz necessária, mas essa não pode ser confundida com o mero ato de
uma vontade que se julga suficientemente capaz de interpretar as necessidades
históricas do momento. Se uma concepção do mundo não corresponder às
pensamento” (Engels, 1979, p. 120). Portanto, a dialética é entendida como uma lei universal e científica. A principal preocupação de
Engels era a de conferir aos pressupostos materialistas um caráter científico, que também era uma preocupação do próprio Marx. Mas
uma consequência importante da equivalência entre mundo natural e humano é a da ausência da relação dialética entre sujeito e objeto.
Na natureza não há um sujeito. O resultado desse esforço leva à conclusão de que a mesma objetividade que se faz presente nas leis da
natureza também se faz presente nas leis do mundo humano. Secundária se torna, então, a importância da subjetividade e da vontade no
processo revolucionário. Para Merleau-Ponty, a dificuldade sobre o assunto já vem da própria obra de Marx que, a partir de determinado
momento, se distancia de uma série de questões que levam a entender que o processo histórico é um processo que depende mais de
fatores objetivos que subjetivos (Merleau-Ponty, 2006, p. 77).
Como menciona Spriano, Gramsci, em seu artigo La rivoluzione contro il capitale, entende que os bolcheviques haviam superado a
interpretação mecânica e determinista da tradição socialdemocrata, que ele define como a teoria da inércia do proletariado (Spriano, 1975,
p. 16). Para Michel Löwy, o marxismo de Gramsci passa pela mediação de um hegelianismo antipositivista (Croce e Labriola) e de um
voluntarismo ético-romântico (Sorel e Bergson). A referência ao pensamento idealista, principalmente a Bergson e Croce, é nos anos
1917-1918 um meio para se opor à ortodoxia positivista, cientificista e econômico-determinista de Claudio Treves e Filippo Turati,
representantes oficiais do marxismo da Segunda Internacional na direção do socialismo italiano (Löwy, 1990, p. 97-110). Também
Tortorella comenta que Gramsci fica sensibilizado pelos textos de Bergson a que tivera acesso, principalmente com a ruptura
antipositivista e antidogmática, mas faz ressalvas quanto aos riscos de que tais ideias possam desembocar em um espontaneísmo das
massas (Tortorella, 1998, p. 96).