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DOI: https://doi.org/10.17648/2238-037X-trabedu-v28n3-9854
A INTERFERÊNCIA DO EMPRESARIADO NAS POLÍTICAS PARA A
EDUCAÇÃO DO TRABALHADOR
1
The entrepreneur interference in policies for worker education
LEME, Renata Bento
2
RUIZ, Maria José Ferreira
3
GARCIA, Sandra Regina de Oliveira
4
RESUMO
Este artigo, por meio de pesquisa bibliográfica e documental, tem o objetivo de apresentar os
caminhos históricos que levaram o atual governo federal a sancionar a Lei n. 13415/2017, da reforma
do ensino dio. Objetiva ainda discutir a tendência histórica da interferência dos emprerios na
elaboração das políticas educacionais, voltadas para o ensino dio e para a educação profissional,
no Brasil. Apresenta indícios destas interfencias desde a elaboração da Lei Capanema, passando
pelo peodo ditatorial, em que a profissionalizão compulria foi colocada em prática por meio da
Lei n. 5692/1971. No processo de elaboração da LDBEN/1996, o ideário neoliberal reitera a prioridade
de preparar o sujeito para as exigências do mundo da produção. A partir de 2006, com a instituição do
movimento empresarial “Todos Pela Educação, a influência deste grupo torna-se mais orgânica e
ocorre em parceria com o MEC e entidades como o CONSED, obtendo forte presença na elaboração
das diretrizes para a reforma do ensino médio. Conclui destacando que as poticas para a educação,
historicamente, são elaboradas em um contexto de disputa entre projetos muito diferentes de
sociedade e mediatizadas pelos confrontos entre as classes antagônicas. Assim, refoam a oferta de
uma educação para formação da força de trabalho que atenda aos interesses do empresariado e se
afastam do ideal de formação humana e plena dos sujeitos sociais.
Palavras-chave: Política Educacional. Ensino dio. Educação Profissional.
ABSTRACT
This article, through bibliographical and documentary research, aims to present the historical paths that
led the current federal government to sanction Law n. 13415/2017, of the reform of high school. It also
aims to discuss the historical trend of entrepreneurs' interference in the elaboration of educational
policies, aimed at secondary education and professional education, in Brazil. It presents indications of
these interferences from the elaboration of the Capanema Law, passing through the dictatorial period,
in which compulsory professionalization was put into practice through Law 5692/1971. In the process
of elaborating LDBEN/1996, the neoliberal ideology reiterates the priority of preparing the subject for
the demands of the world of capitalist production. Since 2006, with the establishment of the "All for
Education" business movement, the influence of this group becomes more organic and occurs in
partnership with the MEC and entities such as CONSED, obtaining a strong presence in the
1
O texto tem financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no formato de Bolsa de
demanda Social.
2
Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Londrina - UEL, Graduação em Pedagogia pela UNESP/Marília. Bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES. E-mail: rb.leme@yahoo.com.br .
3
s Doutora em Educação pela UFRGS, Doutora em Educação pela UNESP/Marília, mestre em Educação pela Universidade Estadual
de Londrina- UEL, Graduação em Pedagogia, pela UEL. Professora do curso de Pedagogia, na área de Política e Gestão da Educação, e
do Programa de Pós-Graduação em Educação, Núcleo de Políticas Educacionais da UEL. E-mail: <fruiz@uel.br>Doutora em Educação
pela Universidade Federal do Paraná, Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense, Graduação em Pedagogia pela
Universidade Estadual de Londrina. Professora Associada da Universidade Estadual de Londrina na área de Política e Gestão da
Educação. E-mail: sandragarciapr@hotmail.com.
4
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná, Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense, Graduação
em Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina. Professora Associada da Universidade Estadual de Londrina na área de Potica
e Gestão da Educação. E-mail: sandragarciapr@hotmail.com.
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elaboration of the guidelines for the reform of the high school. It concludes by emphasizing that policies
for education, historically, are elaborated in a context of dispute between projects very different from
society and mediated by the confrontations between the antagonistic classes. Thus, they reinforce the
offer of an education for the formation of the workforce that serves the interests of the entrepreneurs
and moves away from the ideal of human formation and full of social subjects.
Keywords: Educational Policy. Public-Private. High school.
INTRODUÇÃO
Segundo Frigotto (2011), no campo de estudos das ciências humanas e sociais,
qualquer objeto que vá tratar da historicidade dentro das contradições, mediações e
determinações, deve levar em consideração a relação entre plano estrutural e
conjuntural. Isso implica também, em tomar esse objeto como parte de uma totalidade
histórica que o constituiu, estabelecendo mediações entre o campo da particularidade e
sua relação com determinada universalidade. Sendo assim, tomaremos aqui as três
últimas décadas dentro do cenário político brasileiro, que fundado nas políticas
neoliberais, mostrou-se ora voltado a atender indistintamente a classe dominante, ora
atendeu, mesmo que parcialmente os ensejos dos trabalhadores.
Partindo deste pressuposto, neste texto, defendemos a ideia de que reforma do Ensino
Médio (EM) é mais uma na sucessão das políticas educacionais voltadas à formação
para o mercado de trabalho. Como veremos, essa perspectiva foi reiterada na ditadura
Vargas (Lei Capanema), Ditadura Civil-Militar (Lei nº 5692/71), período FHC (LDBEN
9394/96) e no período Lula, pelo Projeto de Lei nº 6840/2013, que serviu de base para
a atual Lei nº 13415/2017, sancionada pelo governo Temer. Para cada período houve
um projeto para oferta da educação blica interligada aos interesses econômicos,
uma formação espefica para atender a demanda do mercado e o favorecimento dos
empresários da educação.
No dia 23 de setembro de 2016, o governo federal divulgou a Medida Provisória 746, a
MP do Ensino Médio. Nela, apresentou medidas para a reformulão desta etapa da
educação básica, que se efetivaram na Lei 13.415/2017
5
.
A reforma do Ensino
Médio pode ser analisada em várias óticas, uma delas está ligada à reorganização dos
orçamentos blicos
6
em prol de interesses privados, que se colocam contra as
políticas sociais. O presente texto, por meio de discussão bibliográfica e documental,
tem dois objetivos: (i) apresentar os caminhos históricos que levaram o atual governo a
sancionar a Lei 13415/2017 da Reforma do Ensino Médio e (ii) discutir a tenncia
histórica da interferência dos empresários na elaboração das políticas educacionais,
voltadas para o Ensino Médio e para a Educão Profissional no Brasil
Para atingir tais objetivos, o artigo segue organizado em duas sões. Na primeira
discute as políticas educacionais implantadas desde a Lei Capanema, até a atual
reforma do Ensino Médio, procurando elucidar as tendências históricas em ofertar um
tipo de ensino interligado aos interesses do mercado. A seguir faz uma discussão sobre
5
Tendo em vista que esta reforma ainda está em curso e em processo de ser implantada nas escolas, neste texto não temos a pretensão
de anali-la, mas apenas indicar que a mesma sofre a influência direta do empresariado da educação, no processo de sua formulação.
6
Cabe destacar que parte do orçamento para a efetivação da reforma do EM foi adquirida via empréstimo do Governo Federal, no Banco
Interamericano de desenvolvimento, o que reforça o caráter economicista desta Lei. A implementação do Novo Ensino Médio nos
Estados e Distrito Federal recebeu um reforço de peso [...] o Senado Federal autorizou um empréstimo de US$ 250 milhões, junto ao
Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), o Banco Mundial, para apoiar a execução da reforma proposta pelo
Ministério da Educação. http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/211-218175739/63011-ministerio-contara-com-reforco-de-us-250-
milhoes-do-bird-para-implementacao-do-novo-ensino-medio
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as reformas educacionais no contexto neoliberal, a partir da Reforma do Estado, em
1995, evidenciando que os empresários da educão ganham, paulatinamente, o aval
do Estado para interferir diretamente na elaboração das políticas educacionais.
DA LEI CAPANEMA À CONTRARREFORMA DO ENSINO MÉDIO
Durante o Estado Novo, período em que o Brasil era comandado por Getúlio Vargas, o
ministro da educação, Gustavo Capanema, apresentou a reforma que visava modificar
a oferta da educão no país. Ao assumir o Ministério de Educão e Saúde em 1934,
Capanema teve apoio de alguns intelectuais e contou com ajuda da Igreja Calica
para desenvolver projetos e reformular o processo educacional. O governo recebeu o
apoio da Igreja e em troca aprovou as chamadas emendas religiosas na Constituinte
de 1934, que instituiu a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas.
Os argumentos priorizados no debate já não eram relativos apenas à organização
curricular, mas à democratização e descentralização do ensino, tendo em vista as
mudanças demográficas em curso, decorrentes da industrialização e urbanização, bem
como os referentes à criação do sistema nacional de educação cuja organização e gestão
caberiam ao Estado. Enquanto parte dos congressistas alinhou-se com as teses dos
Pioneiros da Educação em defesa da escola pública e laica, bem como da democratização
e descentralização, os afinados com as teses da Igreja e das escolas privadas defenderam
a liberdade das falias em escolher as escolas onde matricular seus filhos, tendo em
vista, de um lado, o fortalecimento e ampliação da formação religiosa católica a maior
número de adolescentes e jovens e, de outro, a manutenção do ensino privado que cedia
espaço ao ensino público. Por isso, rejeitavam a proposta de seus oponentes. (FERRETTI,
2016, p. 75).
A disputa naquele período se dava entre os defensores da escola pública, gratuita e
laica de um lado, e de outro, a Igreja, defendendo o ensino privado, como espaço
garantidor do ensino confessional. Prevaleceu os interesses da Igreja, e junto, o projeto
para colocar em prática nas escolas públicas a formação tecnicista. Da fusão Estado-
Igreja resultou um ensino com ênfase dada ao ensino humanista na escola secundária
destinada à pequena parcela da classe dominante. Para a classe trabalhadora seria
destinada o ensino primário e escolas profissionalizantes ligadas ao comércio, indústria
e agricultura. Houve a criação do Sistema S
7
, agregando o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Corcio
(SENAC). Este sistema, forte aliado do empresariado, organiza-se para ofertar a
qualificação para o trabalho. Neste período, as Leis Orgânicas foram estruturadas da
seguinte forma:
Quatro decretos o editados durante o Estado Novo: a) Decreto-lei 4.073, em 30 de
janeiro de 1942 (Lei Orgânica do Ensino Industrial); b) Decreto-lei 4.048, em 22 de janeiro
de 1942, cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), c) Decreto-lei 4.244,
em 9 de abril de 1942 (Lei Orgânica do Ensino Secundário) e d) Decreto-lei 6.141, em 28
de dezembro de 1943 (Lei Orgânica do Ensino Comercial). Após o golpe militar que
derrubou Vargas (1945), durante o Governo Provisório presidido pelo Presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), foram publicados mais quatro decretos-lei: a) Decreto-lei
8.529, em 02 de janeiro de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Pririo); b) Decreto-lei 8.530,
em 02 de janeiro de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Normal); c) Decreto-lei 8.621 e 8.622,
7
Sistema S de educação é composto por: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); Serviço Social do Corcio (Sesc);
Serviço Social da Indústria (Sesi); e Serviço Nacional de Aprendizagem do Corcio (Senac). Existem ainda os seguintes: Serviço
Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop); e Serviço Social de
Transporte (Sest).
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em 10 de janeiro de 1946, criam o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC)
e d) Decreto-lei 9.613, em 20 de agosto de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Agrícola).
(PALMA FILHO, 2005, p.11)
As Leis Orgânicas promulgadas por Decreto-Lei (Medida Provisória) foram
consideradas parciais por não abranger todo o ensino, pois eram destinadas a um
ramo de ensino separado e isolado, tendo a intenção de favorecer grupos políticos e
empresários. Com a redefinição do currículo, o ensino secundário ganhou cunho
propedêutico e profissional. Sendo o propedêutico destinado à formação dos dirigentes
e, portanto, ofertado à classe dominante. E o ensino profissional voltado a atender as
necessidades de formação de mão de obra, esse ofertado à classe trabalhadora. Para
o ensino profissional foram designados os setores da produção: primário, para o ensino
agrícola; secundário para o ensino industrial; terciário para o ensino comercial e o
ensino normal para a formação de professores.
Segundo Palma Filho (2005, p. 12), o ensino secundário ficava estruturado em dois
níveis: ginásio, com a duração de quatro anos, ao qual se seguia o colégio com a
duração de três anos. Este, não mais subdividido em três ramos, mas sim, em dois
(científico e clássico).” A diferença se dava na ênfase de cada estrutura, o científico
aprofundava nas questões de Ciências Naturais, enquanto que o clássico dava maior
atenção às humanidades. Os formuladores das políticas educacionais da época
entendiam que assim se atenuava a preparação para o vestibular.
A estruturação definitiva dos cursos técnicos profissionalizantes, destinados às camadas
populares, é mérito indiscutível da reforma educacional empreendida pelo Ministro Gustavo
Capanema, como, aliás, vimos estava estabelecido pela Carta Constitucional outorgada
por Getúlio Vargas, em 1937. O ginásio e colégio secundários às “elites condutoras; o
ensino técnico-profissionalizante, às massas a serem conduzidas. Tudo certinho, só
faltou combinar com o povo que continuou sem escola na sua grande maioria, e os que
conseguiam furar o bloqueio do exame de admissão ao ginásio, evidentemente, preferiam
o curso secundário, pois apenas esse dava acesso ao curso superior. Este aspecto da
legislação educacional dos tempos Capanema é, aliás, altamente discriminatório em
relação às camadas populares e consagrava o já conhecido dualismo do sistema
educacional brasileiro, muito bem caracterizado por Anísio Teixeira na feliz expressão:de
um lado a escola para os nossos filhos, de outro, a escola para os filhos dos outros
(PALMA FILHO, 2005, p.13 Grifos do autor).
De acordo com Ferretti (2016), ocorreu uma tensão entre os defensores da formação
clássica e a científica, sendo a formação cienfica a mais valorizada. Essa disputa
marcou o ensino secundário e desembocou na promulgação da LDB nº 4024 de 1961.
Com isso, ao 1º e 2º ciclo foi atenuado à flexibilização curricular decorrente da
possibilidade de ofertas de disciplinas obrigatórias, optativas e complementares. O
processo de democratização da oferta de ensino era a grande preocupação de alguns
intelectuais da época. No entanto, ao inserir jovens oriundos de setores médios e
populares (classe trabalhadora), contribuía para a crítica referente à formação clássica
e também aos procedimentos pedagógicos das escolas frequentadas por sujeitos
oriundos da antiga aristocracia, ou seja, da classe dominante. A concepção e a
metodologia de ensino deveriam ser revistas, pois a concepção de ensino não se
adequava à industrialização do país, e a metodologia não se mostrava adequada a
sujeitos sociais da classe trabalhadora, cuja inserção social seria diferente ao que era
proposto na educão clássica. Nesta perspectiva, a classe trabalhadora não
precisava, segundo o ideário da classe dominante, receber uma educão voltada para
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formação cienfica. Para esta deveria ser destinada a profissionalização para formação
da força de trabalho, a ser utilizada pelo capital.
Segundo Ferreira (2017) a edição da LDB nº 4.024/61 deu o reconhecimento à
integração entre o ensino profissional e o ensino regular de segundo ciclo para fins de
prosseguimento de estudos. A expansão escolar no período da Ditadura Civil-Militar
não foi fruto de um único conjunto de interesses, no caso do setor público, mas sim,
houve outros setores interessados na expansão escolar, como o setor privado que
queria se beneficiar de subsídios do Estado.
A institucionalizão do ensino profissionalizante teve suas bases em Leis
promulgadas no período ditatorial. De acordo com Ferreira e Bittar (2008) as Leis nº
5.540/68 e nº 5.692/71 são frutos da necessidade produtiva vivenciada pelo país como:
a formação da força de trabalho e do desenvolvimento produtivo e tecnocrático do
sistema capitalista implantado no país: foram reformas educacionais que estavam
inseridas num contexto histórico de transição de uma sociedade agrária para uma
sociedade urbano-industrial, cujas transformações societárias se desenrolavam desde
1930 (FERREIRA; BITTAR, 2008, p. 336).
Com a Lei n° 5692/71 os antigos cursos pririos e, também, de ciclo ginasial foram
agrupados no ensino de grau, ampliando, assim, para oito anos o ensino obrigatório.
Segundo Ghiraldelli Jr. (2001, p.182), o ensino era destinado à formão dos alunos
em contdos e métodos, conforme as fases de desenvolvimento dos mesmos. O
Conselho Federal de Educação fixou as matérias de cleo comum para o ensino de
1° e 2° grau, obrigatório, e ainda, com uma parte diversificada para compreender as
necessidades e as peculiaridades locais de cada região do país. Entretanto, o 2° grau
tornou-se, integralmente profissionalizante, pois, de acordo com Ghiraldelli Jr. (2001, p.
182):
[...] o elenco de habilitações chegou efetivamente ao imprativel. As escolas poderiam
montar um 2° grau com habilitações em Carne e Derivados”, ou em Cervejaria e
refrigerantes, ou em Leite e Derivados. É obvio que os colégios particulares (e os
grandes emprerios do ensino sempre tiveram grande influência no interior do CFE)
souberam desconsiderar toda essa parafernália profissionalizante. As escolas
particulares, preocupadas em satisfazer os interesses de sua clientela, ou seja, em
propiciar o acesso ao 3° grau, desconsideraram (através de fraude, obviamente) tais
habilitações e continuaram a oferecer o curso colegial propedêutico à universidade. As
escolas públicas, obrigadas a cumprir a lei, foram desastrosamente descaracterizadas.
O ensino profissionalizante compulsório foi um fracasso em termos do que entendemos
como educação emancipatória, mas serviu de apoio aos interesses privatizantes e a
lógica de mercado que buscou na escola pública a formação profissional que serviu de
base para a industrializão do ps. Na década de 1980 houve grandes mobilizações
para a democratizão da educação, tendo em vista o findar da ditadura civil-militar.
Contudo, este processo político foi atravessado pela onda neoliberal (LAVAL, 2004)
que já havia se estabelecido em países de capitalismo avançado e chegava ao Brasil
na década de 1990, mais especificamente em 1995, assolando a breve conquista dos
direitos sociais, garantidos na CF de 1988. Isso implicará na reiteração da dualidade
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estrutural
8
que marca a educação do estudante do ensino médio e profissional,
historicamente, como veremos a seguir.
A REFORMA DA EDUCAÇÃO NO CONTEXTO NEOLIBERAL
Em 1996 após intenso e conflituoso processo de oito anos a LDB 9394/96 foi aprovada.
Ferretti (2016) afirma que o primeiro Projeto de Lei da LDB, na década de 1990, foi
apresentado por entidades da sociedade civil. Naquela proposta, havia a preocupação
em formular um ensino médio que tivesse por base a concepção da educão
politécnica e da escola uniria defendidas por Marx e Engels (1983) e Gramsci (1979).
No entanto, a aprovão da LDBEN nº 9394/96, pelo presidente FHC, ocorre em um
processo de disputa entre diferentes projetos societários. Isso resulta em uma LDBEN
bastante flexível, o que aparece de forma mais concreta no capítulo da Educação
Profissional, que segundo Saviani (1997, p. 9), parece mais uma carta de inteões do
que um documento legal, já que não define instâncias, competências e
responsabilidades. O intuito foi de esvaziamento desta LDBEN nas questões
referentes ao Ensino Médio e da Educão Profissional, porque este tema já estava
sendo tratado paralelamente pelo PL nº 1603/96, que separava totalmente o Ensino
Médio da Educação Profissional, seguindo itinerários próprios.
Em 1997 o Decreto 2.208 reitera a separão entre ensino médio e ensino cnico,
uma medida que foi tomada para que houvesse um ajustamento da educação
brasileira aos interesses internacionais, interesses que visam à manuteão do sistema
capitalista, tendo a escola a base para sua efetivação. Sobre isso Ferretti comenta que
Tal medida buscou ajustar a educação nacional aos discursos e práticas internacionais
relativamente à necessidade da educação rever-se tendo em função dos interesses
desencadeados pelas transformações em curso no âmbito do trabalho a partir da década
de 1970 - a denominada reestruturação produtiva. Criaram-se, por essa forma, as
condições para a instituição de um projeto educacional voltado para a formação dos
sujeitos sociais adequados às formas flexíveis de organização do trabalho, não só como
produtores, mas, também, como consumidores. Tal projeto materializou-se, como tal, em
documentos legais tais como a LDB 9.394/96 e, mais especificamente, no que diz respeito
à última etapa da Educação Básica, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio, de 1998, bem como nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional Técnica de Nível Médio, de 1999 (FERRETTI, 2016, p.81).
Ainda, de acordo com Ferretti (2016), as medidas adotadas durante o governo de FHC
enfrentaram dois problemas: a dificuldade em se materializar nas escolas, mesmo o
MEC ofertando formação continuada, produção curricular e a distribuição de material
didático; houve a resistência por parte dos professores.
A separação do Ensinodio da Educação Profissional trouxe graves consequências
na formação da juventude brasileira, pois houve tanto um esvaziamento da formação
nos cursos denominados de regular ou propedêutico, como dos cursos
profissionalizantes. É preciso ressaltar que o objetivo principal da reforma dos anos
8
O conceito de dualidade estrutural está fundado na teoria da escola dualista de Baudelot e Establet (1971 apud SAVIANI, 2007a) que
desconstrói a ideia de que a escola não é unitária e nem unificadora, mas se divide em duas, sendo uma voltada para a educação dos
filhos dos trabalhadores e a outra voltada para a burguesia. Essa dualidade estrutural tem estado presente em toda a história da educação
brasileira. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/285072602_Dualidade_estrutural_no_ensino_tecnico_profissionalizante_em_Brasilia_IFB_uma_
analise_do_discurso_oficial_de_inclusao_e_as_dificuldades_de_permanencia_dos_alunos. Acesso em: 10 dez. 2019.
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1990 era de que as Instituições Federais, o antigo Centro Federal de Educação
Tecnológica (CEFET), cumprissem o objetivo de formar diretamente para o mercado e
não para que os estudantes continuassem seus estudos. De acordo com o Ministro da
Educação a época, Paulo Renato, estes objetivos não estavam sendo atingidos. Houve
no início uma certa resisncia em implantar a reforma, no entanto ocorreu um
processo de acomodação tanto da rede federal como das estaduais com a destinação
de recursos advindos dos empréstimos internacionais. Movimento análogo ocorre em
tempos atuais, quando novamente as Instituições Financeiras internacionais
aparecerem como financiadoras da atual reforma pela Lei 13415/17.
No primeiro mandato do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, 2003, alguns educadores
questionavam as medidas tomadas por FHC. Houve mobilizações e vários debates em
seminários nacionais voltados a professores e gestores do ensino médio e do ensino
técnico. E da Educão Profissional. A finalidade era de retomar os princípios que
estavam nas primeiras veres da LDBEN, ou seja, trazer a discussão da educação
politécnica e omnilateral, da formação humana integral e formar um sistema
educacional sólido no país. Apesar dos esforços dos profissionais da educação, o
embate político do período impediu a total revogação do Decreto 2.208/1997.
Os seminários nacionais voltados a professores e gestores do Ensino Médio e do Ensino
Técnico, realizados pela então Secretaria do Ensino Médio e do Ensino Técnico
(SEMTEC) do MEC em 2003, e a proposição e posterior aprovação do Decreto
5.154/2004 representam movimentos nesse sentido. No entanto, conforme apontam
Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) o referido decreto foi marcado pelos embates políticos
da época o que impediu a completa revogação do Decreto 2.208/1997, como era a
intenção inicial que se voltava predominantemente para o ensino dio integrado, razão
pela qual foram mantidas, além dessa forma, a subsequente e a concomitante de
articulação entre o ensino dio e a educação profissional de nível técnico, incorporadas
posteriormente à LDB. Além disso, a ação do Conselho Nacional de Educação ao invés de
elaborar novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Técnico apenas atualizou as
promulgadas em 1998 e 1999, mantendo seu espírito (FERRETTI, 2016, p. 82).
Num processo de acomodação e não de ruptura foi elaborado e aprovado o Decreto
5.154/2004, impulsionado por grupos de educadores afinados com os fundamentos
tricos e políticos de uma educação emancipadora. A o ruptura do modelo de
formação para a juventude brasileira, nos parece ter sido um dos erros graves no início
da gestão de Lula e deu espaço para a atual reforma, como veremos a frente.
A principal mudaa assegurada pelo Decreto n. 5154/04 foi a retomada da
possibilidade do Ensino Médio integrado com a Educação Profissional, que tinha como
princípio, mesmo num processo de contradição, possibilitar a integração curricular
retomando o trabalho, a ciência a cultura e a tecnologia como meio fundante para a
formação humana integral. Em 2008 através do PL nº11741 a LDB é alterada com o
teor do decreto 5154/04, este perdendo a validade.
Do resultado deste processo de discussão é elaborado pelo MEC o Documento Base
sobre o Ensino Médio Integrado a Educação Profissional, que foi o documento
orientador da elaborão das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio e
também das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional e de outros
programas elaborados pelo MEC, no período de 2003 ao primeiro semestre de 2016. É
preciso registrar que foi um documento orientador, no entanto programas e ou políticas
foram elaborados neste período com grandes contradições, como por exemplo, o
Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC).
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Um grupo focou na produção de texto do Documento Base sobre a Educação
Profissional, em 2007, e também do Programa Ensino Médio Inovador (PROEMI -
2009), os quais sugeriram fundamentões teóricas e instruções práticas para sua
implementação. Também foram realizados encontros e seminários com a finalidade de
submeter à Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE)
as proposições para mudança nas Diretrizes Curriculares para que o Ensino Médio e a
Educação Profissional Técnica de Nível Médio se adequassem aos fundamentos da
formação unitária de caráter politécnico e omnilateral.
Tais movimentos se deram simultaneamente a ações governamentais que resultaram na
proposição do PDE e na constituição da Rede Federal de Educação Profissional. A
instituição mais preeminente dessa rede é o Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia (IF), a que foi atribuída específica, mas não exclusivamente, a implementação
da Educação Profissional Técnica integrada ao Ensino dio sob a forma dos cursos
técnicos integrados. Ainda que houvesse a compreensão de que a proposição de
mudanças nas diretrizes curriculares seria, por si só, insuficiente para viabilizar a formação
unitária, considerou-se que serviria de referência para sua concretização, contribuindo,
além disso, para evitar algumas distorções que vinham sendo observadas a respeito dessa
concepção (FERRETTI, 2016, p. 82).
Num outro processo de contradição em 2005 é aprovada a Lei nº 11.096 que institui O
Programa Universidade para Todos (PROUNI), abrindo para a possibilidade de
privatização do Ensino Superior. Ao contrário dos educadores que buscavam colocar
em prática a educação unitária, o empresariado foi fortemente representado pelo
projeto de lei enviado à Câmara dos Deputados, em 2004, que adaptou os termos aos
interesses do setor privado. Tal feito resultou na Lei n. 11.096, de 13 de janeiro de
2005. Esta Lei reconheceu que a instituição privada de ensino superior, com fins
lucrativos ou sem fins lucrativos não beneficente, poderá aderir ao Prouni, mediante
assinatura de termo de adesão (BRASIL, 2005).
Constata-se que, desta forma, continua a possibilidade de destinação dos recursos
públicos para o setor privado. Dentro dessa lógica, em 2006, alguns grupos
empresariais se agregaram em um movimento com o sloganTodos Pela Educação
9
,
que conta com uma gama de aproximadamente 32 organizões sociais (OSs),
presidida, na época, por Jorge Gerdau. Tal grupo teve forte interferência na elaborão
do Plano de Desenvolvimento da Educão (PDE-2007), sendo que, o Decreto
presidencial de 2007 que dispõe sobre a implementação deste Plano, acaba sendo
intitulado com nome análogo ao do movimento empresarial, a saber:Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educão. Ou seja, aparentemente, a escolha do nome do
Decreto pode de certa forma indicar uma espécie de homenagem a este movimento
empresarial (SAVIANI, 2007).
Para a adesão do Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação, no Decreto nº
6.094/2007 em seu Art. 7, consta quem poderá colaborar para a oferta da educão
pública:
Art. 7º Podem colaborar com o Compromisso, em caráter voluntário, outros entes, públicos
e privados, tais como organizações sindicais e da sociedade civil, fundações, entidades de
classe empresariais, igrejas e entidades confessionais, falias, pessoas físicas e
9
Movimento lançado em 6 de setembro de 2006 no Museu do Ipiranga, em o Paulo. Apresentando-se como uma iniciativa da
sociedade civil e conclamando a participação de todos os setores sociais, esse movimento se constituiu, de fato, como um aglomerado de
grupos empresariais (SAVIANI, 2007, p. 1243).
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jurídicas que se mobilizem para a melhoria da qualidade da educação básica. (BRASIL,
2007-grifo nosso).
Segue assim medidas que possibilitam que os recursos públicos sejam desviados para
o setor privado. Dessa forma, a escola perde seu caráter público e fica suscetível a
processos de privatização, atualmente mais representado pela publicização ou
descentralização
10
,
sendo estas diferentes formas de privatização cunhadas pelo
neoliberalismo. Somado a isso, a formação dos alunos continua a critério e a fim de
atender as necessidades do mercado de trabalho.
De acordo com Frigotto (2011), esse movimento, contrasta com a história de
resistência das entidades que lutam por uma educão pública e gratuita e revela o
caráter cínico e a disputa pela hegemonia do pensamento educacional mercantil nas
escolas públicas. Este mesmo autor, em outro texto, destaca que
Não por acaso, o Movimento Escola sem Partido começou em 2004 e o Todos pela
Educação, em 2005 - ainda que oficializado em 2006, demonstrou sua força com a
deflagração do Plano de Desenvolvimento da Educação decretado pelo MEC com o nome
Compromisso Todos pela Educação (Decreto nº 6.094/2007). Também colocamossem”
partido entre aspas, pois, na verdade, trata-se do partido único do capital, do mercado e do
ódio ao pensamento crítico. (FRIGOTTO, 2017, s.p.)
No que diz respeito à Educão Profissional, a parceria entre o setor público e o
movimento empresarial pode ser percebida também no Programa Nacional de Acesso
ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), promulgado pela Lei nº 12.513/2011.
Este foi um dos meios pelo qual o Sistema S de educação coopta recursos públicos, o
que é notório nos dizeres de Motta e Frigotto (2017).
Em levantamento realizado em julho de 2015 (não publicado), constatamos que a União
transferiu recursos para o programa, em 2014, no montante de R$ 2.648.668.385,35,
sendo que R$ 2.581.208.152,00 foram destinados ao Sistema S. Até junho de 2015, em
meio aos cortes na educação, tinham sido transferidos para o Pronatec R$ 551.413.899,65
e, desse montante, R$ 518.393.229,20 foram destinados ao Sistema S4. Além da quase
totalidade dos recursos públicos voltados para oEnsino cnico e ao emprego parte
da sigla do programa ter sido destinada ao setor privado, os cursos ofertados foram
focados na FIC, isto é, em cursos de curta duração e voltados para o trabalho simples
ofertados pelo Sistema S (MOTTA; FRIGOTTO, 2017, p. 361).
Outro movimento ocorre quando e formada a Comiso Especial de Educação da
Câmara Federal que apresentou, em 2013, o Projeto de Lei nº 6840 que, apesar da
realizão de audiências públicas nos estados e no próprio Congresso Nacional, teve
como principais interlocutores, o grupo integrante do Movimento Todos pela Educação,
portanto, instituições ligadas ao grande empresariado. Em 2014 o Movimento Nacional
em Defesa do Ensino Médio (MNDEM), criado a partir deste debate, consegue um
canal de interlocução com o presidente da Comissão e consegue uma mudaa
substancial que é apresentada em 2014. O texto apresentado na sua segunda versão,
após a participação do MNDEM, amenizou formulações que poderiam causar
polêmicas e o teor das propostas e incorporou elementos das Diretrizes Curriculares
Nacionais do Ensino Médio que foram aprovadas em 2011, porém, não retirou de
pauta a escolarizão em tempo integral e a formação de caráter específica e
10
Compreende adescentralização para o setor público não-estatal da execução de servos que não envolvem o exercício do poder de
Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica.
(BRASIL, 1995, p. 12-13).
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imediatista por área de conhecimentos ou itinerários formativos. O que se tinha em
vista, naquele momento, e que acabou por concretizar na reforma atual do Ensino
Médio, é o encaminhamento para cursos superiores, dando assim, contribuições para
as instituições de ensino superior privadas.
Para Motta e Frigotto (2017), a urgência em que foi aprovada a reforma do Ensino
Médio, segundo os dirigentes do Ministério da Educação (MEC) é referente à
necessidade em destravar as barreiras que impedem o crescimento econômico. Assim,
a educação mais uma vez figura como a propulsora para a retomada do crescimento
econômico, ideia inspirada na questão de que o investimento no capital humano
potencializa a produtividade e ajuda a elevar as condições de competitividade do Brasil,
no mercado internacional. Como afirmam Motta e Frigotto (2017, p. 358)Sintetizando,
as questões-chave da MP nº 746/2016 (Lei nº 13.415/2017) são: investir no capital
humano visando maior produtividade; modernizar a estrutura curricular, flexibilizando
por áreas de conhecimento; e melhorar os resultados do desempenho escolar.
É preciso ressaltar que a Lei n. 13.415/2017 foi posta em discussão de forma aligeirada
e descartou totalmente as manifestações das entidades e profissionais da área da
educação. Isso prova que o governo tem usado estratégias para colocar em prática
uma formação precária que visa atender aos interesses do empresariado. Muitos
educadores e pesquisadores têm se referido a atual reforma com a terminologia
contrarreforma, ou seja, o que apresenta como um meio de melhoria para a etapa
final da educação básica, nada mais é que um meio de ir contra uma real reforma que
esta etapa de ensino necessita, que incorpore e oferte uma formação integral e
omnilateral.
Ao que tudo indica, há uma necessidade em capacitar o alunado para determinadas
áreas do saber que o mercado de trabalho tem exigido. Tem sido divulgada a ideia da
inutilidade de algumas disciplinas, estas mais referentes a área de humanas, como
caso de filosofia, sociologia e história. Sobre isso, Luiz Eduardo Leão
11
, gerente do
SENAI, comenta que as escolas brasileiras estão com ensino conteudista e centrada
na transmissão de teorias, ficando sem conexão com a prática e habilidades
socioemocionais que o mercado de trabalho exige, e isto desestimula o alunado a
seguir nos estudos.
A flexibilizão do currículo, a livre iniciativa” do aluno em escolher as disciplinas em
obrigatórias e optativas remetendo a Leis Orgânicas da Reforma Capanema, já
supracitada, atende a tipos específicos de ensino. Assim, a dualidade em ofertar ensino
clássico e científico é resgatada deixando a escola pública que atende a classe
trabalhadora mais uma vez a serviço do mercado.
A reforma do ensino médio vai ser posta em prática alinhada à aprovação da Base
Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCC), que já foi aprovada e encontra-
se em fase de implementação dos Estados e Município e será o alicerce da reforma.
Uma Base construída por um grupo de notáveis intelectuais que teve a centralidade
nas disciplinas de português e matemática, deixando em segundo plano os outros
componentes curriculares. Uma Base que define que 60% dos conteúdos do currículo
da escola deve ser cumprido a partir do que ela indica o que será o referencial para as
avaliações externas, ficando o sistema de ensino e a escola com apenas 40% de parte
diversificada.
11
https://exame.abril.com.br/carreira/estas-sao-as-competencias-mais-procuradas-no-brasil-de-2017/
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Neste momento a BNCC do Ensino Médio vem sendo discutida em audiências
públicas pelo Conselho Nacional de Educação, no entanto como o resultado das
audiências, na sua maioria tem sido contra a BNCC e contra a reforma. O MEC, por
sua vez, anunciou recentemente o dia D para as escolas discutirem e, por meio do
site governamental, enviarem suas contribuições, o que nos parece ser uma artimanha
para tentar legitimar uma proposta que vem sendo veementemente rechaçada pelos
educadores brasileiros.
Um dos objetivos do Grupo de Trabalho (GT) o Conselho Nacional de Secretários de
Educação (CONSED), para 2017, foi o desenvolvimento de uma proposta para a
BNCC e a flexibilização do currículo para o EM. Além disso, o CONSED está
promovendo, estrategicamente, debates para a ampliação do tempo integral. Fundado
em 1986, o CONSED é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos e é
composto por Secretarias de Educação dos Estados e do Distrito Federal. É um órgão
de pessoa jurídica que atua nas instituições públicas. Apresenta-se com a finalidade de
integrar as Secretarias de Educação dos estados brasileiros para a oferta da educação
pública, atua principalmente na elaboração, formulação, implementação e avaliação de
políticas educacionais, articulando os interesses das instâncias do governo com a
sociedade civil. Explicitando melhor: a Reforma do Ensino Médio necessita da BNCC
para garantir a flexibilização do currículo aprovada pela Reforma, que parte das metas
do PNE, que por sua vez vai atender os interesses do Compromisso Todos Pela
Educação, tudo isso articulado pelo CONSED, como representado no esquema a
seguir:
Figura 1: Articulações do CONSED
Fonte: elaborado pelas autoras
No ano de 2011, o CONSED teve como bandeira a aprovação do Plano Nacional de
Educação (PNE). A entidade ficou encarregada de acompanhar a tramitão da lei no
Congresso e nas comissões do Senado e da Câmara dos Deputados. Buscavam em
2012, fortalecer as parcerias principalmente no debate da discussão das dificuldades
que os estados enfrentavam em relação a esta etapa da Educação Básica. O
CONSED foi o propulsor da entrada nas Secretarias Estaduais de Educação de
Programas como o Jovem de Futuro do Instituto Unibanco e as Escolas de tempo
Integral do Instituto de Corresponsabilidade em Educação, para a elaboração das
diretrizes do Ensino Médio. Contudo, é preciso cautela para tentar entender a
elaborão dos vários processos de disputa por quais passaram a BNCC, tema este
aberto para pesquisas futuras.
Embora, notadamente, o movimento Todos Pela Educação seja um conglomerado de
grandes empresas privadas que visam transformar a oferta da educão pública em
um mercado, o CONSED tem sido responsável por debater as necessidades da
Reforma do Ensino Médio, articulando um currículo flexibilizado para a BNCC. Porém,
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quem tem feito os debates com a associação são os empresários da educação. Assim,
empresas privadas m firmado parceria com o CONSED desde que este foi
designado a abrir diálogo com a sociedade civil. Conforme ilustrado na figura a seguir:
Figura 2: Parcerias firmadas para a Reforma do Ensino Médio (CONSED Todos Pela
Educação):
Fonte: elaborado pelas autoras.
A figura acima mostra quem são os parceiros do CONSED, nota-se que não há
nenhuma entidade educacional que agrega professores e pesquisadores da área da
educação - Fórum Nacional de Educação (FNE), ANFOPE, ANPAE, ANPED, CEDES,
FORUMDIR, APEOESP, movimentos sociais estudantis, entre outras ou seja,
entidades que defendem a educação pública e gratuita. Além disso, como corrobora
Frigotto (2011, p. 245), o movimento empresarial Todos Pela Educação, como já
supracitado neste artigo, um dos principais parceiros e articuladores do CONSED, tem
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características bias e tentam disputar a hegemonia do pensamento educacional,
tornando a escola pública um mercado. Issocontrasta com a resistência histórica dos
intelectuais que defendem a educação pública, gratuita, universal, laica e unitária, que
prime pelo desenvolvimento geral e humanístico voltado para a formação integral e não
apenas para a atuação no mercado de trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação ofertada por meio da escola pública, por décadas atende a interesses
específicos dos detentores do poder ligados a grupos empresariais. Tais grupos não
desejam ofertar uma educação que vise à formação completa do sujeito, pelo contrário,
devido à busca de acumulação de capital por essa pequena parcela, a educação
ofertada é sempre interligada aos interesses do mercado, ou seja, forma o sujeito para
que esse se encaixe aos modos de produção capitalista. O atual desejo imediatista é
apenas mais uma contribuição para as demandas que interessam a economia
capitalista, pois as reformulações de conteúdo e currículo estão interligadas a questões
de financiamentos e aos interesses dos empresários da educão. Com isso, os
itinerários terão dois pontos específicos: o primeiro é em atender a comércio e
indústrias locais; e o segundo em adaptar a classe trabalhadora ao meio precário no
qual já está imersa.
Assim, concluímos destacando que as políticas para a educação, historicamente, são
elaboradas em um contexto de disputa entre projetos muito diferentes de sociedade e
mediatizadas pelos confrontos entre as classes antagônicas. Neste jogo de forças
políticas, no mais das vezes, estas políticas reforçam a oferta de uma educação para
formação de mão de obra atendendo aos interesses do empresariado e se afastando
do ideal da formação humana e plena dos sujeitos sociais. Contudo, o que aqui se
apresenta de forma bastante ecomica devido ao espaço deste texto, precisa ser
acompanhado de perto por pesquisas acadêmicas futuras a fim de delinear de forma
mais específica o curso hisrico das políticas educacionais para a formação dos
trabalhadores.
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Data da submissão: 26/11/2018
Data da aprovação: 11/12/2019