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TECNOLOGIAS E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO ENSINO SUPERIOR:
USO DE METODOLOGIAS ATIVAS NA GRADUAÇÃO
1
Technologies and Distance Education in Higher Education: use of active
methodologies in an undergraduate course
VALENTE, José Armando
2
RESUMO
As tecnologias digitais de informação e comunicação m contribuído enormemente para o
desenvolvimento, a reformulação e a disseminão da educação a distância. Por meio dessas
tecnologias tem sido possível o estabelecimento de diferentes abordagens de educação a distância e,
mais recentemente, com a viabilização do uso das tecnologias móveis sem fio as atividades de
educação a distância m contribuído para a implantação das metodologias ativas de ensino e de
aprendizagem. O objetivo do artigo é discutir como as tecnologias e os recursos de educação a
distância auxiliaram no desenvolvimento das metodologias ativas, e como essas metodologias foram
usadas na disciplina CS106 - Métodos e cnicas de Pesquisa e de Desenvolvimento de Produtos
em Midialogia, ministrada no peodo de 2007 a 2016, como parte do curso de Comunicação Social
Midialogia. Para o estudo das atividades realizadas nas disciplinas foi utilizado otodo documental,
baseado em registros dos trabalhos dos alunos no ambiente virtual de aprendizagem. Os resultados
mostram que as metodologias ativas usadas foram a aprendizagem baseada em projetos e a sala de
aula invertida; e que a produção dos alunos, bem como o aproveitamento deles, podem ser
considerados de boa qualidade. Além disso, a evasão e a reprovação na disciplina foram
praticamente inexistentes.
Palavras-Chave: Sala de aula invertida. Aprendizagem baseada em projeto. Midialogia.
ABSTRACT
Digital information and communication technologies have contributed enormously to the development,
reformulation and dissemination of Distance Education. Through these technologies it has been
possible to establish different approaches to distance education and, more recently, with the feasibility
of mobile wireless technologies, distance education activities have contributed to the implementation of
active teaching and learning methodologies. The objective of the article is to discuss how technologies
and distance education resources helped in the development of active methodologies, and how these
methodologies were used in the discipline CS106 - Methods and Techniques of Research and
Development of Products in Media Studies, given in the period of 2007 to 2016, as part of the course
of Social Communication Media Studies. The documentary method was used for the study of the
activities carried out in the course based on records of students' work in the virtual learning
environment. The results show that the active methodologies used were project-based learning and
flipped classroom, and the production of the students, as well as their performance, can be considered
of good quality. Also, attrition and failure in the course were practically non-existent.
Keywords: Flipped classroom. Project based learning. Media Studies.
1
É resultante de pesquisa que realizo com as disciplinas que ministro. Bolsa Produtividade do CNPq.
2
Livre Docente pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Professor Titular do Departamento de Multimeios, Mídia e
Comunicação do Instituto de Artes da UNICAMP, Campinas, Brasil. E-mail: <jvalente@unicamp.br>.
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INTRODUÇÃO
A Educação a Distância (EaD) até o final dos anos 80 (século passado) estava
fundamentalmente baseada no material impresso. Para tanto, era necessário a
preparação do material instrucional, que era enviado ao aprendiz e utilizado de acordo
com a sua disponibilidade de tempo. Estas condições claramente demarcavam uma
separação espacial e temporal entre o professor e os aprendizes. O mesmo acontecia
quando o material instrucional era transmitido via rádio ou TV.
Com o advento das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), as
barreiras temporais e mesmo as espaciais começaram a ser eliminadas. A interação
online viabilizada por intermédio dessas tecnologias possibilitou o desenvolvimento de
cursos e atividades educacionais via internet, criando situações nas quais o professor e
os aprendizes podem se encontrar para trocar ideias, por exemplo, em um bate-papo
ou chat. O distanciamento temporal passou a significar a possibilidade ou não de
realizar atividades simultâneas ou síncronas. Mesmo a separação espacial foi sendo
minimizada por intermédio da alta interação que pode existir na troca entre professor e
aluno, criando as condições para o estar junto virtual (VALENTE, 1999; 2005). O
espo sico deu lugar ao ciberespaço (LÉVY, 1994) ou a constituição das redes de
aprendizagem learning network (HARASIM, et al., 1995) nas quais todos, aprendizes
e professor, podem interagir, cooperar e aprender juntos.
A partir de 2005, com a disseminação das tecnologias móveis sem fio (TMSF), como
os tablets, os smartphones, foram criados os cursos e atividades educacionais via
esses dispositivos móveis e, com isso, o desenvolvimento de diferentes estragias de
ensino e de aprendizagem como anywhere, anytime learning, just in time learning, on-
demand learning, m-learning e o blended learning. A característica comum dessas
diferentes estratégias é o fato de as TMSF, uma vez conectadas à internet, permitirem
o acesso à informão a qualquer momento e em qualquer lugar. Uma vez que a
construção de conhecimento não se restringe ao acesso à informação, essas
tecnologias também facilitam a interão com professores ou com especialistas que
podem auxiliar o aprendiz no processo de significação dessa informação. As redes
online de cooperação e colaboração são extremamente importantes para que o
aprendiz o se sinta isolado diante da informação obtida ou de uma atividade que
realiza e possa, com ajuda da rede, ser auxiliado no processo de interpretar a
informação recebida ou compreender o que está fazendo e, com isso, poder construir
novos conhecimentos.
Além dessas facilidades, as TMSF também estão adentrando a sala de aula, alterando
a dinâmica e as formas de interação entre professor e alunos. Os alunos, na sua
maioria, dispõem dessas tecnologias e os que frequentam as aulas estão usando-as
com diferentes objetivos, causando diferentes problemas e soluções. Em alguns casos,
os professores estão se sentido desconfortáveis com o fato de o aluno não estar
prestando atenção no que está sendo exposto pelo professor. Isso tem mobilizado as
instituições e a mesmo a coordenação de cursos de graduação no sentido de proibir
a entrada de dispositivos eletrônicos na sala de aula. Em outros casos, essa situação
desconfortável tem mobilizado muitos gestores e professores no sentido de mudar e
propor algo inovador, que possa resolver a falta de interesse dos estudantes pelas
aulas e, consequentemente, o alto número de evasão. Finalmente, alguns professores
têm sabido explorar esses recursos tecnológicos, integrando-os às atividades que
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realizam, criando, assim, o que tem sido denominado de metodologias ativas de
ensino e aprendizagem”.
O objetivo desse artigo é discutir como as tecnologias digitais de informação e
comunicão e os recursos criados pela educação a distância estão auxiliando no
desenvolvimento das metodologias ativas de ensino e de aprendizagem; e como essas
metodologias ativas foram utilizadas na disciplina do curso de graduação em
Comunicação Social Midialogia. Essa disciplina foi alterada a partir do primeiro
semestre de 2007, quando esse pesquisador-docente passou a ministrá-la. Ela tinha
um caráter mais teórico e o novo enfoque foi transformá-la em uma disciplina
totalmente baseada em projetos, usando a abordagem da sala de aula invertida, com o
suporte do ambiente virtual de aprendizagem TelEduc.
METODOLOGIAS ATIVAS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM
Uma coisa é possível constatar sobre o que acontece no ensino superior atualmente: o
aluno de graduação é diferente. Ele prefere ler nas telas, em vez do texto impresso.
Quando solicitado a fazer uma pesquisa bibliográfica ele provavelmente não vai a uma
biblioteca, mas utiliza o Google ou os sistemas de acesso às bases de dados digitais.
Ele tem muita facilidade para entrar em contato com as redes e encontrar alguém que
possa ajudá-lo a resolver problemas. Prefere os tutoriais ou os vídeos no YouTube
para entender como as coisas funcionam. Esse aluno certamente terá muita dificuldade
em assistir uma aula expositiva por mais de 30 minutos. Ele vai acessar seu tablet ou
smartphone, podendo inclusive encontrar informação que complementa o que o
professor está discutindo. De todo modo, sua atenção não está mais no professor, mas
em algo que está relacionado com o seu interesse. Nesse contexto, a aula expositiva
deixou de ser importante uma vez que o aluno consegue acessar essa mesma
informação de modo mais interessante e, inclusive, com mais detalhes e uso de
recursos visuais que facilitam a sua compreensão.
As metodologias ativas de ensino e de aprendizagem estão sendo gradativamente
implantadas em alguns cursos do ensino superior justamente para colocar esse aluno
na situação de protagonista da sua aprendizagem. Elas constituem alternativas
pedagógicas que colocam o foco dos processos de ensino e de aprendizagem no
aluno, envolvendo-o na aprendizagem por descoberta, por investigação ou resolução
de problemas. Essas metodologias contrastam com a abordagem pedagógica do
ensino tradicional, centrado no professor que transmite informão aos alunos.
No entanto, a proposta de um ensino menos centrado no professor não é nova. No
icio do século passado, John Dewey concebeu e colocou em prática a educação
baseada no processo ativo de busca do conhecimento pelo estudante, que deveria
exercer sua liberdade. Para Dewey, a educação deveria formar cidadãos competentes
e criativos, capazes de gerenciar sua própria liberdade. Sua proposta era a de que a
aprendizagem ocorresse pela ação, learning by doing ou o aprender fazendohands-
on (DEWEY, 1944).
Após quase 100 anos, os processos de ensino e de aprendizagem, especialmente no
ensino superior, estão cada vez mais tendendo para o uso de metodologias ativas em
vista da quantidade de informação hoje dispovel nos meios digitais e as facilidades
que as tecnologias oferecem na implantação de pedagogias alternativas. O professor
passa a ser mais efetivo como guia, como consultor, como desafiador do aluno,
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auxiliando-o a navegar nesse mar de informão e de recursos digitais, em vez de ser
o transmissor de informação.
No Brasil as metodologias ativas estão sendo utilizadas no ensino superior desde os
anos 1990. Berbel (2011) faz uma importante reflexão sobre as diferentes metodologias
ativas usadas até então. O estudo de caso, bastante utilizado nos cursos de Direito,
Medicina e Administração. O método de projetos: no qual o aluno escolhe um projeto
de acordo com o seu interesse e certos objetivos curriculares para desenvolver e
apresentar soluções. A pesquisa científica, estratégia bastante utilizada no ensino
superior, especialmente no desenvolvimento de uma Iniciação Científica (I.C.), ou de
um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). A aprendizagem baseada em problemas,
inicialmente introduzida no Brasil em cursos de Medicina, desenvolvida com base na
resolução de problemas propostos, com a finalidade de que o aluno estude e aprenda
determinados conteúdos (BERBEL, 2011, p.32). Por último, Berbel discute com mais
profundidade a metodologia da problematização com o arco de Maguerez, adaptado
da proposta original para colocar em prática uma pedagogia problematizadora, pelo
que é associada inegavelmente aos ensinamentos de Paulo Freire (BERBEL, 2011, p.
34).
Assim, é possível entender que as metodologias ativas de ensino e de aprendizagem
são técnicas, procedimentos e processos utilizados pelos professores durante as aulas
a fim de auxiliar a aprendizagem dos alunos. O fato de elas serem ativas está
relacionado com a realização de práticas pedagógicas para envolver os alunos, engajá-
los em atividades práticas nas quais eles são protagonistas do seu processo de
construção de conhecimento. As metodologias ativas procuram criar situações de
aprendizagem para que os aprendizes possam fazer coisas, pensar e conceituar o que
fazem, construir conhecimentos sobre os conteúdos envolvidos nas atividades que
realizam, bem como desenvolver a capacidade crítica, refletir sobre as práticas que
realizam, fornecer e receber feedback, aprender a interagir com colegas e professor, e
explorar atitudes e valores pessoais.
O aspecto inovador sobre o que está sendo proposto atualmente consiste na
integração das tecnologias digitais às metodologias ativas que já estavam sendo
utilizadas. Essa integração está sendo colocada em prática especialmente nos cursos
de graduação. Esses estudantes já estão familiarizados com as tecnologias digitais, já
têm uma visão mais apurada dos interesses e das suas necessidades, têm mais
informação sobre o que esperam do processo de formação e, como afirma Paulo
Freire, o que impulsiona esse tipo de aprendiz é justamente a superação de desafios, a
resolução de problemas e projetos reais relacionados com a realidade, e a
oportunidade de construir novos conhecimentos (FREIRE, 1970).
A integração das TDIC e de recursos da EaD no desenvolvimento das metodologias
ativas tem proporcionado o que é conhecido como blended learning ou ensino híbrido
(VALENTE, 2014), definido como um programa de educação formal que combina
momentos em que o aluno estuda os conteúdos e instruções usando recursos online, e
outros em que o ensino ocorre em sala de aula, podendo interagir com outros alunos e
com o professor (STAKER; HORN, 2012).
Christensen, Horn e Staker (2013) criaram uma classificação para as diferentes
modalidades de ensino híbrido, em termos do que eles denominam de inovações
híbridas sustentadas (usam o que têm para criarem melhores produtos ou serviços) e
inovões bridas disruptivas (oferecem uma nova definição do que é bom, criando
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produtos mais simples, mais convenientes e mais baratos que atraem clientes novos).
Assim,
[...] os modelos de Rotação por Estações, Laboratório Rotacional e Sala de Aula Invertida
seguem o modelo de inovações híbridas sustentadas. Eles incorporam as principais
características tanto da sala de aula tradicional quanto do ensino online. Os modelos Flex,
A La Carte, Virtual Enriquecido e de Rotação Individual, por outro lado, estão se
desenvolvendo de modo mais disruptivo em relação ao sistema tradicional
(CHRISTENSEN; HORN; STAKER, 2013, p. 3).
Na disciplina de Midialogia foram utilizadas as abordagens da sala de aula invertida e
da aprendizagem baseada em projetos, as quais serão discutidas nos próximos
tópicos.
SALA DE AULA INVERTIDA OU FLIPPED CLASSROOM
A sala de aula invertida consiste em inverter a dimica do que acontece normalmente
em uma sala de aula tradicional, onde o professor transmite informação para o aluno,
que, após a aula, deve estudar o material que foi abordado e realizar alguma atividade
para assimilar o que foi estudado. Na abordagem da sala de aula invertida, o aluno
estuda antes da aula e a aula torna-se o lugar de realização de atividades práticas, de
discussão e de resolução de problemas que o aluno encontrou nos seus estudos
anteriores. O professor pode até fazer pequenas apresentões sobre o tema em
estudo, porém o foco é criar situações nas quais os alunos possam ser ativos e colocar
em prática o que foi assimilado. Por exemplo, antes da aula o professor pode verificar
as questões mais problemáticas que foram registradas no ambiente virtual de
aprendizagem e essas questões podem ser trabalhadas em sala de aula. Durante a
aula, o professor pode fazer uma breve apresentação do material, intercaladas com
questões para discussão, visualizões e exercícios de lápis e papel, retomando o que
foi mais problemático para os alunos. Os alunos podem também usar as TDIC para
realizar simulações animadas, visualizar conceitos e realizar experimentos
individualmente ou em grupos.
As regrassicas para inverter a sala de aula, segundo o relatório Flipped Classroom
Field Guide (2016) são:
1) as atividades em sala de aula envolvem uma quantidade significativa de
questionamento, resolução de problemas e de outras atividades práticas, obrigando o
aluno a recuperar, aplicar e ampliar o material aprendido online;
2) os alunos recebem feedback imediatamente as a realização das atividades
presenciais;
3) os alunos são incentivados a participar das atividades online, por meio do ambiente
virtual de aprendizagem, e das atividades presenciais, sendo que tudo que é realizado,
tanto no ambiente virtual quanto no presencial, é computado na avaliação formal do
aluno, ou seja, vale nota;
4) o material a ser utilizado online e nos ambientes criados em sala de aula são
altamente estruturados e bem planejados.
Assim, para a implantação da abordagem da sala de aula invertida, dois aspectos são
fundamentais: a produção de material para o aluno trabalhar online e o planejamento
das atividades a serem realizadas na sala de aula presencial.
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Sobre os materiais online, a maior parte das estratégias implantadas utiliza vídeo que o
professor grava a partir de aulas presenciais ou que grava usando software que capta a
informação da tela do computador, sua voz, sua imagem através da câmera do
computador e qualquer anotação feita na tela com a caneta digital. Porém, é preciso
dosar a quantidade e o tamanho dos vídeos. A ideia não é substituir a aula presencial
por vídeos.
Os ambientes virtuais de aprendizagem dispõem de outros recursos que podem ser
explorados pedagogicamente, como discussão com colegas de modo síncrono ou
assíncrono, e realizão de exercício autocorrigidos. Além disso, as tecnologias digitais
oferecem recursos como animões, simulações ou mesmo o uso de laboratórios
virtuais, que o aluno pode acessar e complementar com as leituras, ou mesmo os
vídeos mais pontuais que ele assiste. A proposta é realmente integrar as TDIC às
atividades curriculares, como observado por Almeida e Valente (2011).
Finalmente, para que o professor possa ter uma noção mais precisa sobre o que o
aluno desenvolveu e assimilou durante o estudo realizado online, a maior parte das
propostas de sala de aula invertida sugere que o estudante realize testes
autocorrigidos, elaborados no próprio ambiente virtual de aprendizagem. Os resultados
dessa avaliação podem ser registrados no ambiente virtual, o professor pode acessar
essas informações e conhecer quais foram os pontos críticos do material estudado e,
como isso, planejar o que vai ser desenvolvido na sala de aula presencial.
Sobre o planejamento das atividades presenciais em sala de aula, o mais importante é
o professor explicitar os objetivos a serem atingidos com sua disciplina, e propor
atividades que sejam coerentes e que auxiliem os alunos no processo de construção
do conhecimento. Essas atividades podem ser hands on, discussão em grupo,
resolução de problemas etc. Em todos esses casos, é fundamental que o aluno receba
feedback sobre os resultados das ações realizadas. A sala de aula presencial assume
um papel importante nessa abordagem pedagógica pelo fato de o professor estar
participando das atividades que contribuem para o processo de significação das
informações que os estudantes adquiriram estudando online. Nesse sentido, o
feedback é fundamental para corrigir conceões equivocadas ou ainda mau
elaboradas.
O documento Flipped Classroom Field Guide (2016) apresenta ideias e estratégias
desenvolvidas por diferentes universidades no Canadá e nos Estados Unidos da
América. O Flipped Learning Network (2018), criado em 2012, é o portal da
comunidade online de educadores utilizadores ou interessados em aprender sobre
estragias de sala de aula invertida, onde educadores podem compartilhar e acessar
recursos, dicas, e ideias sobre a sala de aula invertida.
No Brasil, dois livros apresentam exemplos de como o ensino brido pode ser
implementado, tanto no ensino superior quanto no ensino básico (BACICH; TANZI
NETO; TREVISANI, 2015) e como as metodologias ativas podem proporcionar uma
educação inovadora (BACICH; MORAN, 2018).
APRENDIZAGEM BASEADA EM PROJETO
Como já mencionado, Dewey foi um dos primeiros educadores a propor uma educação
baseada no fazer, no desenvolvimento de atividades práticas, concebidas como
projetos. Isso foi no início do século passado, como parte da concepção da escola
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progressiva (DEWEY, 1979). Sobre o método de projetos, Berbel menciona o trabalho
de Bordenave e Pereira, sendo que para esses autores a elaboração de um projeto
passa por distintas fases:
1ª a intenção curiosidade e desejo de resolver uma situação concreta, já que o projeto
nasce de situações vividas; 2ª a preparação estudo e busca dos meios necessários
para a solução, pois não bastam os conhecimentos possuídos; 3ª execução
aplicação dos meios de trabalho escolhidos, em que cada aluno busca em uma fonte as
informações necessárias ao grupo; 4ª apreciação avaliação do trabalho realizado, em
relação aos objetivos finais. Afinal, a literatura, as informações do professor e os dados da
realidade confirmam as hipóteses do projeto? Que outros subprojetos podem surgir do
mesmo? (BORDENAVE; PEREIRA, 1982 apud BERBEL, 2011, p. 31)
No final dos anos 1990 a proposta de projeto como estratégia pedagógica foi
novamente incentivada, principalmente por pesquisadores espanhóis (HERNÁNDEZ,
1998), (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998). No Brasil, os Parâmetros Curriculares
Nacionais, elaborados pelo Ministério da Educação (BRASIL, 1997), sugerem a
integração de disciplinas no trabalho com projetos que o aluno deve realizar e não mais
em conteúdos previamente sequenciados e repassados pelos professores.
O desenvolvimento de projetos apresenta diversos aspectos positivos, permitindo a
crião de situações educacionais que possibilitam trabalhar a compreensão de um
determinado conceito a partir do que o aluno está realizando. No entanto, é importante
notar que essa compreensão não emerge naturalmente do processo de realizar algo
com sucesso. Os estudos conduzidos por Piaget sobre o fazer e o compreender
(PIAGET, 1978) indicam que a compreensão de conceitos envolvidos nas tarefas
realizadas está diretamente relacionada com o grau de interação que o aprendiz tem
com estes conceitos. O fato de o aprendiz estar desenvolvendo um projeto não
significa que ele está construindo conhecimento ou compreendendo o que está
fazendo. Como observou Piaget, desenvolver o projeto e atingir resultados satisfatórios
não garante a assimilação dos conceitos envolvidos no projeto. A solução para uma
educação que prioriza a compreensão conceitual é a interação com objetos e a
realização de projetos ou de atividades que sejam estimulantes para que o aprendiz
possa estar envolvido com o que faz. Essas atividades devem ser ricas em
oportunidades para permitir ao aluno explorá-las e possibilitar aberturas para o
professor interagir e desafiar o aluno e, com isso, incrementar a qualidade da interação
com o que está sendo feito e com o que está sendo usado em termos de conceitos. O
professor, além de desafiar o aluno tem também o papel de formalizar esses conceitos
de acordo com alguma notação, mesmo convencional.
Além dessas características, o desenvolvimento de projetos integrando o uso das TDIC
pode estimular o interesse dos alunos e, com isso, possibilitar o seu engajamento no
processo de aprendizagem; pode também propiciar diversas facilidades para o
professor poder auxiliar o processo de construção de conhecimento. Por exemplo, o
professor poder trabalhar diferentes tipos de conhecimentos que estão imbricados na
realização de projetos, e que podem ser categorizados em quatro eixos: conceitos
sobre desenvolvimento de projetos, os conceitos disciplinares envolvidos no projeto, os
conceitos sobre as TDIC e as estratégias de como aprender.
No eixo desenvolvimento de projetos podem ser trabalhados diversos assuntos, por
exemplo, a escolha do tema do projeto. Aqui são os valores, a ética e mesmo a atitude
cidadã que determinam o impacto que o projeto pode ter na comunidade ou mesmo no
meio social em que o aluno atua. Outro tópico que pode ser tratado ainda nesse eixo
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são as estratégias sobre o desenvolvimento do projeto: como iniciá-lo, como manter os
objetivos estipulados, como saber quando os objetivos foram atingidos etc. No eixo
conceitos envolvidos no projeto, podem ser discutidos e trabalhados os conceitos
disciplinares e intrínsecos ao tema do projeto (por exemplo, o conceito de distância
entre objetos) ou mesmo a aplicação de um conceito na resolução de um determinado
problema. Já no eixo domínio das tecnologias podem ser trabalhados os conceitos
relativos às TDIC, por exemplo, o funcionamento de um comando de software, ou
como fazer um gráfico usando uma planilha. Finalmente, no quarto eixo, estratégias
sobre aprender, podem ser trabalhadas as ideias sobre como aprender, por exemplo,
onde buscar a informação e que estratégia está sendo usado pelo aluno na
ressignificação dessa informação.
Explorar os conceitos relativos a cada um desses eixos, na verdade, consiste em uma
dança que o professor e o aluno realizam, transitando e trabalhando em cada um
destes quatro eixos, como ilustrado na Figura 1.
Figura 1- “Dança” que o professor e o aprendiz realizam para trabalhar sobre diferentes
conceitos envolvidos no desenvolvimento de projetos usando as TDIC
Fonte: Autor
Em um determinado momento é importante o professor trabalhar temas relativos ao
desenvolvimento de projeto, em outro, questões relativas aos conceitos disciplinares e
assim por diante. Essas inserções e interações do professor acontecem quando o
aluno enfrenta uma determinada dificuldade e necessita da ajuda do professor ou
mesmo de um colega mais experiente. A ideia não é ministrar aulas sobre os conceitos
de cada um desses eixos, mas trabalhar um determinado conceito quando ele for
necessário para que o aluno possa avançar ou ser desafiado a pensar em novas
alternativas just in time learning.
No desenvolvimento de projetos, o uso das TDIC se torna importante na medida em
que, para que algo seja produzido por meio delas, é necessário explicitar as ações que
elas devem realizar. A explicação dessas ões torna o processo de produção muito
diferente do que acontece com o uso dos objetos tradicionais. Uma coisa é fazer um
desenho usando lápis e papel, outra coisa é produzir o mesmo desenho por meio de
um software. No caso do software é necessário explicitar as ações ou os comandos a
serem executados pela máquina, criando uma representação do processo de
produção. Essa representação envolve conceitos e estragias criadas pelo aluno, e
pode ser estudada, analisada e depurada no sentido de atingir novos patamares de
qualidade do produto realizado. De fato, essa representação constitui uma "janela na
mente" do aprendiz, no sentido que permite compreender e identificar o conhecimento
do senso comum que foi usado e, com isso, o professor pode ajudar o aprendiz a
alcançar um novo nível de conhecimento cientificamente fundamentado como produto
de uma crescente espiral de aprendizagem (VALENTE, 2005). No entanto, essa
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construção não acontece simplesmente deixando o aluno interagir com as TDIC. Ela
depende de educadores preparados de modo que possam ser efetivos na interação
com o aprendiz
As possiblidades de integração das tecnologias digitais nos processos de ensino e de
aprendizagem existem. Porém, a questão é como essas novas abordagens
pedagógicas podem ser colocados em prática em uma situação efetiva de ensino de
uma disciplina de graduação, como Métodos e Técnicas de Pesquisa, normalmente
desenvolvida de modo presencial e usando métodos tracionais de ensino? Esse foi o
desafio enfrentado na mudança da disciplina CS106 - Métodos e Técnicas de Pesquisa
e de Desenvolvimento de Produtos em Midialogia, ministrada como parte do curso de
Comunicação Social Midialogia. Assim, o objetivo da pesquisa foi entender como as
abordagens da sala de aula invertida e da aprendizagem baseada em projeto poderiam
ser implantadas nessa disciplina e o que essas abordagens poderiam incrementar em
relação às produções dos alunos.
METODOLOGIAS ATIVAS EM UMA DISCIPLINA DA MIDIALOGIA
O estudo consistiu na análise do que foi realizado na disciplina CS106 Métodos e
Técnicas de Pesquisa e de Desenvolvimento de Produtos em Midialogia
3
ministrada no
período de 2007 a 2016. Para este estudo foi utilizado o método documental, usando
os registros dos trabalhos dos alunos que foram disponibilizados no ambiente virtual de
aprendizagem TelEduc e observações realizadas pelo pesquisador-docente durante o
desenvolvimento da disciplina.
Essa disciplina faz parte do primeiro semestre do primeiro ano da grade curricular do
curso Comunicação Social Midialogia, no Departamento de Multimeios, Mídia e
Comunicação, do Instituto de Artes da Unicamp. Ela tem uma carga horária semanal
de 4 horas, e as aulas presenciais são complementadas com atividades usando o
ambiente virtual de aprendizagem TelEduc.
O curso de Midialogia foi criado em 2004 e desde então ele tem ficado entre as quatro
opções mais procuradas na primeira fase do vestibular da Unicamp, sendo que em
cada turma são selecionados 30 alunos. Ele é fundamentado no tripé mídias,
sociedade e arte, que contempla o tecnológico, o social e o estético, constituintes da
Midialogia. O curso é baseado na pedagogia por projetos ou (Project Based Learning
PBL), sendo que o modelo de projetos é usado tanto nas disciplinas quanto existem
disciplinas específicas para desenvolvimento de projetos integrados. Assim, o curso de
Midialogia tem uma forte inserção tecnológica e é baseado em projetos, permitindo a
utilização de abordagens pedagógicas bastante inovadoras.
A disciplina CS106 Métodos e Técnicas de Pesquisa e de Desenvolvimento de
Produtos em Midialogia tem como objetivos: elaborar projetos de pesquisa científica e
projetos de desenvolvimento de produto midiático; usar métodos e cnicas de
pesquisa científica e de desenvolvimento de produto midiático; e elaborar artigos e
relatórios de acordo com as normas da ABNT.
No primeiro dia de aula o aluno faz uma avaliação sobre temas relativos à disciplina, na
forma de um questionário que é respondido na aula. Essa avaliação é apresentada
3
Inicialmente CS101 Métodos e Técnicas de Pesquisa em Midialogia. Em 2015 ela foi alterada para incluir na ementa as atividades
referentes ao desenvolvimento de projetos sobre produtos midiáticos que já fazia parte das atividades da disciplina, porém não de modo
oficial.
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como um miniprojeto de pesquisa científica, de uma página (versão executiva),
contendo: introdução, objetivo (geral e específicos), método (local da pesquisa,
populão envolvida e procedimentos) e cronograma. O miniprojeto é discutido com os
alunos e como meio de coleta de dado é distribuído o questionário, que é respondido
em seguida. As questões versam sobre o conhecimento do aluno, sobre projeto de
pesquisa científica, sobre norma ABNT e conhecimentos dos softwares mais utilizados
para elaboração de artigos e apresentações, como processador de texto, planilhas,
banco de dados e software de apresentação. A ideia com esse miniprojeto é mostrar
para o aluno um exemplo de como elaborar e realizar uma pesquisa científica. Os
resultados do questionário são apresentados e discutidos com os alunos na segunda
aula, na forma de um PowerPoint.
Na primeira aula tamm é discutido com os alunos o Programa da Disciplina, que
prevê as seguintes atividades na forma de projetos
4
:
Atividade/Projeto 1 (A/P1) análise de trabalhos que foram realizados pela turma
do ano anterior, e que se encontram no site da disciplina. Cada aluno deve analisar
o artigo de um colega indicado na atividade quanto à coerência de objetivos,
metodologia e desenvolvimento da pesquisa, e com base nessa análise elaborar
um texto descrevendo os aspectos que mais chamaram a atenção. Essa atividade
tem duração de duas semanas e com ela o aluno pode ter uma visão mais concreta
do que é esperado como trabalho na disciplina;
Atividade/Projeto 2 (A/P2) elaboração de proposta de projeto de pesquisa
científica, tipo estudo de campo ou documental/bibliográfica. A proposta deve ser
apresentada na forma escrita, de acordo com padrões da ABNT, em um
documento de 3 a 4 páginas. Essa atividade tem duração de duas semanas;
Atividade/Projeto 3 (A/P3) implementão do projeto de pesquisa e elaboração de
artigo sobre a pesquisa realizada. Para tanto o aluno deve coletar dados, analisá-los
e elaborar um artigo cienfico, tipo artigo para congresso ou revista científica, de 8 a
10 páginas. A duração prevista para essa atividade é de quatro semanas, sendo
que na quinta semana cada aluno apresenta para a classe o trabalho realizado,
elaborando para isso um diaporama e tendo 3 a 4 minutos para essa apresentação;
Atividade/Projeto 4 (A/P4) elaboração de proposta de projeto de desenvolvimento
de um produto midiático, tipo portfólio de fotografia, site, vídeo. A proposta deve ser
apresentada na forma escrita, de acordo com padrões da ABNT, em um
documento de 3 a 4 páginas. Duração prevista para essa atividade é de duas
semanas;
Atividade/Projeto 5 (A/P5) implementação do projeto de desenvolvimento e
elaboração de relatório sobre o trabalho realizado. Para tanto, o aluno deve
desenvolver o produto de acordo com o cronograma previsto no projeto e, com
base nos resultados alcançados, elaborar um relatório de atividades de 6 a 8
páginas. Essa atividade tem duração de quatro semanas; e
Atividade/Projeto 6 (A/P6) elaborão do site da disciplina. Além dos cinco
projetos que cada aluno elabora individualmente, a classe como um todo
desenvolve o site da disciplina. Essa atividade é realizada durante as quatro últimas
semanas do semestre.
Além das atividade/projetos mencionadas, os alunos realizam exercícios baseados em
leituras de artigos propostos e de artigos que os alunos devem procurar em bases de
4
No Programa da Disciplina é utilizado a denominação Atividades para não confundir com o projeto de pesquisa e de desenvolvimento
de produto midiático que cada aluno tem que desenvolver.
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dados, relacionados com as pesquisas que estão elaborando. Para tanto, o aluno deve
realizar uma reflexão sobre o material lido, na forma de um texto escrito, disponibilizado
antes da aula, no seu portfólio, como proposto no Exercício 3:
Exercício 3
Leitura e Alise Crítica de um Artigo Científico Relacionado com o Projeto de Pesquisa.
Trabalho a ser realizado individualmente.
Fazer uma busca nas bases de dados online de um artigo científico em Português (ou em
outro idioma), que você entende estar relacionado com o seu projeto de pesquisa. Pode ser
também um artigo científico que você usou para a preparação da proposta de Projeto de
Pesquisa.
Com base nesse artigo, escrever um relato de uma ou duas páginas indicando:
a) o nome do artigo;
b) autor (es)
c) endereço onde foi encontrado (link);
d) uma crítica quanto à estrutura do mesmo (Introdução, Objetivos, Metodologia, Resultados,
Conclues e Referências). Justifique suas respostas.
A versão final desse relato deverá ser disponibilizada no respectivo Portfólio do aluno até dia
24/04/2016 para que possa ser comentada pelos colegas e pelo professor durante a aula de
25/04/2016. (Documento do Curso, 2016)
Todas as atividades/projetos e os exercícios são corrigidos individualmente pelo
pesquisador-docente e devolvidos aos alunos com a chance de serem depurados e
entregues novamente (exceto para os exercícios).
Para elaboração do site da disciplina os alunos são divididos em grupos, com
diferentes responsabilidades, como o líder do desenvolvimento do site; o grupo que
trabalha na programação do mesmo; o grupo que prepara o layout do site,
especialmente a parte artística; o grupo que prepara o perfil de como o aluno é
apresentado no site (características, preferências, afinidade com mídias etc.); o grupo
que prepara o material relativo ao projeto de pesquisa, de acordo com o que é
estipulado pelo grupo de programão; o grupo que prepara o material relativo ao
desenvolvimento do projeto de produto; e grupo de controle, que verifica se os links e
os materiais incluídos no site abrem adequadamente.
A décima quinta aula do semestre é dedicada à análise do site e dos produtos
midiáticos desenvolvidos pelos alunos. Toda atividade desenvolvida deve constar no
site, que é usado para a avaliação final dos alunos. Após o término dessa 15ª aula,
professor e alunos organizam e participam de um churrasco para celebrar o final da
disciplina.
Os alunos são avaliados de acordo com a seguinte média ponderada das
atividades/projetos e exercícios realizados:
Avaliação = 0,10*A/P1 + 0,15*A/P2 + 0,25*A/P3 + 0,15*A/P4 + 0,25*A/P5 + 0,10*
Exercícios
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PRINCIPAIS RESULTADOS E DISCUSSÃO
Quanto ao resultado dos questiorios respondidos durante o primeiro dia de aula, o
gráfico da Figura 2 mostra a porcentagem de alunos que já fizeram projetos antes de
iniciar a disciplina CS106. É possível notar que até 2012 a porcentagem de alunos que
ainda não tinham feito projetos é maior do que os que já fizeram.
Figura 2- Porcentagem de alunos da disciplina CS106 que já realizaram e que ainda não
realizaram projetos científicos ao longo dos anos de 2007 e 2016
Fonte: Autor
A partir de 2012 a porcentagem dos que já fizeram projetos tem sido maior, indicando
que o ensino médio tem incentivado esse tipo de atividade. No entanto, a experiência
na disciplina CS106 tem mostrado que os alunos têm muita dificuldade em organizar e
estruturar a pesquisa e o desenvolvimento do produto midiático de acordo com os
métodos e técnicas científicas e de mercado.
Com relação ao conhecimento sobre os softwares básicos, a porcentagem de alunos
que se consideram avançados e intermediários também avançou ao longo do período
2007-2016, indicando que os alunos já chegam ao curso de Midialogia com um bom
conhecimento sobre processador de texto, planilha e aplicativo de apresentão. Os
alunos usam esses softwares para desenvolver seus trabalhos e esse conteúdo não é
tratado como parte da disciplina. Somente quando um aluno tem alguma dúvida sobre
algum desses aplicativos, a questão é discutida em classe.
Sobre o desenvolvimento dos projetos, a escolha dos temas para o projeto de pesquisa
e para o projeto de produto midiático é feito de acordo com o interesse do aluno. A
única limitão imposta pela disciplina é que a pesquisa seja sobre um tema da
Comunicação Social e o produto utilize algum tipo de mídia. Na elaboração das
propostas de projetos é solicitado que o aluno explicite o seu interesse e relação com
os temas escolhidos. O papel do pesquisador-docente no processo de escolha de
temas é verificar a pertinência quanto ao uso de tecnologias e à Comunicação Social, e
tentar adequar o que está sendo proposto em termos de dificuldades ou facilidades, de
modo que o projeto possa ser realizado dentro dos prazos estipulados.
À medida que os projetos são colocados em prática é possível identificar o grau de
conhecimento do aluno sobre o tema proposto e como o trabalho nos projetos ajuda a
identificar e explicitar interesses, preferências, valores e crenças que ainda não
estavam o explícitos. Esses aspectos são especificamente discutidos em sala e
constitui um exercício importante de descobrir as pérolas que existem na turma.
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Para a execução de cada atividade/projeto o aluno deve disponibilizar a versão parcial
no ambiente TelEduc, no seu portfólio individual. Antes da aula, esse material é
analisado pelo pesquisador-docente, que seleciona alguns trabalhos para serem
comentados em aula. Na aula, alguns temas relativos aos conteúdos que estão sendo
trabalhados são brevemente discutidos. Por exemplo, durante as semanas de
elaboração do projeto de pesquisa, são discutidos os principais métodos e técnicas de
pesquisa, são apresentados exemplos de projetos de pesquisa, como os estipulados
por entidades como Fapesp e CNPq.
Além dessa discussão sobre alguns aspectos teóricos sobre os respectivos temas
(pesquisa ou desenvolvimento de produto midiático), o pesquisador-docente escolhe,
dentre os trabalhos que foram postados no ambiente TelEduc, alguns exemplos que
permitem discutir com a classe pontos importantes como a explicitação dos objetivos
de maneira clara e precisa; discutir aspectos da metodologia usada, como seleção da
populão a ser estudada e cálculo da amostra a ser pesquisada; conteúdo e tipo de
questões a serem usadas em entrevistas ou em questionários, sempre procurando
ressaltar aspectos positivos e negativos dos mesmos. Uma vez terminada a discussão
sobre essa seleção de trabalhos, é aberta a possibilidade de os alunos solicitarem para
que seu trabalho especificamente seja analisado.
Assim, a dinâmica da aula presencial tem uma parte na qual o tratados aspectos
teóricos relativos aos trabalhos sendo desenvolvidos, porém usando os próprios
trabalhos dos alunos. Nesse sentido, a aula presencial tem um caráter de ateliê, ou
seja, como local para trabalhar os conteúdos já estudados, realizando atividades
práticas, como resolução de problemas e projetos, e discussão em grupo. Como ateliê,
a sala de aula passa ser o ambiente onde os trabalhos, tanto os mais bem elaborados
quanto os que merecem ser aprimorados, possam ser analisados com os alunos,
criando o contexto no qual o que conta é o aprimoramento contínuo do que é
produzido.
A avaliação de cada uma das atividades é feita imprimindo-a e corrigindo-a de acordo
com os padrões estipulados para a atividade, e atribuindo uma nota de 0 a 10. O aluno
tem uma chance de melhorar a atividade, corrigindo-a de acordo com as observações
feitas. A segunda versão é comparada com a primeira e se, para cada observação feita
na primeira versão, ela não for justificada ou corrigida, o aluno perde 0,5 ponto.
Também para a segunda versão da atividade é atribuída uma nota variando entre 0 e
10, sendo que a nota final nessa atividade é a média entre a nota da primeira e da
segunda versão.
O procedimento de avaliação das atividades/projetos foi alterado a partir de 2012,
quando até então o aluno tinha diversas chances de melhorar a atividade, porém a nota
final era a que ele obtinha na última versão. No entanto, foi notado que, em geral, os
alunos não se esmeravam tanto na produção dessas versões, pois sabiam que
poderiam apresentar uma nova versão. Além disso, não prestavam muita atenção no
que era observado, produzindo uma nova versão sem corrigir ou justificar todas as
observações feitas. A varião da média geral de cada uma das turmas, de 2008 a
2015, é mostrada na Figura 3.
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Figura 3- Variação da média geral da classe no período de 2008 a 2015
Fonte: Autor
Como mostra o gráfico da Figura 3, a média da classe caiu após a adoção desse novo
procedimento de avaliação das atividades, porém ele tem produzido resultados mais
adequados em termos do que o aluno desenvolve na primeira versão do trabalho, e na
corrão das observações feitas e na produção da segunda versão.
Os trabalhos dos alunos para cada uma das turmas podem ser vistos nos respectivos
sites da disciplina (TRABALHOS DE DISCIPLINAS, 2016). A Figura 4 apresenta as
páginas iniciais dos sites elaborados em 2015, 2014, 2010 e 2008.
Figura 4- Páginas iniciais dos sites da disciplina para as turmas de 2015, 2014, 2010 e 2008
CS106-2015
CS101-2014
CS101-2010
CS101-2008
Fonte: Trabalho de Disciplinas, 2016
Observando os sites é importante notar que todas as turmas elaboram o respectivo
site, desde 2007. Os sites são diferentes, m características próprias e o bem
elaborados tanto do ponto de vista computacional quanto estético. As metáforas
usadas quanto ao conteúdo dos perfis dos alunos são criativas e procuram caracterizar
os interesses de cada turma e o que a turma pensa sobre o curso. Por exemplo, o site
da turma de 2015 faz uma crítica no sentido de apresentar Cinemidia, como algo que é
realizado na Midialogia, porém que é muito mais que cinema! As questões de estética e
qualidade computacional do site chamam a ateão, principalmente se considerarmos
que esses alunos estão terminando o primeiro semestre do primeiro ano do curso de
Midialogia.
8
8,2
8,4
8,6
8,8
9
9,2
9,4
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Média final da classe
Ano de oferta da disciplina
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Outro ponto a ser observado é o fato de que nos sites constam os trabalhos de
praticamente todos os alunos da turma. Isso significa que a evasão e reprovação são
praticamente inexistentes. Casos de alunos que abandonaram a disciplina foram por
questões de ordem particular e nunca houve um caso de aluno ser reprovado por baixa
performance. Isso é notável se considerarmos a carga de trabalho prevista e o prazo
exíguo para a realização da mesma. Além disso, os trabalhos devem seguir normas,
métodos e técnicas que exigem muita atenção e disciplina.
Quanto à qualidade dos trabalhos, ela pode ser equiparada ao que é exigido em
congressos e segue os padrões de artigos científicos ou de relatórios exigidos pelas
instituições financiadoras de projetos como Fapesp ou CNPq. Essa qualidade tem sido
mantida ao longo desses anos, uma vez que, segundo o gráfico da Figura 3, a média
final da classe nunca ficou abaixo de 8,4.
Especificamente com relão ao processo de avaliação da disciplina, previsto no
calendário do semestre, o pesquisador-docente, seguindo os procedimentos propostos,
retira-se da classe, dando um tempo para que os alunos discutam sobre como avaliam
a disciplina. Foi interessante que na avaliação da disciplina CS106, realizada pela
turma de 2015, ao retornar o pesquisador-docente à sala de aula, os alunos tinham
preparado um PowerPoint com as informações indicadas na Figura 5:
Figura 5- Avaliação da disciplina CS106 pelos alunos da turma de 2015
Pontos positivos:
- Possibilidade de correção de trabalhos de modo a ser
reavaliado;
- Abertura para diversos projetos;
- Feedback;
- Trazer referências;
- Dá o programa da disciplina, segue o programa da
disciplina;
- Disponibilidade e recepctividade fora da sala de aula;
- Boa utilização do Teleduc.
Pontos negativos:
- Problemas com tempo: menos exercícios, mais tempo
para se dedicar ao artigo;
- Aulas pouco dinâmicas (não é unânime) Sugestão:
utilização de exemplos de trabalhos feitos em turmas
anteriores;
- Dificuldade em se fazer trabalhos mais complexos;
- Dentro de sala de aula os alunos se sentem um pouco
inibidos.
Fonte: Autor
A discussão sobre esses pontos, tanto os positivos quanto os negativos, foi muito
interessante e mostrou a diferença entre a abordagem pedagógica utilizada em sala e a
experiência de ensino que os alunos tiveram até então. A aula não é mais só
expositiva, mas baseada nas metodologias ativas. Outros fatores que influíram nessa
avalião foram: o fato de o trabalho do aluno ser comentado diante dos colegas, o que
certamente pode ser inibidor; e a falta de tempo para realizar projetos mais elaborados,
pois a grade do primeiro semestre é bastante sobrecarregada.
Finalmente, é possível notar que os trabalhos são personalizados. É importante
mencionar que ao longo desses anos nunca houve um trabalho copiado ou que
explorasse exatamente o mesmo tema. Embora os alunos sejam encorajados a
conhecer os trabalhos dos colegas das turmas anteriores, os temas escolhidos sempre
têm um caráter inovador e original. Por meio desses trabalhos é possível observar os
interesses dos alunos, e suas preferências. É comum eles expressarem o interesse de
continuar a desenvolver trabalhos semelhantes ou que pretendem seguir trabalhando
na área cujos projetos foram desenvolvidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A implantação de metodologias ativas no ensino parece um caminho sem volta. Essas
metodologias colocam o foco no sujeito da aprendizagem, muito semelhante ao que
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ocorreu com outros segmentos da sociedade, como os serviços e os processos de
produção. A responsabilidade da aprendizagem agora é do estudante, que tem que
assumir uma postura mais participativa, na qual resolve problemas, desenvolve
projetos e, com isto, cria oportunidades para a construção de seu conhecimento. O
professor passa a ter a função de mediador, consultor do aprendiz, e a sala de aula
passa a ser o local onde o aluno tem a presença do professor e dos colegas auxiliando-
o na resolução de suas tarefas, na troca de ideias e na significão da informação.
Além disso, essas metodologias criam oportunidades para que valores, crenças e
questões sobre cidadania possam ser trabalhados, preparando e desenvolvendo as
competências necessárias para que esse aprendiz possa viver e usufruir da sociedade
do conhecimento.
O curso de Comunicação Social Midialogia tem uma forte inserção tecnológica e é
baseado em projetos, o que facilita a implantação de abordagens pedagógicas mais
inovadoras: elas proporcionam a criação de ambientes de aprendizagem que fornecem
mais autonomia ao aluno, ao mesmo tempo em que ele desenvolve competências que
são fundamentais e marcantes no ambiente de trabalho atual.
A experiência da implantação das abordagens da sala de aula invertida e da
aprendizagem baseada em projetos, além de produzir resultados interessantes do
ponto de vista pedagógico, foi bastante gratificante como objeto de pesquisa e de
estudo. As atividades na graduação, mais do que ministrar disciplinas, têm também
servido como campo para a pesquisa e a incorporação de ideias sobre como as
tecnologias podem auxiliar novos processos de ensino e de aprendizagem. Elas têm
auxiliado a compreensão de como proporcionar um ambiente de aprendizagem que
seja mais condizente com o que o aluno vai encontrar ao longo da vida profissional. Se
ele não puder ser ativo e mais autônomo no seu processo de aprendizagem,
certamente ele terá muita dificuldade de se manter atualizado na vida profissional.
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Data da submissão: 05/12/2018
Data da aprovação: 21/02/2019