VOLUME 14

2024

ISSN: 2237-5864


Atribuição CC BY 4.0 Internacional

Acesso Livre


DOI: https://doi.org/10.35699/2237-5864.2024.48743

SEÇÃO: ARTIGOS

Saúde mental na comunidade em histórias em quadrinhos: relato de experiência no estágio de docênciaShape1

Salud mental en la comunidad a través de cómics: relato de experiencia en la práctica docenteShape2

Mental Health in the Community through Comics: An Experience Report from a Teaching Internship

Caroline Magna de Oliveira Costa,1 Verônica de Medeiros Alves,2

Yanna Cristina Moraes Lira Nascimento3

RESUMO

Objetivo: descrever a experiência de retratar a temática de saúde mental na comunidade através de histórias em quadrinhos em uma aula da graduação de Enfermagem. Método: trata-se de um relato de experiência vivenciado durante o estágio de docência do mestrado do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas, o qual foi realizado na unidade de aprendizagem que aborda saúde mental e saúde da mulher, no período de julho a outubro de 2023. Em cinco etapas, foram desenvolvidas três histórias em quadrinhos utilizando a ferramenta on-line Pixton, baseadas no livro Enfermagem psiquiátrica: conceitos de cuidado na prática baseada em evidências de Mary C. Townsend. Resultados: as histórias em quadrinhos foram denominadas Saúde mental na escola, Saúde mental na consulta de enfermagem e Saúde mental na visita domiciliar. Nelas, foram abordadas, respectivamente, a prevenção primária, secundária e terciária ao adoecimento mental. Foi discutido entre os discentes quais as ações que o enfermeiro e a equipe poderiam executar no cuidado prestado em cada contexto. Percebeu-se que a utilização desse recurso pedagógico foi válida no processo de ensino-aprendizagem da saúde mental, no contexto da atenção primária à saúde. Porém, notou-se que a utilização de quadrinhos em sala de aula ainda é pouco explorada na literatura e na prática docente. Considerações finais: as histórias em quadrinhos favoreceram o desenvolvimento de habilidades importantes tanto nos discentes quanto na mestranda, além de promoverem pautas voltadas ao estímulo da promoção da saúde mental comunitária. Dentre as limitações, destacam-se o fato de a experiência relatada ter sido realizada em apenas uma turma de graduação e a ausência de validação das histórias em quadrinhos por pares.

Palavras-chave: história em quadrinhos; saúde mental; enfermagem; educação em enfermagem.

RESUMEN

Objetivo: describir la experiencia de retratar la temática de salud mental en la comunidad a través de historias en cómics en una clase de la carrera de Enfermería. Método: se trata de un relato de experiencia vivenciado durante la práctica docente del máster del Programa de Posgrado en Enfermería, de la Escuela de Enfermería de la Universidad Federal de Alagoas, esto se llevó a cabo en la unidad de aprendizaje que aborda salud mental y salud de la mujer, en el período de julio a octubre de 2023. En cinco etapas, se desarrollaron tres historias en cómics utilizando la herramienta en línea Pixton, basadas en el libro Enfermería psiquiátrica: conceptos de cuidado en la práctica basada en evidencia de Mary C. Townsend. Resultados: los cómics fueron denominados Salud mental en la escuela, Salud mental en la consulta de enfermería y Salud mental en la visita domiciliaria. En ellos, se abordaron, respectivamente, la prevención primaria, secundaria y terciaria del padecimiento mental. Se discutió entre los estudiantes qué acciones podrían realizar el enfermero y el equipo en cada contexto de atención. Se observó que el uso de este recurso pedagógico fue válido en el proceso de enseñanza-aprendizaje de la salud mental, en el contexto de la atención primaria a la salud. Sin embargo, se notó que el uso de cómics en el aula aún está poco explorado en la literatura y en la práctica docente. Consideraciones finales: los cómics favorecieron el desarrollo de habilidades importantes tanto en los estudiantes como en la estudiante de maestría, además de promover temas orientados al estímulo de la promoción de la salud mental comunitaria. Entre las limitaciones, se destacan el hecho de que la experiencia relatada se realizó en solo un grupo de grado y la ausencia de validación de los cómics por pares.

Palabras clave: cómic; salud mental; enfermería; educación en enfermería.

ABSTRACT

Objective: to describe the experience of portraying the theme of mental health in the community through comic strips in an undergraduate Nursing class. Method: this is a report of an experience during the teaching internship of the Master's Program in Nursing at the School of Nursing, Federal University of Alagoas, this was conducted in the learning unit addressing mental health and women's health, from July to October 2023. In five stages, three comic strips were developed using the online tool Pixton, based on the book Psychiatric Nursing: Concepts of Care in Evidence-Based Practice by Mary C. Townsend. Results: the comic strips were titled Mental health at school, Mental health in nursing consultation, and Mental health in home visits. They respectively addressed primary, secondary, and tertiary prevention of mental illness. Discussions among students focused on the actions that nurses and teams could take in each context. It was observed that the use of this pedagogical resource was effective in the teaching-learning process of mental health within the context of primary health care. However, it was noted that the use of comic strips in the classroom is still underexplored in literature and teaching practice. Final considerations: the comic strips facilitated the development of important skills for both students and the master's student, in addition to promoting topics related to stimulating community mental health promotion. Among the limitations, it is highlighted that the reported experience was conducted in only one undergraduate class and there was no peer validation of the comic strips.

Keywords: comics; mental health; nursing; nursing education.

INTRODUÇÃO

Em uma perspectiva mundial, a compreensão de saúde mental na comunidade teve seus primórdios em programas desenvolvidos nos Estados Unidos e no Canadá no ano de 1950. Esses programas eram baseados no entendimento da dimensão biopsicossocial do indivíduo, contrapondo o modelo psiquiátrico hospitalocêntrico e investindo em um programa de atenção à saúde com foco nos serviços comunitários, em especial na atenção primária à saúde (APS), e na assistência multidisciplinar, levando em consideração a participação da comunidade e o protagonismo dos sujeitos (Reinaldo, 2008; Sampaio; Bispo Júnior, 2021).

A partir da década de 1970, essas discussões foram realizadas no contexto brasileiro, somadas às bases da psiquiatria democrática italiana. Isso foi mais evidente no movimento de reforma psiquiátrica, que culminou na Lei nº 10.216 de 2001 (Ramos; Paiva; Guimarães, 2019), a qual versa sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental (Brasil, 2001).

Outro marco relevante foi a Portaria nº 3.088 de 2011, que institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), que apresenta como objetivos: promover cuidados em saúde a grupos vulneráveis, prevenir o adoecimento, reduzir danos de álcool e outras drogas, promover a reabilitação e a reinserção social das pessoas com transtornos mentais, bem como, regular e organizar o fluxo da assistência de forma descentralizada e em rede. A RAPS tem a atenção básica à saúde como um de seus componentes (Brasil, 2011). Esta área de atenção à saúde foi o contexto de discussão do presente trabalho.

Na conjuntura do cuidado em saúde prestado na RAPS, a Resolução nº 678 de 2021 do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) aprova e reitera a participação do enfermeiro generalista nos cuidados ao indivíduo em sofrimento mental e sua família, no contexto de todos os serviços, incluindo o cenário da Unidade Básica de Saúde (UBS). No entanto, esses profissionais ainda enfrentam desafios, como: o aumento na demanda de questões relacionadas a saúde mental, recursos humanos insuficientes, educação permanente deficitária, falta de articulação entre a gestão e os serviços da rede, e principalmente o despreparo na formação acadêmica para lidar com as demandas de saúde mental nesse nível de complexidade de atenção à saúde (Gama et al., 2021).

A formação acadêmica dos enfermeiros, por vezes, está pautada com maior ênfase na saúde mental voltada aos serviços de atenção secundária e terciária. Essa conjuntura pode estar contribuindo com o despreparo em lidar com as demandas de saúde mental na atenção primária. Em vista disso, nota-se a necessidade de que a saúde mental na comunidade seja melhor explorada nas disciplinas da graduação em Enfermagem. Nesse sentido, sugere-se que os docentes utilizem recursos pedagógicos didáticos para realizarem essa abordagem. A exemplo disso tem-se o uso de histórias em quadrinhos (HQ), para fomentar discussões que contraponham a construção de um cuidado focado na doença e na medicalização.

Nessa perspectiva, as HQs podem ser adotadas como um recurso pedagógico durante as aulas. Elas são caracterizadas por uma narrativa gráfica sequencial, composta de linguagem verbal e não verbal, na qual podem ser abordadas diversas temáticas do cotidiano relacionadas aos conteúdos curriculares, fomentando a consciência crítica dos alunos sobre a realidade (Oliveira; Aragão, 2018). Nesse contexto, esse trabalho tem como objetivo descrever a experiência de retratar a temática de saúde mental na comunidade através de histórias em quadrinhos em uma aula da graduação em Enfermagem.

METODOLOGIA

O presente estudo caracteriza-se como um relato de experiência. A escolha desse tipo de metodologia se justifica pela possibilidade de realizar uma narrativa científica abrangendo processos subjetivos (Daltro; Faria, 2019). Nesse sentido, o objeto da descrição principal do trabalho se constituiu na experiência da construção e utilização de HQs para abordar a saúde mental na comunidade no contexto da graduação em Enfermagem.

O cenário dessa vivência ocorreu durante o estágio de docência do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGENF), modalidade mestrado, da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas (EENF/UFAL). O estágio aconteceu no período de julho a outubro de 2023, na Unidade de Aprendizagem (UNAI) da graduação em Enfermagem denominada Atenção à Saúde e Cuidados de Enfermagem à Pessoa e Família no Ciclo de Vida 1, a qual integra conteúdos curriculares de saúde mental e saúde da mulher.

Caracterização da disciplina

A UNAI tem carga horária de 180 horas, com aulas teóricas na UFAL e práticas supervisionadas em Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município de Maceió, Alagoas. Além disso, aborda em sua ementa o cuidado de Enfermagem na baixa complexidade, reiterando os princípios que regem a promoção e a prevenção na atenção primária à saúde, com a finalidade de assistir integralmente os indivíduos. Sendo o foco deste trabalho o campo da saúde mental abordado nesta UNAI.

Construção das HQs

A descrição dessa experiência correspondeu a uma aula específica cuja temática abordada foi a Enfermagem de Saúde Mental na Comunidade, tendo como referencial teórico norteador o livro Enfermagem psiquiátrica: conceitos de cuidado na prática baseada em evidências de Mary C. Townsend (2014).

A elaboração das HQs possuiu como base metodológica os estudos de Barboza et al. (2020) e Partelli e Cabral (2017), os quais construíram HQs no contexto da Enfermagem. O primeiro fez um estudo relacionado à elaboração de uma HQ acerca das medidas de prevenção para o combate ao novo coronavírus. O segundo abordou sobre o processo de criação-validação de uma HQ que retratava a experimentação do álcool a partir de vivências de adolescentes quilombolas.

A construção das três HQs deste relato de experiência aconteceu por meio de 5 etapas realizadas pela mestranda, sendo: 1) análise do conteúdo temático, com aprofundamento no referencial teórico e ênfase nos conceitos e fragmentos textuais que poderiam ser explorados nas HQs; 2) estruturação do roteiro, incluindo a seleção do cenário, personagens, linguagem gráfica e sequências narrativas; 3) desenvolvimento das HQs em formato digital, utilizando a ferramenta Pixton on-line; 4) revisão final do conteúdo das HQs pelas docentes de Enfermagem vinculadas à UNAI; e, 5) as HQs foram desenvolvidas no site Pixton, em formato PDF e, posteriormente, impressas para serem utilizadas como recurso pedagógico durante a aula.

RESULTADOS

Características gerais das HQs

Foram criadas três HQs, cada uma com seis quadrinhos em uma página, e um enredo correspondendo a cada tipo de prevenção voltada ao adoecimento mental. O cenário principal foi a UBS e seu território, uma vez que a UNAI em questão possui o foco de cuidado na APS. Além disso, os personagens foram criados pensando nos aspectos relacionados à diversidade humana e à inclusão, existindo em cada uma a figura do enfermeiro como personagem fixo, visto que, um dos objetivos da adoção dessa metodologia ativa foi refletir de forma didática sobre a atuação da Enfermagem nesse contexto.

A estética de linguagem gráfica e das sequências narrativas elaboradas com o auxílio da ferramenta digital foram formuladas com o intuito de serem o mais próximo das demandas cotidianas dos serviços de saúde, a fim de que os alunos pudessem fazer relações com a realidade das aulas práticas vivenciadas. Além disso, se apresentam em poucas páginas e com conteúdo objetivo, sem que houvesse um desfecho concreto na história, com a finalidade de que, a partir do enredo, os alunos dialogassem sobre quais poderiam ser as possíveis ações de intervenção que o profissional de Enfermagem e sua equipe poderiam executar no cuidado prestado em cada problemática.

Desse modo, esse recurso pedagógico se faz relevante, visto que a literatura aponta defasagens no ensino da saúde mental. Baião e Marcolan (2020) encontraram lacunas quanto à abordagem dessa temática na perspectiva da Reforma Psiquiátrica Brasileira, na graduação em Enfermagem. Gusmão et al. (2022) e Nunes et al. (2020) dialogam sobre as limitações na formação do enfermeiro, as quais podem reverberar no despreparo para lidar com as demandas de saúde mental no contexto da atenção básica.

Características específicas das HQs

Nesse sentido, a HQ número um, denominada Saúde mental na escola, foi composta por quatro personagens, sendo: Carol (enfermeira), José (agente comunitário de saúde), Márcia (diretora) e Maria (professora). Teve como cenário, os profissionais da UBS visitando uma escola municipal para tratar da problemática de prevenção à automutilação no Programa Saúde na Escola (PSE). Dessa maneira, o roteiro dessa HQ correspondeu à temática de prevenção primária ao adoecimento mental nas crianças e adolescentes daquele ambiente (Figura 1), favorecendo a consolidação do conhecimento adquirido pelos alunos e fomentando uma formação em saúde holística e resolutiva.

Figura 1 – HQ 1: Saúde mental na escola.

Fonte: desenvolvida no site Pixton, 2023.

A HQ número dois, intitulada de Saúde mental na consulta de enfermagem, foi composta por duas personagens: Verônica (enfermeira) e Ana (gestante). Esta conta com um cenário de condução de uma consulta de pré-natal na UBS, na qual a usuária relatou sintomas de ansiedade e questões familiares conflituosas. O enredo dessa HQ correspondeu à temática de prevenção secundária ao adoecimento mental (Figura 2).

Figura 2 – HQ 2: Saúde mental na consulta de enfermagem.

Fonte: desenvolvida no site Pixton, 2023.

A HQ número três, nomeada de Saúde mental na visita domiciliar, foi formada por quatro personagens: Jorge (enfermeiro), Paula (agente comunitário de saúde), Andreza (filha), Sr. Manuel (idoso e pai de Andreza). Esta ocorreu no cenário de uma visita domiciliar no território da UBS, a uma família que estava enfrentando dificuldades em lidar com um dos familiares que tinha diagnóstico de esquizofrenia. A narrativa dessa história corresponde à temática de prevenção terciária ao adoecimento mental (Figura 3).

Figura 3HQ 3: Saúde mental na visita domiciliar.

Fonte: desenvolvida no site Pixton, 2023.

Aplicação das HQs durante a aula

Para abordar a temática da aula a partir das HQs, foram traçados os seguintes objetivos: conhecer o conceito de comunidade; identificar populações em risco de adoecimento mental na comunidade; conhecer o conceito de prevenção primária, secundária e terciária ao adoecimento mental; identificar ações executadas pelo enfermeiro e a equipe de saúde no contexto da prevenção primária, secundária e terciária ao adoecimento mental na comunidade.

Para atingir os objetivos supracitados foram traçadas as seguintes estratégias divididas em três momentos: exposição multimídia, dinâmica em grupo, leitura e discussão das HQs (Quadro 1).



Quadro 1 Descrição da aula dividida em três momentos, seus objetivos e respectivas estratégias adotadas.

Momento da aula

Objetivo

Descrição





Momento 1






Realizar exposição multimídia para introdução da temática proposta.

Foi utilizado um vídeo do YouTube denominado Saúde mental é assunto de todas as pessoas, do Instituto Cactus (2022), a fim de sensibilizar os alunos com a temática da aula. Em seguida, utilizou-se slides para dialogar sobre o conceito de comunidade e discutir sobre as populações em risco de adoecimento mental, as quais posteriormente seriam identificadas na leitura das HQs.

Momento 2




Executar dinâmica grupal.

Foi realizada a divisão da turma em três grupos para execução de uma dinâmica sobre o conceito de prevenção primária, secundária e terciária ao adoecimento mental na comunidade.

Foram colados três cartazes no quadro da sala, cada cartaz representando um tipo de prevenção. Foram entregues três envelopes, sendo um envelope para cada grupo. Estes continham, de forma aleatória, as definições e as ações correspondentes a cada tipo de prevenção. Em seguida, os grupos deveriam colocar cada uma dessas definições e ações em seus respectivos cartazes.

A finalidade da dinâmica foi fomentar a discussão sobre quais definições e ações seriam as indicadas para cada tipo de prevenção.

Posteriormente, houve um diálogo entre os grupos, mediado pela mestranda, visando verificar se as definições e ações apontadas pelos alunos foram associadas de maneira correta, visando consolidar os conceitos que seriam visualizados na HQ.

Momento 3












Discutir a temática a partir de HQs.

Foram aplicadas em sala de aula as três HQs descritas anteriormente por meio do relato de situações cotidianas de adoecimento mental no contexto da UBS, com base no referencial teórico de Mary C. Townsend (2014). As HQs foram entregues de forma impressa para cada grupo, para que os alunos dialogassem com as seguintes questões entre si:

1) Qual o tipo de prevenção que as HQs abordam?

2) Com base nas HQs e no personagem principal, descrevam quais vulnerabilidades e fatores estressores podem se relacionar com o adoecimento mental?

3) No contexto das HQs, quais ações o profissional de Enfermagem e sua equipe poderiam executar no cuidado prestado?

Após o diálogo nos pequenos grupos, as HQs foram expostas em slides, e os alunos responderam aos questionamentos apresentados gerando uma discussão ampliada.

Fonte: elaborado pelas autoras, 2023.

No decorrer da aula, observou-se que a utilização desse recurso pedagógico nesses três momentos, permitiu aos alunos estimularem a consciência crítica, exercitarem a criatividade na resolução das demandas de saúde e visualizarem a atuação do enfermeiro em conjunto com a equipe interdisciplinar.

Somado a isso, destaca-se a importância do estágio de docência no desenvolvimento de habilidades didático-pedagógicas durante a pós-graduação, pois proporciona a visualização da prática docente como facilitadora do processo de ensino-aprendizagem que impacta diretamente na formação dos novos profissionais de saúde. Também foi possível refletir sobre a hegemonia da metodologia de ensino tradicional (Silva; Camacho, 2023) e acerca das diversas limitações no uso de recursos pedagógicos didáticos pelos professores, principalmente quando envolve a utilização de tecnologias da informação, como os softwares utilizados para a construção das HQs.

DISCUSSÃO

O contexto de formação acadêmica do enfermeiro para atuação na APS, especialmente no atendimento às necessidades de saúde mental da comunidade, ainda apresenta lacunas. Entre essas, destacam-se o foco na medicalização em hospitais psiquiátricos e os atendimentos em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) (Nóbrega et al., 2020). Logo, o objeto de estudo do presente trabalho se configura como relevante para incentivar o ensino dessa temática de forma didática e inovadora.

Na HQ número um, Saúde mental na escola, foi possível discutir que as ações de enfermagem no contexto da prevenção primária ao adoecimento mental objetivam fortalecer o protagonismo do sujeito e estimular o autocuidado, a partir de ações que antecipam o processo de adoecimento (Townsend, 2014). Nesse sentido, a principal intervenção de enfermagem mencionada pelos alunos durante as discussões, foi a realização de ações de educação em saúde através do PSE sobre a prevenção da automutilação, tanto com os estudantes como com a equipe gestora da escola, a fim de minimizar essa problemática naquela realidade.

O PSE constitui-se numa estratégia de integração de políticas setoriais, potente na relação entre a educação e a saúde, estando associado ao território abrangido pela Estratégia Saúde da Família (ESF) (Souza; Ferreira, 2020). Investigações sobre a atuação da enfermagem nesse programa evidenciam que a sobrecarga de trabalho na ESF, articulação intersetorial fragilizada, recursos materiais e humanos insuficientes dificultam que as ideais de intervenções sejam realizadas na prática (Carvalho; Zanin; Flório, 2020).

Na HQ número dois, Saúde mental na consulta de enfermagem, foi pautado que o cuidado na prevenção secundária ao adoecimento mental visa atenuar os sintomas clínicos dos transtornos mentais para evitar o aumento da sua gravidade, através do acolhimento, da anamnese, do reconhecimento clínico e de orientações possíveis de serem aplicadas na realidade dos indivíduos (Townsend, 2014).

Nesse contexto, os alunos destacaram que mediante avaliação da paciente da HQ, haviam fragilidades familiares, ansiedade presente e risco de suicídio. Como condutas de enfermagem eles mencionaram a escuta qualificada, orientações para o controle dos sintomas de ansiedade, acompanhamento psicológico, visita domiciliar, acompanhamento da família, inserção da paciente em um grupo de gestantes na UBS e sugeriram outras atividades baseadas nas potencialidades que eles mesmo adicionaram à história. Esses achados dialogam com a assistência em saúde orientada pelo caderno de número 34, denominado Saúde Mental da Atenção Básica do Ministério da Saúde (Brasil, 2013).

Na HQ número três, Saúde mental na visita domiciliar, foi abordado o cuidado na prevenção terciária ao adoecimento mental, incluindo as ações de enfermagem voltadas para prevenir complicações de um quadro clínico vigente. Bem como, para promover a reabilitação, a fim de atingir o nível máximo da função do indivíduo (Townsend, 2014).

Nessa perspectiva, os alunos sugeriram que, na história em questão, as ações do enfermeiro junto da equipe e da filha poderiam ser: educar o Sr. Manuel sobre as habilidades de vida diária e incentivar a sua independência, inseri-lo em grupos da comunidade para aproximá-lo da vizinhança, estreitar vínculos com o CAPS e monitorar as demandas que viessem a surgir. Além disso, no caso da filha Andreza pontuaram a sobrecarga do cuidador e a necessidade de traçar estratégias que pudessem ser adotadas para minimizar isso.

A literatura aponta a visita domiciliar como um dispositivo de cuidado na saúde mental. No entanto, um estudo relaciona a sua execução associada à assistência prestada pelo CAPS (Morais et al., 2021). Nota-se que ainda existem desafios para que as visitas domiciliares vinculadas às UBS sejam articuladas com a RAPS (Sobral et al., 2024). Isso é fundamental para fortalecer o vínculo do serviço de saúde com o usuário e a família. É importante que os alunos tenham essa vivência durante a graduação, seja através do componente curricular obrigatório ou de projetos de extensão universitária (Lima et al., 2016).

Desse modo, foi possível notar que a utilização das três HQs possibilitou aos alunos desenvolverem entusiasmo, engajamento e participação durante a aula. Essa abordagem permitiu que eles entendessem a mensagem das histórias de forma dinâmica, criativa e lúdica. Assim como refletiram sobre a realidade social, a partir de situações próximas àquelas vivenciadas nas aulas prática da UNAI nas UBS, e exercitaram a imaginação na resolução de conflitos cotidianos, cuja habilidade é fundamental para o enfermeiro.

Além disso, eles identificaram elementos dentro da linguagem não verbal nas HQs, como o ambiente em que a história acontecia, as expressões corporais dos personagens e a postura dos profissionais de enfermagem, com ênfase nas tecnologias leves em saúde, como a observação, acolhimento e escuta (Lisboa; Santos; Lima, 2017). Assim, houve uma aproximação com os conteúdos teóricos abordados na UNAI, como: família, relação de ajuda, história das políticas públicas de saúde mental, reforma psiquiátrica, estigmas sociais relacionados à loucura e RAPS. Desse modo, foram agregados os conhecimentos adquiridos anteriormente na UNAI para pautar as discussões sobre as HQs.

Nessa perspectiva, os alunos puderam refletir acerca de algumas competências do enfermeiro generalista nos cuidados ao indivíduo em sofrimento mental e sua família, referidas na Resolução nº 678 de 2021 do COFEN, como: direcionar o serviço de enfermagem na RAPS; prescrever cuidados de enfermagem voltados à saúde do indivíduo em sofrimento mental; gerenciar planos de cuidados; promover o vínculo terapêutico, escuta atenta e compreensão empática nas ações de enfermagem aos usuários e familiares; participar das ações de psicoeducação de usuários, familiares e comunidade.

Percebe-se que a utilização das HQs como ferramenta para nortear as discussões em sala de aula constitui um recurso pedagógico válido. Porém, pouco explorado na Enfermagem, uma vez que a literatura registra em maior quantidade o uso da HQ como um recurso para a educação em saúde aos usuários. Isto pode ser observado no estudo de Cabello, De La Rocque e Sousa (2010) que abordaram HQs para o ensino e divulgação da hanseníase. Bem como, Queiroz et al. (2022) que utilizaram HQs para promover educação em saúde para pacientes submetidos à revascularização miocárdica. Ainda, o estudo de Silva e Ferreira (2021) aborda o ensino de primeiros socorros para os responsáveis por crianças e adolescentes.

A aplicação das HQs no contexto do ensino superior em Enfermagem parece ser pouco utilizada pelos docentes no processo de ensino-aprendizagem. O estudo de Maruxo et al. (2015) aborda o uso de webquests e HQs na formação de recursos humanos em Enfermagem, e reflete sobre a formação dos professores para o uso dessas estratégias. Aponta também a utilização de diferentes recursos tecnológicos como importantes e necessários na formação profissional.

Notou-se que a utilização das HQs como recurso pedagógico durante as aulas do curso de graduação em Enfermagem foram excelentes aliadas para que alunos sejam melhor preparados para lidarem com as demandas de saúde mental da comunidade, no contexto da APS. Foi uma experiência bem-sucedida também para a mestranda em seu estágio docência, pois desenvolveu habilidades didático-pedagógicas de criatividade, organização, comunicação, liderança e empatia. Com base nisso, sugere-se que os docentes possuam formação sobre o uso de tecnologias da informação, como os softwares utilizados para a construção das HQs, a fim de conseguirem elaborar aulas criativas e dinâmicas.

Entre as limitações deste estudo, destaca-se que a vivência relatada foi realizada em apenas uma turma da graduação, o que compromete a generalização dos resultados. As HQs construídas passaram apenas pela avaliação final de conteúdo das docentes, sem validação por pares, uma vez que essa etapa é destinada a outro tipo de metodologia de pesquisa, a ser abordada em estudos futuros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este relato de experiência contribuiu para que o tema de saúde mental na comunidade seja melhor explorado na formação acadêmica de Enfermagem, a partir da utilização das HQs. A adoção desse recurso pedagógico foi exitosa para o processo de ensino-aprendizagem dos discentes, por exercitar a imaginação de situações cotidianas, a criatividade na resolução de conflitos, o diálogo, o trabalho em equipe, a correlação com os conteúdos curriculares de forma lúdica e interativa. Ademais, favoreceu a aproximação com as competências do enfermeiro generalista no cuidado em saúde mental, ponderando a realidade dos entraves enfrentados durante o cuidado em saúde.

As HQs foram fundamentais como disparadoras de discussões que fortalecem o papel do enfermeiro como um agente promotor de saúde mental na comunidade, no contexto da atenção básica. Também contribuiu para que os alunos trouxessem resolutividade às demandas, consolidando um potencial cuidado que abrange os aspectos biopsicossociais dos indivíduos, se aproximando da superação do modelo biomédico focado na doença, medicalização e serviços secundários.

Além disso, a experiência de estágio de docência permitiu o desenvolvimento de diversas habilidades fundamentais na formação acadêmica da mestranda. A prática docente apresentou-se transversal à temática, uma vez que o ensino em saúde mental perpassa a atuação do professor como agente facilitador do processo de ensino-aprendizagem engajado com a realidade social.

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Caroline Magna de Oliveira Costa

Estudante de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGENF/UFAL). Enfermeira pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

cmagnaoli@gmail.com

Verônica de Medeiros Alves

Docente permanente na graduação e no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Doutora em Saúde Mental pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre em Ciências da Saúde pelo Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde - UFAL. Enfermeira pela UFAL.

veronica.alves@eenf.ufal.br

Yanna Cristina Moraes Lira Nascimento

Docente da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) nos cursos de Enfermagem e Medicina. Doutoranda em Serviço Social - UFAL. Mestra em Enfermagem - UFAL. Especialista em Saúde Mental (Residência) pela Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas - UNCISAL e especialista em Ativação de Processos de Mudança na Formação Superior de Profissionais de Saúde pela Fiocruz. Enfermeira pela UFAL.

yanna.lira@eenf.ufal.br

Como citar este documento – ABNT

COSTA, Caroline Magna de Oliveira; ALVES, Verônica de Medeiros; NASCIMENTO, Yanna Cristina Moraes Lira. Saúde mental na comunidade em histórias em quadrinhos: relato de experiência no estágio de docência. Revista Docência do Ensino Superior, Belo Horizonte, v. 14, e048743, p. 1-19, 2024. DOI: https://doi.org/10.35699/2237-5864.2024.48743 .




1 Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil.

ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-4096-4093 . E-mail: cmagnaoli@gmail.com

2 Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil.

ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-4343-2941 . E-mail: veronica.alves@eenf.ufal.br

3 Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió, AL, Brasil.

ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-3705-1429 . E-mail: yanna.lira@eenf.ufal.br


Recebido em: 19/12/2023 Aprovado em: 23/08/2024 Publicado em: 30/10/2024

Rev. Docência Ens. Sup., Belo Horizonte, v. 14, e048743, 2024 7