VOLUME 14

2024

ISSN: 2237-5864


Atribuição CC BY 4.0 Internacional

Acesso Livre


DOI: https://doi.org/10.35699/2237-5864.2024.52713

SEÇÃO ESPECIAL: Democracia e ensino na Universidade: 60 anos após o golpe de 1964

Educação para a sexualidade: um compromisso da universidade com os direitos humanos e a formação docente Shape1

Educación para la sexualidad: un compromiso de la universidad con los derechos humanos y la formación docente Shape2

Sexuality education: a commitment of the university to human rights and teacher education

Ketiuce Ferreira Silva 1

RESUMO

A educação para a sexualidade é um tema historicamente marcado por avanços e retrocessos influenciados por aspectos sociais, medicinais, religiosos, políticos e culturais. Muitos dos atrasos são legados da ditadura militar, momento de graves violações de direitos. Em tempos atuais, bandeiras político-partidárias conservadoras e excludentes, similares às do período do golpe de 1964, movimentaram retrocessos em documentos norteadores dos currículos escolares. A universidade, pela formação docente, tem a responsabilidade de resistir contra esse movimento e o esquecimento do autoritarismo, bem como de somar esforços para a construção de outras, e mais emancipadoras, referências. Sob essa perspectiva, este artigo consiste no relato de uma experiência docente vivenciada ao longo do segundo semestre do ano de 2023, com 22 estudantes do curso de Pedagogia, no componente curricular optativo de 36h, intitulado Educação para a Sexualidade, em uma universidade pública mineira. O objetivo foi refletir sobre possibilidades teórico-práticas de legitimar a educação para a sexualidade em favor dos direitos humanos. Entre os aspectos constatados, destaca-se que o tema ainda causa receio em muitas pessoas e requer a superação de concepções reducionistas e pejorativas.

Palavras-chave: educação para a sexualidade; ditadura militar; formação docente; universidade; direitos humanos.

RESUMEN

La educación para la sexualidad es un tema históricamente marcado por avances y retrocesos, influenciados por aspectos sociales, médicos, religiosos, políticos y culturales. Muchos de los atrasos son legados de la dictadura militar, un período de graves violaciones de derechos. En la actualidad, concepciones político-partidarias conservadoras y excluyentes, similares a las del período del golpe de 1964, han provocado retrocesos en los documentos orientadores de los currículos escolares. La universidad, a través de la formación docente, tiene la responsabilidad de resistir este movimiento y el olvido del autoritarismo, así como de sumar esfuerzos para la construcción de otras referencias más emancipadoras. Desde esta perspectiva, este artículo consiste en el relato de una experiencia docente vivida durante el segundo semestre del año 2023, con 22 estudiantes del curso de Pedagogía, en un componente curricular optativo de 36 horas, titulado Educación para la Sexualidad, en una universidad pública de Minas Gerais. El objetivo fue reflexionar sobre las posibilidades teórico-prácticas de legitimar la educación para la sexualidad en favor de los derechos humanos. Entre los aspectos constatados, se destaca que el tema aún genera temor en muchas personas y requiere superar concepciones reduccionistas y peyorativas.

Palabras clave: la educación para la sexualidade; dictadura militar; formación docente; universidad; derechos humanos.

ABSTRACT

Sexuality education is a topic historically marked by advances and setbacks influenced by social, medical, religious, political, and cultural aspects. Many of these delays are legacies of the military dictatorship, a time of serious human rights violations. In current times, conservative and exclusionary political-party conceptions, similar to those of the period of the 1964 coup, have driven regressions in guiding documents for school curricula. The university, through teacher education, has the responsibility to resist this movement and the erasure of authoritarianism, as well as to contribute to the construction of other, more emancipatory, references. From this perspective, this article consists of a report on a teaching experience lived during the second semester of 2023, with 22 students from the Pedagogy program, in a 36-hour elective course, titled Sexuality Education, at a public university in Minas Gerais. The objective was to reflect on theoretical-practical possibilities to legitimize sexuality education in favor of human rights. Among the findings, it was noted that the topic still causes apprehension in many people and requires the overcoming of reductionist and pejorative conceptions.

Keywords: sexuality education; military dictatorship; teacher education; university; human rights.

O CONTEXTO DA AÇÃO/REFLEXÃO

Mas, afinal, o que é educação para a sexualidade e qual a sua relação com os direitos humanos? Por que é um tema alvo de discursos estereotipados, conservadores e equivocados, os quais precisam ser combatidos? O que a escola e a universidade têm a ver com isso? Tais problematizações subsidiaram a condução deste artigo que é fruto de uma experiência docente desenvolvida em uma universidade pública mineira, com o objetivo de refletir sobre os desafios e possibilidades que permeiam o assunto em questão, a fim de somar esforços na construção de repertório teórico-metodológico rumo a uma sociedade emancipada e emancipadora.

Para Ribeiro (2017), a sexualidade é um dos temas com o qual a educação formal deve se comprometer, pois relaciona-se à formação integral dos sujeitos, visto que envolve aspectos sociais, afetivos, biológicos entre outros que estão presentes na vida das pessoas de todas as idades. O conhecimento científico acerca do assunto, além de ser um meio de conscientização da saúde sexual e reprodutiva, contribui para combater preconceitos e as violências sexual e de gênero, bem como promover o respeito e a valorização das diversidades.

Diante disso, a educação para a sexualidade é um tema que, junto a outros, representa o compromisso da universidade com a resistência, democracia e defesa dos direitos humanos. Portanto, considera-se necessário que a comunidade acadêmica sistematize e divulgue trabalhos alinhados com essa perspectiva de modo a combater quaisquer tipos de concepções e/ou práticas que oprimam a integralidade dos sujeitos. Nessa direção, este artigo consiste no relato de uma experiência docente vivenciada ao longo do segundo semestre do ano de 2023, com 22 estudantes do curso de Pedagogia, no componente curricular optativo de 36h, intitulado Educação para a Sexualidade, em uma universidade pública mineira. A experiência relatada demonstra que é um desafio possível e imperativo.

EDUCAÇÃO PARA A SEXUALIDADE E DIREITOS HUMANOS

Por meio de um panorama histórico sobre a educação sexual no Brasil, Ribeiro e Bueno (2018) mostram que o tema é influenciado pela mistura de aspectos de cunho político, social, religioso e midiático, correspondentes às especificidades dos tempos, lugares e pessoas que os representam. Os autores demarcam seis períodos, como apresentado no quadro a seguir:

Quadro 1 – Demarcação histórica sobre a educação para a sexualidade no Brasil, a partir de Ribeiro e Bueno (2018).

Períodos

Momentos e especificidades

1

Brasil colônia – a prática sexual era realizada pelos homens quando e com quem quisessem, enquanto as mulheres eram submissas e reprimidas; posição condenatória por parte da igreja.

2

Século XIX – normatizações médicas moralistas eram usadas para controle sexual dos corpos.

3

A partir de 1920 – livros publicados por médicos e sacerdotes focados na orientação sexual; preocupações com o combate à masturbação e doenças venéreas, prostituição, preparo da mulher para cuidar da saúde e da educação dos filhos; o movimento feminista liderado por Bertha Lutz defendia a proteção da infância e da maternidade; a Igreja Católica influenciava autoridades políticas e controlava a veiculação do assunto por associá-lo ao pecado; mais tarde, a Igreja ameniza o controle com interesses na manutenção do casamento conforme os moldes cristãos.

4

Década de 1960 – implementação de programas de Educação Sexual; trabalhos integrados a diversos componentes curriculares, vinculados aos interesses e no respeito à vida sexual dos estudantes, trabalho com pais e capacitação profissional; a tensão política após o Golpe de Estado de 1964 reprimiu todas as iniciativas associadas ao tema por associá-lo à subversão, professores foram proibidos de falar sobre anticoncepcionais e controle de natalidade; em 1971, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) orientava a discussão sobre o que se chamava de “desvios dos padrões de normalidade” e a área da saúde restringia publicações a aspectos biológicos.

5

1978 – o debate ressurge e favorece a liberdade sexual, a superação de preconceitos e do conservadorismo, a difusão da pílula anticoncepcional; mulheres ocupam espaços privilegiados em meios de comunicação para falar sobre o assunto; a AIDS passa a ser uma nova pauta; instituições foram criadas para tratar especificamente do tema.

6

1996 – a aprovação da nova LDBEN e, por consequência, a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), legitimaram a necessidade do tema para o exercício pleno da sexualidade; reconheceu-se o caráter transversal da temática; meios de comunicação favoreceram a retomada dos trabalhos com a difusão dos posicionamentos favoráveis de estudantes; a discussão no ambiente familiar continuou incipiente e as ações de prevenção contra infecções e doenças e contra o uso de drogas seguiram como preocupações.

Fonte: produção da autora, à luz de Ribeiro e Bueno (2018).

Por meio desse resumo apresentado no Quadro 1, verifica-se que a sexualidade envolve fatores como a prática sexual, historicamente mais livre entre os homens e reprimida entre as mulheres; mecanismos de controle, muitas vezes conservadores e moralistas, que demonizam o prazer e são representados pela religião, família, pelo Estado e até pela medicina; necessidades de ordem biológica, afetiva e identitária; preconceitos fundamentados na manutenção de padrões heteronormativos de família.

Ainda com base no Quadro 1, é oportuno enfatizar o quarto período, que, marcado pela ditadura militar, foi um momento em que os estudos e iniciativas sobre o tema estavam avançando, mas foram cerceados pela política autoritarista da época. Esse marco é importante porque, além de representar um retrocesso, demonstrou a necessidade de busca por iniciativas posteriores que combatessem os problemas causados por esse anacronismo, tais como repressão, falta de informação e esclarecimento, preconceitos e exclusão, alienação, exposição a doenças, violência e desigualdade de gênero, gravidez indesejada e supressão de direitos humanos.

Como bem lembram Ribeiro e Monteiro (2019), a educação sexual (termo adotado na época) continuou a existir, porém, como componente curricular não obrigatório e restrito ao caráter biológico e produtivista para atender à dominação por parte dos militares, articulados à Igreja Católica e ao discurso jurídico da época. Esse cenário perpetuou a carência de informação já expressiva nos lares “[...]refletida em maneiras de agir e discursos retrógrados que resultaram na presença de constantes violências e abusos sexuais” (Ribeiro; Monteiro, 2019, p. 4). Tal contextualização explica o fato de, nos dias atuais, a literatura especializada adotar termos como educação para (ou na) sexualidade, por avançar na discussão para além de aspectos biológicos, ou, mesmo para os casos em que a expressão anterior é mantida, há preocupação em evidenciar uma perspectiva mais ampla e libertadora a respeito.

Que ponto de vista é esse? A resposta passa pelo que se entende aqui por sexualidade. Para isso, vale resgatar o esclarecimento de Maia (2010):

Foi Freud quem, primeiramente, inseriu a noção de sexualidade num contexto diferente de sexo, quando deu à palavra sexualidade o sentido de pulsão, libido, inerente a todo ser humano, desde o seu nascimento, ainda que sua gratificação estivesse vinculada a zonas erógenas distintas ao longo do desenvolvimento: as fases oral, anal, fálica e a fase genital indicam as diferentes formas pelas quais a pulsão sexual se manifesta, culminando, na vida adulta, na reorganização do desenvolvimento psicossexual de acordo com as vicissitudes do desejo (Maia, 2010, n.p.).

Assim, entende-se que a sexualidade se refere às manifestações diversas da personalidade humana na sua integralidade, ao longo de toda a vida, portanto, não se restringe ao ato sexual característico da idade adulta. Nessa direção, a concepção de educação sexual ou educação para a sexualidade sob a qual este texto se desenvolve está em consonância com Maia (2010), por reconhecer a sexualidade como parte da identidade humana, por isso, não se restringe ao contexto escolar e nem pode ser ignorada por ele; com Ribeiro (2017), por defender essa educação como um campo de estudos e de intervenção pedagógica; e com a abordagem da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2019), por orientar que os currículos se comprometam com essa temática e respeitem a inter-relação de fatores cognitivos, físicos, emocionais e sociais em favor da autonomia, dignidade, saúde, proteção dos direitos, do bem-estar e do desenvolvimento de relações sociais, afetivas e sexuais de respeito em todas as fases da vida.

Por reconhecer os sistemas de ensino como corresponsáveis por esse trabalho, a Nota Técnica 24/2015 orienta o trabalho transversal com e para questões relativas a gênero e sexualidade. O documento explica que "gênero diz respeito à construção social de práticas, representações e identidades que posicionam os sujeitos a partir de uma relação entre masculinidade e feminilidade" e orientação sexual "diz respeito a como cada sujeito vivencia suas relações sexuais e afetivas" (Brasil, 2015, n.p.). Esses conceitos são apontados como construções científicas de relevância política e resultantes da articulação entre fatores históricos, sociais e culturais. A partir dessa compreensão, ressalta-se a necessidade de investir na formação dos profissionais da educação em prol do combate às desigualdades, discriminações e violências e pela promoção do respeito e valorização das diversidades (Brasil, 2015).

Por que isso tem a ver com direitos humanos? Porque, conforme o Artigo 3.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), “todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Porque o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que toda criança e adolescente deve ser protegido contra qualquer tipo de abuso e/ou violência sexual (Brasil, 1990). Porque os direitos sexuais e reprodutivos e métodos anticoncepcionais são garantidos por lei (Brasil, 2009). Porque, entre os sete princípios nos quais se fundamentam as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, estão a dignidade humana, a igualdade de direitos, o reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades (Brasil, 2012a). E porque, como reforçam o Ministério da Saúde e a Universidade de Brasília (UNB), saúde e orientação sexual, direitos reprodutivos e contraceptivos, identidade de gênero, violências sexual e de gênero, são demandas sociais com os quais a escola transformadora deve se comprometer (Brasil, 2024a).

Como se observa no retrospecto e discussão teórica acima, os anos 2000 foram marcados pela intensificação de pesquisas voltadas a denunciar os desserviços históricos e apresentar caminhos na defesa de avanços teórico-práticos acerca do tema. Por consequência, muitos foram os desdobramentos legais que favoreceram o entendimento da educação para a sexualidade enquanto direito humano fundamental, pois está diretamente associada a questões de saúde, dignidade, proteção, segurança, equidade e cidadania. Para além dos documentos já abordados, é oportuno acrescentar o Programa Saúde na Escola (PSE), que reconhece a promoção da saúde sexual e reprodutiva como uma ação compartilhada pela escola (Brasil, 2007); e o Plano Nacional de Educação (PNE), que considera a equidade como fator relacionado às metas para a qualidade da educação (Brasil, 2014). E o trabalho precisa continuar, porque, como será abordado no tópico seguinte, “o passado não reconhece o seu lugar, está sempre presente” (Quintana, 2006, p. 285).

RETROCESSOS SÃO INSISTÊNCIAS QUE DEMANDAM RESISTÊNCIAS

O breve resgate histórico apresentado no tópico anterior mostra que a educação para a sexualidade, especialmente no período da ditadura militar, foi alvo de ataques conservadores que prestaram desserviços de cunhos social, sanitário e pedagógico. Contudo, tal marco não foi suficiente para evitar que o Brasil, em pleno século XXI, fosse forçado a reviver esse passado, graças a influências de movimentos político-partidários antidemocráticos iniciados em 2014 2 . Entre as pautas levantadas, destacam-se aqui dois pontos importantes que se relacionam e tomaram visibilidade, por conta da adoção de termos equivocados, bem como das intenções moralistas, opressoras e não científicas: escola sem partido e ideologia de gênero.

Moura e Silva (2023) explicam que os movimentos relacionados à defesa da escola sem partido começaram em 2014, representados por personalidades públicas que recorrem a argumentos religiosos para criar instrumentos legais voltados ao controle e à repressão das concepções e práticas docentes, em especial daquelas relacionadas a gênero e sexualidade. Aspecto evidenciado, por exemplo, no Art. 2.º da versão mais recente e não aprovada do Projeto de Lei que institui o Programa Escola sem Partido, e destaca: “O Poder Público não se imiscuirá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero” (Brasil, 2019).

Ao analisarem as diversas versões do Projeto de Lei, Moura e Silva (2023) identificam a repulsa às questões relativas a gênero e sexualidade como impedimento para reflexões e práticas necessárias de identificação, crítica e superação do machismo, do patriarcado e de padrões heteronormativos. Para tanto, o apelo religioso e o autoritarismo são usados para alienar e amedrontar. Trata-se de uma característica fascista de “manipulação da fé das massas, convertendo-a em meio de manipulação política [...] objeto dos líderes políticos religiosos que hoje, desprovidos de crença, incitam a crença cega como forma de promover a submissão a uma autoridade voltada à opressão brutal e sádica” (Moura; Silva, 2023, p. 15).

O reaparecimento do termo ideologia de gênero foi uma das marcas desse movimento sobre escola sem partido. Ainda como esclarecem Moura e Silva (2023), as primeiras notícias sobre o uso da palavra datam o ano de 1998, em um documento de autoria da Igreja Católica para a Conferência Episcopal, no Peru, associada a ameaças à família e ao casamento. Leão, Leão e Ribeiro (2024) explicam que a ideologia de gênero é um termo sem cientificidade, usado para depreciar os avanços dos estudos de gênero que, esses sim, têm vigor científico voltado à compreensão do gênero e da sexualidade na integralidade humana. Nada a ver com a iniciação precoce da atividade sexual, como alarmam os discursos moralistas.

Embora o Projeto de Lei federal que buscou instituir o Programa Escola sem Partido não tenha sido aprovado, expressivas marcas negativas foram deixadas. Moura e Silva (2023) e Leão, Leão e Ribeiro (2024) registram que o primeiro passo para trás foi retirar do Plano Nacional de Educação (PNE) a diretriz “Superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”, a qual foi substituída por "Superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação" (Brasil, 2014).

Isso culminou em uma abordagem também fragilizada na versão final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e na elaboração de planos municipais de educação (PME) influenciados pela onda conservadora, aspectos que condicionam a sistematização dos processos de ensino-aprendizagem formais. Esse retrocesso atesta a rejeição ao tema e os esforços para ofuscar a sua legitimidade, anteriormente fortalecida nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), agora substituídos pela BNCC que concentra o assunto na área de Ciências da Natureza e com foco biológico, como identificam Leão, Leão e Ribeiro (2024). Entretanto, os autores defendem que é preciso valer-se das experiências históricas e dos avanços científicos e legais para seguir rumo à construção de uma educação sexual comprometida com a superação de toda opressão de cunho misógino, homofóbico, machista e/ou sexista. Apesar das alterações sofridas, o PNE e a BNCC dão respaldo para o trabalho comprometido com a emancipação humana, a qual contempla a educação para a sexualidade.

Entre as diretrizes do PNE, estão a erradicação de todas as formas de discriminação; a promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos e à diversidade (Brasil, 2014). A BNCC, enquanto sucessora dos PCNs e atrelada ao PNE, não é prescritiva, mas norteia o trabalho pedagógico e está pautada em aspectos como diversidade, direitos humanos, transdisciplinaridade, combate à discriminação e compromisso com a educação integral (Brasil, 2017). Assim, um dos artifícios para superar, mais uma vez, os retrocessos, é pautar-se nas contribuições da ciência para saber interpretar e atuar de maneira pedagogicamente rigorosa e comprometida com a educação que, conforme Freire (1996, 2011), é essencialmente política, portanto, sempre ideológica, podendo ser essa ideologia opressora, pois excludente, ou libertadora, por ter como princípios a inclusão e a emancipação dos sujeitos.

Sousa (2021) defende o legado freireano como aporte que fortalece a educação para a sexualidade, visto que se ancora em:

1) coerência entre teoria e prática, favorecendo um uso contra-hegemônico da teoria que pode figurar como lugar de cura; 2) inserção crítica na realidade e problematização da heteronormatividade, sexismo, machismo, racismo, patriarcalismo e neoliberalismo, permitindo expulsar à sombra do opressor e descolonizar os modos de ser e estar no mundo; 3) apropriação de uma linguagem política de resistência que possibilita não apenas nomear o sofrimento, mas transformar as maneiras de perceber o mundo e construir inéditos viáveis; 4) assumir-se como sujeito e afirmar sua agência nos processos de transformação da realidade; e 5) construir sua autonomia pela sua autodeterminação e organização (Sousa, 2021, p. 15).

Nesse sentido, cabe a quem ousa ensinar, tomar partido, reconhecer que não há neutralidade, questionar o sistema e a própria escola, aprender a ler o mundo com os outros, denunciar desumanidades e anunciar humanizações, arriscar ser mal visto por alguns que se dizem defensores da moral e dos bons costumes familiares e religiosos, conhecer a história e saber o que manter e o que transformar. É sob essa perspectiva que a escrita deste artigo se dá e sob a qual foi sistematizada a experiência docente relatada a seguir.

O PAPEL PROSPECTIVO DA FORMAÇÃO DOCENTE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

A experiência que deu origem a este artigo foi desenvolvida no curso de Pedagogia da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), unidade de Ituiutaba. Trata-se de uma instituição multicampi , fundada em 1998, com sede em Belo Horizonte, presente em 22 unidades as quais estão espalhadas por dezenove municípios mineiros (UEMG, 2019). A unidade de Ituiutaba foi criada em 2013 e o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) do curso de Pedagogia está na segunda versão. A primeira não contemplava a educação para a sexualidade. O tema foi incluído no novo PPC por recomendação de duas professoras, sendo uma delas a autora deste trabalho que foi influenciada pelas experiências formativas vivenciadas no doutorado e pelo seu compromisso com a relação entre educação e direitos humanos. Isso mostra o quanto os professores precisam de formação e experiências que os façam testemunhar a necessidade de rever e reconstruir suas crenças e práticas.

Consideradas as demandas apresentadas pelo grupo de professores na construção do novo PPC, Educação para a Sexualidade foi incluída como componente optativo de 36h. Esse cenário indica certo avanço no compromisso social da universidade para com a formação docente crítica e emancipadora, alinhada aos direitos humanos. Porém, evidencia fragilidades interligadas e que precisam ser superadas, como a baixa adesão por parte dos professores, a institucionalização tardia do tema e a restrição a um componente optativo com carga horária mínima. Tais problemas perpetuam a falta de tradição, resistências e concepções equivocadas acerca do tema e, consequentemente, a carência da formação docente que se reflete na carência da conscientização dos estudantes da educação básica e da sociedade. Tudo isso vai na contramão da educação em direitos humanos, tema esse explícito nos compromissos legitimados no PPC, mas que ainda requer maior espaço no currículo, como mostra também a carga horária de 36h destinada aos componentes obrigatórios Educação e Direitos Humanos, e Educação e Relações Étnico-raciais (UEMG, 2023).

A experiência relatada aqui é fruto do trabalho realizado ao longo do segundo semestre do ano de 2023, com uma turma de 22 estudantes do sexto período. A ementa de Educação para a Sexualidade contempla:

A construção histórica, social, cultural e política da sexualidade. Gênero e Educação: história, conceitos e movimentos políticos. A abordagem da Educação para a Sexualidade na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. Reflexão teórico-metodológica sobre a educação para a sexualidade. O papel do professor no processo de construção do conhecimento sobre preconceito, discriminação, diferença, alteridade e na prevenção contra a violência sexual infanto-juvenil (UEMG, 2023, p. 89).

Nesse sentido, pretendeu-se que, ao final do processo, os sujeitos compreendessem o significado e a relevância pedagógica e social da educação para a sexualidade. As atividades teórico-práticas se voltaram para o compromisso de conhecer referenciais teóricos e legais que fundamentam propostas emancipadoras de educação para a sexualidade no Brasil, discutir a abordagem da BNCC sobre a educação para a sexualidade e identificar possibilidades metodológicas em favor da educação para a sexualidade, sob uma perspectiva emancipadora.

Considera-se que essa perspectiva confirma o que discorre o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) sobre o papel da educação superior de contribuir para que a formação inicial e continuada dos profissionais da educação, o ensino, a pesquisa e a extensão universitária se comprometam com a formação de uma sociedade crítica, autônoma, democrática e libertadora. Um movimento coletivo que perpassa por temas relativos a gênero e sexualidade, raça e etnia, pessoas com deficiência e outros (Brasil, 2018). Conforme a Nota Técnica 24/2015, de maneira explícita ou implícita, a escola assume uma posição frente às demandas da sexualidade humana (Brasil, 2015), e o trabalho realizado assumiu a responsabilidade de contribuir para que essa assunção se dê visivelmente rumo a um currículo com participação ativa na construção e no respeito aos corpos e identidades dos sujeitos (Brasil, 2015).

Foram desenvolvidas atividades inter-relacionadas e cujo grau de exigência aumentava a cada etapa. Manifestação de conhecimentos prévios, práticas de pesquisa e leitura, produção de mapas conceituais, apresentação de seminários e criação de narrativas audiovisuais fizeram parte do percurso em que a presença de dúvidas, interesses, crenças e tabus foram necessariamente valorizados como ponto de partida para o alcance do saber científico e conscientizador. Afinal, em concordância com Freire (1996), a curiosidade ingênua, marcada pelo senso comum, precisa ser superada pela curiosidade epistemológica, caracterizada pela rigorosidade metodológica e profundidade reflexiva na/sobre/para a prática.

Na primeira atividade, as 3 estudantes tiveram que entregar um registro com pelo menos três perguntas sobre o tema. Era critério que as dúvidas fossem manifestadas sem timidez, pois não era o propósito atribuir certo ou errado ao questionamento, mas sim fazê-lo. No dia da entrega do registro, elas participaram de uma roda de conversa realizada de maneira remota no laboratório de informática, com uma convidada professora e pesquisadora da área. As estudantes foram convidadas a escolher uma das perguntas registradas para socializar durante o evento. Por meio dos manuscritos, identificou-se a recorrência de questões como:

  1. O que é educação para a sexualidade?

  2. Qual a diferença entre sexo, sexualidade e orientação sexual?

  3. O professor é obrigado a ensinar sobre esse assunto?

  4. Qual a idade certa para se trabalhar o tema na escola?

  5. O que fazer em casos de suspeita de violência sexual?

  6. Como lidar com as resistências por parte dos pais?

  7. Como o professor deve trabalhar o tema com os estudantes?

Mesmo sem saber das perguntas, a professora convidada contemplou, durante a exposição inicial, a maior parte das questões e ainda estimulou a manifestação de relatos de experiências e crenças no momento de diálogo. Tanto para realizar os registros das dúvidas quanto para participar ativamente da roda de conversa, foi essencial cultivar um clima de liberdade, pois foram muitas as reações de medo em falar sobre o assunto, cenário esse que valida a associação da sexualidade a proibições, punições e temores, como apontam Sousa (2021), Moura e Silva (2023), e Leão, Leão e Ribeiro (2024).

Com os frutos da roda de conversa, o próximo passo foi realizar uma pesquisa na BNCC para identificar o que e como o documento explicita (ou não) o tema. O exercício deu visibilidade para o fato de que o documento aborda o assunto de maneira superficial e restrita, perpetuando a concepção biológico-higienista que, para Furlani (2011), reduz as discussões às aulas de Ciências e Biologia em favor de concepções e práticas de controle e desigualdade entre os corpos, de acordo com o gênero. Realizadas as devidas mediações para que as estudantes fizessem as buscas de maneira assertiva, os achados foram muito ricos e trouxeram à tona a constatação representada pela voz de uma estudante que, em outras palavras, relatou não saber que era possível e preciso contestar a BNCC, pois, até então, havia aprendido que o documento era uma espécie de bula.

O próximo passo foi selecionar artigos científicos focados na discussão sobre os problemas da BNCC em relação à educação para a sexualidade e registrar um posicionamento crítico acerca das leituras, com destaque para a evidência das fragilidades e dos encaminhamentos indicados por pesquisadores. Por meio dos registros, as estudantes constataram dois pontos importantes que reforçam aspectos apresentados no tópico anterior deste artigo: 1- os retrocessos influenciados pelos movimentos conservadores culminaram no apagamento do tema nos documentos normativos e na sua consequente redução ao caráter biológico, e 2- a necessária superação desse cenário por meio do fortalecimento da formação docente e de uma coletividade alinhada com fazer valer os direitos humanos, a partir de outras referências existentes e a serem construídas. Para tanto, Araújo (2022) ressalta que estudantes, familiares, comunidade e gestores precisam se responsabilizar pelo trabalho que pode e deve ser realizado de maneira transversal e participativa.

Os achados desse percurso deram origem à atividade seguinte, em que foram produzidos seminários cujo material expositivo foi organizado em formato de mapas conceituais. Em grupos de três a cinco integrantes, as estudantes foram desafiadas a organizar o conhecimento construído de forma a torná-lo explicável, compreensível e acessível a outras pessoas que não realizaram as mesmas leituras. O coletivo teve que deliberar quais textos seriam referência para sustentar a apresentação direcionada em responder o que é educação para a sexualidade, quais são as fragilidades da BNCC em relação ao tema e como os professores podem e devem trabalhar o tema, apesar dos retrocessos. Tal estratégia foi pensada no intuito de fazer as estudantes testemunharem, na prática, o exercício do protagonismo, da autonomia, pesquisa, criticidade, criação, da coletividade e do aprofundamento teórico para encontrarem caminhos possíveis para responder às necessidades reais que, muitas vezes, as normativas não dão conta.

Na última atividade, cada grupo se inspirou em um livro infantil para criar narrativas audiovisuais que pudessem ser utilizadas como material pedagógico e publicadas na rede, destinadas a crianças ou adolescentes. Propositalmente, as obras tinham em comum o apelo para o combate à violência sexual sofrida por crianças e adolescentes. Isso porque é parte dos trabalhos da educação para a sexualidade reconhecer esse cenário e ajudar as vítimas a identificá-lo e a combatê-lo. Dados apresentados pelo Ministério da Saúde, no boletim epidemiológico sobre violência sexual contra crianças e adolescentes ocorridas entre os anos de 2015 a 2021, mostram o crescimento expressivo dos casos (Brasil, 2024b), evidenciando a urgência de se valer de todos os mecanismos para contrariar esse cenário desfavorável aos direitos humanos. A educação formal é, por excelência, um desses mecanismos.

Outras características relevantes das obras trabalhadas foram a ludicidade e linguagem adequada ao público infanto-juvenil, voltadas à importância das emoções, valorização das diferenças, cuidado com o corpo e respeito aos outros. Todos esses atributos são abordados por Furlani (2011) como necessários ao trabalho da educação para a sexualidade na educação infantil, de modo que a curiosidade dos sujeitos seja respeitada e incentivada em favor da consciência crítica, sem moralismos ou punições.

As criações ocorreram em forma de vídeos curtos, gravados com câmeras de celulares e para os quais foram utilizados fantoches, desenhos autorais e até trilha sonora de composição própria. Destaque foi dado para a organização do roteiro e do cenário, qualidade de som e imagem, edição de legendas, coerência teórica e adequação do discurso ao público-alvo. Foi um trabalho que exigiu planejamento minucioso e muita mediação, pois dependeu de fluência tecnológica e de superação do uso meramente recreativo das tecnologias digitais, aspectos muito presentes entre as estudantes. O compartilhamento do material na rede foi uma recomendação, pois considera-se que as crianças e adolescentes têm consumido muito conteúdo da internet e acabam sendo vítimas de violência sexual nesse espaço que também precisa ser lugar de intervenções conscientizadoras e combativas de violação de direitos.

Entende-se que a relevância pedagógica desse processo está no uso crítico e criativo das linguagens digitais, considerado o seu potencial de ampliar a pesquisa, comunicação, interação e criação (Silva, 2023). Além disso, considera-se necessário ampliar a presença e a participação dos sujeitos no ciberespaço, que também é lugar onde corpos estão presentes e atuantes, mesmo que não fisicamente (Nolasco-Silva; Maddalena, 2022). Onde há corpos ativos, há manifestação da sexualidade, há relações de poder, há necessidade de gente séria para ajudar a construir espaços de convivência decentes.

Como frisa o Parecer 8/2012 do Conselho Nacional de Educação (CNE), leis não são suficientes para garantir direitos. É preciso mudanças culturais e coletivas que dependem muito da presença social de profissionais, das mais diversas áreas, com qualificação teórico-metodológica e educação em direitos humanos, aspecto apontado como um dos maiores obstáculos. Entre outros desafios elencados no documento, está o de se apropriar das diferentes mídias, inclusive as digitais, de maneira crítica para favorecer o acesso, a criação e a disseminação dessa cultura (Brasil, 2012b). Considera-se que a experiência docente aqui relatada se soma às iniciativas que demonstram caminhos possíveis rumo a esse propósito.

Diante do exposto, considera-se que o trabalho buscou articular as três abordagens apresentadas por Furlani (2011): emancipatória, dos direitos humanos e dos direitos sexuais. De forma geral, a primeira, voltada à libertação dos tabus que reprimem as sexualidades dos sujeitos, foi trabalhada na medida em que se criou condições para que as estudantes reconhecessem a sexualidade como necessidade ao desenvolvimento integral das pessoas. A segunda, comprometida com o respeito à dignidade, a valorização das diferenças e as práticas de inclusão, ocorreu por meio da ênfase dada à relação direta desses aspectos com os direitos humanos. Por fim, a terceira abordagem se mostrou na articulação dos elementos anteriores ao direito de as pessoas viverem suas sexualidades, da infância à vida adulta, com plenitude e responsabilidade, sem discriminação, coerção ou violência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cenário do curso de Pedagogia na UEMG de Ituiutaba, o qual deu origem à experiência relatada neste artigo, mostra que a universidade precisa fortalecer esse trabalho de responsabilidade coletiva. Temas de tamanha urgência social, pedagógica e política têm baixo alcance quando recebem pouca notoriedade nos currículos. A educação formal, representada pelas escolas e universidades, é tempo e espaço privilegiados de construção do saber frente à qualidade de vida das pessoas. O empoderamento da sociedade para lidar com os discursos opressores e excludentes e com as violências de cunho sexual e de gênero, perpassa, entre outros aspectos, pela formação docente, inicial e continuada. Isso é assunto de/para/com crianças e adultos.

Como foi exposto ao longo deste texto, a educação para a sexualidade é um tema que passou por várias reviravoltas ao longo da história. O período da ditadura militar foi, notoriamente, um retrocesso para a área, visto que o movimento conservador e opressor da época, sustentado em premissas religiosas e moralistas, reprimiu toda e qualquer iniciativa acerca do tema por associá-lo a condutas subversivas. Um desserviço de ordens social, política, econômica e pedagógica que acarretou fraturas na saúde pública e nos direitos humanos.

Passado o período do golpe militar de 1964, o Brasil tem, por meio dos PCNs, força científica e política para devolver à temática o seu devido lugar de importância. Contudo, a retomada dos movimentos conservadores iniciados com o impeachment da Presidenta Dilma (2015-2016) seguido pelo governo Bolsonaro (2019-2022), levou a sociedade brasileira de volta ao passado. O PNE, a BNCC e planos municipais de educação sofreram interferências do Movimento Escola Sem Partido, que, sustentado no discurso da ideologia de gênero, foi responsável por suprimir as abordagens sobre gênero e sexualidade nesses documentos norteadores dos currículos escolares. Tais intromissões retomaram a redução do assunto ao cunho biológico e o limitou à área de Ciências da Natureza.

Entretanto, a história ensina que, apesar de os retrocessos serem insistências presentes a favor da exclusão de muitos e dos privilégios de poucos, a ciência resiste em favor da dignidade humana. E a universidade, por meio do tripé ensino, pesquisa e extensão, mostra-se detentora de saberes, pessoas e alcance para denunciar os retrocessos e anunciar possibilidades de superá-los. Especialmente no que se refere à formação inicial de professores, a educação superior tem o dever de manter viva a memória dessas opressões e de seus impactos, promover leitura crítica permanente acerca das forças que condicionam os processos de ensino-aprendizagem na educação básica e instrumentalizar os docentes a favor da emancipação dos sujeitos.

A sexualidade não é sinônimo de sexo enquanto genitália ou penetração. Ela se manifesta na inter-relação de fatores cognitivos, físicos, emocionais e sociais. É parte da integralidade humana desde a mais tenra idade e para toda a vida. É expressão de identidade e, por isso, um direito. A educação para a sexualidade, ao contrário do que pregam os discursos aterrorizantes da ala fundamentalista e hegemônica, não tem o objetivo de levar à iniciação do ato sexual.

Educar para a sexualidade está para o respeito e a valorização das diferentes orientações sexuais e identidades de gênero, o reconhecimento e o combate da desigualdade de gênero e da violência sexual, a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos. Em tempos de intensificação das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs), essa educação também está para a conscientização sobre as influências da cultura digital na sexualidade. Professores, estudantes, familiares, comunidade, escola, universidade e poderes públicos precisam assumir o seu papel nessa responsabilidade que é coletiva. O relato de experiência contido neste texto mostra que esse é um compromisso necessário, desafiador e possível.

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Ketiuce Ferreira Silva

Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (Unesp), campus Araraquara. Mestra em Educação pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Graduada em Pedagogia: Docência, Gestão e Tecnologia, pela Uniminas. Professora na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), unidade Ituiutaba.

ketiucef@gmail.com



Como citar este documento – ABNT

SILVA, Ketiuce Ferreira. Educação para a sexualidade: um compromisso da universidade com os direitos humanos e a formação docente. Revista Docência do Ensino Superior , Belo Horizonte, v. 14, e052713, p. 1-19, 2024. DOI: https://doi.org/10.35699/2237-5864.2024.52713.



1 Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), unidade Ituiutaba, Ituiutaba, MG, Brasil.

ORCID ID: https://orcid.org/0000-0001-9198-8859 . E-mail: ketiucef@gmail.com


Recebido em: 02/06/2024 Aprovado em: 11/10/2024 Publicado em: 13/12/2024

2 Autores como Sousa (2021), Moura e Silva (2023), e Leão, Leão e Ribeiro (2024) reconhecem que esses movimentos ultraconservadores tomaram força com o impeachment da Presidenta Dilma (2015-2016) e se mantiveram durante o governo do Presidente Bolsonaro (2019-2022).

3 Utiliza-se aqui o termo no feminino, uma vez que havia apenas um estudante do sexo masculino do total de 22 pessoas, o que reforça o cenário de feminização da docência, especialmente na educação básica, conforme discutido, por exemplo, por Guacira Lopes Louro (2001) e Paulo Freire (1994).

Rev. Docência Ens. Sup., Belo Horizonte, v. 14, e052713, 2024 6