DOI: https://doi.org/10.35699/2237-5864.2025.59070
SEÇÃO: resenhaS
As fronteiras entre a arquitetura e o ensino de estruturas
Los límites entre la arquitectura y la enseñanza de estructuras
The boundaries between architecture and the teaching of structures
Otávio Augusto Alves da Silveira1
RESUMO
Esta resenha analisa o livro The Structural Basis of Architecture dos autores Bjørn N. Sandaker, professor da Escola de Arquitetura e Design de Oslo e da Universidade de Ciência e Tecnologia da Noruega; Arne P. Eggen, professor emérito da Escola de Arquitetura e Design de Oslo; e Mark R. Cruvellier, professor do Departamento de Arquitetura da Universidade de Cornell. O livro passou por uma nova edição, publicada pela Routledge em 2019, trazendo um projeto gráfico colorido, completamente reformulado, com acréscimos e atualizações em seu conteúdo. A obra se mostra muito interessante ao explorar o entrelaçamento entre os aspectos mecânicos e espaciais das estruturas, tanto como material para disciplinas iniciais em cursos de Arquitetura quanto como fonte de consulta para profissionais da área de projeto em busca de referências criativas.
Palavras-chave: ensino de arquitetura; linguagem arquitetônica; resistência dos materiais.
Resumen
Esta reseña analiza el libro The Structural Basis of Architecture de los autores Bjørn N. Sandaker, profesor de la Escuela de Arquitectura y Diseño de Oslo y de la Universidad de Ciencia y Tecnología de la Noruega; Arne P. Eggen, profesor emérito de la Escuela de Arquitectura y Diseño de Oslo; y Mark R. Cruvellier, profesor del Departamento de Arquitectura de la Universidad de Cornell. El libro fue reeditado en 2019 por Routledge, con una maquetación gráfica completamente renovada y a color, además de contenido actualizado. La obra resulta muy interesante al explorar la interrelación entre los aspectos mecánicos y espaciales de las estructuras, tanto como material para cursos introductorios de arquitectura como fuente de referencia para profesionales del diseño que buscan inspiración creativa.
Palabras clave: educación arquitectónica; lenguaje arquitectónico; resistencia de los materiales.
Abstract
This review analyzes the book The Structural Basis of Architecture by authors Bjørn N. Sandaker, professor at the School of Architecture and Design in Oslo and at the University of Science and Technology in Norway; Arne P. Eggen, professor emeritus at the School of Architecture and Design in Oslo; and Mark R. Cruvellier, professor in the Department of Architecture at Cornell University. The book underwent a new edition, published by Routledge in 2019, featuring a colorful, completely redesigned graphic layout, with additions and updates to its content. The work proves very interesting in exploring the intertwining of the mechanical and spatial aspects of structures, both as material for introductory courses in Architecture and as a source of reference for design professionals seeking creative inspiration.
Keywords: architectural education; architectural language; strength of materials.
RESENHA
Nos primeiros anos da pedagogia Waldorf, as crianças são intensamente estimuladas a desenhar. Esses desenhos frequentemente preenchem toda a superfície de uma página com um número limitado de cores, que se amplia progressivamente ao longo dos anos. Uma característica marcante dessa prática é o estímulo à imagem sem contornos definidos, representando o mundo por meio de cores e formas que se fundem de modo harmonioso. Essa abordagem reflete uma percepção da realidade em que as fronteiras não são barreiras rígidas, mas transições fluidas.
De modo semelhante, nos cursos de arquitetura, é comum encontrarmos uma cisão profunda entre o ensino de projeto e o de estruturas. As disciplinas de estática, resistência dos materiais, concreto, aço e madeira são frequentemente abordadas de maneira fragmentada, com ênfase em cálculos e análises isoladas, em detrimento de uma visão integrada e próxima da prática projetual. Assim, as edificações são entendidas como um conjunto de elementos estruturais, cada um dimensionado para cumprir apenas a sua parte na função portante. No entanto, assim como nas pinturas infantis, a arquitetura não se constitui de partes estanques: estrutura portante e espaço construído formam uma unidade indissociável no mundo real.
É nesse contexto que se destaca The Structural Basis of Architecture (3ª edição, 2019), de Bjørn N. Sandaker, Arne P. Eggen e Mark R. Cruvellier. A obra propõe uma abordagem integradora do projeto estrutural, tratando-o não apenas como problema técnico, mas como parte intrínseca da linguagem arquitetônica. Os autores argumentam que, embora a separação entre função mecânica e espacial possa ser útil como estratégia didática, o objeto estrutural mecânico deve ser visto como uma parte inseparável da expressão formal e espacial arquitetônica. Assim, a obra desafia a dicotomia tradicional entre projeto arquitetônico e cálculo estrutural, oferecendo uma perspectiva holística rara em publicações técnicas – especialmente por ser escrita por dois engenheiros e um arquiteto, cuja colaboração exemplifica a síntese que defendem.
No primeiro capítulo, os autores abordam essa dupla função das estruturas: mecânica e espacial. Como objeto mecânico, a estrutura sustenta a edificação, resiste a cargas e garante estabilidade. Portanto, relaciona-se intimamente com a física e a matemática, e ainda com o contínuo desenvolvimento da tecnologia. Paralelamente, com encontros e desencontros, cumpre seu papel espacial ao configurar o ambiente habitável – ao articular volumes, definir vãos, sustentar coberturas e configurar limites onde serão realizadas atividades humanas. Dessa forma, atribui utilidade ao espaço, conectando-se ao contexto, à estética e à arte. Enquanto livros tradicionais de engenharia segregam esses aspectos, os autores os entrelaçam, mostrando como vigas, pilares e lajes transcendem sua utilidade técnica para se tornarem elementos de linguagem arquitetônica. O caso do Blur Building exemplifica essa síntese, mostrando como a eficiente estrutura de elementos esbeltos desempenha com qualidade o papel iconográfico e contextual.
O capítulo inicial é seguido por quatro outros que cobrem temas básicos para o ensino de estruturas: sistemas estruturais, ações, estática e materiais. No capítulo 2, que introduz os sistemas estruturais, a categorização de elementos em linhas e superfícies, retas e curvas, peca por uma abstração excessiva, dificultando a compreensão da maioria dos estudantes. Contudo, a apresentação dos diversos esforços fundamentais em uma ilustração bidimensional fornece um primeiro contato de fácil assimilação. O capítulo dedicado às ações solicitantes é eficaz ao situar os tipos de carregamento (permanente, variável, acidental) em contextos reais, ultrapassando a simples listagem oriunda de normas. Já o capítulo sobre materiais faz uma boa exposição, mostrando vantagens e desvantagens de uma gama de materiais, e ainda consegue descrever conceitos básicos de resistência dos materiais. Do ponto de vista pedagógico, esse conteúdo pode estimular exercícios práticos, como a análise de edificações reais em que os estudantes identifiquem o sistema portante, as ações atuantes, o caminho das cargas e os materiais empregados. O capítulo de estática, no entanto, apresenta algumas fragilidades. Apesar de seu papel crucial na formação técnica, o conteúdo é diluído por digressões, como a seção sobre Pirâmides ou o Intermezzo Italiano que, embora culturalmente interessantes, ocupam o espaço de outros tópicos essenciais. Conceitos estruturantes, como ação e reação, equilíbrio de forças e diagramas de corpo livre, mereciam ser abordados com maior profundidade e sistematização. A ausência de uma sequência mais didática pode comprometer a compreensão de conteúdos futuros ao longo da própria obra. Seria enriquecedor se o livro oferecesse esquemas passo a passo ou exemplos de caso que demonstrassem como aplicar esses conceitos na análise estrutural de projetos simples.
Após essa parte introdutória, cada capítulo passa a tratar de um tipo específico de elemento estrutural, adotando uma progressão do mais simples ao mais complexo: tirantes, vigas, colunas, treliças, pórticos, cabos, membranas, arcos, domos e cascas. Essa abordagem por tipologia de elementos contrasta com os livros mais utilizados em cursos de resistência dos materiais, que costumam organizar os conteúdos por tipos de esforços internos (tração, compressão, flexão, cisalhamento), reforçando o foco aplicado e arquitetônico da obra.
O capítulo dedicado a vigas é exemplar ao ampliar as possibilidades de projeto, destacando a influência da seção transversal, de materiais e possibilidades de apoio. A discussão supera a abordagem convencional (relação tensão-momento fletor) relacionada diretamente ao desempenho mecânico, explorando implicações arquitetônicas como, por exemplo, a utilização de seções variáveis. A inclusão de lajes no mesmo capítulo é acertada, pois enfatiza o fenômeno da flexão como denominador comum entre elementos lineares e superficiais. Esse conteúdo também pode inspirar atividades pedagógicas, como o desenho de seções transversais eficientes em função do material ou de seções variáveis adequadas a diferentes tipos de apoio (simplesmente apoiada, em balanço, viga contínua).
Em seguida, tem-se o capítulo que trata de colunas e paredes comprimidas. Assim como em outras bibliografias, os autores demonstram dificuldade em encontrar a forma ideal de tratar o assunto, preferindo flutuar em torno do tema da esbeltez ao longo do capítulo. Tópicos essenciais como momentos de inércia, compressão excêntrica, travamento lateral e flambagem local mereciam um aprofundamento maior. A seção sobre capitéis, embora curiosa do ponto de vista histórico, parece descolada do restante do capítulo e poderia ceder lugar a tópicos mais formativos. Uma seção dedicada às conexões típicas entre colunas e vigas, a exemplo, nós rígidos e articulados, enriqueceria o conteúdo e aumentaria sua utilidade prática.
Os capítulos 9 e 10 são particularmente relevantes para estudantes e profissionais entusiastas de sistemas estruturais. O primeiro explora treliças planas e espaciais em sua diversidade, cobrindo desde aspectos históricos até métodos de cálculo (nós/seções), variações de forma e instabilidade lateral, sempre ilustrados com exemplos reais. A seção final sobre tenso-estruturas, ainda que introdutória, complementa o tópico com competência. Já o capítulo 10, dedicado a pórticos e paredes de cisalhamento, destaca-se mais uma vez pela didática exemplar. A distinção entre pórticos articulados (contraventados) e rígidos é bem resolvida, com ilustrações que sintetizam conceitos fundamentais de maneira visualmente eficaz. Os diagramas de esforços internos aparecem sistematicamente associados às tipologias de conexões, enquanto uma variedade considerável de sistemas de estabilização é apresentada. As variações de forma em pórticos rígidos, documentadas por fotografias de obras construídas, exemplificam com clareza a simbiose entre função mecânica e expressão arquitetônica, retomando o princípio unificador defendido na introdução da obra. Como marca característica do livro, o capítulo encerra-se com estudos de caso nórdicos, revelando a origem dos autores noruegueses. Em sala de aula, recursos didáticos como o conhecido 'kit mola' podem reforçar a compreensão visual das diferenças de comportamento entre os diversos tipos de pórticos, ampliando o potencial pedagógico dos exemplos apresentados no livro.
Os três capítulos finais exploram sistemas estruturais nos quais a forma espacial e a função mecânica se fundem de maneira ainda mais evidente: cabos e membranas, arcos e abóbadas, domos e cascas. Neles, a obra atinge mais um ponto alto. Como Heino Engel (1981) destacou ao classificá-los como 'sistemas de forma ativa' e 'superfície ativa', esses elementos desafiam qualquer tentativa de dissociação entre expressão arquitetônica e desempenho estrutural. Construções históricas, algumas com milênios de existência, foram mostrando lentamente a inexistência de fronteiras entre forma arquitetônica e função portante, reforçando a tese central do livro. Como exemplo, o capítulo 12 apresenta o arco de Taq-I Kisra (600 a 300 a.C.), depois passando pelos arcos romanos até chegar aos modernos arcos articulados, popularizados após a revolução industrial. O capítulo seguinte, pelo contrário, começa com a apresentação de uma obra de 2001 de domos geodésicos cobertos com travesseiros de ETFE para, em seguida, passar pelos tradicionais domos de igrejas até chegar ao Panteão, em Roma.
O maior mérito da obra reside na abundância e qualidade de exemplos reais, ilustrados por fotografias que conectam teoria e prática para os diversos tópicos. Essas imagens mostram que os temas abordados não são descolados da realidade e passam a compor um repertório visual valioso para estudantes e profissionais. Contudo, é possível criticar a predominância de exemplos europeus e norte-americanos. A inclusão de mais estudos de caso da América Latina, do mundo árabe e da arquitetura vernacular enriqueceria a discussão, destacando soluções estruturais em contextos culturais, socioeconômicos e materiais diversos.
Apesar da qualidade da abordagem e do conteúdo, o livro não está isento de falhas pontuais. Em certos momentos, o texto perde foco devido a digressões excessivas, como anedotas pessoais ou reflexões pouco relevantes, que interrompem o fluxo da argumentação principal. Além disso, as equações matemáticas, embora esparsas, são tratadas com descuido tipográfico. Uma revisão mais cuidadosa da diagramação, aliada à explicação contextualizada dos cálculos, tornaria a obra ainda mais acessível ao público-alvo arquitetônico.
Do ponto de vista pedagógico, o livro é altamente recomendável para cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo. Sua estrutura e abrangência permitem tanto o uso em uma disciplina anual quanto em duas semestrais, adaptando-se aos diferentes currículos. A clareza da linguagem e o equilíbrio entre teoria, prática e história alinham-se melhor ao perfil diversificado dos estudantes de arquitetura do que os métodos tradicionais de ensino de estruturas, derivados dos cursos de engenharia. Além disso, a abordagem holística, com ênfase na relação entre forma e função estrutural, torna-o particularmente útil como material de apoio a disciplinas de projeto, transcendendo a visão fragmentada ainda prevalente em muitos currículos. Para além do âmbito acadêmico, a obra também se destina a profissionais, oferecendo a arquitetos e engenheiros uma reflexão atualizada sobre a interdependência entre projeto e estrutura.
Embora publicada originalmente em 2019, a obra mantém plena atualidade. A literatura recente na área de estruturas voltada ao ensino de arquitetura não apresenta avanços equivalentes em termos de abordagem integrada. Predominam as publicações que tratam de aspectos isolados do cálculo, sem o mesmo equilíbrio entre rigor estrutural, reflexão histórica e articulação com o projeto arquitetônico. Nesse sentido, a relevância da obra transcende sua data de publicação, pois responde a uma lacuna que permanece aberta nos currículos de Arquitetura e Urbanismo, ainda marcados pela fragmentação entre disciplinas técnicas e projetuais. Diante disso, também é inevitável desejar uma tradução da obra para o português. A natureza dialógica do texto, que equilibra rigor técnico e acessibilidade, merece alcançar um público mais amplo, especialmente em países onde a barreira linguística limita o acesso a obras de referência. Uma tradução cuidadosa não apenas permitiria a difusão das ideias dos autores, mas também reforçaria discussões locais sobre a integração entre estrutura e arquitetura, tema ainda marginalizado em muitos cursos de Arquitetura e Urbanismo no Brasil. Mais do que um livro didático, The Structural Basis of Architecture é um convite à superação de fronteiras disciplinares e ao reconhecimento da estrutura como meio de expressão arquitetônica.
REFERÊNCIAS
SANDAKER, Bjørn N.; EGGEN, Arne P.; CRUVELLIER, Mark R. The Structural Basis of Architecture. 3. ed. New York: Routledge, 2019.
ENGEL, Heino. Sistemas de Estruturas. São Paulo: Hemus Editora Limitada, 1981.
Otávio Augusto Alves da Silveira
Doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor Associado C1 do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador vinculado ao CORE (Center for Optimization and Reliability in Engineering) do Departamento de Engenharia Civil e colaborador no LABPROJ (Laboratório de Projetos) do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC.
otavio.silveira@ufsc.br
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Como citar este documento – ABNT SILVEIRA, Otávio Augusto Alves da. As fronteiras entre a arquitetura e o ensino de estruturas. Revista Docência do Ensino Superior, Belo Horizonte, v. 15, e059070, p. 1-7, 2025. DOI: https://doi.org/10.35699/2237-5864.2025.59070. |
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1Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil.
ORCID
ID: https://orcid.org/0000-0002-7184-5479.
E-mail: otavio.silveira@ufsc.br
Recebido em: 04/06/2025 Aprovado em: 24/09/2025 Publicado em: 26/11/2025
Rev.
Docência Ens. Sup., Belo Horizonte, v. 15, e059070, 2025