[Chamada para (in)submissões] Dossiê #12 - Judaísmo An-Árquico: Antissionismo, Messianismo e Cabala Radical | Dossiê organizado por Andityas Matos e Yochanan Schimmelpfennig
Recebimento de trabalhos no formato de artigos científicos, ensaios, resenhas, entrevistas, textos literários, imagens ou outros formatos que reflitam sobre a temática, com prazo de envio até 30 de novembro de 2025.
Vivemos um momento sombrio, em que o Estado de Israel não apenas perpetra o extermínio sistemático do povo palestino, mas também comete um suicídio espiritual, político e ontológico: uma traição profunda e definitiva à herança viva do judaísmo. Neste contexto histórico e ético, impõe-se a necessidade de reabrir o campo do judaico a partir de chaves heréticas, libertárias e proféticas. Este dossiê parte de uma hipótese: há um judaísmo que não se deixou capturar nem pela ortodoxia rabínica nem pela razão de Estado sionista — um judaísmo sem essência, sem povo, sem templo — e é esse o judaísmo que queremos convocar.
Judaísmo an-árquico é, assim, o nome estratégico de uma disputa. Não se trata de representar o judaísmo, mas de desorganizar seus centros de poder: desconstruir a identidade como teologia política, desafiar a soberania como forma de organização messiânica e propor leituras insurgentes da tradição — da cabala à crítica materialista da linguagem, da exegese nômade à desobediência litúrgica.
Convidamos pesquisadoras e pesquisadores que, desde dentro ou das margens da tradição judaica, pensem com ou contra ela. Interessa-nos especialmente a reinterpretação crítica de autores como Walter Benjamin, Gershom Scholem, Franz Rosenzweig, Emmanuel Levinas, Jacob Taubes, entre outros, assim como abordagens mais experimentais, que articulem o judaísmo com pensamento anarquista, mística, crítica da modernidade, linguagens poéticas e messianismos não soberanos. Pensadores polêmicos como Oskar Goldberg, cuja crítica ao sionismo é inseparável de uma cosmologia racial ambígua, também são bem-vindos, desde que submetidos a uma análise rigorosa e não apologética.
Um exemplo do uso radical do judaísmo está na teoria dos Processos de Filtração Quase-Topológica (PQF) de Yochanan Schimmelpfennig, que lê a Torá não como texto revelado nem como código legal, mas como infraestrutura rítmica de perturbação. Segundo a PQF, a Torá não funda um povo, não organiza uma comunidade, não regula a ética, mas filtra, distorce e corta. Nessa perspectiva, o hebraísmo não é religião, idioma nem etnicidade, e sim uma configuração topológica de dissonância. Os conceitos-chave da tradição não são significantes estáveis, mas operadores de acesso: nefesh é ritmo corporal, não alma; tikvah é tensão sem trajetória; korban é dobra, não sacrifício; zar é o não-integrável; e shabbat é corte, não descanso. A crítica ao sionismo se apoia então não em simples argumentos políticos, mas em uma hipótese ontológica pós-fundacional de natureza filtracional: o sionismo é uma catástrofe topológica, uma fixação do ritmo, uma tentativa de imobilizar a intensidade nas formas de território, identidade e fronteira. Ao invés de ayin (o sem-fundamento), o sionismo produz chão. Em vez de zar, designa o inimigo. Onde tikvah deveria permanecer como tensão sem vetor, o sionismo a captura como projeto político.
Enfim, este dossiê não busca afirmar uma ortodoxia alternativa, mas abrir um campo de pensamento: intensificar a heresia como gesto político, reativar a tradição como dimensão de conflito, fazer da linguagem um espaço de exílio, e não de origem. Porque, como já intuíra Taubes, o judeu é, talvez, aquele que insiste em não ser povo. A convocatória está aberta a todas e todos que queiram intervir nesse território instável e perigoso.
Ressaltamos ainda que, para além desse dossiê temático, a revista (Des)troços recebe arremessos em fluxo contínuo de caráter geral que se vinculem ao pensamento radical e à linha editorial do periódico, conforme descrito em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistadestrocos/about. As contribuições devem ser enviadas por meio do sistema OJS, respeitando-se as regras de submissão no caso de textos (https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistadestrocos/about/submissions). As exigências de titulação não se aplicam às autoras de imagens, cujas contribuições serão avaliadas unicamente pela comissão editorial. As contribuições sob a forma de textos serão avaliadas pelo comitê editorial e pelo sistema de double blind review. Uma vez aprovados, textos e imagens serão publicados no décimo segundo número da revista, previsto para ser lançado no primeiro semestre de 2026.