Apresentação
Lazer, Natureza e Paisagem
Resumo
Relações entre lazer e natureza têm sido discutidas especialmente nas últimas três décadas. Temas como busca pela natureza nas vivências de lazer; impactos ao meio ambiente; crescimento do turismo de aventura, do ecoturismo e de outros segmentos que se colocam em diálogo com o ambiente natural; e ocupação e uso de espaços livres em contextos urbanos têm tido certo protagonismo nas produções acadêmicas, entretanto há um elemento latente nesses debates que por vezes passa negligenciado: a paisagem. Contemplado em diferentes áreas do conhecimento, como Arquitetura, Sociologia, Geografia, Urbanismo, Filosofia e Artes, ainda é um tema incipiente nos Estudos do Lazer.
Propor como temática para este dossiê três elementos tão vastos e intrigantes, quanto lazer, natureza e paisagem, provocou desafios, como o de aproximá-los, numa tentativa de promover reflexões que compreendam a paisagem como elemento complexo que impacta, direta e indiretamente, relações entre lazer e natureza. Ao mesmo tempo, pesquisadoras e pesquisadores foram convidados a se debruçar sobre nuances que, por vezes, podem passar despercebidas em seus trabalhos.
Este número da Revista Licere tem, pois, como propósito trazer ao debate trabalhos que, a partir de diferentes objetos de estudos, e considerando diferentes contextos, contemporâneos e/ou passados, estabeleçam relações entre esses temas, seja em espaços urbanos ou afastados deles, seja em locais públicos ou privados, relacionados ou não à aventura etc. Foi nosso interesse provocar um movimento de aproximação inicial entre pesquisadoras e pesquisadores que têm se dedicado em especial à paisagem, incitando-os a olhar com mais atenção para o lazer e a natureza, assim como aquelas e aqueles que se dedicam a estes dois temas se deterem com mais afinco nas relações paisagísticas.
As noções sobre os três fios que tecem esta proposta são, por vezes, observadas em perspectivas que os colocam em lugares restritos e que os limitam no fluxo de análises e reflexões sobre os contextos sociais. Compreender natureza apenas como aquilo que está distante em áreas de reserva ambiental ou similar pode impedir, por exemplo, a compreensão do urbano como natureza e suas conexões com as teorias da paisagem. Ao mesmo tempo, visões que se restrinjam as paisagens apenas como panoramas de contemplação as limitam na teia de conexões para nossa percepção de uma diversidade de objetos que influenciam e são influenciados por elas nos processos de fruição do lazer. Ficamos felizes com a diversidade de temáticas e olhares que se lançaram ao convite realizado nesta direção.
Reúnem-se nesse número um conjunto de artigos de autores de distintas formações e múltiplos olhares. Em comum, as reflexões que atravessam a tríade lazer-paisagem-natureza que, nesta Revista, é tornada um campo de convergência e diálogo. Diríamos mais, de simbiose. O resultado é um caleidoscópio de visões, teorias, métodos e percepções que, no seu conjunto diverso e instigante, convergem para o que desejávamos inicialmente: uma revista aberta a múltiplos horizontes, ônticos, epistêmicos e metodológicos.
Outro ponto em comum entre os trabalhos aqui apresentados é que eles refletem sobre experiências de lazer na natureza e pela paisagem. Eles não as descrevem como acontecimentos ordinários, do tipo que vivenciamos todos os dias na nossa jornada existencial, mas como experiências educativas que são construídas e narradas como forma de conhecimento.
Pedras, estrelas, árvores, animais, rios, montanhas, pinguins, praias, cidades não são simples coisas em si, mas passagens para múltiplos significados lentamente atribuídos a eles no percurso do nosso processo civilizatório. Originalmente seres de natureza tiveram que ser semantizados para tornarem-se apreensíveis esteticamente no conjunto paisagem, a unidade sensível que nos revela o mundo. A água traz para a paisagem a ideia de purificação e bem-estar atribuída por diferentes cosmogonias; o jardim a de conforto e transcendência do Éden; a praia evoca o mar, signo de força, mistério e movimento; os seres de pedra, alimentados por tantas fábulas, fazem revivê-las nos parques; os pássaros, inspiração de tantas utopias, são reproduzidos nos esportes do ar. O lazer das paisagens imanta-se dessas idealidades. E faz mais: toda vez que se inventa uma forma nova de lazer, os imaginários paisagísticos são reinventados, reelaborados e reabastecidos de novos significados, renovando os nossos horizontes oníricos. Lazer e paisagem são metaexperiências que transcendem a mera fruição corporal.
Boa leitura!
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