VOLUME 14

2024

ISSN: 2237-5864


Atribuição CC BY 4.0 Internacional

Acesso Livre


DOI: https://doi.org/10.35699/2237-5864.2025.37455

SEÇÃO: ARTIGOS

Proposta de autorreconhecimento de cursos de graduação em Engenharia frente às novas Diretrizes Curriculares Nacionais: estudo de caso no curso de Engenharia Civil da Universidade do Estado de Santa CatarinaShape1

Propuesta de autoreconocimiento de los cursos de grado en Ingeniería antes las nuevas Directrices del Currículo Nacional: estudio de caso en el curso de Ingeniería Civil de la Universidad Estatal de Santa CatarinaShape2

Proposal for self-recognition of undergraduate courses in Engineering in view of the new National Curriculum Guidelines: case study in the Civil Engineering course at the State University of Santa Catarina

Jennifer Perreira dos Santos,1 Leonardo Romero Monteiro 2

RESUMO

As alterações propostas pelas novas Diretrizes Curriculares Nacionais de graduação em Engenharia publicadas em 2019 sugerem mudanças significativas para o ensino em Engenharia. É necessário entender como implementá-las por meio de estratégias que proporcionem transformações reais e coerentes com a realidade de cada instituição de ensino. O presente trabalho apresenta uma proposta de autorreconhecimento para as fases iniciais do processo de mudança e implementação da nova Diretriz Curricular Nacional no projeto pedagógico dos cursos de Engenharia de forma sistemática, ou seja, através de uma sequência de etapas e recomendações. As etapas foram apresentadas e exemplificadas em sequência pela aplicação em um estudo de caso no curso de Engenharia Civil da Universidade do Estado de Santa Catarina. Os resultados apresentaram que a metodologia aplicada foi capaz de reconhecer as especificidades do curso, auxiliando na concepção de um novo currículo.

Palavras-chave: ensino em Engenharia; Diretrizes Curriculares Nacionais; Projeto Pedagógico do Curso.

RESUMEN

Los cambios propuestos por las nuevas Directrices Curriculares Nacionales de Graduación de Ingeniería publicadas en 2019 sugieren cambios significativos para la educación en Ingeniería. Es necesario entender cómo implementarlos a través de estrategias que brinden transformaciones reales y sean consistentes con la realidad de cada institución educativa. Este trabajo presenta una guía para las fases iniciales del proceso de cambio e implementación de la nueva Directrices Curriculares Nacionales en el diseño pedagógico de los cursos de Ingeniería de manera sistemática, es decir, a través de una secuencia de pasos y recomendaciones. Los pasos se presentan y son ejemplificados por la aplicación en un estudio de caso en el curso de Ingeniería Civil de la Universidad Estatal de Santa Catarina. Los resultados han presentado que la metodología aplicada fue capaz de reconocer las especificidades del curso, lo que ayudó a diseñar un nuevo plan de estudios.

Palabras clave: enseñanza de la Ingeniería; Directrices Curriculares Nacionales; Proyecto Pedagógico del Curso.

ABSTRACT

The changes proposed by the new National Curricula Guidelines for undergraduate studies in Engineering published in 2019 suggest significant changes for engineering education. It is necessary to understand how to implement them through strategies that provide real transformations and are consistent with the reality of each educational institution. This work presents a guide for the initial phases of change process and implementation of the new National Curricula Guidelines in the Engineering courses pedagogical design in a sequence of steps and recommendations. The steps are presented and exemplified in a case study in the Civil Engineering course at the State University of Santa Catarina. The results showed that the applied methodology was able to recognize particularities of the course, helping to design a new curriculum.

Keywords: education in Engineering; National Curricular Guidelines; Pedagogical Project of the Course.

INTRODUÇÃO

Na última década, modificações pedagógicas, tanto no âmbito da educação básica como no das diretrizes curriculares da educação superior, indicaram a necessidade da avaliação educacional se basear no desenvolvimento de saberes fundamentais, conhecimentos, habilidades e competências (Marinho-Araujo; Rabelo, 2015). A limitada adequação do modelo tradicional de ensino às necessidades de cada estudante e da sociedade vem sendo motivo de críticas devido ao método de ensino se configurar em um sistema padronizado e ignorar as individualidades e preferências dos estudantes (Freitas; Dornellas; Belhot, 2006). Ainda, Scallon (2017) ressalta: “existe, portanto, uma grande distância entre o modelo educacional predominante no Brasil e aquele capaz de formar os profissionais-cidadãos que a sociedade tanto necessita”.

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) têm o propósito de nortear o desempenho da adequação curricular no meio acadêmico, e, no ano de 2002, introduziram o conceito de Projeto Pedagógico de Curso (PPC) como um instrumento, cujo objetivo era demonstrar como o conjunto de atividades a serem realizadas no curso garantiria o desenvolvimento das competências e habilidades esperadas para formar o perfil de egresso desejado pela instituição de ensino superior (IES) (CNE/CES, 2001). Em 2019, as novas DCN ampliaram a finalidade do PPC, que agora deve apresentar um novo desenho de currículo que aponte os meios para a aprendizagem e que demonstre como os resultados esperados serão obtidos, considerando o corpo docente, técnico e administrativo envolvido.

Assim, as novas diretrizes fomentam que o egresso do curso de Engenharia, por exemplo, deve ser apto a criar, projetar e analisar produtos, processos, além de implantar, supervisionar e controlar as soluções propostas, concomitantemente ao respeito da normatização pertinente e a ética do exercício profissional (Prado; Santos, 2019). Todavia, faz-se necessário entender como implementar essas novas diretrizes através de estratégias que proporcionem transformações reais e coerentes com a realidade de cada IES, uma vez que o ensino em Engenharia tem favorecido o acúmulo de conteúdos como estratégia para a formação de um bom profissional, não levando em consideração as suas competências (CNI et al., 2020).

Segundo Scallon (2017), uma competência pode ser compreendida pelo ato de mobilizar e utilizar eficientemente um conjunto integrado de recursos com o objetivo de resolver um conjunto de situações-problema. Esse conjunto de recursos poderá compreender conhecimentos, experiências, habilidades, atitudes e valores, devendo ser passível de avaliação segundo critérios de desempenho. Desse modo, o ensino pautado na formação por competências deve buscar a diminuição da exposição de conteúdos e priorização do desenvolvimento de habilidades e atitudes (Prado; Santos, 2019). Ferraz e Belhot (2010) afirmam que considerar a obtenção de conhecimento e de competências adequadas ao perfil do egresso norteará a concepção de ensino para a determinação adequada de conteúdos, instrumentos de avaliação, métodos, bem como de estratégias para alcançar uma aprendizagem ativa e permanente.

A estruturação predominante nos cursos de Engenharia no Brasil é a mesma das antigas escolas criadas no país. Os projetos pedagógicos possuem a organização curricular de mesmo modo que ocorria na França do século XVIII, com um arranjo de disciplinas fundamentado em conteúdos isolados, dificultando a integração e contextualização do conhecimento intrínseco à formação em Engenharia (Oliveira, 2019). Assim, evidencia-se o conservadorismo a ser enfrentado em uma modernização curricular dentro das IES. É necessária uma mudança de cultura e compreensão dos possíveis formatos de lecionar para que o ensino nas escolas de Engenharia seja condizente com as novas diretrizes e um dos primeiros passos para esta mudança é o autorreconhecimento dos cursos.

Portanto, para apoiar a transformação no ensino embasando-se na formação por competências, o objetivo deste trabalho foi apresentar um meio para o autorreconhecimento de cursos de graduação em Engenharia para as fases iniciais do processo de mudança nos PPCs, tendo por escopo as novas DCN, através de uma sequência de etapas e recomendações de implementação. Para exemplificação da aplicação da proposta, foi realizado o estudo de caso no curso de graduação de Engenharia Civil da Universidade do Estado de Santa Catarina.

PROPOSTA DE AUTORRECONHECIMENTO

A proposta de autorreconhecimento do PPC foi elaborada a partir da compreensão do ensino em Engenharia no Brasil desde a Resolução n° 48/1976 do antigo Conselho Federal de Educação (CFE) até as DCN publicada em 2019. Essa investigação buscou descobrir as mudanças no ensino e suas respectivas motivações. Assim, as resoluções foram comparadas e analisadas com o objetivo de compreender o propósito das inovações nas DCN de 2019, e principalmente, como considerar todos os seus aspectos na elaboração de um novo PPC.

A evolução do ensino em Engenharia

Até a implementação da Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu as “Diretrizes e Bases da Educação Nacional” (LDBEN), os cursos de graduação em Engenharia eram regidos pela Resolução n° 48/1976 de 27 de abril de 1976 do Conselho Federal de Educação (CFE). A Resolução n° 48/1976 fixava os mínimos de conteúdo e de duração do curso de graduação em Engenharia e definia suas áreas de habilitação.

A fim de contribuir para uma reestruturação na metodologia de aprendizagem, uma grande quantidade de instituições de ensino, profissionais e outras interessadas se envolveram e participaram de uma discussão organizada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) por meio do Parecer n° 776/1997 e do Ministério de Educação e Cultura (MEC) pelo Edital n° 04/1997 e então, foi publicada as DCN de graduação em Engenharia no ano de 2002 (Pinto; Portela; Oliveira, 2003). Em oposição ao currículo mínimo proposto pela Resolução n° 48/1976, que definia cursos e perfis pouco flexíveis, as diretrizes curriculares de 2002 ampliaram a autonomia das IES, passando a definir perfis de egressos inteiramente adaptáveis às mudanças e necessidades das quais a IES está inserida (Ito et al., 2006).

Existem semelhanças e divergências entre as DCN de graduação em Engenharia dos anos de 2002 e 2019. O Quadro 1 apresenta uma comparação entre as DCN evidenciando a diferença de aspectos como: estrutura de currículos, metodologia de ensino/aprendizagem indicadas, avaliação dos alunos, entre outros. De certa forma, a nova resolução resgata diversos pontos já citados na resolução anterior e amplia as discussões em torno deles. A função do PPC não se alterou, todavia, agora as DCN de 2019 lista os itens que devem ser desenvolvidos neste documento. Atualmente, a estruturação do currículo não necessita seguir a disposição dos núcleos de conteúdo anteriormente definidos e seus respectivos percentuais e a duração do curso passa a ser definida pela Resolução n° 2, de 18 junho de 2007. Ainda, as DCN de 2019 introduz dois aspectos inéditos: a política de acolhimento ao ingressante e o fortalecimento do vínculo com organizações.

Quadro 1 – Comparação entre as Resoluções CNE n° 11/2002 e CNE/CES n° 1/2019.


CNE/CES nº 11/2002

CNE/CES nº 1/2019

Projeto Pedagógico do Curso (PPC)

O PPC é uma exigência e deve demonstrar claramente como as atividades acadêmicas levam à formação do perfil profissional delineado.

O PPC é uma exigência e deve descrever o perfil do egresso; o regime acadêmico e a duração do curso; as principais atividades e conteúdos; as atividades complementares; o Projeto Final de Curso; o Estágio Curricular Supervisionado; os mecanismos de avaliação, autoavaliação do curso.

Currículo

Núcleo de conteúdos básicos (30%).

Núcleo de conteúdos profissionalizantes (15%).

Núcleo de conteúdos específicos (55%).

Deve conter os conteúdos básicos, profissionais e específicos e a justificativa da forma que irá se trabalhar esses conteúdos.

Estrutura do currículo

As disciplinas são organizadas através dos núcleos de conteúdos estabelecidos abordando os tópicos discriminados pela resolução.

As atividades podem ser organizadas por disciplinas, blocos, temas ou eixo de conteúdo; atividades práticas laboratoriais e reais, projetos, atividades de extensão e pesquisa, entre outros.

Atividades Complementares

Trabalhos de iniciação científica, projetos multidisciplinares, visitas teóricas, trabalhos em equipe, desenvolvimento de protótipos, monitorias, participação em empresas juniores e outras.

Acrescenta como possíveis atividades as competições acadêmicas, projetos interdisciplinares e transdisciplinares, projetos de extensão, atividades de voluntariado e incubadoras.

Duração do curso

Não estabelece.

Definido de acordo com a Resolução CNE/CES n° 2, de 18 de junho de 2007.

Atividade de síntese

Trabalho Final de Curso.

Projeto Final de Curso, podendo ser realizado individualmente ou em equipe.

Metodologia de ensino/

aprendizagem

Prevê a utilização de metodologias de ensino/aprendizagem, capazes de garantir o desenvolvimento de habilidades de competências.

Recomenda a utilização de metodologias de aprendizagem ativa, a fim de promover uma educação mais centrada no aluno.

Avaliação dos alunos

Deverão se basear nas competências, habilidade e conteúdos curriculares desenvolvidos.

Devem demonstrar o aprendizado e estimular a produção intelectual dos estudantes, de forma individual ou em equipe.

Relacionamento com organizações

Não menciona.


Recomenda a promoção frequente de fóruns com a participação de profissionais, empresas e outras organizações públicas e privadas.

Políticas de acolhimento

Não menciona.

O PPC deve prever os sistemas de acolhimento e nivelamento, visando a diminuição da retenção e evasão.

Fonte: Reorganizado de CNE/CES, 2002, 2019.

Proposta metodológica

Com base nas análises da fase de estudo das resoluções, foi elaborada uma proposta de autorreconhecimento da situação de um curso de Engenharia para auxiliar a elaboração de um PPC por meio da formação por competências. Esta proposta é separada em 3 etapas que devem acontecer de forma subsequente, sendo elas: análise do PPC; levantamento dados com o corpo docente; mobilização do Núcleo Docente Estruturante (Figura 1).

Figura 1 – Fluxo de trabalho durante a pesquisa.

Fonte: elaborado pelos autores (2025).

Além da proposta de autorreconhecimento da situação do curso, a presente pesquisa também tem por objetivo levantar pontos a serem aprofundados em futuros desenvolvimentos do curso. É importante ressaltar que o estudo não se destina ao aprofundamento das discussões levantadas, isto trata-se de algo a ser delimitado por cada curso e universidade em respeito as suas especificidades.

Etapa 1: Análise do PPC

A análise do PPC deve identificar os objetivos do curso, além de verificar como as competências e habilidades esperadas no egresso estão alinhadas às atividades desenvolvidas ao longo do processo de formação. É importante ressaltar que o mero estabelecimento de competências e habilidades esperadas para o formado não implica no desenvolvimento em si destes aspectos durante a formação. Faz-se necessário que o processo de aprendizagem seja estruturado por um currículo que articule os seus componentes, sejam eles disciplinas, blocos, temas ou eixos de conteúdo.

O resultado desta análise deve apontar, principalmente, a organização do curso (exemplo: disciplinas e atividades extracurriculares), as metodologias de ensino adotadas, os instrumentos de avaliação empregados na estrutura curricular e o foco dado ao ensino em laboratório. É indicada a organização destes itens de maneira resumida em forma de tabelas, com as devidas informações e percentuais facilitando a apresentação ao corpo docente envolvido na elaboração do novo PPC.

Tendo identificado as características do PPC, deve-se verificar a aderência dele às diretrizes curriculares anteriores, de modo a identificar como foi o processo de elaboração desse projeto. A partir dos pontos onde não existem consonâncias entre os documentos, poderá se iniciar uma investigação do motivo para a não-correspondência ou ausência de determinados aspectos.

Desse modo, busca-se compreender como se deu a conciliação das propostas das DCN de 2002 e dos dirigentes da IES. Essa reflexão irá apontar como a elaboração de um novo PPC poderá considerar esses aspectos, uma vez que, procedimentos organizacionais devem ser embasados em experiências passadas na tentativa de diminuir os erros já cometidos. Assim, as dificuldades de implementação da nova diretriz podem ser observadas analisando-se a implementação da antiga, uma vez que existe convergência entre as DCN de 2002 e as DCN de 2019.

Nesse contexto, a verificação da implementação de metodologias ativas no currículo do curso é fundamental para definir estratégias na renovação do ensino dentro da IES. As DCN de 2002 já fazia menção à relevância do aprendizado ativo do estudante de graduação, portanto, é importante entender como esse aspecto foi tratado na elaboração do desenho de currículo do curso na época.

Etapa 2: Levantamento de dados com o corpo docente

Em virtude de não terem vivenciado a formação por competências, a atuação docente no ensino superior não necessariamente está habituada com a compreensão de como se dá o processo de aprendizagem (Angelo; Gianesi, 2019). Assim, o comprometimento do docente em conhecer os princípios das diferentes formas de aprendizagem é determinante para o êxito na elaboração de novos desenhos de currículo e no aprimoramento de sua atuação no processo de ensino.

Investigar como o corpo docente experenciou mudanças anteriores no ensino podem revelar informações importantes na formulação de estratégias que possibilitem amenizar dificuldades semelhantes em uma nova transição. Nesta etapa, recomenda-se realizar entrevistas com os docentes que participaram da elaboração do último PPC do curso. As informações obtidas podem ser úteis para gerenciar os conflitos que venham a surgir no processo de atualização do PPC, sendo um meio para compreender as razões para um possível não-atendimento de determinados aspectos das DCN de 2002 e formular estratégias para superar as dificuldades encontradas.

Uma investigação com o corpo docente atual do colegiado do curso também pode evidenciar aspectos importantes a serem considerados na reformulação do PPC. A aplicação de um formulário pode facilitar a quantificação dos dados relevantes para o estudo. Nesse sentido, o conhecimento do corpo docente atual sobre as metodologias ativas de ensino-aprendizagem e sobre o entendimento do escopo das DCN são de extrema relevância e podem ser abordados no formulário.

Etapa 3: Mobilização do Núcleo Docente Estruturante

A última etapa objetiva trabalhar efetivamente na estrutura do novo PPC. O Núcleo Docente Estruturante (NDE) deve ser reunido para organizar as competências que serão consideradas para o curso de graduação e como estas competências serão desenvolvidas em um novo desenho de currículo. Além disso, é o momento de reexaminar a função de cada componente curricular e dar espaço a renovação do curso. As discussões devem fornecer instruções aos docentes para que possam imergir no contexto das novas DCN e contribuir para a reestruturação do currículo do curso.

O NDE também deve discutir sobre o desenvolvimento dos docentes para que estes tenham a possibilidade de acessar novas tecnologias e capacitações acerca do ensino. É importante iniciar uma investigação para adoção de um sistema de autoavaliação do curso de graduação, para que os próprios professores possuam uma métrica do desempenho do sistema didático e de desenvolvimento dos alunos e do próprio curso.

ESTUDO DE CASO: O CURSO DE ENGENHARIA CIVIL Da universidade do estado de santa catarina

A fim de exemplificar a utilização da proposta apresentada, buscou-se a aplicação em um estudo de caso das etapas apresentadas para o autorreconhecimento de um curso graduação em Engenharia. Este estudo buscou descrever como as transformações na metodologia de ensino e a implantação das novas DCN são incorporadas no PPC do Departamento de Engenharia Civil (DEC) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e corresponde ao registro CAAE n° 34395420.4.0000.0118.

A coleta de dados foi realizada em três momentos: 1o Momento – a partir de uma entrevista no formato semiestruturado com três docentes que vivenciaram a implementação das DCN de 2002 no PPC de 2008; 2o Momento – através de um formulário on-line aplicado ao atual corpo docente do DEC sobre a necessidade de reformulação da metodologia vigente, e; 3o Momento – por meio de entrevistas por grupos focais com o NDE do DEC responsável pela criação de um novo PPC a ser elaborado até o início de 2023. O Quadro 2 apresenta os tipos de amostragem (Sampieri; Collado; Lucio, 2013) utilizados para cada uma das etapas. As entrevistas do primeiro e terceiro momento são baseadas no desenho narrativo, em que os professores contam as suas vivências sobre o processo de ensino e de mudanças no PPC. Já o segundo momento se baseia no desenho transversal, para melhor descrever a compreensão dos professores sobre o curso no instante em que o formulário foi aplicado.

Quadro 2 – Tipos de amostragem e descrições.

Momento

Tipo de Amostragem

Descrição

1 o

Amostra teórica

Necessária para compreender a problemática principal com relação ao desenvolvimento do ensino no curso. Optou-se por selecionar professores com experiências e vivências precedentes com relação a criação do PPC.

2 o

Amostra homogênea

Buscou-se avaliar todos os professores integrantes do curso, sem exceções.

3 o

Amostra por oportunidade

A escolha dos membros do NDE ocorreu pela oportunidade de obter informações de professores envolvidos em temas estruturantes no curso. Além disso, o NDE é naturalmente o espaço para as discussões de temas relativos ao ensino.

Fonte: elaborado pelos autores (2025).

Etapa 1: Análise do PPC

Analisando o PPC atual do curso de Engenharia Civil foi possível identificar que, apesar de serem apresentadas as competências e habilidades esperadas no egresso, não é demonstrado neste documento como o conjunto de atividades adotado para a metodologia de ensino-aprendizagem é capaz de garantir o desenvolvimento dessas competências e habilidades. Isso revelou falta de estratégia do curso para que as competências definidas para o egresso fossem efetivamente desenvolvidas durante o processo de formação do estudante. Assim como apresentado por Azambuja e Grimoni (2021), a explicitação de como serão desenvolvidas e avaliadas as competências para atingir o perfil esperado do formando é crucial para o funcionamento do currículo organizado por competências.

O PPC atual apresenta claramente a estrutura de núcleos de conteúdo em concordância ao estabelecido pelas DCN de 2002, entretanto, como apresentado no Quadro 1, essa estrutura deixou de ser uma exigência nas DCN de 2019. Na resolução atual, devem ser descritos não somente os conteúdos, mas também sua justificativa sobre a maneira como serão trabalhados. Ainda, a estrutura curricular pode ser flexível e assumir outras formas de organização dos conteúdos como por blocos, temas ou eixo de conteúdo, atividades práticas laboratoriais e reais, projetos, atividades de pesquisa e extensão e, até mesmo, por disciplinas.

As DCN de 2002 já previa a utilização de metodologias de ensino-aprendizagem capazes de garantir o desenvolvimento de habilidades e competências. Entretanto, o PPC de 2008 não menciona esse tipo de abordagem do ensino. Isso é constatado também quanto às políticas de acolhimento que visam a diminuição da retenção e da evasão, onde não foram encontradas abordagens apropriadas no PPC. De acordo com Canal e Figueiredo (2021), uma proposta institucional de acompanhamento, com o objetivo de promover condições que viabilizem a permanência de alunos nos cursos de graduação é indispensável diante dos desafios do mundo acadêmico.

Etapa 2: Levantar dados com o corpo docente

Etapa 2.1: Entrevistas com os docentes envolvidos na elaboração do antigo PPC

Três docentes foram convidados a participar de entrevistas individuais para que compartilhassem suas vivências e experiências sobre a transição ocorrida na metodologia de ensino após a publicação das DCN em 2002. O critério utilizado para selecionar os docentes em potencial para participar das entrevistas foi o envolvimento na elaboração do PPC de 2008.

As entrevistas foram realizadas em formato semiestruturado e aplicadas vitualmente. Nesse mecanismo de coleta de dados, os entrevistadores não necessitam se restringir a sequência das perguntas e podem dialogar com os entrevistados (Flick, 2013). O objetivo foi captar a visão individual de cada participante sobre a transição vivenciada na elaboração do PPC de 2008. As entrevistas foram compostas de 3 questões norteadoras:

1. Na sua opinião, quais foram os principais efeitos da publicação das DCN de 2002 na metodologia de ensino vigente do curso? Ocorreu alguma modificação em relação às aulas de laboratório?

2. Como foi a sua vivência nessa transição da metodologia do curso? Você enfrentou dificuldades? Se sim, quais foram as principais dificuldades?

3. Como ocorreu a integração de informações do que as DCN e o sistema CONFEA3/CREA4 forneciam? Como você acha que deveria ter ocorrido esta integração?

Após a transcrição das entrevistas e as gravações armazenadas, os documentos relevantes foram preparados para a análise de conteúdo, ou seja, a própria transcrição das entrevistas, o PPC de 2008 e as DCN de 2002. Nesta etapa, foi utilizada a Análise de Conteúdo de Bardin (Bardin, 2011), realizada “[...] segundo procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens” (Bardin, 2011, p. 41). Ainda, segundo Bardin (2011) a análise de conteúdo pode ser entendida como um tratamento das informações contidas numa mensagem.

O conjunto de dados selecionados foi adicionado no programa computacional ATLAS.ti 8 (Friese, 2019) com o objetivo de sobrepor os conteúdos para analisar a coerência entre as informações obtidas. Assim, foi dado início a codificação, que consiste em um procedimento que transforma sistematicamente os dados brutos em unidades agregadas, permitindo uma descrição das características do conteúdo (Bardin, 2011). Em outras palavras, fez-se a leitura seguida da compilação de trechos relevantes a fim de encontrar padrões para posterior categorização, apresentando uma análise indutiva do conteúdo.

As unidades de registro adotadas foram as temáticas predominantes nos documentos. Esta análise indutiva apresentou 15 unidades: ‘aula em laboratório’, ‘conciliação CREA x DCN’, ‘DCN’, ‘dificuldades no ensino’, ‘dificuldades’, ‘formulação das disciplinas’, ‘grade curricular’, ‘imposições da reitoria de ensino’, ‘metodologias de ensino’, ‘metodologias de ensino ativas’, ‘PPC’, ‘subjetividade de informações das DCN’ e ‘tempo em sala de aula’. Posteriormente, foi realizada uma busca a partir de operadores booleanos, a fim de demonstrar como os códigos se associavam dentro dos documentos.

Análise das entrevistas

A partir da observação dos trechos em que se enquadravam os códigos, foi possível identificar tanto padrões quanto inconsistências nos resultados obtidos. As diversas associações encontradas entre os códigos ‘dificuldades’, ‘PPC’ e ‘imposições da PROEN’5 revelaram que a elaboração do PPC teve de enfrentar procedimentos excessivamente burocráticos, por conta da própria universidade que nem sempre levavam em conta a realidade do centro e do curso de graduação.

Dessa forma, o propósito das DCN de 2002 de promover autonomia às IES e possibilitar novas formas de estruturação dos cursos propiciou que a própria universidade estabelecesse entraves burocráticas no processo de elaboração do PPC. Ao invés de estabelecer esses entraves burocráticos e legais, CNI et al. (2020) ressaltam que deve haver comprometimento dos docentes e dirigentes na elaboração de projetos de formação que sejam flexíveis e inovadores, proporcionando capacitação permanente aos docentes para as novas exigências e na valorização no tempo e dedicação ao ensino na graduação.

Outras associações encontradas entre ‘dificuldades no ensino’ e ‘metodologia de ensino’ demostraram lacunas na abordagem pedagógica atual para garantir a qualidade na formação dos engenheiros exibindo a necessidade de reformulações. Apesar de a instituição de ensino fornecer cursos de capacitação anualmente sobre as novas tendências de ensino, ainda existe uma dificuldade do docente em assimilar o conhecimento pedagógico e o aplicar em suas aulas.

As entrevistas também revelaram contestações sobre alguns aspectos das DCN apresentadas na época. A distribuição proposta para os núcleos de conteúdos se mostrou incoerente na elaboração do PPC e promoveu dificuldades na organização da grade curricular. As entrevistas revelaram que na maioria das vezes não eram explicitados os meios para se cumprir o que era pretendido pelas DCN de 2002. Ainda, foi observada uma convergência com relação a opinião de que as disciplinas necessitam de melhores formulações, sob alegações de que seria mais vantajoso descrever os objetivos de aprendizado à ementa da disciplina. Dessa forma, a descrição desses objetivos deve ser vinculada às habilidades e atitudes com os quais se relacionam, oferecendo maior suporte aos docentes no processo de avaliação e estimulando o cumprimento do propósito da disciplina com relação ao desenvolvimento de competências estabelecidas no perfil do egresso.

Um dos entrevistados mencionou que a ementa apresentada por disciplina não é suficiente para que o próprio docente consiga oferecer a disciplina da maneira mais adequada. Ele menciona que o PPC poderia sugerir as metodologias de ensino mais adequadas por disciplinas e os instrumentos de avaliação indicados para que a competência específica da disciplina seja desenvolvida adequadamente. Um exemplo seria a impossibilidade de desenvolver soft skills como liderança e trabalho em equipe em uma disciplina que é lecionada apenas pelo método expositivo e avaliada por provas individuais. Assim, foi possível compreender que existe a consciência de que possivelmente não são desenvolvidas as habilidades transversais (soft skills) no processo de aprendizagem, manifestando ausência de sinergia entre o PPC e o modo como o ensino é de fato aplicado. Isto pode estar relacionado com a não utilização de metodologias de ensino e experiências de aprendizagem adequadas para o desenvolvimento dessas habilidades.

Observa-se que não foi mencionado durante as entrevistas nenhum tipo de discussão a respeito de metodologias ativas no momento da elaboração do PPC em 2008. Entretanto, de acordo com um dos docentes entrevistados, a universidade oferece periodicamente cursos de capacitação para novas metodologias de ensino e cabe aos professores se envolverem nestas atividades. Mesmo com a segunda questão norteadora, que pergunta diretamente sobre mudanças na metodologia de ensino, nenhum dos professores entrevistados comentou sobre a aplicação de nenhuma nova metodologia, evidenciando que a metodologia expositiva ainda é a predominante na docência destes professores, perpetuando-se uma visão de ensino antiga que não propicia ao aluno ser protagonista do seu aprendizado, exatamente o oposto do que é indicado nas DCN de 2002 e de 2019.

Os docentes entrevistados comentaram sobre a crescente oferta das atividades laboratoriais, possibilitando a aplicação prática do desenvolvimento teórico apresentado em sala de aula. Entretanto, é apresentado que as turmas são muito grandes, sendo dez alunos por aula no laboratório, dificultando o engajamento de todos os discentes nas atividades desenvolvidas. É mencionado que o ideal seriam cinco alunos ou menos por turma para que todos possam se envolver com o experimento de forma a aproveitar o melhor dele.

Por fim, os três professores entrevistados apresentaram análises diferentes, mas de certa forma complementares com relação a situação do curso. Enquanto uns mencionavam o empasse burocrático para se montar o curso da maneira desejada, outros abordavam ideias para a mudança do curso. Assim, percebe-se um sentimento generalizado de insatisfação em pontos bastante semelhantes.

Análise dos documentos oficiais e entrevistas

Para uma melhor comparação entre os conteúdos documentados foram estabelecidos 2 grupos: documentos internos e externos a Universidade do Estado de Santa Catarina. A partir disso, a fim de demonstrar as particularidades de cada grupo de documento, foi elaborada uma nuvem de palavras aplicando o software Wordle (Wordle, 2020).

A nuvem de palavras sobre as DCN de 2002 (Figura 2a) mostra que, apesar de as DCN de 2002 recomendarem a aplicação de metodologias ativas no ensino de Engenharia, o estabelecimento de núcleos de conteúdos básicos, profissionalizantes e específicos foi priorizado em detrimento da concepção de competências e habilidades. Este fato pode ter sido um dos responsáveis por uma percepção mais conservadora aplicada ao PPC do curso de Engenharia Civil pelo DEC em 2008, justificando um possível desconhecimento ou hesitação do corpo docente sobre o desenvolvimento de metodologias de ensino ativas.



Figura 2 – Nuvem de palavras utilizando a) DCN de 2002 e b) DCN de 2009.

  1. Imagem 1


Fonte: elaborado pelos autores (2025).

Como afirma CNI et al. (2020), a Resolução CNE/CES n° 11/2002 delineou o caminho para a formação por competências, mas encontrou dificuldades na aceitação dessas propostas inovadoras no ensino das escolas de Engenharia. A massiva referência à palavra ‘atividades’ nas nuvens de palavras das DCN (Figuras 2a e 2b) ilustra o princípio das metodologias ativas de aprendizagem, de que o aluno aprende fazendo e estando em atividade. O contrário pode ser visualizado no PPC (Figura 3a) com uma menção à palavra ‘atividades’ muito inferior a apresentada pelas DCN. Ainda, a palavra ‘conteúdos’ não é encontrada na nuvem de palavras da DCN de 2019, demonstrando o foco dado à formação por ‘competências’ e a importância da discussão entorno do processo de ensino-aprendizagem nessa resolução.

A partir da análise do PPC (Figura 3a) e das entrevistas (Figura 3b) foi possível identificar que o foco da DCN de 2002 não motivou mudanças significativas na estruturação do curso de Engenharia Civil. Enquanto as DCN exploram diversos aspectos do ensino-aprendizagem, o PPC apresentou as disciplinas como fundamento principal do processo de formação, sendo visto como item primordial na concepção do currículo. Evidencia-se a utilização de metodologias clássicas de ensino, enquanto não se discute novas formas de fazê-lo. Por outro lado, a nuvem de palavras das entrevistas reafirma a forte ligação entre o CREA e as DCN nas falas dos entrevistados. Outro aspecto importante foi a presença da palavra ‘PROEN’ evidenciando a sua importância da Pró-reitora de Ensino no processo de elaboração do PPC.

Figura 3 – Nuvem de palavras utilizando a) o PPC e b) as entrevistas.


b)

Fonte: elaborado pelos autores (2025).

Etapa 2.2 Análise do formulário aplicado ao corpo docente atual

Esta etapa buscou compreender como os 28 professores do departamento percebem individualmente a situação atual do ensino no curso de Engenharia Civil. Portanto, foi elaborado um formulário com perguntas de respostas com três alternativas (sim, não e talvez) e com Escala Likert (Quadro 3) através da ferramenta Google Forms com 12 questões (Tabela 1 e 2). O formulário contou com a resposta de 82,14% do corpo docente atual (23 professores).

Quadro 3 – Escala Likert utilizada no formulário aplicado.

Escala Likert

1

2

3

4

5

Irrelevante

Pouco relevante

Indiferente

Relevante

Muito relevante

Desconhece totalmente

Desconhece

Indiferente

Conhece

Conhece totalmente

Fonte: elaborado pelos autores (2025).

Os resultados dos formulários revelam que parte do corpo docente percebe a indispensabilidade de uma reformulação na metodologia de ensino atual. Os resultados da presente pesquisa indicam que pouco mais da metade dos docentes consideram extremamente relevante a atualização e capacitação para docência. Portanto, se faz fundamental exercitar o convencimento e o comprometimento dos docentes no processo de capacitação e reformulação na metodologia de ensino, ao mesmo tempo em que a instituição deve apoiar o desenvolvimento contínuo do docente.

Tabela 1 – Perguntas e respostas do formulário aplicado.

Perguntas

Respostas

Qual o seu vínculo empregatício com a UDESC?

Efetivo de Dedicação Exclusiva (39,1%)

Efetivo

(21,7%)

Colaborador

(39,1%)

Você pretende interromper sua permanência na UDESC a partir do ano de 2021?

Sim (13%)

Não (73,9%)

Talvez (13%)

Se sim, por qual motivo?

Aposentadoria (60%)

Rescisão de contrato

(40%)

Você vê a necessidade de uma reestruturação na metodologia de ensino atual?


Sim (78,3%)

Não (4,3%)

Talvez (17,4%)

Para você, o quão relevante é a atualização e a capacitação para docência quando é proposta uma mudança na metodologia de ensino?


1

(0%)

2

(4,3%)

3

(8,7%)

4

(34,8%)

5

(52,2%)

Atualmente, você acredita que o perfil do egresso em Engenharia Civil atende as necessidades do exercício da profissão?


Sim (34,8%)

Não (17,4%)

Talvez (47,8%)

Você tem conhecimento sobre metodologias ativas de ensino?


Sim (56,5%)

Não (34,8%)

Talvez (8,7%)

Você acredita que essa metodologia poderia ser útil para o curso de graduação em Engenharia Civil?

Sim (60,9%)

Não (0%)

Talvez (39,1%)

Você tem conhecimento das mudanças que as DCN de 2019 propõem?

1

(47,8%)

2

(8,7%)

3

(8,7%)

4

(21,7%)

5

(13%)

Gostaria de se informar mais sobre o assunto?

Sim (87%)

Não (13%)

Talvez (0%)

Fonte: elaborado pelos autores (2025).

A partir dos resultados, infere-se que os docentes ainda veem o perfil do formado em Engenharia Civil exclusivamente como um resolvedor de problemas. Entretanto, quase 20% dos docentes afirmam que o egresso atual não atende adequadamente aos exercícios da profissão. Certamente, se o ensino não proporcionar um saber contextualizado durante o processo de aprendizagem, dificilmente o aluno estará apto para os ditos problemas da prática profissional. Dessa forma, devem ser utilizados meios que desenvolvam as habilidades e atitudes no estudante para possibilitar o desenvolvimento das competências.

Tabela 2 – Perfil do egresso através da visão docente.

Alternativas que representam o perfil do egresso atualmente

Respostas


Profissional com sólida formação técnico-científica com enfoque em resolução de problemas.


73,9%

Profissional com bom relacionamento humano, postura ética e de colaboração permanente.


34,8%

Profissional que tenha habilidade de liderança, trabalho em grupo, planejamento e gestão estratégica.


52,1%

Profissional que faça seu aprendizado de forma autônoma.


26,1%

Profissional com formação mais humanística e empreendedora.

13%

Fonte: elaborado pelos autores (2025).

Os resultados ainda revelaram que pouco mais da metade do corpo docente conhece as metodologias ativas de ensino, entretanto, a opinião de que essa metodologia poderia ser útil no curso de Engenharia Civil foi de aproximadamente 61%. Diante disso, enxerga-se a possibilidade de uma implementação gradual das metodologias em consonância a um currículo integrado por competências.

Já em relação ao papel das DCN, mais de um terço do grupo afirmou não ter conhecimento nenhum. A situação é ainda mais delicada quanto ao conhecimento sobre as DCN de 2019, o que demonstra a pouca discussão sobre o assunto entre os professores. Diante disso, se reforça a necessidade de um programa permanente de capacitação para a docência que seja capaz de habilitar os docentes para essa nova abordagem no ensino.

Etapa 3: Mobilização do Núcleo Docente Estruturante

Os membros do NDE são os responsáveis pela elaboração de um novo PPC. Por esse motivo, foram convidados a participar de uma discussão sobre a reformulação deste documento. O mecanismo adotado para a coleta de dados foi a entrevista por meio de grupos focais. O grupo selecionado para a entrevista é dito como natural, segundo Flick (2013), pois é um grupo que existe na vida cotidiana, além da pesquisa. Através dessa ferramenta, uma mesma pergunta é direcionada a todos os participantes e todos respondem um seguido do outro. A escolha foi realizada mediante o fato de os participantes poderem expressar de maneira mais ampla suas declarações do que em entrevistas individuais. O propósito dessa coleta foi iniciar uma discussão sobre a concepção de um novo PPC para o curso de Engenharia Civil do DEC.

O grupo do NDE promoveu reuniões mensais para que a reformulação do PPC fosse efetivamente iniciada. Em um primeiro momento foram apresentados os estudos realizados nas Etapas 1 e 2 com o objetivo de sensibilizar os docentes e estimular a compreensão da situação atual do curso de graduação e as tendências de mudanças no âmbito do ensino em Engenharia.

As reuniões seguintes abriram espaço ao debate entre docentes com os seguintes temas: metodologias ativas de ensino-aprendizagem, capacitação docente, projetos interdisciplinares e a organização do currículo por competências. Nessas reuniões os docentes levantaram questionamentos e apontaram dificuldades na identificação de quais competências eram desenvolvidas nas disciplinas que lecionavam. Em sequência, gradualmente foi realizada a discussão dos novos aspectos a serem considerados na elaboração do desenho do novo PPC pautado nas DCN de 2019, como a curricularização da extensão universitária estabelecida pela Resolução n° 7 de 2018 (CNE, 2018).

Após a sensibilização sobre a necessidade de atualização do curso, foi incentivada a criação de grupos de docentes separados pelas grandes áreas de conhecimento da Engenharia Civil. Nestes grupos, os docentes foram incumbidos de elencar os objetivos de aprendizagem que cada disciplina desta área tinha por meta desenvolver. Esses objetivos estão diretamente ligados às competências que são desenvolvidas ao longo do processo de formação (Silva; Monteiro; Alves, 2021). Essa atividade facilita a visualização do docente sobre o papel de cada disciplina na construção dos saberes. Para auxiliar na definição das competências esperadas para o perfil do egresso também é indicado que seja realizada uma consulta com os egressos do curso para identificar o que a prática profissional revelou ser ausente no seu processo de formação (Silva; Alves; Monteiro, 2021).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em diversas partes do mundo, o ensino em Engenharia já foi revisto sob perspectivas inovadoras com o intuito de formar mais engenheiros capazes de atender às futuras necessidades da sociedade. A negligência em não se adaptar a esta nova concepção do ensino, além de causar defasagem no aprendizado necessário para a atualidade, pode implicar em dificuldades no relacionamento com instituições de ensino internacionais, uma vez que a base filosófica do processo de aprendizagem pode ser divergente. O caminho para reverter o paradigma de que o ensino depende exclusivamente de conteúdos e disciplinas é, principalmente, valorizar a visão de competências no processo de formação. Dessa forma, compreende-se que o domínio do conteúdo nem sempre significa o saber contextualizado sobre determinado assunto.

Contudo, este aspecto demanda um processo de maturação do corpo docente tal qual dos discentes. Nesse contexto, a Resolução de 2019 possibilita que a implementação das novas DCN no PPC possa ser realizada de maneira gradual, avançando-se a cada período, acompanhando os resultados e aprimorando as aplicações das metodologias ativas de aprendizagem em um currículo integrado orientado por competências. Para que isso ocorra, faz-se necessário planejamento para que a estruturação do curso seja feita coerentemente aos objetivos que foram definidos, das estratégias escolhidas, conteúdos delimitados e instrumentos de avaliação.

REFERÊNCIAS

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Jennifer Perreira dos Santos

Bacharel em Engenharia Civil pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2022). Atua como projetista estrutural com ênfase em estruturas de concreto armado. Participou ativamente do Núcleo Docente Estruturante que discutiu a atualização do curso de acordo com as novas Diretrizes Curriculares Nacionais em 2021. É autora de artigos sobre o tema de reformulação curricular publicados no Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia (COBENGE).

jennifer.santos@edu.udesc.br

Leonardo Romero Monteiro

Atualmente é Professor Adjunto da Universidade do Estado de Santa Catarina. Doutor e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Possui graduação em Engenharia Sanitária e Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). Tem experiência na área de Hidráulica, Mecânica dos Fluidos e Hidrologia.

leonardo.monteiro@udesc.br

Como citar este documento – ABNT

SANTOS, Jennifer Perreira dos; MONTEIRO, Leonardo Romero. Proposta de autorreconhecimento de cursos de graduação em Engenharia frente às novas Diretrizes Curriculares Nacionais: estudo de caso no curso de Engenharia Civil da Universidade do Estado de Santa Catarina. Revista Docência do Ensino Superior , Belo Horizonte, v. 15, e037455, p. 1-23, 2025. DOI: https://doi.org/10.35699/2237-5864.2025.37455 .




1 Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Joinville, SC, Brasil.

ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-6689-6917 . E-mail: jennifer.santos@edu.udesc.br

2 Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Joinville, SC, Brasil.

ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-1460-2577 . E-mail: leonardo.monteiro@udesc.br


Recebido em: 14/02/2022 Aprovado em: 12/05/2022 Publicado em: 09/05/2025

3 Conselho Federal de Engenharia e Agronomia.

4 Conselho Regional de Engenharia e Agronomia.

5 Pró-reitora de Ensino.


Rev. Docência Ens. Sup., Belo Horizonte, v. 15, e037455, 2025 0