DOI: https://doi.org/10.35699/2237-5864.2024.56435
SEÇÃO: EDITORIAL
A Revista Docência do Ensino Superior sob três perspectivas: lutas, aprendizados e conquistas
Isabela
Cristina Passos e Possas,1
Patrícia Nascimento Silva,2
Lara
de Lima Campos3
Apresentação
O formato sui generis deste editorial pode surpreender nosso leitor a princípio. Entretanto, trazemos, nos três tópicos que seguem, um pouco da pluralidade de perspectivas que a Revista Docência do Ensino Superior acolhe. O trio de editoras-chefes, constituído por uma técnica administrativa em educação, uma doutoranda e uma docente, traz, cada qual à sua maneira, uma contribuição e visão crítica a este editorial, e expressa as problemáticas e alguns dos acontecimentos mais relevantes em sua trajetória na Revista e na UFMG. O primeiro tópico, de caráter mais ensaístico, tem como autora Isabela Cristina Passos e Possas. Em seu texto, a autora delata dificuldades nas condições vividas pelos servidores em seu atual setor de trabalho na Universidade. Isabela também defende a democratização do ensino e a autonomia universitária na forma da consideração do voto dos servidores técnicos administrativos e dos discentes nos processos de eleições para escolha dos reitores (voto paritário). O segundo tópico, cuja autora é a doutoranda Lara de Lima Campos, traz um relato de experiência mais descritivo a respeito da inserção e aprendizagem dos processos editoriais até a apropriação dos saberes que a tornou, enfim, uma editora completa. O terceiro tópico consiste na fala da docente Patrícia Nascimento Silva, e aborda a evolução do periódico em 2024, assim como as dificuldades que rondam o (incerto) processo de avaliação dos periódicos que está por vir. Convictas de que nos empenhamos em fazer um bom trabalho, esperamos que desfrutem da leitura deste editorial, assim como do volume 14 da Revista Docência do Ensino Superior.
embates e resistência no contexto interno institucional
por Isabela
Primeiro semestre de 2024. O trio de editoras técnicas administrativas em educação (TAEs) da Revista Docência do Ensino Superior (RDES) – eu, Patrícia Carla Oliveira Carneiro Silva e Zulmira Medeiros – decidiu conversar após uma das reuniões de equipe da Diretoria de Inovação e Metodologias de Ensino (GIZ). Diante da necessidade de desapropriação do subsolo da Biblioteca Central – nosso antigo posto de trabalho – e já um tanto exaustas dos meses a fio de lutas por um espaço apropriado (que ainda não obtivemos) à natureza do trabalho da Diretoria, começamos a papear, elucidar, rir, e, então, falamos de assuntos do cotidiano: o que acontecia no mundo? Lembramo-nos que em 2024 estaríamos a rememorar os 60 anos do golpe de 1964. E enfatizamos o “de 1964”, pois em 2016 vivemos mais um…
Voltamo-nos, então, à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A lembrança do golpe de 1964 nos fez lembrar do Monumento Liberdade,4 que já foi capa desta Revista em 2020, e à época dessa reunião, era praticamente inexistente (apenas alguns tocos estirados na grama da fachada da Biblioteca Central, como vários outros espalhados pelo campus). Contei já ter visto estudantes assentados sobre eles. Sem a devida identificação do Monumento, como saberiam que estavam sobre a memória dos estudantes martirizados pela ditadura? Lembramo-nos da manifestação à ouvidoria avisando a Universidade sobre o estado da obra, reforçando sua importância e solicitando o reparo, dos e-mails enviados a setores ligados à administração central ou que acreditávamos poder ajudar a salvá-lo, da resposta vaga e das ausências de resposta. Foram mais de dois anos sem o Monumento Liberdade. Felizmente, em agosto deste ano, o Monumento foi restaurado e atualmente está bem reinstalado.
Em meio às nossas divagações emocionadas e rebeldes, convictas de que nossas reivindicações como parte da comunidade acadêmica são atos de cidadania e de resistência a opressões, surgiu a ideia da seção especial: “e se a gente fizer uma seção especial sobre os 60 anos do golpe de 1964 e o papel da universidade na luta pela democracia?”. Ali mesmo surgiu o título, as minutas da chamada para submissões e do e-mail de anúncio. Sem grandes pretensões, mas ciente de nossa boa proposta, a equipe foi surpreendida – e presenteada – com excelentes textos, tanto sobre desafios vividos no período ditatorial brasileiro e em outros países da América Latina, quanto sobre lutas ainda contemporâneas contra opressões herdadas daquele tempo. Foram submetidas também entrevistas riquíssimas com nomes de peso: Rodrigo Patto, Heloisa Starling, Maria Isabel da Cunha, Elisa Lucarelli, Maria Guiomar da Cunha Frota e Juarez Tarcisio Dayrell.
Instigada pela recordação do momento daquela reunião, na qual a seção especial foi pensada por nós, veio-me ao pensamento outras questões importantes, as quais tomam lugar em nossos momentos de reflexão como servidoras da UFMG. Uma dessas questões é a antiga – porém, infelizmente, bastante atual – luta pelo voto paritário nas eleições para a reitoria. Coincidentemente, um dos artigos da seção especial deste volume aborda o tema ao tratar das eleições para o reitorado na Universidade Federal de Pernambuco em 1983. Em meio à ditadura militar, essa eleição teve uma consulta à comunidade por meio do voto paritário. Ao final, entretanto, a lista sêxtupla a ser enviada ao presidente da república foi decidida pelo conselho universitário e não incluiu o nome indicado pela comunidade.5 Ainda assim, o texto conclui como um avanço democrático ter acontecido tal consulta durante o contexto de repressão militar (Soares, 2024).
A questão do voto paritário tange a autonomia universitária, já que a escolha pelo modelo6 proporcional ou paritário de voto evidencia as ideologias e valores das administrações vigentes das instituições de ensino superior públicas. Infelizmente, a UFMG ainda opta pelo voto proporcional, que deixa nas mãos de uma pequena proporção da comunidade acadêmica (e, cremos, não mais importante que as demais) – os docentes – a responsabilidade da escolha que impacta todo o universo da instituição.
Apesar da existência de diretrizes que orientem as universidades na adoção do modelo de voto proporcional (Lei nº 9.192, de 21 de dezembro de 1995 e Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), a Constituição Federal, fundamenta os princípios de gestão democrática do ensino público e da autonomia administrativa (Brasil, 1988, art. 206, inciso IV e art. 207). Logo, a adoção, ou não, do voto paritário é uma escolha das universidades no uso de sua autonomia. Entretanto, é preciso problematizar a quem ou a qual categoria/grupo essa escolha beneficia e/ou desprestigia, e em quais ideais se fundamenta a permanência do voto proporcional, frente à tendência pela democratização das eleições para o reitorado. A tendência à adoção do voto paritário em grande parte das universidades federais pode ser observada na Tabela a seguir:
Tabela 1 – Número de universidades federais brasileiras a adotarem cada modelo de votação para o reitorado.
Fonte: Michereff Junior; Souza, 2023, s. p.
Apesar de a reinvindicação pelo voto paritário nas eleições para o reitorado tratar-se de consulta informal7 prévia à comunidade acadêmica, cujos votos – de docentes, técnicos administrativos e discentes – são admitidos com pesos iguais, essa prévia consulta dá voz às categorias muitas vezes invisibilizadas nos processos eleitorais das universidades, mas que, ironicamente, constituem o maior grupo, em números absolutos dessas instituições. A instauração da consulta de caráter paritário à comunidade acadêmica, ainda que oficialmente receba o título de “consulta prévia”,8 é um passo para o desenvolvimento do aspecto democrático sublinhado na Constituição. E acreditamos que uma universidade disposta a adotar a consulta à comunidade acadêmica a partir do voto paritário não incorreria na incoerência de não a considerar na votação formal.
O apagamento das demais esferas da comunidade acadêmica não compostas por docentes na UFMG pode ser exemplificado também pela recente determinação do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), na Resolução Complementar nº 03/2024, de 04 de julho de 2024, que impede a proposição e limita a participação de/em projetos de extensão por TAEs.9 Não se sabe exatamente os motivos que levam a este tipo de decisão, mas cremos que toda a Universidade perde. Com tantos TAEs muito bem qualificados nas diversas áreas do conhecimento (desde indivíduos com conhecimentos não formais a pós-doutores), a UFMG perde ao não acolher propostas dessas pessoas para projetos à comunidade interna e externa. Temos muito a contribuir como corpo técnico, mas nosso valor não é plenamente percebido pelas instâncias detentoras de poder na instituição.
Apesar de nossas insatisfações, inclusive sobre dificuldades internas à UFMG, pensamos que a Universidade é mais que um Ente feito de gente e de concreto, ela é um Ser. E nós, que fazemos parte da parte Ente da UFMG, queremos preservar a parte Ser dela, da qual, pensando bem, também somos parte: o que seria o Ser dessa Universidade senão os espíritos-realizações-obras-lutas-derrotas-resistências-conquistas de todo Ente que já passou por ela, que hoje a compõe, e que um dia a comporá? Esta Universidade é um Ser em e de movimento. E porque a Universidade é esse Ser de tantos Entes – entes tão diversos, daí tanto seu desafio, quanto sua riqueza imensa – muito do que se constrói e se conquista também é fruto de luta e resistência, nem sempre contra forças externas. Esse universo de universos, também lida com conflitos, discordâncias e diálogos entre vozes internas. As dificuldades também a fazem amadurecer.
Para finalizar este tópico, pontuo que a sensação é de que o momento de resistência diante às dificuldades antigas e novas vividas pela equipe fortaleceu este volume 14 e a seção especial. Se nossa resistência é nossa voz, e nosso trabalho bem-feito é nossa reação, apesar de nem sempre conseguirmos o efeito esperado e prometido, se há alguma derrota, essa derrota não é apenas nossa (dos que lutam), mas de todos, inclusive daqueles que nos ignoram. Apesar de alguns que, por vezes, alcançam posições de poder, não enxergarem que a riqueza da instituição é resultado também das virtudes de quem a compõe, é importante mantermos acesa, em nós, essa convicção da importância de nosso trabalho, pois ele contribui com a manutenção da grandeza desse universo UFMG. E, enquanto aqui estamos, trabalharemos e resistiremos. Pois nós prezamos pela Universidade, e ela (em suas instâncias de poder) deve prezar, em contrapartida, por quem a mantém com apreço e afinco.
Fomos muito felizes em nosso ofício de, atravessadas por nossas necessidades e dificuldades laborais cotidianas, contribuir para a manutenção desta Revista e desta Universidade vivas e em movimento.
Nós, como parte da UFMG, também somos luta e resistência.
como tornar-se editora: relato de desafios e aprendizados na RDES
Por Lara
Minha experiência como editora na Revista Docência do Ensino Superior tem sido uma jornada de aprendizado constante desde que ingressei na equipe em 2022. Embora não tivesse experiência prévia em editoração de periódicos, minha formação acadêmica me forneceu uma base para enfrentar os desafios iniciais. A edição de um periódico científico exige uma atenção minuciosa aos detalhes, tanto no aspecto técnico quanto no conteudista, além de muita responsabilidade e comprometimento no processo de avaliação dos textos submetidos. O fluxo editorial, como um todo, requer uma articulação entre a qualidade científica dos artigos e uma comunicação eficiente com autores, avaliadores e demais membros da equipe editorial.
Com uma formação voltada para a área da saúde, para mim, aprender a avaliar textos provenientes de diferentes campos do saber de forma crítica e assertiva foi um desafio complexo. Por vezes, avaliei artigos com temas desconhecidos ou que exigiam reestruturações significativas. Nesses casos, foi essencial me atentar à escolha de bons pareceristas na área, pesquisar sobre o tema abordado e desenvolver habilidades de comunicação com os autores, de modo a garantir que as alterações propostas nos pareceres respeitassem a integridade das ideias originais, sem comprometer a clareza ou a profundidade do conteúdo tratado.
Além disso, descobri várias nuances da docência no ensino superior, especialmente no que diz respeito aos processos de ensino e aprendizagem. Ao atuar como editora, pude observar como as práticas pedagógicas e os métodos de ensino influenciam diretamente a forma como os artigos são escritos, estruturados e apresentados. Esse processo me fez refletir sobre a importância do ensino de qualidade. A forma como os docentes ensinam os conteúdos de suas disciplinas, quando adotam métodos pedagógicos eficazes e adaptados às necessidades dos discentes, tem um impacto direto na produção acadêmica e estimula o pensamento crítico e a capacidade de aplicar o conhecimento em contextos práticos e profissionais.
Com relação à gestão de prazos nos processos editoriais de um periódico, nem sempre é fácil atendê-los. A edição de um periódico envolve múltiplas etapas – desde a verificação da submissão do artigo, avaliação às cegas por pares, reformulações, aprovação final, revisão linguística, diagramação e publicação. Cada uma dessas fases exige atenção e cuidado. Conciliar as responsabilidades editoriais com as demandas do doutorado requer, não apenas uma grande disciplina, mas também um planejamento eficiente e a capacidade de gerenciar o tempo de maneira estratégica. Essa experiência me ensinou a importância de estabelecer prioridades claras e de manter um equilíbrio entre as demandas acadêmicas e profissionais, o que tem sido indispensável para o meu desenvolvimento pessoal e profissional.
Ao longo do tempo, percebi que minha formação como editora vai além do domínio técnico. A experiência tem me proporcionado o desenvolvimento de habilidades interpessoais e de gestão que são essenciais para o sucesso na função. Aprendi a me comunicar de forma clara e construtiva na avaliação dos textos, de modo que as mensagens fossem, ao mesmo tempo, críticas e respeitosas. Essa habilidade é fundamental para garantir que os textos não apenas atendam às normas da Revista, mas também contribuam para o avanço do conhecimento científico.
Ao avaliar trabalhos de diversas áreas do saber, fui instigada a ir além da superfície dos temas abordados e estudar certos aspectos das pesquisas tratadas nos textos. Esse processo me permitiu, muitas vezes, identificar não apenas as lacunas existentes nas investigações, mas também as falhas na construção da argumentação e as inconsistências nos métodos e nas conclusões dos estudos. A partir dessas observações, aprendi a avaliar, de maneira mais detalhada, a qualidade e a relevância das pesquisas e dos relatos, buscando sempre identificar como os textos poderiam ser aprimorados para atingir um maior rigor acadêmico.
Em termos pessoais, o trabalho como editora ampliou significativamente minha percepção sobre a escrita acadêmica, permitindo-me entender mais profundamente os elementos que a tornam clara, coerente e impactante. Esse processo de leitura e aprimoramento de textos me proporcionou insights valiosos sobre como estruturar e comunicar ideias de maneira mais eficaz, o que, por sua vez, influenciou positivamente minha própria produção científica. Como resultado dessa evolução, tive a honra de ver o meu primeiro artigo como primeira autora publicado em um periódico internacional este ano, uma conquista que reflete tanto o crescimento como pesquisadora quanto a importância do desenvolvimento de uma escrita acadêmica de qualidade.
Minha experiência neste periódico me mostrou que o papel do editor vai além de uma função técnica. Trata-se de um compromisso com a excelência científica e com a ética na publicação. Somos um elo de comunicação entre os pesquisadores e a construção e a divulgação do conhecimento científico.
Os avanços da RDES e os desafios no cenário da avaliação de periódicos
por Patrícia
Em seu volume 14, publicado no ano de 2024, a Revista Docência do Ensino Superior (RDES) fecha o quadriênio (2021-2024), dedicando-se à publicação de artigos originais e inéditos sobre a docência do ensino superior em diversas áreas do conhecimento. Neste ano tivemos avanços significativos para comunicação e divulgação científica do periódico, uma seção especial sobre os 60 anos do golpe de 1964 no Brasil, relembrando tempos de luta e resistência que permanecem em alguns contextos atuais, e também o sentimento de dúvida em relação ao futuro dos periódicos no Brasil.
As publicações deste volume destacam o ensino superior e a pedagogia contemporânea, apresentando desafios, metodologias inovadoras, formação de professores e práticas pedagógicas; saúde e educação na academia, com artigos sobre o ensino de saúde e a formação médica; inclusão e diversidade, em uma entrevista que destaca questões de gênero, raça e identidade; pesquisa e desenvolvimento acadêmico, com artigos e relatos sobre a formação continuada, implementação de novos cursos, o impacto das tecnologias no ensino e aprendizagem no ensino remoto. A seção especial “Democracia e ensino na Universidade: 60 anos após o golpe de 1964” reuniu entrevistas com renomados pesquisadores, diálogos envolvendo diferentes aspectos da vida universitária e o registro de memórias que devem ser lembradas para não serem repetidas.
Como contribuições para comunicação e divulgação científica, a RDES inovou ao implementar a publicação dos artigos em outros formatos, iniciando pelo Hypertext Markup Language (HTML). O HTML é uma linguagem de marcação de hipertexto, um formato padrão da web que permite a anotação de conteúdo, possibilitando a visualização em páginas que podem ser interligadas (NCE, s. d.). Essa publicação é um avanço para a visibilidade do periódico que, agora, pode ser facilmente indexado por motores de busca, promovendo a interoperabilidade com outros sistemas e aplicações. Somado a isso, está o lançamento do perfil da RDES no LinkedIn10, uma rede social em ascensão no meio acadêmico, com grande adesão de pesquisadores de todas as áreas do conhecimento.
Mas para além de todos os esforços para melhoria dos processos editoriais e manutenção da qualidade do periódico, o anúncio do fim do Qualis-Periódico acende um alerta para os pesquisadores e também para os editores científicos. Muitos são os esforços dos periódicos gratuitos e de acesso aberto para se manterem nos indexadores, que exigem o cumprimento de inúmeros critérios de qualidade, e para manter a qualidade de todas as etapas do processo editorial, já que isso exige infraestrutura tecnológica, constantes inovações e melhorias no processo editorial, e, consequentemente, recursos humanos e financeiros para que o periódico permaneça bem avaliado em sua área mãe.
A adoção de novos critérios para avaliação das publicações acadêmicas foi anunciada recentemente em nota divulgada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Com isso, a avaliação está centrada na classificação do artigo e não mais no periódico. A princípio, é uma medida positiva para todos, pois leva em consideração a qualidade e relevância dos textos, mas desde que seja aplicada com transparência e de forma igualitária, caso contrário, contribuirá somente para o aumento das desigualdades – que já não são poucas – no contexto acadêmico. A alteração está prevista para 2025, contudo, ainda não foram divulgados detalhes sobre esses critérios e, em vista disso, surgem várias dúvidas entre os pesquisadores: quais serão os critérios da avaliação qualitativa? Será às cegas, avaliando realmente o conteúdo? Será aberta, considerando o histórico do pesquisador e não somente o artigo avaliado? Quem fará essa avaliação? Em quanto tempo será realizada? Todos os artigos serão avaliados individualmente ou será uma amostra? Como ficará o conflito de interesses? Quem irá controlar ou validar essa avaliação? Haverá recursos ou revisão da avaliação? Os pareceres de avaliação do artigo nos periódicos serão considerados? Qual será o peso dos indicadores bibliométricos na avaliação do artigo? Artigos publicados em periódicos que não possuem indicadores definidos nos critérios não serão avaliados? Como os periódicos serão avaliados? Como os indicadores bibliométricos dos artigos poderão contribuir para o periódico? Os editores e autores terão que ser “promoters” ou “influenciadores” dos seus artigos e periódicos para conseguirem um maior número de citações, menções e manuscritos submetidos? Esses são somente alguns questionamentos que têm sido levantados pelos pesquisadores em diversos espaços acadêmicos.
Apesar de a avaliação do Qualis Periódico às vezes não ser tão clara, e em alguns casos não refletir diretamente todas as características do periódico, ela é um instrumento válido para a realidade brasileira, que possui muitos periódicos vinculados às universidades, com poucos ou nenhum recurso, e que não estão em grandes indexadores. Com o fim do Qualis Periódicos e a possibilidade da adoção de métricas internacionais como o fator de impacto, por exemplo, revistas pequenas, sem orçamento, presentes somente em indexadores nacionais, correm o risco de desaparecer, pois não serão atrativas aos autores, receberão poucos manuscritos e, consequentemente, não conseguirão se candidatar a nenhum edital de fomento para obter recursos. Essas questões não deveriam ser uma preocupação para os periódicos – mas infelizmente são – e devem ser levantadas, discutidas e repassadas com urgência aos responsáveis pelas mudanças na CAPES, para que uma proposta de melhoria não se torne mais um desafio dentre tantos já vivenciados pelos editores e, também, pelos pesquisadores do Brasil.
Por fim, a RDES segue com seu compromisso de ser um espaço de debate e reflexão sobre as atividades docentes de ensino superior, prezando pela qualidade das publicações e pelos processos formativos de todos os envolvidos. Convidamos à leitura do volume 14!
REFERÊNCIAS
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais [...]. Diário Oficial da União, Brasília, ano 126, n. 191-A, 5 out. 1988. Disponível em: https://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/DOUconstituicao88.pdf. Acesso em: 07 dez. 2024.
BRASIL. Lei nº 9.192, de 21 de dezembro de 1995. Altera dispositivos da Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, que regulamentam o processo de escolha dos dirigentes universitários. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 dez. 1995. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9192.htm. Acesso em: 07 dez. 2024.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 de dezembro de 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm . Acesso em: 07 dez. 2024.
Instituto Tércio Pacitti de Aplicações e Pesquisas Computacionais (NCE). HTML: uma linguagem de hipertexto. s. d. Disponível em: http://www.nce.ufrj.br/ginape/cursohtml/conteudo/introducao/hipertexto.htm. Acesso em: 10 dez. 2024.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. MEC. Nota Técnica 243/2019/CGLNES/GAB/SESU/SESU/MEC, de 28 de maio de 2019. In: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS. OFÍCIO/PRM/SCR nº 513/2020. Despacho 565/2020. Notícia de Fato nº 1.34.023.000102/2020-85. São Carlos, 04 de setembro de 2020. p. 36-40. Disponível em: https://www.saci.ufscar.br/data/pauta/68299_11._resposta.pdf. Acesso em: 07 dez. 2024.
MICHEREFF JUNIOR, Vilmar; SOUZA, Irineu Manoel de. As eleições nas universidades federais brasileiras: discussões sobre autonomia e proporcionalidade. In: XXI COLÓQUIO INTERNACIONAL DE GESTÃO UNIVERSITÁRIA. Anais [...] Florianópolis: UFSC, 2023. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/243922. Acesso em: 07 dez. 2024.
SOARES, Thiago Nunes. As eleições para reitor na Universidade Federal de Pernambuco: uma experiência democrática em 1983? Revista Docência do Ensino Superior, Belo Horizonte, v. 14, e052845, p. 1-22, 2024. DOI: https://doi.org/10.35699/2237-5864.2024.52845 . Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/rdes/article/view/52845 . Acesso em: 07 dez. 2024.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. UFMG. Resolução Complementar nº 03/2024, de 04 de julho de 2024. Aprova as Normas Gerais da Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Disponível em: https://www.ufmg.br/proex/wp-content/uploads/2024/07/Resolucao-03_2024-CEPE-Normas-Gerais-da-Extensao.pdf. Acesso em: 07 dez. 2024.
Isabela Cristina Passos e Possas
Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestra e licenciada em Filosofia pela UFMG.
Patrícia Nascimento Silva
Professora adjunta no Departamento de Organização e Tratamento da Informação na Escola de Ciência da Informação (ECI) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora e pesquisadora no Programa de Pós-graduação em Gestão & Organização do Conhecimento (PPGGOC) ECI/UFMG. Doutora em Ciência da Informação (Gestão e Organização do Conhecimento) PPGGOC ECI/UFMG, mestre e bacharel em Sistemas de Informação.
Lara de Lima Campos
Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde também obteve o título de Mestre em Microbiologia. Bacharel em Biotecnologia pela Faculdade Ciências da Vida.
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Como citar este documento – ABNT PASSOS E POSSAS, Isabela Cristina; NASCIMENTO SILVA, Patrícia; CAMPOS, Lara de Lima. A Revista Docência do Ensino Superior sob três perspectivas: lutas, aprendizados e conquistas. Revista Docência do Ensino Superior, Belo Horizonte, v. 14, e056435, p. 1-11, 2024. DOI: https://doi.org/10.35699/2237-5864.2024.56435 . |
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1 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-8407-2073 . E-mail: isa.possas@gmail.com
2 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
3ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-2405-8536 . E-mail: patricians@ufmg.br
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.
ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-0622-7532 . E-mail: laradlcampos@gmail.com
Recebido em: 11/12/2024 Aprovado em: 13/12/2024 Publicado em: 16/12/2024
4 A entrevista realizada com a professora Heloisa Maria Murgel Starling, submetida à seção especial deste volume, versa, dentre outros assuntos, sobre a importância desta e de outras obras espalhadas pelo campus Pampulha da UFMG.
5 A Lei nº 9.192, de 21 de dezembro de 1995, ainda determina que a nomeação de reitores e seus vices seja dada pelo presidente da república (Brasil, 1995). O conteúdo dessa lei, em determinados aspectos, pode ser considerado problemático, porque, em grande medida, a validação das eleições ocorridas nas universidades encontra-se à mercê do caráter do presidente eleito a cada época. Entre 2019 e 2022, por exemplo, Bolsonaro nomeou para o reitorado, pelo menos 22 vezes, chapas não vencedoras nas eleições das instituições.
6 Achamos por bem explicar, em nota, os modelos de voto adotados por universidades federais no país. O modelo paritário consiste em adotar o peso de um terço para cada categoria, a saber, servidores docentes, servidores técnicos administrativos e discentes. O modelo proporcional caracteriza-se por dotar o voto docente com 70% do peso, de modo que os 30% restantes são divididos entre os técnico-administrativos e os discentes. Já o modelo universal prescinde da divisão por categorias e não confere peso aos votos, ou seja, a eleição seria determinada pela contagem de votos individuais. O modelo comunitário, adotado apenas na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), traduz-se pela inserção de mais uma categoria àquelas três expressas nos modelos paritário e proporcional: a sociedade local organizada. Assim, no modelo comunitário, cada uma das quatro categorias possui 25% do peso dos votos nas eleições para o reitorado (Michereff Junior; Souza, 2023).
7 “[...] o Ministério da Educação (MEC) considera a existência de duas modalidades de consulta à comunidade acadêmica sobre a sucessão da reitoria: a formal e a informal. A formal se caracteriza pela escolha realizada por uma eleição feita apenas entre os membros do Conselho Universitário, de composição 70/30, culminando assim na lista tríplice a ser encaminhada ao MEC. Já a informal prevê a consulta à comunidade acadêmica regulamentada por um Colégio Eleitoral; os nomes mais votados compõem a lista tríplice, referendada pelo Conselho Universitário e encaminhada ao MEC” (Michereff Junior; Souza, 2023, s. p.).
8 “Assim, resultado da consulta à comunidade possui caráter meramente indicativo, sem criar obrigação de que a chapa vencedora em eventual consulta à comunidade seja representada no primeiro lugar da lista tríplice a ser enviada ao Ministério da Educação. Tratam-se de etapas distintas; a primeira não vincula a seguinte no processo eleitoral, visto que a consulta à comunidade tem papel meramente indicativo” (Nota técnica 243/2019, II, 14).
9 Segue a manifestação do sindicato dos técnicos (SINDIFES) a esse respeito: https://sindifes.org.br/nota-de-desagravo-aos-taes-que-tiveram-seu-direito-de-coordenar-e-propor-projetos-de-extensao-cerceado-pelo-cepe-ufmg/.
Rev.
Docência Ens. Sup., Belo Horizonte, v. 14, e056435, 2024