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Thu, 04 May 2017 in Reme: Revista Mineira de Enfermagem
QUANDO CUIDAR DO CORPO NÃO É SUFICIENTE: A DIMENSÃO EMOCIONAL DO CUIDADO DE ENFERMAGEM
RESUMO
O cuidado de enfermagem é tema central da prática e pesquisa em enfermagem. Tem sido desenvolvido e aperfeiçoado ao longo do tempo por meio de teorias capazes de direcionar as ações do enfermeiro. Objetivou-se discutir a dimensão emocional do cuidado de enfermagem a partir das teorias de enfermagem, da dimensão emocional do cuidado de enfermagem e do trabalho emocional do enfermeiro. As teorias de enfermagem indicam o aspecto emocional ou subjetivo do cuidado e reconhecem nesses valores o maior mérito do agir profissional. A enfermagem, como ciência do cuidar, não pode permanecer indiferente às emoções humanas, pois o processo de cuidar é relacional. As emoções estão sempre presentes nas relações de cuidado e conferem humanidade às ações de enfermagem. O trabalho emocional se faz necessário no cotidiano do enfermeiro, pois ao mesmo tempo em que este precisa se aproximar do indivíduo para cuidar, deve se proteger de emoções negativas que interferem em seu equilíbrio emocional ou na qualidade da assistência. Concluiu-se que a dimensão emocional do cuidado de enfermagem perpassa por diversas esferas do trabalho do enfermeiro e recruta habilidades como sensibilidade, empatia, profissionalismo e gerenciamento de emoções.
Main Text
INTRODUÇÃO
O cuidado é para a enfermagem a essência de suas práticas e o objeto de estudo de suas teorias. É seu aspecto predominante e o que a distingue das demais profissões na área da saúde. Pode ser definido como arte, técnica, intuição e sensibilidade.1
No princípio, as atividades de cuidado da enfermagem pouco se diferenciavam do cuidado humano, familiar e afetivo, pois a prática era caracterizada por um fazer instantâneo, não planejado, não padronizado. Cada um desenvolvia sua forma própria de cuidar, distanciada da técnica e de qualquer fundamentação teórica.
Em tempos mais recentes, a enfermagem buscou aprimorar-se e encontrar definições que tornassem sua prática singular. Assim, estabeleceu um corpo de conhecimentos específicos que a caracterizou como profissão e como ciência. Hoje a enfermagem pode ser definida como ciência e arte que se volta para as questões físicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais do ser humano. Como ciência baseia-se em uma estrutura teórica ampla, e como arte é expressa nas habilidades dos enfermeiros de cuidar.2
O ser humano, como objeto de cuidado da enfermagem, é entendido como um ser biopsicossocial, constituído de corpo, alma e espírito, que precisa ser cuidado em toda sua complexidade. Entretanto, atender a toda a complexidade humana constitui-se para o enfermeiro um desafio, pois suas demandas nunca cessam nem poderão ser atendidas por completo.
O cuidado precisa ir além da visão reducionista de assistência ao doente ou à doença, mas ter em foco a saúde sob uma perspectiva holística.3 Por isso, torna-se impensável prestar-lhe cuidado humano e integral sem considerar os aspectos subjetivos de sua humanidade. Durante o processo de adoecimento, quando surgem fragilidades, medos, ansiedades e desconfortos, a atenção à dimensão emocional do ser humano se faz mais necessária.
Para cuidar na perspectiva da saúde emocional, o enfermeiro deve se deslocar da postura de quem já tem respostas prontas para os problemas de saúde dos indivíduos. Muitas vezes é preciso renunciar à fala, à justificativa, ao desejo de explicar, de convencer e de ser aquele que soluciona o sofrimento do outro. Mais que isso, as pessoas carecem de cuidado individualizado, implicado, profundo. Precisam de um profissional que permanece ao lado, que inspira confiança e que, além de conhecimento científico, também tem carisma, amor, compaixão.
Na disciplina "Análise crítica dos cuidados clínicos em enfermagem e saúde" do Programa de pós-graduação em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde, discutiram-se os aspectos teóricos do cuidado de enfermagem e suas diversas dimensões. A dimensão emocional do cuidado de enfermagem sobressaiu-se pela necessidade cotidiana dessa competência na prática clínica. Observou-se que o enfermeiro precisa lidar diariamente com pessoas em sofrimento físico e/ou psíquico, liderar a equipe de enfermagem e ainda gerenciar as próprias emoções para prestar assistência/gerência de qualidade.
Ao entender a importância e a existência de uma base científica que fundamenta o cuidado emocional realizado pelo enfermeiro, objetivou-se discutir a dimensão emocional do cuidado de enfermagem a partir das teorias de enfermagem, da dimensão emocional do cuidado de enfermagem e do trabalho emocional do enfermeiro.
Direcionamento do cuidado emocional através das teorias de enfermagem
Historicamente, o enfermeiro tem dado pouca atenção aos elementos emocionais de sua prática.4 Contudo, as teorias de enfermagem fornecem à profissão um arcabouço que redireciona o olhar profissional para identificação das necessidades de cuidado e reorientam sua prática.
As teorias de enfermagem e a produção científica delas decorrente tem se voltado enfaticamente para questões ligadas à "humanização" do cuidado, em vistas a atender o cliente de forma global, de maneira mais próxima e solícita quanto possível e, assim, viabilizar uma atenção de qualidade.
Uma das teóricas pioneiras na mudança desse paradigma foi a enfermeira psiquiátrica Hildegard Elizabeth Peplau. Na década de 40, construiu a Teoria das Relações Interpessoais, na qual permitia ao enfermeiro transcender os cuidados físicos e passar a abordar um cuidado singular e subjetivo ao sofrimento psíquico. Passa a considerar o paciente não mais como objeto de sua prática e sim como um sujeito, ativo em sua produção de vida.
Peplau definiu o cuidado de enfermagem como uma relação interpessoal entre enfermeira e cliente, a qual fornece aprendizagem e crescimento pessoal a ambos. Nessa relação, a enfermeira utiliza seus conhecimentos especializados para auxiliar a pessoa enferma em suas necessidades.5
Já Madeleine Leininger criticou os ideais meramente positivistas de saúde/doença que orientavam as pesquisas e práticas de enfermagem da sua época. A partir da crença de que o cuidado é a essência da enfermagem e seu foco principal, dominante e unificador, influenciou profundamente a profissão e propôs que o cuidado fosse estudado sob a perspectiva humanista, filosófica e social.1
Além de Leininger, outras teóricas foram influenciadas pelas ciências humanas e propuseram o cuidado sob esse prisma em suas teorias, entre elas se destaca Watson, que afirmou que a prática do cuidado é o centro ou a essência da enfermagem e ocorre com base nas relações interpessoais permeadas por emoções, sentimentos, afeto e aceitação, resultando na satisfação de necessidades humanas.6
Também para Joyce Travelbee, a relação pessoa a pessoa é a base para um cuidado singular. A partir da relação interpessoal proporciona-se um ambiente harmonioso que oportuniza a compreensão do significado da doença e a superação do sofrimento por ela causado.7
Estas, entre tantas outras teorias de enfermagem, realçam o aspecto emocional ou subjetivo do cuidado, reconhecendo nesses valores o maior mérito do agir profissional.
A dimensão emocional do cuidado de enfermagem
A dimensão emocional do cuidado de enfermagem perpassa por diversas formas de cuidar. É de difícil identificação na literatura quando buscada pelo termo dimensão emocional, mas facilmente encontrada em referência ao cuidado subjetivo ou emocional. Pode ser definida como aquela que vai além do tratamento do corpo e acontece no encontro entre duas pessoas, em que uma delas busca atender às necessidades da outra se utilizando de instrumentos científicos e, principalmente, de um posicionamento sensível e humano.
É preciso existir uma inter-relação entre o cuidado científico objetivado e o cuidado subjetivo, afetivo e implicado. Este último inclui um olhar atento aos diversos aspectos da humanidade, pois além de um fazer técnico fundamentado em princípios científicos, precisa estar envolvido em ternura e respeito.
Entre as habilidades que os enfermeiros são estimulados a cultivar no exercício do cuidado, estão: empatia, amor, devoção, compreensão. Ou seja, tudo aquilo que os ligue emocionalmente aos sujeitos foco do cuidado.
A enfermagem, como ciência do cuidar, não pode permanecer desligada ou indiferente às emoções humanas, pois o processo de cuidar é relacional e as relações são um meio de comunicação e libertação de sentimentos humanos.6
As emoções sempre estão presentes nas relações de cuidado e conferem humanidade às ações de enfermagem, pois o cuidar só existe à medida que existe envolvimento, interesse e engajamento ao buscar conhecer o sujeito.
A arte de cuidar pressupõe empatia, ou seja, o envolvimento e a participação na experiência do outro, a compreensão dos significados e vivência de seus sofrimentos e angústias por solidariedade.1
O atendimento de enfermagem a pacientes em situações de saúde complicadas requer do enfermeiro disposição e equilíbrio que o permitam oferecer apoio e conforto além dos cuidados básicos de saúde.
Em situações em que a cura não é mais uma possibilidade, o cuidado emocional se faz ainda mais necessário. Por isso, a atenção à dimensão emocional do paciente deve assumir, juntamente com o exímio controle de dor e sintomas, papel central na assistência oferecida pelos profissionais de saúde.8
O potencial terapêutico do envolvimento interpessoal entre enfermeiros e pacientes é um possível espaço de intervenção e escuta, uma vez que a enfermagem é a profissão cuja característica prioritária é a permanência junto ao paciente para o qual se desenvolve o cuidado. Realizar um cuidado de enfermagem a partir de uma dimensão emocional implica ir além do obvio. É ser capar de detectar e reconhecer o subjetivo por trás das palavras e estar atento e sensível a cada gesto, olhar e expressão.
A atenção às necessidades mais elevadas do ser humano requer escuta ativa e interações mais prolongadas que permitam a formação de relacionamento terapêutico, vínculo e confiança. Assim, os cuidados de atenção à saúde são reajustados de forma que o indivíduo se torna centro do processo de cuidado, participando de seu planejamento e execução.9
O trabalho emocional do enfermeiro
Em diferente perspectiva, uma análise sobre a noção de cuidado de Paul Ricoeur identificou a necessidade de arrancar a simpatia da tendência a uma afetividade sem limites, que não reconhece onde termina o "eu" e começa o "outro". Afirma que para ser empático deve-se evitar perder-se no outro ou absorvê-lo em nós mesmos, como se sua dor e seu sofrimento fossem também nossos. Deve-se então compreendê-lo e partilhar suas alegrias e sofrimentos como vivências dele, e não nossas.10
Portanto, ao mesmo tempo em que o enfermeiro se aproxima do sujeito para conhecer sua individualidade e necessidades, a fim de prestar um cuidado significativo, e busca envolver-se emocionalmente para oferecer conforto verdadeiro, por outro lado precisa desenvolver uma camada protetora contra emoções negativas que interferem em seu equilíbrio emocional ou mesmo na qualidade do seu cuidado.
Esse ir-e-vir emocional causa aos enfermeiros desgastes emocionais e estresse que precisam ser gerenciados. Por isso, é importante considerar a dimensão emocional do cuidado, sem se esquecer de cuidar das próprias emoções.
Ao lidar diariamente com a situação de saúde e com os contextos emocionais e significados desse adoecer para o cliente, além de ter que lidar com as próprias emoções pessoais, o enfermeiro precisa aprender a gerenciar as emoções geradas no ambiente de trabalho pelo ato de cuidar.11
Quando esse gerenciamento de emoções falha, os profissionais acabam experimentando as respostas emocionais do sofrimento dos outros. Para tanto, precisam considerar o trabalho emocional como parte do serviço, para que se mantenham emocionalmente estáveis e possam continuar a cuidar do outro.12
O trabalho emocional é definido como a indução ou supressão de sentimentos, a fim de manter uma aparência exterior que produz nos outros uma sensação de segurança e bem-estar ao ser cuidado. Caracteriza-se pelo contato face a face e pela voz, com o uso da linguagem verbal e não verbal, intencionando suscitar no outro boas emoções.4
A estratégia facilita a relação entre o enfermeiro e o paciente e possibilita um processo de trabalho mais fluido e prazeroso. Consiste em uma habilidade a ser treinada para que o trabalhador exerça controle sobre suas próprias emoções e sobre as emoções do paciente.
Apesar do manejo de emoções não ser uma atitude bem-vista socialmente, o trabalho emocional precisa ser considerado uma realidade necessária ao bom andamento dos serviços de enfermagem. Pois o lidar diário com pacientes, acompanhantes e colegas de trabalho aflora emoções diversas no profissional, que muitas vezes são contraditórias e prejudicam o clima organizacional.
Estudos sobre o trabalho emocional não têm sido frequentes, pois muitos dos profissionais de enfermagem consideram as emoções que acompanham o trabalho em saúde como inerentes à assistência, e por isso silenciam a seu respeito.13
De fato, o aflorar de emoções diante de diversas situações vivenciadas no dia a dia da enfermagem é o resultado natural de sua humanidade. Mas a gerência dessas emoções é um desafio que permitirá ao enfermeiro permanecer emocionalmente saudável diante da exposição frequente ao sofrimento humano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A enfermagem tem estado à frente das reflexões de cuidado com base em ideais humanistas que o colocam como centro de seu processo produtivo e consideram o homem como um ser singular e complexo.
O aprimoramento do cuidado de enfermagem é uma busca intensificada ao longo dos anos. O cuidado passa a ser definido de diversas formas, mas predominantemente como um ato humano, com aspectos subjetivos e objetivos interligados.
O cuidado com as emoções humanas é tema recorrente nas teorias de enfermagem, que buscam resgatar e redirecionar a prática do enfermeiro. Ao reconhecer o homem como um ser complexo, o cuidado oferecido precisa ser integral e as emoções humanas não podem ser excluídas do processo.
Em sua prática profissional, o enfermeiro se depara com situações de vida e de saúde que precisam ser acolhidas e cuidadas com respeito e sensibilidade. A atenção às emoções e outras questões subjetivas do cuidado de enfermagem tornam-se mais importantes diante de situações complicadas de saúde, nas quais não há mais recursos que possibilitem a cura.
Ao prestar cuidado, o enfermeiro deve primeiro lidar com as próprias emoções, nascidas no processo de cuidar, para só então buscar gerar no outro emoções positivas que o ajudem na aceitação ou superação do processo de adoecimento.
Portanto, a dimensão emocional do cuidado de enfermagem requer que o enfermeiro encontre o equilíbrio entre o envolvimento com o cliente objeto do cuidado e a proteção das próprias emoções, em uma aproximação e distanciamento contínuos em que o trabalho emocional se torna necessário.
RESUMO
Main Text
INTRODUÇÃO
Direcionamento do cuidado emocional através das teorias de enfermagem
A dimensão emocional do cuidado de enfermagem
O trabalho emocional do enfermeiro
CONSIDERAÇÕES FINAIS