O dispositivo de medicalização na Educação e a produção do sujeito medicalizado: notas sobre a supressão da diferença na escola
Publicado 03-10-2024
Palavras-chave
- medicalização,
- governamentalidade biopolítica,
- sujeito medicalizado,
- filosofia da diferença,
- educação
Como Citar
Copyright (c) 2024 Débora Santos da Silva, José Luís Ferraro
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Resumo
O dispositivo da medicalização, situado em um contexto de primazia da racionalidade neoliberal, tem atravessado enunciados discursivos e práticas em educação. O alastramento do saber-poder biomédico às demais esferas da vida social, por sua vez, acaba por reduzir as subjetividades ao seu caráter biologizante, suprimindo singularidades e quaisquer possibilidades de potencialização da existência. A partir disso, este artigo propõe uma problematização voltada à compreensão das formas de produção do sujeito medicalizado e da insurgência de um dispositivo de medicalização que suprime a diferença, além de apontar a necessidade da produção de resistência para a garantia de subjetividades dissidentes. Indica-se, assim, a emergência de uma normatividade que preconiza a cisão normal/patológico em relação àquilo que é considerado como “boa” conduta, traduzida a partir de entidades nosológicas psiquiátricas. Ainda, observa-se a presença da diferença caracterizada como desvio às normas estabelecidas, o que permite conjugar o dispositivo da medicalização e suas tecnologias de poder, como os diagnósticos e medicações. Por fim, sugere-se a reafirmação da diferença como forma de contraconduta ao saber-poder biomédico, além do questionamento à medicalização como nova normalidade, configurada como dispositivo de controle social.
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