CHAMADA / CALL FOR PAPERS (abril-2026) - O que podem a arte e a literatura frente à crise socioecológica?

2024-09-28

Proposta de dossiê para a revista Caligrama

 

Organizadores:

Elisa Maria Amorim Vieira (FALE∕UFMG)

Lia Araújo Miranda de Lima (FALE∕UFMG)

Sérgio Luiz Gusmão Gimenes (Faculdade de Letras∕UEMG)

 

O que podem a arte e a literatura frente à crise socioecológica?

 

Ao percorrermos textos literários, ensaios historiográficos, tratados científicos e obras das artes visuais de diferentes períodos, podemos constatar que ameaças e violências contra a natureza têm sido uma constante na trajetória humana sobre o planeta nos últimos séculos. A invasão europeia ao continente americano, por exemplo, não só significou o genocídio de povos ameríndios, mas também a degradação de amplas regiões e de ecossistemas vários, assim como a disseminação da mineração em larga escala e a inserção de espécies de origem exógena, com consequências nocivas que ecoam até os dias atuais.

A partir do final do século XVIII, o advento da indústria e a consolidação das formas capitalistas de produção acentuaram exponencialmente a deterioração socioecológica, estabelecendo a dominação paulatina da lógica predatória do capital sobre todas as regiões do globo. A complexificação das relações produtivas e, por conseguinte, da sociabilidade passou a produzir uma alienação crescente do ser humano para com a natureza de que é parte, o que fez com que o homem viesse a ser, cada vez mais, um estranho também para si mesmo. Sob essa perspectiva, tornou-se — e torna-se — cada vez mais patente o papel do avanço predatório do capital na dissociação material e cultural entre humanos e natureza, assim como a hostilidade desse modo de produção, denunciada desde o romantismo, para com a arte em geral e a literatura em específico. Nesse panorama, a consolidação de um projeto civilizatório baseado na mercadoria se processa à custa de um progressivo empobrecimento humano e natural, delineando a contradição insolúvel entre a insaciável e potencialmente ilimitada acumulação capitalista e os limites orgânicos do planeta Terra e dos próprios homens que dele dependem.

As últimas décadas, marcadas por crimes e tragédias como Chernobyl, os rompimentos de barragens da mineração em Bento Rodrigues/MG e Brumadinho/MG, a pandemia da Covid-19, os incêndios na Amazônia e no Pantanal, dentre inúmeros outros, nos colocam diante de paisagens distópicas, da constatação de perdas irreparáveis e da percepção do perigo iminente. Nas reflexões contemporâneas, que abarcam o período intitulado por alguns de Antropoceno e, por outros, Capitaloceno, entre outras definições, os imaginários em torno da natureza são perpassados por experiências de catástrofes e permeados pelo trauma e pelo sentimento de devastação. A natureza submetida a constantes processos de violência torna-se, assim, desnatureza.

De outra parte, a literatura e as artes, por diferentes caminhos, não têm se mostrado alheias à realidade com que nos defrontamos e tanto em sua produção quanto em sua crítica e reflexão teórica parecem ter muito a dizer. Em face desse cenário, algumas perguntas surgem: de que forma a literatura e as artes se colocam diante da crise socioecológica? De que maneira são afetadas? Como a arte e a literatura contemporâneas podem conjugar individual e coletivo, singular e universal, para fazer com que as grandes questões ecológicas que colocam em xeque a própria continuidade da existência humana e de inúmeras outras espécies no planeta sejam assimiladas pelas coletividades não só como consciência, mas como práxis transformadora? E ainda: possui a arte esse poder?

Sob essa perspectiva, convidamos pesquisadoras e pesquisadores a contribuir com a presente proposta de dossiê, submetendo trabalhos que focalizem o entrelaçamento entre, de um lado, a literatura e as artes em geral e, de outra parte, as reflexões, as críticas e as formulações acerca da crise socioecológica estrutural em que nos vemos imersos, em diálogo com diferentes perspectivas e conceitualizações que se proponham a pensá-la: ecocrítica, decolonialismo, anticolonialismo, cosmovisões indígenas e de povos tradicionais, ecossocialismo, pensadores do Antropoceno, do Capitaloceno e de conceitos contíguos.