Uma assinatura de Eça: a retórica da visualidade em A Relíquia
DOI:
https://doi.org/10.17851/2359-0076.18.23.155-170Abstract
Neste artigo pretendo levar a cabo uma releitura de A Relíquia
de Eça de Queiroz (bem como de algum do discurso crítico
que em Portugal tem surgido sobre a mesma obra) através de
uma problematização daquilo a que chamo a retórica da
visualidade. A crítica tem sido especialmente desatenta em
relação a motivos estético-literários derivados da esfera da
visualidade, introduzidos por Eça de Queiroz com uma
veemência que me leva crer ser em tudo menos acidental.
Tendo referido três desses motivos, o voyerismo, a visão onírica
e a visão alegórica, o meu artigo centra-se todavia apenas
neste último, por me parecer encerrar um maior grau de
complexidade, relativa às ideias da narrativa, à relação dessas
ideias com a estrutura do texto, mas também ao nível mais amplo do projecto estético-ideológico do escritor no Portugal de oitocentos e até o da cultura portuguesa em geral. Este motivo da visão alegórica cruza-se com o topos clássico do deserdado, mas também, e isto parece-me de particular importancia, com a linguagem da filosofia, que na narrativa de Eça surge como que num quiasmo, ou numa “coincidentia oppositorum”: Eça pretende, através da paródia da filosofia, manter-se a salvo da tentação de fazer filosofia. Mas, como sabemos pelo menos desde Aristófanes, a paródia da filosofia é sempre e ainda a mesma filosofia mais a sombra da sua culpa. Ainda aqui, é ainda de uma certa visão ou ausência dela que falamos, ainda que, por uma questão de espaço, não seja possível desenvolver a análise ao ponto que este assuntos certamente merecem. Este artigo insere-se num projecto mais vasto de releitura de um corpus de textos de Eça de Queiroz, do qual fazem parte, para além do texto mencionado, o conto “José Matias” e o livro Lendas de Santos.
In this article I intend to carry out a new reading of Eça de
Queiroz’s A Relíquia (and of some of the critical discourse
that has been produced in Portugal on this novel) through an
analysis of what I call the rhetoric of visuality. I have selected
three distinct motifs of visuality at play in the novel, although
I center my analysis on what I think is the most complex of
them: the “allegorical vision.” I think this motif both conceals
and conveys what the author had in mind as far as aesthetic
ideology and political ideals, as well as his vision of nineteenthcentury
Portugal and Portuguese culture in general. The motif
of allegorical vision should be read in conjunction with the
classical topos of the disowned, but also with “between the
lines” assumptions about philosophical discourse and
representation. This paper is part of a vaster project on a
corpus of Eça de Queiroz’s texts which includes, in addition
to the aforementioned novel, the short story “José Matias” and
the book Lendas de Santos.