Gramatofagia, mitofagia e consciência histórico-epocal na História Filosófica

uma análise teórico-literária

Resumen

A teorização sobre o romance antigo nas obras de Jacyntho Lins Brandão, especialmente em ‘‘A invenção do romance’’, mobiliza alguns conceitos teóricos que transcendem a mera análise formal da prosa ficcional e propiciam reflexões de natureza geral no âmbito das teorias das ciências humanas. O presente artigo pretende discutir a aplicação de uma destas categorias — gramatofagia — a certas formulações teóricas sobre a relação entre a mudança histórica, os gêneros literários e a teoria da mitologia na História Filosófica, do neoplatônico Damáscio. Escrita por volta de 515-525, a História Filosófica, também conhecida como ‘‘Vida de Isidoro’’, é um compêndio de narrativas em prosa sobre as vidas e desventuras dos filósofos das escolas de Atenas e Alexandria entre os séculos IV e V da Era Comum, e conjuga elementos dos gêneros biografia, história, patriografia e paradoxografia. Damáscio mobiliza uma série de topoi e símbolos da cultura pagã greco-romana em sua narrativa, criando uma espécie de laboratório poético e alquímico da paideia pagã em contraposição à paideia cristã que então se estabelecia como modelo epistêmico. A reflexão de Damáscio pode ser definida como gramatofágica ou ‘‘mitofágica’’ e constitui um bom exemplo teórico sobre como a narrativa em prosa da antiguidade tardia — ou pós-antiguidade — conjuga elementos de diferentes gêneros literários e poéticos ligados à expressão da herança mitológica greco-romana. À guisa de conclusão, defenderei a ideia embrionária de que o conceito de ‘‘gramatofagia’’ pode também ser qualificado como ‘‘mitofagia’’ em Damáscio, considerando a estreita relação entre os gêneros literários mobilizados por ele e a mitologia pagã, sendo uma importante ferramenta interpretativa para o historiador do neoplatonismo pós-plotiniano.