Rosa e a vida das plantas

a metafísica da mistura no Grande Sertão: Veredas

Autores

  • Renata Sammer Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

DOI:

https://doi.org/10.17851/2358-9787.27.3.103-134

Palavras-chave:

metafísica da mistura, poesia, ontologia, Guimarães Rosa, filosofia da natureza

Resumo

Resumo: O propósito deste artigo é investigar a filosofia da forma na escrita rosiana a partir das referências ao mundo natural encontradas no Grande sertão: veredas. Desse modo, busca-se não apenas iluminar a característica invenção rosiana, mas também descortinar uma metafísica, ou melhor, uma compreensão da metafísica que, em parte, afina-se com a contemporânea “virada ontológica”, que hoje instiga os estudos antropológicos, filosóficos e literários. Como identificado na ficção rosiana, a formulação de metafísicas distintas visa desconstruir a tradicional metafísica da representação de modo mais eficaz do que a crítica “pós-moderna” a ela dirigida. De fato, a variedade das espécies viventes que marca a escrita de Rosa termina por aproximar comparativamente metafísicas, perspectivas que se reúnem ao redor de um núcleo poético comum, “vital e irrepresentável” (ROWLAND, 2011, p. 18). Logo, este artigo privilegia a vida das plantas a fim de ressaltar a forma movente ou, ainda, o informe, que Rosa cultiva como ser da ficção. Como hipótese de trabalho, notamos que a variedade das formas das flores é aproximada do amor, assim compondo uma morfologia, e que a vingança, que conduz à guerra que entrecorta o mato, é o modo como essa cultura das formas moventes constrói sentidos e dá origem a novas formas. Como conclusão, veremos que a metafísica das plantas, tal como trabalhada no Grande sertão, ilumina a proposta filosófica de Rosa e coloca sua obra sob uma nova luz.

Palavras-chave: metafísica da mistura; poesia; ontologia; Guimarães Rosa; filosofia da natureza.

Abstract: The purpose of the present article is to investigate the philosophy of form in Rosian writing contained in the references to the natural world found in Grande Sertão: Veredas. Thus, we seek not only to illuminate the characteristic Rosian invention, but also to unveil a metaphysics, or rather an understanding of metaphysics which, in part, is tuned to the contemporary “ontological turn,” that presently instigates anthropological, philosophical, and literary studies. As identified in Rosian fiction, the formulation of different metaphysics aims to deconstruct the traditional metaphysics of representation in a more effective way than the “postmodern” critique addressed to it. In fact, the variety of living species that characterizes Rosa’s writings ends up comparatively approaching different metaphysics, perspectives that gather around a common, “vital and unrepresentable” (ROWLAND, 2011, p. 18) core. Thus, the emphasis given to the life of plants in this article seeks to emphasize the moving form or, likewise, what is formless, that Rosa cultivates as the nature of fiction. As a working hypothesis, we note that the variety in the form of flowers is approximated to love, thus composing a morphology, and that revenge, which drives the war that cuts through the bushes, is the way in which this culture of moving forms shapes new meanings and originates new forms. As a conclusion, we will see that the metaphysics of plants, as suggested in Grande Sertão, illuminates Rosa’s philosophical proposal and places his work under a new light.

Keywords: metaphysics of mixture; poetry; ontology; Guimarães Rosa; philosophy of nature.

Biografia do Autor

  • Renata Sammer, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

    Realiza Pós-Doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Brasil. Doutora em História Social da Cultura pela mesma instituição.

Referências

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Obras completas. Porto: Assírio & Alvim, 2015. p. 173.

BORGES, Jorge Luis. Tlön, Uqbar, Orbis Tertius. In: ______. Ficções. Tradução de Davi Arrigucci. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 13-33.

CARNEVALI, Barbara. Aisthesis et estime sociale: Simmel et la dimension esthétique de la reconnaissance. Terrains / Théories, Nanterre Cedex, n. 4, 19 ago. 2016. Disponível em: <http://teth.revues.org/686>. Acesso em: 20 fev. 2018.

CASSIRER, Ernst. Linguagem e mito. São Paulo: Perspectiva, 2011.

CASTRO, Eduardo Viveiros de. A inconstância da alma selvagem: e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2011. p. 183-264.

CASTRO, Eduardo Viveiros de. Cannibal Metaphysics. Tradução de Peter Skafish. Minneapolis: Univocal, 2014.

CASTRO, Eduardo Viveiros de. From the Enemy’s Point of View. Tradução de Catherine Howard. Chicago: University Press, 1992.

CASTRO, Eduardo Viveiros de. Metaphysics as Mythophysics: Or, Why I Have Always Been an Anthropologist. In: CHARBONNIER, Pierre; SALMON, Gildas; SKAFISH, Peter (Ed.). Comparative Metaphysics: Ontology after Anthropology. London, New York: Rowman & Littlefield, 2017. p. 249-274.

CASTRO, Eduardo Viveiros de. Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena. In: ______. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify, 2011.

COCCIA, Emanuele. La Vie des plantes: une metaphysique du melange. Paris: Éditions Payot & Rivages, 2016.

DEROCHE-GURCEL, Lilyane. Simmel et la Modernité. Paris: PUF, 1997.

DESCOLA, Philippe. Par-delà nature et culture. Paris: Gallimard, 2005.

DESCOLA, Philippe. Varieties of Ontological Pluralism. In: CHARBONNIER, Pierre; SALMON, Gildas; SKAFISH, Peter (Ed.).

Comparative Metaphysics: Ontology after Anthropology. London, New York: Rowman & Littlefield, 2017. p. 27-39.

DURKHEIM, Emile. A ciência social e a ação. Amadora: Bertrand, 1970.

GEHLEN, Arnold. Pour une systématique de l’anthropologie (1942). In: ______. Essais d’anthropologie philosophique. Paris: Éditions de la Maison des Sciences de L’Homme, 2009. p. 1-54.

GOETHE, Johann Wolfgang von. A metamorfose das plantas. Tradução, introdução, notas e apêndices de Maria Filomena Molder. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1993.

GOLDSCHMIDT, Victor. Le Paradigme dans la dialectique platonicienne. Paris: J. Vrin, 2003.

HANSEN, João Adolfo. O o: a ficção da literatura em Grande sertão: veredas. São Paulo: Hedra, 2000.

KOHN, Eduardo. How Forests Think: Toward an Anthropology beyond the Human. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 2013. Doi: https://doi.org/10.1525/california/9780520276109.001.0001

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Introdução à obra de Marcel Mauss. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify,

LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.

LÉVY-BRUHL, Lucien. Le Surnaturel et la nature dans la mentalite primitive. Paris: PUF, 1963.

MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003.

MOLDER, Maria Filomena. O pensamento morfológico de Goethe. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1995.

NUNES, Benedito. A matéria vertente. In: ______. A Rosa o que é de Rosa: literatura e filosofia em Guimarães Rosa. Organização de Victor Sales Pinheiro. Rio de Janeiro: DIFEL, 2013. p. 169-195.

NUNES, Benedito. O amor na obra de Guimarães Rosa. In: ______. A Rosa o que é de Rosa: literatura e filosofia em Guimarães Rosa.

Organização de Victor Sales Pinheiro. Rio de Janeiro: DIFEL, 2013. p. 37-77.

RICOEUR, Paul. A metáfora viva. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

ROSA, João Guimarães. Cara-de-Bronze. In: ______. Ficção completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009a, v. 1, p. 491-538.

ROSA, João Guimarães. Diálogo com Guimarães Rosa. In: ______. Ficção completa. Entrevista concedida a Günther Lorenz. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009b. v. 1, p. xxxi-lxv.

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. In: ______. Ficção completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. 2, p. 3-875.

Disponível em: <http://stoa.usp.br/carloshgn/files/-1/20292/GrandeSertoVeredasGuimaresRosa.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2018.

ROSA, João Guimarães. João Guimarães Rosa: correspondência com seu tradutor italiano Edoardo Bizzarri. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003.

ROWLAND, Clara. A forma do meio: livro e narração na obra de João Guimarães Rosa. Campinas: Editora da Unicamp; São Paulo: Edusp, 2011.

SALMON, Gildas. On Ontological Delegation: The Birth of Neoclassical Anthropology. In: CHARBONNIER, Pierre; SALMON, Gildas;

SKAFISH, Peter (Ed.). Comparative Metaphysics. Ontology after Anthropology. London, New York: Rowman & Littlefield, 2017, p. 41-60.

SIMMEL, Georg. Philosophie de l’argent. Tradução de Sabine Cornille e Philippe Ivernel. Paris: PUF, 1987.

SIMMEL, Georg. Philosophische Kultur. Berlim: K. Wagenbach, 1983.

SIMMEL, Georg. Sociologie: études sur les formes de la socialisation. Paris: PUF, 1999.

VALENTIM, Marco Antonio. Extramundanidade e sobrenatureza: ensaios de ontologia infundamental. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2018.

VALÉRY, Paul. Discours en l’honneur de Goethe. In: ______. Oeuvres. Paris: Pléiade, 1957. v. 1: p. 531-553.

VICO, Giambattista. A ciência nova. Tradução de Jorge Vaz de Carvalho. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2005.

WEBER, Max. A ciência como vocação. In: ______. Metodologia das ciências sociais. São Paulo: Cortez; Campinas: Ed. Unicamp, 1993. v. 2.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Tradução de José M. M. de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

Downloads

Publicado

2018-12-21

Edição

Seção

Dossiê: Olhares Contemporâneos sobre Guimarães Rosa