Um arado só lâmina. Trocadilho e revolta em Itamar Vieira Junior
DOI:
https://doi.org/10.17851/2358-9787.32.4.81-107Palavras-chave:
Torto Arado, trocadilho, literatura comparada, ecofeminismo, ecocríticaResumo
O objetivo deste artigo é uma análise e interpretação aprofundada do romance de Itamar Vieira Junior, Torto Arado (2018), baseada no exame das complexidades da construção textual e linguística da obra. O estudo parte de uma leitura cerrada do próprio título, explorando suas implicações intertextuais (Tomás Antônio Gonzaga, 1862; Osman Lins, 1973; Haroldo de Campos, 2016; Caetano Veloso). A observação da presença do “traço” sonoro “dor do arado” na sequência titular pauta a análise da narrativa, orientada hermeneuticamente. Mobilizamos ainda elementos da metodologia estruturalista (Lévi-Strauss, 1982) que permitem demonstrar paralelos na construção do romance com A paixão segundo G.H. (1964) de Clarice Lispector. Examinamos analogias entre as imagens do arado e da faca com a qual as protagonistas ferem-se as línguas. A faca, em paralelo com a barata clariceana, é vista como objeto perigoso colocado na boca num ritual de iniciação. Frisa-se também que tanto a faca como o arado podem ser entendidos como objetos mortíferos de metal cuja presença já encontra-se codificada na tradição literária do modernismo brasileiro (João Cabral de Melo Neto, 2008; Guimarães Rosa, 1988). O paralelismo leva-nos a examinar as implicações semânticas e políticas da aproximação entre as figuras de “ferir o corpo” (feminino) e “ferir a terra”. Refletimos sobre esta relação aludindo às últimas propostas eco- e geo-críticas (Wisnik, 2018) para elucidar o caráter subversivo – revoltoso – do romance estudado.
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