[Chamada para (in)submissões] Dossiê #11 - Animais políticos: animalidade, comunidade e o futuro do corpo político | Dossiê organizado por Carlo Salzani
Recebimento de trabalhos no formato de artigos científicos, ensaios, resenhas, entrevistas, textos literários, imagens ou outros formatos que reflitam sobre a temática, com prazo de envio até o dia 30 de junho de 2025.
Há dois milênios e meio, Aristóteles forneceu à filosofia política ocidental um modelo que estabeleceria as coordenadas que definem e organizam a política e a subjetividade no Ocidente: no Livro I de sua Política, ele definiu o “homem” (o masculino na tradução inglesa, ausente no grego anthropos, que sublinha a lógica excludente dessa tradição) como um politikon zōon, um “animal político”, enfatizando que a polis humana é uma forma natural de comunidade. O “homem” é o animal que vive na polis. Contudo, na História dos Animais, Aristóteles havia definido o “homem” político como um subconjunto de outros animais políticos, incluindo “o homem, a abelha, a vespa, a formiga e o grou” (I.1, 488a, 8-13). O que distingue o “homem” dos outros animais políticos, porém, é que ele o é “em maior grau do que as abelhas ou outros animais gregários” (Política I.2, 1253a, 7), e isso porque “somente o homem, entre os animais, é dotado da faculdade do logos.” Se todos os animais possuem a capacidade de emitir sons (phōnē), que “serve para indicar prazer e dor,” a peculiaridade do homem é a linguagem (logos), que “serve para declarar o que é vantajoso ou prejudicial,” proporcionando, assim, “a percepção do bem e do mal, do justo e do injusto” (I.2, 1253a, 10-18).
Se política e biologia já estão entrelaçadas nessa definição, a posse do logos funciona, no entanto, como um aparato excludente que exclui a phōnē, isto é, a animalidade (incluindo a animalidade humana), da comunidade humana e do corpo político. E este é o ato fundante da polis humana que caracterizará a filosofia política ocidental até o final do século XX. De acordo com teorias biopolíticas, essa estrutura – com a separação entre animalidade e comunidade política – colapsa quando, na modernidade tardia, a vida biológica começa a ser incluída como o foco principal das estratégias políticas, e o “corpo político” deixa de ser uma metáfora e se torna uma descrição literal. Vida e corpo estão agora no centro da política. A definição contemporânea de “animal político” enfatiza não apenas a “animalidade” do político, mas também abre o “político” a outras formas de corporificação não humanas. As interseções progressivas entre etologia, ciências da vida, filosofia e política levaram à adoção do rótulo “político” para mais e mais comunidades não humanas, começando com o trabalho seminal de Frans de Waal, Chimpanzee Politics (1982). Hoje, é amplamente aceito que a política humana é apenas uma das muitas formas específicas de espécie de articular a natureza comunitária dos animais sociais.
Se essas transformações históricas tiveram um impacto significativo na filosofia política, proporcionando-lhe uma espécie de “virada animal (ou biopolítica)”, elas também influenciaram projetos filosóficos que buscam estender aos animais não humanos as considerações e proteções antes reservadas aos humanos, conferindo uma “virada política” à ética animal e aos estudos sobre animais. Se, até o início da década de 2010, o foco desses projetos estava quase exclusivamente na ética e no status moral dos animais não humanos, questões políticas agora ganham destaque, questionando o lugar e o papel não apenas da animalidade (humana), mas também dos animais não humanos na teoria e prática das comunidades ampliadas e no corpo político multiespécies. O rótulo “animais políticos” torna-se, assim, um convite para a reinvenção radical das próprias ideias de comunidade e política que herdamos da tradição ocidental.
Esta edição da revista (Des)troços convida contribuições que abordem um ou mais desses fios entrelaçados, desde o lugar dos animais e da animalidade na filosofia política tradicional, passando pelas transformações de seus papéis operadas pelas teorias biopolíticas, até a “virada política” em curso na ética animal.
Além deste dossiê temático, a revista (Des)troços aceita submissões gerais contínuas relacionadas ao pensamento radical e à linha editorial da revista, conforme descrito em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistadestrocos/about. As contribuições devem ser enviadas pelo sistema OJS, seguindo as regras de submissão de textos (https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistadestrocos/about/submissions) até 30 de junho de 2025. Não se aplicam exigências de titulação para autores de produções artísticas, cujas contribuições serão avaliadas exclusivamente pelo comitê editorial. Os textos serão revisados pelo comitê editorial e por meio de avaliação cega por pares. Uma vez aprovados, os textos e imagens serão publicados na 11ª edição da revista, prevista para o segundo semestre de 2025.
Por fim, como parte das nossas políticas de internacionalização, que visam ampliar ao máximo a circulação dos textos publicados na (Des)troços, os melhores artigos submetidos em línguas estrangeiras serão traduzidos para o português, enquanto os melhores artigos submetidos em português receberão tradução para o inglês. Essas traduções são possíveis graças ao financiamento da FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais), a quem agradecemos.
Dossiê organizado por Carlo Salzani | Carlo Salzani é pesquisador visitante no Messerli Research Institute de Viena e membro do corpo docente do Paris Institute for Critical Thinking (PICT). Seus interesses de pesquisa incluem ética animal, estudos literários sobre animais, animais e política, e biopolítica. Suas publicações mais recentes incluem o livro Agamben and the Animal (2022) e o volume coeditado The Biopolitical Animal (2024).